Capítulo 1 - O Crescer de Bianca
BIANCA COM 11 ANOS
BIANCA
Bianca estava cada vez mais longe da infância. Ela, que sempre foi a menina quieta e observadora, agora começava a perceber mudanças em si mesma. Seu corpo estava se transformando, suas emoções ficavam mais intensas, e as perguntas sobre o mundo à sua volta aumentavam. A adolescência a chamava, e ela não podia evitar. Era como se o futuro tivesse se aproximado de uma forma inesperada.
Luana, sua mãe, estava feliz. Afinal, a filha estava crescendo, tornando-se uma jovem bonita e inteligente. Ela se orgulhava de Bianca, que sempre foi aplicada nos estudos e tinha um caráter forte. A mulher via sua filha com carinho, sabendo o quanto ela havia batalhado para chegar até ali, apesar das dificuldades que tinham enfrentado no passado. Luana sentia que, de alguma forma, as coisas começavam a dar certo para a família. A sensação de orgulho vinha acompanhada de uma paz que ela há muito não sentia.
Enquanto Bianca vivia o seu momento de transição, o irmão, Marcos, estava em um caminho bem diferente. Desde a morte do pai, ele se perdera de vez. As ruas e os vícios haviam o engolido, e o que antes era um menino cheio de sonhos agora se tornara um jovem problemático, envolvido com as drogas e a criminalidade. Luana tentava fazer o máximo para que ele seguisse um caminho mais saudável, mas as tentativas pareciam em vão. Marcos estava em um abismo, e cada vez mais ela sentia que ele estava distante de tudo o que poderia ser.
Bianca, mesmo com a preocupação com o irmão, focava na sua própria vida. Ela mal podia acreditar que estava crescendo, que logo começaria o ensino médio, e as expectativas de futuro começavam a tomar forma. Às vezes, ela se pegava sonhando com o que seria sua vida no futuro, mas, ao mesmo tempo, algo a incomodava. Algo que não conseguia explicar direito.
Luana estava cada vez mais ocupada com o trabalho, tentando equilibrar tudo, e Marcos, como sempre, se distanciava mais da família. Mas havia uma coisa que estava deixando Bianca desconfortável: o comportamento de Fabrício, o padrasto. Ele sempre foi gentil e educado com ela, mas algo em seus olhares parecia mudar com o tempo. Bianca não conseguia deixar de sentir que algo estava errado, e seus olhos se encontravam com os de Fabrício de maneira estranha, como se ele a observasse com mais interesse do que o normal.
Certa noite, depois do jantar, enquanto ela tentava ler um livro no canto da sala, sentiu o olhar de Fabrício sobre ela. Ele estava conversando com Isabel, mas Bianca notava que seus olhos não se afastavam dela. O jeito que ele olhava, como se buscasse algo mais, fazia com que o estômago de Bianca se contorcesse. Ela se sentia desconfortável, mas não sabia o que fazer. Era uma sensação estranha, como se algo estivesse prestes a acontecer, mas que ela não conseguia controlar.
Ela tentou ignorar, mas as coisas começaram a piorar. Quando Luana não estava em casa, Bianca sentia que o comportamento de Fabrício mudava. Ele se aproximava mais dela, ficava mais presente, e a fazia se sentir apreensiva. Bianca tentou falar com a mãe sobre o que sentia, mas não sabia como. Ela temia que Luana não acreditasse nela ou achasse que era coisa da sua cabeça. O medo foi crescendo aos poucos.
Certa tarde, enquanto Isabel estava no trabalho, Bianca estava na sala assistindo à TV, quando Fabrício entrou. Ele se sentou ao seu lado de uma maneira que nunca havia feito antes. O cheiro do seu perfume a invadiu, e Bianca sentiu um arrepio. Ele sorriu de uma forma estranha, que mais parecia um sorriso forçado. Ela, nervosa, levantou-se rapidamente, dizendo que ia para o quarto. Fabrício a observou com um olhar que a fez sentir como se estivesse sendo caçada.
Fechou a porta do quarto com um suspiro de alívio. Seu coração batia acelerado, e ela tentava entender o que estava acontecendo. Era como se uma nuvem de medo a tivesse envolvido, mas ela não sabia como escapar dessa situação. Ela queria contar para sua mãe, mas o medo de ser desacreditada e o desconforto com a ideia de desmascarar algo tão íntimo a impediam de agir.
A adolescente se olhou no espelho do quarto e se deu conta de algo. Ela não era mais aquela menininha inocente que sua mãe tanto adorava. Bianca começava a se dar conta do poder da sua própria beleza, e ao mesmo tempo, do perigo que esse poder poderia representar. Não sabia o que fazer com os sentimentos confusos que começavam a surgir dentro dela, e o pior era o medo de que, por mais que tentasse se afastar, as situações começavam a se acumular, como uma tempestade prestes a desabar.
