Sinopse – O Vizinho Que Ela Amou Odiar
Julia Almeida só queria paz. Depois de se mudar para um novo prédio em São Paulo para ajudar a irmã com os gêmeos — e deixar pra trás um passado conturbado —, ela esperava uma vida tranquila, com café quente e vizinhos educados. Mas paz é exatamente o que ela não encontra quando bate de frente com Enzo Ferrari, o vizinho do 805. Literalmente.
Rabugento, sarcástico e com um corpo que parece ter saído direto de uma campanha de cueca, Enzo é o típico homem que Julia adoraria ignorar. Pena que o universo tem outros planos — e todos eles envolvem encontros desastrosos no elevador, vizinhança barulhenta, e uma menininha de cinco anos que pode ser mais esperta do que os dois juntos.
O que começa com farpas vira tensão, e o que era só irritação vira faísca. Mas Enzo não está pronto para amar de novo, e Julia jura que não se envolve com homens complicados. Uma promessa que será difícil de cumprir quando até o corpo dela parece ter vontade própria toda vez que ele aparece com aquela voz grossa e cara de mau.
Entre brigas, gargalhadas, e a convivência forçada, talvez o amor esteja exatamente onde ela menos esperava: na porta ao lado.
Capítulo 1 – Bem-vinda ao hospício
“Atenção, senhores passageiros, estamos iniciando nosso procedimento de descida ao Aeroporto de Guarulhos.”
Ah, São Paulo. Terra de trânsito infernal, metrô lotado e família desgraçada. Respirei fundo no banco apertado do avião, já sentindo minhas costas gritando por socorro. O ar-condicionado do avião parecia querer me transformar em picolé. Tremi, abracei os braços, e murmurei:
— Que saudade do calor do Brasil, um caralho.
Sete anos em Portugal, e eu volto pra isso? Um avião lotado, criança chorando na fileira da frente e um senhor que roncava como um trator bêbado ao meu lado. Mas tudo bem. Respira, Julia. Você tá voltando pra sua família.
Joyce. Minha adorável irmã mais velha. Adorável e surtada. Casou com o Leonardo, aquele ogro elegante, e agora tem dois capetinhas disfarçados de gêmeos: Lívia e Lucas. Cinco anos. Cabelinhos fofos, sorrisos encantadores e... personalidades de demônios.
— Ai, Ju, você que é formada em pedagogia, vem me ajudar, eu não aguento mais! — ela choramingou numa ligação semanas atrás.
— Joyce, você queria que eu fizesse medicina, lembra? Agora aguenta a pedagoga.
E cá estou eu. Voltei. Meus pais me deram tchau com os olhos marejados lá na padaria em Lisboa, entre croissants e cafezinhos. Minha mãe enfiou pão de queijo congelado na minha mala. Meu pai jurou que o Brasil estava perigoso demais. Ah, como se eu já não fosse enfrentar perigo: minha avó mora com minha irmã.
Dona Dolores. O terror da família. A mulher que criou filhos e netas com uma mão e um chinelo. Ela é rabugenta, intrometida, fala mais que narrador de novela mexicana e... eu amo aquela velha.
A turbulência me jogou contra o encosto da cadeira e eu fechei os olhos, apertando os cintos.
— Se essa merda cair agora, pelo menos eu morro antes de ouvir minha avó dizer “Eu avisei”.
Cheguei. Desci do avião com a alma amassada, o cabelo uma zona e a paciência no limite. O cheiro de pão de queijo da lanchonete me atingiu como uma bofetada de saudade. Sorri. Porra, Brasil. Nem te amo tanto, mas eu senti sua falta.
Peguei minha mala, quase arranquei o braço de um cara que tentou passar na minha frente na esteira, e peguei o Uber. Durante o caminho, o motorista falava sobre política e eu fingia escutar. Meus olhos grudaram nas ruas: tudo cinza, grafitado, agitado. Minha cidade.
Cheguei no prédio da Joyce. Bloco C, oitavo andar. Um prédio até bonitinho, meio antigo, com porteiro dormindo na guarita e elevador que fazia barulhos suspeitos. Entrei.
A campainha da casa deles tocou e ouvi gritos.
— EU CHEGUEI! — berrei do corredor.
— MEU DEUS, A JUJU! — era Joyce, com os cabelos bagunçados, uma caneca de café na mão e o olhar de quem não dorme há dias.
— Socorro! — sussurrei, entrando e sendo atacada por dois furacões.
— Você é a tia Juju? — perguntou uma menininha com trança torta e cara de quem apronta.
— Eu sou a bruxa que vai colocar ordem nessa porra.
Joyce riu. Minha avó apareceu atrás, com o avental sujo e uma colher na mão.
— Demorou, viu? Agora aguenta. Isso aqui é a herança de família.
Olhei ao redor. Brinquedos no chão. Um cheiro de bolo queimado misturado com desinfetante. O Leonardo apareceu na cozinha com cara de cansado e camisa manchada de suco. Me abraçou.
— Você veio mesmo. Bem-vinda ao hospício.
