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A Doce Patricinha do Morro

Capítulo 1 – O Brilho Antes da Tempestade

Capítulo 1 – O Brilho Antes da Tempestade

Cíntia Moreira vivia como uma princesa moderna. O apartamento espaçoso e elegante no bairro nobre da cidade era seu castelo. As paredes em tons claros, os móveis sofisticados e os arranjos de flores frescas espalhados pelos cômodos mostravam o cuidado e o amor que seus pais tinham pelo lar e por ela. Seu pai, Dr. Henrique Moreira, era um renomado cardiologista, respeitado e querido por todos. Sua mãe, Elenice, era doce, firme, e extremamente protetora com a filha.

Cíntia era filha única e não escondia a paixão que sentia pela medicina. Sempre que podia, sentava-se no consultório do pai para ouvi-lo falar sobre o coração, sobre pacientes, sobre salvar vidas. Aos dez anos, ela já dizia com convicção:

— "Pai, quando eu crescer, vou ser médica igual a você. Vou cuidar das pessoas e salvar muitas vidas."

Henrique sorria, acariciando os longos cabelos pretos da filha.

— "E vai ser uma médica incrível, minha princesa. Já tem coração de sobra."

As manhãs eram sempre alegres na casa dos Moreira. Elenice preparava panquecas com frutas, enquanto Henrique lia o jornal na varanda, chamando Cíntia para sentar no colo dele e comentar as manchetes do dia, mesmo que ela ainda não entendesse quase nada.

A vida dela era leve. Tinha aula de balé duas vezes por semana, nadava no clube aos sábados e gostava de brincar com suas bonecas em um quarto decorado em tons de rosa e dourado. Mas, mesmo com tanto conforto, o que Cíntia mais valorizava era o amor da sua família.

Todo fim de semana, seu tio Augusto — irmão da sua mãe — aparecia para visitar a irmã. Ele vinha com sua esposa, Vera, e com a filha deles, Paula. E era aí que as coisas mudavam de cor. Paula, dois anos mais velha que Cíntia, era insuportável. Sempre reclamava de tudo, criticava as roupas da prima, zombava de sua voz delicada e até implicava com suas bonecas.

— "Sério que você ainda brinca com isso, Cíntia? Com essa sua voz fina? Parece uma criança mimada" — dizia Paula, revirando os olhos.

Cíntia apenas sorria educadamente, como sua mãe sempre ensinou, mesmo que por dentro sentisse raiva. Seu tio Augusto era diferente. Ele sempre trazia chocolates para a sobrinha e a chamava de “minha pequena doutora”. Era carinhoso e a fazia rir com suas histórias engraçadas da juventude.

— "Essa menina vai longe, viu, Elenice?" — dizia ele para a irmã. — "Tem brilho no olhar. E se puxar o Henrique, vai ser um gênio da medicina."

A mãe de Cíntia sorria orgulhosa e abraçava a filha.

— "Ela já é meu maior orgulho."

As noites terminavam com Cíntia deitada entre os pais, ouvindo histórias que misturavam contos de fadas com casos engraçados do hospital. A menina dormia embalada pelas vozes suaves que amava, sonhando com jalecos brancos e corações sendo salvos por suas mãos pequenas.

Na escola, ela era educada e reservada, mas muito querida pelos professores. Todos elogiavam sua educação, sua curiosidade, e o jeito doce de tratar os colegas. Cíntia crescia cercada de tudo o que uma criança poderia desejar: amor, segurança, educação de qualidade e a certeza de um futuro brilhante.

Mas a vida, como o tempo, pode mudar em um sopro. E aquele brilho todo que iluminava seus dias... estava prestes a se apagar de forma cruel e irreversível.

cintia

pai da Cíntia

mae da Cíntia

tio da Cíntia

tia da Cíntia

prima da Cíntia a Paula

Capítulo 2 – Olhares e Primeiras Impressões

Capítulo 2 – Olhares e Primeiras Impressões

Pedro tinha 14 anos e já carregava nos olhos a malícia da vida. Cresceu com os avós no alto do morro, longe dos mimos e regalias que muitos adolescentes sonhavam. Seu Otávio e dona Marieta eram simples, mas davam a ele o que podiam: comida no prato, roupa lavada e conselhos que vinham no grito, mas sempre com amor.