Mae da Bianca (Isabel)
padrasto ( Fabrício)
Capítulo 2 – A Ascensão de Renato
A notícia da morte de Damião, o pai de Renato, correu pelo morro como pólvora. Era difícil acreditar. Damião, o homem mais temido da região, o rei das bocas de fumo, havia caído em uma emboscada na porta de casa. Ninguém viu quem foi, mas todos sabiam que, no mundo em que viviam, a morte era só uma questão de tempo. Renato assistiu ao enterro sem derramar uma lágrima. Por dentro, sentia um misto de raiva e frieza. O pai havia partido — e agora tudo estava em suas mãos.
O irmão mais , Rafael, era o sucessor natural. Damião sempre dizia quera Rafael era seu braço direito, seu herdeiro no comando do tráfico. Só que Rafael era estratégico, calculista, daqueles que falavam pouco e agiam nas sombras. Já Renato era o oposto: impulsivo, explosivo, cheio de sede de poder e de prazer. Ele não queria apenas seguir o que o pai havia deixado — queria mais. Muito mais.
Na primeira semana após o enterro, Rafael organizou o morro com mão de ferro. Colocou novas regras, fechou alianças antigas e proibiu festas nas bocas, impondo respeito e temor. Queria estabilidade, queria dinheiro entrando limpo. Só que Renato não estava disposto a aceitar aquela calmaria.
Com pouco tempo, Renato começou a desafiar o irmão. Fazia questão de quebrar todas as ordens. Organizou bailes clandestinos na favela, mandou tocar o terror nas ruas vizinhas e, principalmente, começou a "pegar geral". Não havia mulher que passasse e escapasse dos olhos ou das mãos dele. Renato era bonito, forte e carregava o peso do sobrenome — isso bastava para arrastar todas para sua cama.
Mulheres comprometidas, meninas novas, esposas de aliados... para Renato, tudo era permitido. Ele queria provar para o morro inteiro que agora era ele quem mandava, mesmo que oficialmente fosse Rafael quem estava no topo. E fazia questão de esfregar isso na cara do irmão.
Rafael, claro, sabia de tudo. Recebia as fofocas, via os estragos que Renato causava, mas tentava se manter frio. Para ele, responder à altura seria dar ao irmão o que ele queria: uma guerra interna. Mas por dentro, Rafael fervia de ódio. Era como se Renato fosse uma bomba prestes a explodir no meio da estrutura que ele tentava proteger.
Renato sabia. E gostava disso.
Em uma das noites de baile, no coração da favela, Renato fez questão de chegar com estilo. Camiseta justa, corrente de ouro pesada no pescoço, relógio caro no pulso. Subiu no palco improvisado, pegou o microfone e soltou:
— Aqui quem fala é Renato, filho do rei Damião! E quem não gostou que se morda de inveja, porque agora o morro é meu também!
O povo gritava, aplaudia, dançava. Entre a multidão, meninas se empurravam para chamar sua atenção. Renato sorria, alimentado pela sensação de poder, pela certeza de que todos ali o temiam e o desejavam ao mesmo tempo.
Ele pegou duas garotas pela cintura e desceu do palco, indo para a parte de trás do baile, onde as luzes eram mais fracas e a vigilância menor. Fez questão de ser visto. De novo, como se dissesse: “eu faço o que quero”.
Rafael, assistindo de longe, socava o próprio joelho de raiva. Renato não respeitava ninguém. Nem o pai morto. Nem as regras do jogo. Nem a própria família.
O clima entre os irmãos ficava cada dia mais tenso. Dentro da casa onde moravam, o silêncio era pesado. Rafael tentava manter a autoridade, mas Renato, com seu jeito debochado, sempre arranjava uma forma de provocar.
— Tá pensando que é quem, Rafael? Meu pai morreu, não foi você quem virou Deus aqui não, fi... — Renato cuspia, sempre com um sorriso cínico no rosto.
Rafael se limitava a fitar o irmão com um olhar de desprezo. Sabia que qualquer reação errada poderia colocar tudo a perder. No mundo deles, o poder se sustentava na aparência de força — e uma briga de irmãos era o suficiente para derrubar até o império mais sólido.
Renato não tinha medo. Estava certo de que, se quisesse, poderia tomar o morro para si de uma vez. Mas preferia o jogo lento, a provocação diária, o prazer de ver Rafael se contorcendo em silêncio.
No fundo, Renato não queria apenas poder. Ele queria ser lembrado. Queria que todos soubessem que ele não era apenas o filho de Damião. Ele era o próprio inferno vestido de sorriso.
E, para alcançar isso, estava disposto a tudo.
Até destruir a própria família.