Suspirei fundo.
— Só falta uma plaquinha na porta.
Sentei no sofá, e antes que eu pudesse tirar o tênis, um dos gêmeos pulou no meu colo.
— Tia Juju, você vai dormir aqui pra sempre?
— Ainda não sei, pestinha... mas acho que vou precisar de um capacete, um colete à prova de balas e talvez... um pouco de cachaça.
E naquele instante, com todo mundo falando ao mesmo tempo, minha avó resmungando que o arroz passou do ponto, e os gêmeos berrando que queriam mostrar o dinossauro de brinquedo, eu soube.
Minha vida estava oficialmente... de volta ao caos.
Acordei com uma almofada na cara. Não era uma metáfora — era literalmente uma almofada. E uma risada infantil vindo logo depois.
— Levanta, dorminhoca! — gritou Lucas, pulando na cama como um cabrito hiperativo.— Te pego, moleque! — rosnei, ainda com um olho fechado e a boca seca.
apareceu do outro lado da cama com um travesseiro em riste, pronta pra mais um ataque. Estavam formando uma emboscada. Eu tava num campo de guerra.
— Gente, pelo amor de Deus… são o quê? Sete da manhã? — resmunguei, tentando puxar o cobertor.
— Já são oito, tia Júlia. — disse Lívia, com aquele tom de quem sabe que tá incomodando e adora.
Desisti. Me levantei parecendo uma zumbi desidratada e fui direto pra cozinha. O cheiro de café me guiou como um farol da salvação.
Joyce já tava lá, de avental, pão na torradeira e cara de quem já tinha vivido três turnos antes das nove.
— Eles acordaram pulando hoje, hein? — falei, pegando a caneca mais limpa da prateleira.
— Todo dia é isso. — ela respondeu. — Você vai se acostumar.
— Acostumar, não. Me adaptar pra sobreviver.
— Que bom que veio. — disse a vó, entrando na cozinha com um cigarro apagado no canto da boca. — Agora temos uma Supernanny oficial.
— Eu devia receber adicional de insalubridade por morar aqui. — retruquei, me servindo do café.
— Eu acho que você tá é com inveja. — Joyce sorriu, mexendo o achocolatado da Lívia. — Vai dizer que não sente falta de uma casa cheia?
— Sinto falta do silêncio. Isso eu sinto.
Leonardo entrou logo depois, camisa meio abotoada e cabelo ainda molhado. Parecia um CEO saído direto de uma sitcom.
— Na próxima leva de filhos, eles virão com a minha personalidade de CEO. — disse, se servindo de café como se estivesse num comercial.
— Só se for por cima do meu cadáver! — gritou Joyce da pia. — Depois desses dois, nem pensar. Fecha a fábrica, amarra os canos!
— Vocês terminam todo dia. — comentei, rindo.
— E voltam na mesma noite. — completou a vó, tampando os ouvidos. — Mas não quero ouvir essas baixarias! Que nojo, credo.
— Vó, o que é “baixaria”? — perguntou Lucas, encostado na porta.
— É o que sua mãe e seu pai vivem fazendo com os olhos um pro outro. — retruquei, tampando os ouvidos dele. — Finge que não ouviu.
— Eu não me admiro que a primeira palavra deles não tenha sido um palavrão. — falei.
— A primeira da Lívia foi “chocolate”, a do Lucas foi “tá bom”, mas com tom de deboche. — Joyce riu.
Lívia surgiu atrás do irmão, com os cabelos bagunçados e a camiseta do Hulk arrastando pelo joelho.
— Tia Júlia, você vai trabalhar com a gente agora?
— Com vocês, não. Vou ser professora. E vocês vão se comportar, porque agora eu sei tudo que vocês fazem.
— Mentira. — Lucas cruzou os braços. — Eu escondi um pirulito atrás da televisão ontem.
— Tá vendo? — falei, olhando pra mãe dele. — Já tô tirando confissão sem nem tentar.
Sentei no sofá e puxei a conversa com Leonardo, mais tranquila.
— E tua mãe, como tá?
Ele ficou sério por um segundo. O olhar foi pro chão.
— Tá bem agora. Depois de tudo o que aquele desgraçado fez… — ele pausou. — Ela só quer saber de viajar, curtir a vida. Vive indo pra praia, cachoeira, retiro de ioga. Já me mandou três fotos essa semana com um filtro de flores na cabeça.
Joyce olhou por cima do ombro.
— Depois de ter vivido com aquele canalha, ela merece o mundo. O que ela passou com teu pai foi criminoso.
— Literalmente. — Leonardo assentiu. — Foi preso. Cárcere privado, tentativa de homicídio, agressão. Se não fosse a Joyce meter a polícia na casa dele, ninguém ia ter feito nada.
— Eu tava com sangue nos olhos aquele dia. — Joyce falou, sem remorso.
— Eu lembro. — disse. — E fico grato até hoje.
A vó só assentiu em silêncio, mas deu um meio sorriso. Como quem sabia que, apesar de tudo, a gente tava inteiro.
