*"Nós nos odiamos desde pequenos."*
— *Me dá isso, Vinni!* — Minha voz infantil ecoou pelo jardim da mansão, enquanto eu estendia a mão para arrancar minha boneca das mãos dele.
Ele sorriu, aquele sorriso de menino malcriado que já conhecia muito bem, e antes que eu pudesse alcançá-lo, jogou a boneca no chão e pisou com força. O corpo de porcelana rachou, e meu coração de sete anos quebrou junto.
Sem pensar, fechei o punho e dei um soco direto no nariz dele.
— *Idiota!* — gritei, enquanto ele levava a mão ao rosto, surpreso.
Os olhos castanhos dele brilharam de raiva, mas eu não me importei. Naquela época, eu já sabia que Vincenzo Orsini era o garoto mais insuportável do mundo.
***
**Anos depois…**
Se eu pensava que o ódio diminuiria com o tempo, estava enganada. Na adolescência, ele só piorou.
— *Pensei que, crescendo, você ficaria mais rosadinha…* — Vinni comentou, sentado à mesa de jantar, aos dezessete anos, com aquele olhar de deboche que me fazia querer enfiar o garfo nele.
— *Você é insuportável, seu bobo!* — gritei, e ele riu, como se minha raiva fosse o melhor entretenimento do mundo.
Era assim. Sempre assim. Um provocando o outro, até que alguém partisse para a violência. Eu, geralmente.
Mas nada — *nada* — poderia ter me preparado para o que meu pai me disse naquela noite.
— *Você vai se casar com Vincenzo Orsini.*
O mundo parou.
— *O quê?* — minha voz saiu em um sussurro rouco.
Meu pai, o temido chefe da máfia italiana, olhou para mim sem qualquer emoção.
— *É um acordo entre famílias. Os Orsinis são nossos aliados, e esse casamento vai fortalecer os negócios.*
— *Eu não vou me casar com aquele imbecil!* — gritei, sentindo o sangue ferver nas veias.
— *Você não tem escolha, Isabella.*
Era isso. Uma ordem. Um decreto.
Meu destino estava selado
Algumas pessoas acham que ódio é só raiva acumulada. Mas não é.
Ódio é conhecer cada respiração do outro e torcer para que ele engasgue. É lembrar de cada palavra cruel, cada sorriso de provocação, e sentir o estômago revirar. Ódio é saber que, em algum momento, você já foi fraco o suficiente para se importar.
E eu odiava Vincenzo Orsini com cada fibra do meu ser.
como se alguém tivesse enfiado um punhal no meu peito e deixado lá a noite toda. A luz do sol entrava pelos cortinados pesados da minha suíte, mas não trazia calor. Só clareava a merda que minha vida tinha virado.
— *Isabella, levanta. Seu noivo está aqui.*
A voz da minha irmã mais velha, Sofia, veio acompanhada de uma batida seca na porta. Ela não precisava dizer quem era. Só tinha um "noivo" capaz de me fazer querer pular da varanda.
— *Que se foda,* — grunhi, enterrando o rosto no travesseiro.
Mas a vida — e meu pai — não iam me deixar escapar tão fácil.
**Sala de visitas
Vinni estava sentado no sofá de couro preto, a postura relaxada, como se aquela casa fosse dele. Como se *eu* já fosse dele.
Usava um blazer impecavelmente ajustado, as mãos entrelaçadas sobre o joelho. Até os dedos dele eram irritantes — longos, elegantes, como se nunca tivessem feito nada de errado na vida. Mas eu sabia a verdade. Aquelas mãos já tinham quebrado muito mais que bonecas.
— *Finalmente,* — ele disse, quando me viu parada na porta. O sorriso era o mesmo de sempre. *Aranha.* — *Pensei que ia ter que ir lá cima te arrastar.*
— *Tentasse e eu te matava antes de chegar no corrimão,* — respondi, cruzando os braços.
Meu pai, sentado na poltrona de líder, ignorou o bate-boca.
— *Sentem-se. Temos detalhes para acertar.*
Detalhes. Como se meu casamento fosse só mais um contrato.
— *O casamento será em três meses,* — ele continuou, como se estivesse falando de um acordo de negócios. *E, a partir de hoje, Vincenzo terá livre acesso à nossa casa e aos nossos negócios. Vocês dois precisam aprender a trabalhar juntos.*
— *Trabalhar juntos?* — soltei uma risada amarga. *Ele não sabe nem segurar uma arma direito.*
Vinni virou o rosto devagar, os olhos escuros me encarando com uma calma que me fez querer gritar.
— *Te ensino,* — ele murmurou. *Se tiver coragem.*
Meu punho cerrou sozinho.