RENATO
Capítulo 3 – Sonhos e Cicatrizes
BIANCA 17 anos
Bianca completou dezesseis anos como uma jovem admirável. Inteligente, estudiosa, e com uma força interior que poucos conheciam. Cada conquista dela era uma vitória para Luana, sua mãe, que, mesmo com pouco dinheiro, fazia de tudo para ver a filha crescer e vencer. O brilho nos olhos de Luana era visível toda vez que falava de Bianca. Era como se todo sofrimento tivesse valido a pena só para vê-la chegar até ali.
A situação financeira da casa não era boa. O salário de Isabel mal cobria as contas, e o pouco que sobrava era economizado para que Bianca tivesse material escolar e pudesse continuar estudando. Ainda assim, mãe e filha nunca perderam a esperança.
Foi numa tarde chuvosa que Luana conseguiu arrumar para Bianca um emprego como doméstica na casa de uma madame rica do bairro nobre. A mulher, Dona Vera, era esposa de um promotor de Justiça respeitado, o Dr. Álvaro. Luana tinha medo de que a filha fosse humilhada, mas sabia que, se Bianca tivesse uma chance de mostrar sua educação e inteligência, algo bom poderia surgir.
E não deu outra. Logo nos primeiros meses, Bianca chamou a atenção do promotor. Sempre educada, falava corretamente, demonstrava interesse em aprender e, mesmo nas tarefas simples, mostrava uma dedicação rara. Dr. Álvaro começou a emprestar livros para ela, incentivar seus estudos e, impressionado com seu desempenho escolar, decidiu ajudá-la de verdade.
Conseguiu para Bianca uma bolsa de estudos em uma faculdade particular renomada. A jovem chorou de felicidade ao receber a notícia. Com dezessete anos recém-completados, ela estava prestes a realizar o maior sonho de sua vida: ser advogada.
O primeiro dia de faculdade foi de nervosismo. Bianca vestiu a melhor roupa que tinha — um conjunto simples, passado e limpo, que fora um presente da própria ex-patroa, Dona Vera. Era simples, mas, para Bianca, era como vestir armadura. Ela sabia que sua origem humilde a diferenciava dos outros alunos, mas também sabia que nada disso importaria se ela provasse seu valor.
Logo no primeiro semestre, conseguiu um estágio em um pequeno escritório de advocacia. Para sua surpresa, o escritório era da própria Luana, sua mãe, que, com muita luta e coragem, havia se formado advogada depois de anos de sacrifício. Luana, agora uma advogada respeitada na comunidade, viu na filha a chance de transformar ainda mais a história delas.
Bianca chegava todos os dias ao estágio com uma pasta velha debaixo do braço e o sorriso discreto no rosto. Ela era dedicada, atenciosa, e mesmo os clientes mais difíceis se encantavam com sua educação e doçura.
Mas, enquanto Bianca conquistava seu espaço no mundo, a vida dentro de casa desmoronava.
O padrasto, Fabrício, que há tempos vinha mostrando um lado sombrio, perdeu de vez a vergonha. Em uma noite de tempestade, completamente bêbado, ele bateu em Luana com brutalidade. As paredes da casa pareciam vibrar com os gritos. Bianca, trancada no quarto, chorava sem saber o que fazer. O medo a paralisava.
Entre socos e xingamentos, Fabrício vociferava insanidades:
— Essa menina é minha filha também, ouviu, Luana? Você não manda nela, não! Ela é minha!
As palavras foram como lâminas rasgando a alma de Luana. Ela caiu no chão, sangrando, sem forças para revidar. Sabia que gritar seria em vão. Sabia que chamar a polícia poderia trazer ainda mais desgraça. A dor física era menor do que a dor da impotência.
Bianca, escondida, ouviu tudo. As lágrimas desciam pelo seu rosto, mas ela prometeu para si mesma que um dia tiraria sua mãe daquele inferno.
Enquanto isso, o irmão, Marcos, era apenas uma sombra do que já fora. Consumido pelas drogas, roubava na rua para sustentar o vício. Roubaram até a própria mãe. Ninguém mais conseguia controlá-lo. Quando passava em casa, era apenas para pegar algo e desaparecer de novo.
O menino doce de antigamente havia sumido. Restava agora um jovem de olhar vazio, corpo magro e alma perdida.
Bianca, apesar de toda dor, não permitiu que a tragédia a derrubasse. Usava cada lágrima como combustível para continuar. Ela sabia que seu futuro seria diferente. Não podia mudar o que estava ao seu redor — ainda — mas sabia que, com esforço e coragem, transformaria sua história.
O sonho de mudar de vida já não era só dela. Era também de sua mãe, de todas as mulheres que apanhavam caladas, de todos os irmãos que se perdiam nas esquinas da vida. Bianca carregava nos ombros o peso de muitas vidas — e jurou a si mesma que não deixaria aquele peso esmagá-la.
Ela faria diferente. Ela seria diferente.
E o mundo, um dia, teria que escutar seu nome.
LUANA ADVOGADA 24 ANOS
irmao de BIANCA ( TOMÁS) 23 ANOS
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