— Então… — me virei pra Leonardo. — Como é que vai ser segunda?
— Eu te deixo na escola antes de ir pra empresa. Vai falar com a Socorro, a diretora. A vaga é pra professora do meio período. É fácil, os alunos adoram uma professora nova.
— Eles adoram testar professora nova, isso sim.
— Já começa ameaçando. — Joyce comentou, rindo.
— Vai ver, nasci pra isso. — disse, olhando pela janela da sala. Lá fora, o sol batia na grama, e os brinquedos estavam espalhados pelo quintal. Era uma bagunça viva. Barulhenta. Caótica. Mas com cheiro de lar.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu senti que era exatamente onde eu devia estar.
Se eu disser que acordei no meu primeiro dia de trabalho com disposição, eu estaria mentindo descaradamente. O despertador gritou às seis da manhã e minha alma respondeu com um sonoro "vai se foder". Mas levantei, claro, porque a adulta funcional em mim ainda existe — meio sonâmbula, mas existe.
Desci pra cozinha com o cabelo parecendo um ninho de corvo e dei de cara com minha avó fritando pão na chapa e dando bronca nos gêmeos por estarem correndo de cueca pela sala.
— Se vocês caírem e quebrarem os dentes, não sou eu que levo no hospital! — ela berrou, enquanto Lucas fazia a pose de super-herói em cima do sofá.
— Bom dia, hospício! — eu anunciei, pegando uma caneca de café como se fosse remédio controlado.
Leonardo apareceu com a camisa social meio aberta, ajeitando a gravata, e me entregou as chaves do carro.
— Te deixo na escola hoje, aproveito que é caminho da empresa.
Joyce, com a cara amassada ainda e a franja num estado deprimente, gritou da lavanderia:
— Lembra de falar com a Socorro, a diretora. Ela é gente boa, mas tem cara de quem já bateu em muito adulto folgado.
A escola Arco-Íris era enorme. Tipo, enorme mesmo. Aquilo não era só escola, era um pequeno condomínio de luxo com cheiro de canetinha nova e criança rica.
A fachada era toda colorida — literalmente um arco-íris — e eu já imaginei o tanto de birra e drama que devia ecoar por aqueles corredores. Ao descer do carro, Leonardo sorriu e piscou:
— Boa sorte, SuperNanny.
— SuperNanny o caralho — respondi. — Vou é enfiar giz na orelha da primeira peste que cuspir bala no chão.
Na recepção, fui recebida pela diretora Socorro. Uma mulher de uns cinquenta e poucos anos, cabelo ruivo tingido, coque impecável e um vestido azul-marinho que dizia “sou elegante, mas meto esporro”.
— Você é a irmã da Joyce, né? Já ouvi falar bastante. Entra, vamos te mostrar tudo.
Conheci a sala dos professores — com um cheiro delicioso de café e biscoito amanteigado. O banheiro dos professores parecia mais limpo do que quarto de hospital, e a sala de aula... Bom, era uma graça. Mesas coloridas, livros organizados, um mural cheio de desenhos e cartinhas grudadas com glitter.
Quando bati o olho na lista, lá estavam: Lucas Almeida, Lívia Almeida e Beatriz Tavares.
Na hora da entrada, uma enxurrada de crianças invadiu a sala. Os gêmeos correram até mim como se eu fosse um parque de diversões ambulante.
— Tia Júlia!!! — gritaram os dois em uníssono, me agarrando pelas pernas.
— Ô meus pestinhas preferidos... vamos fingir que não somos parentes aqui dentro pra não pegar mal, beleza?
Lívia assentiu muito séria. Lucas me olhou desconfiado:
— Então posso te chamar de “tia chata” igual eu chamo a professora de música?
— Pode, mas só se eu puder te chamar de “mini capeta”. Fechado?
Eles riram. E foi aí que notei a menina do outro lado da sala, sentadinha, com dois coques no cabelo, tiara de borboleta e um sorrisinho tímido.
— Oi, professora. Eu sou a Beatriz. Mas todo mundo me chama de Bia.
— Oi, Bia! Muito prazer.
— Eu fiz uma cartinha pra você. Mas só pode abrir no final da aula.
O coração deu uma aquecida. Aquela criança parecia saída direto de um comercial de margarina. E eu, que sou uma rocha emocional, já tava quase chorando por causa de um papel com glitter.
A aula passou voando entre pinturas, contação de histórias, briga por lápis de cor e Lucas tentando enfiar um lápis no nariz “pra ver até onde vai”.
Quando bateu o sinal do fim do turno, Bia veio até mim com a cartinha nas mãos.
Um papel rosa, escrito com canetinha azul:
“Querida professora, bem-vinda à nossa sala. Espero que você goste da gente. Eu já gostei de você. Beijos da Bia.”
Sim, eu chorei. Mas escondido, no banheiro dos professores, sentada na privada, abraçada ao papelzinho.
E naquele momento, eu soube que, mesmo sendo o hospício que é, eu tinha voltado pra casa.
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