— *Chega,* — meu pai cortou, batendo a palma da mesa. *Isabella, você é uma Rossi. Vincenzo, você é um Orsini. O sangue de vocês vale mais que esse comportamento infantil. Agora, deem as mãos.*
— *O quê?* — eu e Vinni gritamos ao mesmo tempo.
— *É um sinal de compromisso. Façam.*
Olhei para ele. Ele olhou para mim.
O ódio entre a gente era tão vivo que dava pra sentir no ar, como um cheiro de pólvora antes do tiro.
Mas, no fim, obedecemos.
Nossas mãos se tocaram.
A pele dele era quente. A minha, gelada.
Meu pai apontou para a escada com aquele olhar que não aceitava discussão.
— *Vão. Conversem. Se acertem.*
Vinni soltou um riso baixo, sarcástico, mas obedeceu. Eu fui atrás, cada passo meu ecoando como uma sentença de morte.
O corredor até meu quarto nunca pareceu tão longo.
Ele entrou primeiro, deixando a porta aberta atrás de si, como se não quisesse nem a sugestão de privacidade entre nós. Eu fechei com um chute.
— *Que tal começarmos com um pacto?* — ele sugeriu, virando para mim com as mãos nos bolsos do blazer. *Você some da minha vida, e eu sumo da sua.*
— *Ótimo. Morre hoje à noite e resolvemos isso.* — encostei na cômoda, fingindo relaxar.
Os olhos dele escureceram.
— *Sempre dramática. Mas não é você que tem a faca na mão dessa vez, Isabella.* — ele deu um passo à frente. *Seu pai precisa dessa aliança. O meu também. Mas nenhum dos dois precisa da gente se matando antes do grande dia.*
— *Que pena,* — murmurei. *Tava tão animada.*
Ele ignorou a provocação.
— *Podemos fazer isso do jeito fácil ou do jeito difícil.*
— *Defina “fácil”.*
— *Você finge que me tolera. Eu finjo que não te acho uma criança mimada. Nos casamos, cumprimos nosso papel, e cada um vai pro seu canto.*
Meus dedos se apertaram em volta da borda da cômoda até os nós dos dedos doerem.
— *Tá com medo, Orsini?* — desafiei. *Acha que não vai conseguir me aturar?*
Ele sorriu, lento, perigoso.
— *Eu aturo qualquer coisa. Mas duvido que você aguente.*
Ele deu mais um passo. Eu não recuei.
A distância entre a gente era de menos de um palmo agora, e o ar parecia carregado, como se a qualquer segundo um de nós fosse puxar uma arma.
— *Você sempre foi péssima em obedecer,* — ele murmurou, o olhar escorrendo pelo meu rosto como um insulto. *Vai ser divertido quebrar isso em você.*
— *Experimenta,* — desafiei, levantando o queixo.
E então ele fez o movimento mais inesperado possível.
Esticou a mão e pegou um fio do meu cabelo, deixando escorrer entre os dedos como se estivesse avaliando a qualidade de um tecido.
— *Parece macio,* — comentou, casual. *Pena que o que tem dentro é tão podre.*
Foi o suficiente.
Meu joelho voou em direção à virilha dele. Ele desviou por um triz, agarrou meu braço e me girou, pressionando minhas costas contra ele.
— *Sempre a mesma coisa,* — ele rosnou no meu ouvido, o hálito quente. *Previsível.*
Tentei jogar o cotovelo pra trás, mas ele segurou mais forte.
— *Solta.*
— *Pede direito.*
— *Vai se foder.*
Ele riu, e o som vibrou contra minhas costas.
Foi aí que senti.
O canivete.
No bolso dele.
Sem pensar, enfiei a mão e agarrei. Ele reagiu na hora, tentando bloquear, mas eu já tinha a lâmina aberta e pressionada contra o pulso dele.
— *Vamos ver quem é previsível agora,* — respirei.
Ele parou. Olhou pra lâmina. Depois pra mim.
E então, devagar, soltou meu braço.
— *Você não vai me cortar.*
— *Tenta eu.*
Ele sorriu, como se eu tivesse acabado de provar o ponto dele.
— *É por isso que seu pai escolheu você pra isso,* — ele disse, baixinho. *Não é só sobre aliança. É sobre fogo.*
Eu cuspi no chão entre os pés dele.
— *Foda-se o que meu pai pensa. E foda-se você.*
Ele olhou pra saliva no chão, depois pra mim.
— *Caseira.*
E então, sem aviso, ele virou e saiu, deixando a porta aberta.
Eu fiquei lá, segurando o canivete, o pulso latejando onde ele tinha segurado.
O cheiro dele ainda estava no ar.
Madeira queimada e ódio.
E o pior?
Eu *odiava* que uma parte de mim tinha gostado da luta.
---
A casa ficou em silêncio depois que os Orsinis foram embora.