— “Tu não é qualquer um, Pedro. Não se perde por aí, moleque”, dizia o avô, com o cigarro no canto da boca.

Pedro já era parceiro de Rafael e Renato, os dois mais ousados do bairro. Vivia grudado com eles desde os dez anos. Era com eles que ele dividia as aventuras, o futebol na laje, as correrias pelas vielas e os planos mirabolantes que quase sempre davam errado. Mas era aquela bagunça que fazia sentido na vida dele.

Naquela tarde, o trio estava sentado no meio-fio em frente à quadra, onde o pai de Rafael — um homem respeitado e temido por muitos — conversava com uns caras de terno escuro. Pedro observava calado. Admirava a postura do homem, o respeito que ele impunha com um simples olhar. No fundo, queria ser como ele: forte, decidido, dono de si.

— “Aí, Pedro… se liga!” — disse Renato, dando uma cotovelada nele e apontando com o queixo.

Lá vinham elas: Paula, Renata e Jéssica. Três furacões, cada uma com um estilo próprio, descendo o beco como se estivessem desfilando. Paula, a prima metida da garota nova que todo mundo só ouviu falar, vinha de short jeans apertado, camiseta amarrada na cintura e celular na mão. Renata, com um salto que batia no chão como se exigisse atenção. E Jéssica… bom, Jéssica era puro fogo. Boca vermelha, cabelo solto, e uma risada que fazia os meninos virarem o pescoço.

— “Cês não cansam de se exibir, não?” — perguntou Rafael, de forma provocativa.

— “A gente nasce linda, não é culpa nossa”, retrucou Paula, lançando um olhar direto pra Pedro.

Ele ergueu uma sobrancelha e riu com deboche. Paula tinha aquele jeito convencido que irritava — e, por algum motivo, chamava atenção.

— “Pedro, tá reparando demais, hein. Cuidado que ela morde”, cochichou Renato, malicioso.

— “Ela não é tudo isso, não”, disse Pedro, mas manteve os olhos nela por mais um segundo do que gostaria.

— “Se acha, só porque é prima da riquinha que vai vir morar aqui… Deve ser tudo farinha do mesmo saco”, completou ele, resmungando.

Pedro ainda não conhecia Cíntia, mas já estava de birra. Riquinha no morro? Só podia dar errado.

— “O pai do Rafael tá bolado hoje, hein… olha a cara dele”, mudou o assunto, observando o homem que agora olhava em direção aos meninos, como quem sabia que estavam prestando atenção.

O silêncio entre eles foi quebrado pela gargalhada escandalosa de Jéssica, que fazia pose encostada no muro.

— “Cês ainda tão aí parados feito poste? Vai fazer alguma coisa, menino!” — gritou dona Marieta da janela, fazendo Pedro se encolher e os amigos caírem na risada.

— “Tua vó manda mais que a polícia, hein”, brincou Rafael.

Pedro deu de ombros. Sabia que, apesar da dureza, ela só queria o bem dele.

No fundo, aquele fim de tarde era como tantos outros: cheio de provocações, charme barato, olhares cruzados e palavras não ditas. Mas para Pedro, algo ali estava mudando. Ele estava crescendo. E mesmo que tentasse negar, alguma coisa naquela provocação de Paula ficou gravando em sua mente.

E ele ainda não fazia ideia de como aquela “riquinha” que estava pra chegar — a tal da Cíntia — ia virar a vida dele do avesso.

pedro

avo dele

avo dele

Capítulo 3 – A Noite Que Mudou Tudo

Capítulo 3 – A Noite Que Mudou Tudo

A noite estava calma. Cíntia brincava com o pai na sala, enquanto ele a fazia rir com as histórias dos plantões no hospital. Doutor César era um renomado cardiologista, mas em casa, ele era apenas o pai carinhoso e divertido que ela tanto amava. A mãe, elegante e doce, preparava a sobremesa preferida da filha na cozinha, enquanto cantarolava baixinho.

— “Filha, você já decidiu se vai ser médica como o papai?” — ele perguntou, puxando-a para o colo.

— “Claro! Vou ser médica igual ao senhor. Vou cuidar do coração das pessoas e salvar vidas!” — disse Cíntia com os olhos brilhando.

Eles riram, e ele beijou o topo da cabeça dela com carinho.

— “Tenho certeza que você vai ser a melhor médica do mundo.”

Pouco depois, os pais se arrumaram para sair. Iriam a um jantar especial, celebrar mais um ano de casamento. Cíntia ficou com a babá, prometendo esperar acordada, mas o sono a venceu.

O telefone tocou às três da madrugada.

A babá atendeu. Gritou. Chorou. E depois entrou no quarto, tremendo.

— “Cíntia... filha... seus pais... houve um acidente...”

Ela não entendeu de imediato. Mas ao ver a mulher se ajoelhar e chorar, Cíntia soube. E o mundo dela, até então cheio de amor, desabou.

Dois dias depois, o tio Jorge, irmão da mãe, apareceu. Ele parecia abatido, mas havia firmeza no olhar.

— “Vamos, Cíntia. Você vem morar comigo agora.”

Cíntia não discutiu. Apenas assentiu em silêncio. As malas foram feitas às pressas, e em poucas horas, ela deixava o apartamento luxuoso onde crescera, sem saber se algum dia voltaria.

A casa do tio ficava em uma favela. Simples, estreita, com vizinhos barulhentos e crianças correndo na rua. Ao chegar, a esposa dele, dona Célia, lançou um olhar desconfiado.

— “Já chegou a princesinha? Vamos ver quanto tempo dura com a gente...”

Paula, a filha deles, estava sentada na escada, mascando chiclete.

— “Agora vou ter que dividir o quarto com essa patricinha metida? Aff.”

Cíntia segurou o choro. Ela não queria estar ali. Mas era tudo o que tinha.

O tio tentou ser gentil, mas estava claramente sobrecarregado. Mostrou o quarto, apertado, com dois colchões no chão.

— “Faz o melhor que puder, tá, Cíntia? Vai dar certo.”

Mas desde o primeiro dia, Paula fez questão de mostrar que não queria a prima por perto. A implicância era constante, os apelidos maldosos, as piadinhas sobre sua vida antiga. Dona Célia também não ajudava. Achava que a garota tinha ares de superioridade, quando na verdade, tudo o que Cíntia queria era sumir.

Naquela noite, Cíntia desceu a escadinha da frente da casa, sentou-se no batente e deixou as lágrimas escorrerem. Estava sozinha. Pela primeira vez, sentia um vazio que parecia não ter fim.

— “Oi. Tá chorando por quê?”

Ela levantou o rosto assustada. Uma menina da mesma idade, com cabelos presos em um coque bagunçado, jeans surrado e um sorriso no rosto, olhava pra ela do outro lado da rua.

— “Sou a Luana. Moro ali. Cê é nova, né?”

Cíntia assentiu, limpando o rosto.

— “Sou a Cíntia.”

— “Quer conversar?”

Luana sentou ao lado dela. Sem julgamentos. Sem perguntas sobre o que tinha acontecido. Só ficou ali, falando da escola, dos vizinhos, das brigas que já presenciou no morro e até das besteiras que aprontava com os amigos. Cíntia sorriu pela primeira vez desde o acidente. Aquela menina estranha e sincera, de alguma forma, trouxe conforto.

Foi então que ela sentiu um olhar. Intenso. Quando olhou em frente, viu um garoto parado do outro lado da rua. Alto, loiro, com ar de rebelde e os olhos estreitos.

— “Quem é ele?” — perguntou, desconfiada.

— “Pedro. Amigo dos meus Rafael e Renato. Vive emburrado, parece que odeia o mundo. Não liga, não.”

Mas Cíntia sentiu que aquele olhar era direcionado a ela. Pedro a encarava como se ela fosse um problema. Como se sua presença ali incomodasse. E aquilo a fez apertar os punhos. Ele virou as costas e saiu andando sem dizer uma palavra.

— “Acho que ele me odeia...” — disse Cíntia.

Luana riu.

— “Ele odeia todo mundo, relaxa. Mas é um bom amigo. Vai ver, um dia ele até gosta de você.”

Cíntia não respondeu. Apenas olhou para o céu nublado e desejou, do fundo do coração, que aquela dor passasse logo. Ela não sabia, mas ali começava uma nova história. Cheia de obstáculos, sim. Mas também cheia de reencontros, descobertas... e amor.

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