Eu ouvi os carros partirem, os motores roncando como bestas satisfeitas, levando embora aquele infeliz e sua família de sanguessugas. Ainda bem.
Mas agora, sozinha no meu quarto, o vazio era pior que o ódio.
Água escaldante. Quase queimando.
Eu deixei cair sobre minha pele como se pudesse lavar fora o cheiro dele, a memória das mãos dele me segurando, a voz no meu ouvido. *"Pede direito."*
*Filho da puta.*
Esfreguei o sabonete com força nos pulsos, onde seus dedos tinham deixado marcas rosadas. Não doía, mas eu *queria* que doesse. Queria algum sinal visível de que aquilo tinha sido uma guerra, não só mais um round da nossa rivalidade eterna.
Saí do banho com a pele vermelha, envolta em vapor. O espelho embaçado não refletia meu rosto direito, e eu agradeci por isso. Não queria ver a expressão que estava lá.
Vesti meu pijama preto de seda – aquele que minha irmã dizia que me fazia parecer uma viúva em luto. *Adequado.*
Foi então que um som suave quebrou o silêncio.
*Miau.*
Ele estava encaracolado no pé da minha cama, seus olhos amarelos brilhando como duas moedas de ouro no escuro.
— *Oi, seu demônio,* — murmurei, sentando na cama e estendendo a mão.
Lúcifer (sim, eu dei esse nome, e sim, ele merece) esfregou a cabeça na minha palma, ronronando como um motorzinho.
— *Hoje foi uma merda,* — confessei, arranhando atrás da orelha dele. *O pior dia da minha vida. E olha que já teve dias bem ruins.*
Ele olhou pra mim como se entendesse cada palavra.
— *Eu não vou fazer isso,* — continuei, falando mais para mim mesma do que para ele. *Não vou me casar com aquele idiota. Não vou virar propriedade da família Orsini. Eu prefiro morrer.*
Lúcifer mordiscou meu dedo, suave, um aviso.
— *Tá bom, não vou morrer,* — corrigi, rolando os olhos. *Mas você me entende, né?*
Ele deitou no meu colo, expondo a barriga como um traidor fofo. Eu afundei os dedos naquela pelagem preta e macia, sentindo os ronronos aumentarem.
— *Você é o único homem que não me enche o saco,* — resmunguei.
### **O Plano (Ou Falta Dele)**
Enquanto acariciava Lúcifer, minha mente girava.
Fugir? Impossível. Meu pai tinha olhos em todo lugar.
Matar Vinni? *Tentador*, mas ia causar uma guerra entre as famílias.
Fazer ele desistir? *Hah.* Como se aquele cabeça-dura fosse recuar.
— *Tô ferrada, Lúcifer,* — suspirei.
Ele ronronou mais alto, como se discordasse.
— *Você tem uma ideia melhor?*
Ele só bocejou, esticando as patinhas.
*Útil.*
Deitei na cama, com Lúcifer enrolado no meu peito, e olhei para o teto.
O ódio por Vinni ainda queimava, mas agora, no silêncio da noite, outros sentimentos começavam a aparecer.
*Medo.*
*Frustração.*
E, o pior de todos...
*Curiosidade.*
Por que nossos pais estavam tão determinados nisso? O que eles realmente ganhavam com esse casamento?
E por que, no fundo, parte de mim ainda se lembrava do garoto que, antes de virar meu inimigo, tinha me ajudado a subir numa árvore quando eu tinha cinco anos?
— *Merda,* — murmurei, cobrindo o rosto com as mãos.
Lúcifer ronronou, como se dissesse: *"Você tá fodida."*
E ele estava certo.
Acordei com Lúcifer sentado no meu rosto.
— *Você é um asfixiador profissional, sabia?* — grunhi, empurrando o gato para o lado. Ele miou, ofendido, e pulou para o chão com a dignidade de um rei deposto.
A luz do sol entrava pelas cortinas, lembrando-me cruelmente que ontem não tinha sido um pesadelo. Era real. Eu estava noiva do demônio. E pior: a mãe do demônio viria hoje *me ajudar a escolher um vestido*.
Desci para a sala de jantar já vestida de preto – um aviso silencioso de que eu estava de luto pela minha própria vida.
Meu pai estava sentado à cabeceira da mesa, lendo o jornal como se o mundo não estivesse prestes a acabar. Sofia, minha irmã, me lançou um olhar de pena antes de voltar a mexer no café.
— *Bom dia, princesa,* — meu pai cumprimentou, sem levantar os olhos. *Dormiu bem?*
— *Maravilhosamente. Sonhei que esfaqueava seu futuro genro.*
Ele abaixou o jornal devagar.
— *Isabella.*
— *Pai.*
Um silêncio pesado. Até Lúcifer, que tinha me seguido até a sala, parou de lamber a pata para observar.
Meu pai respirou fundo.
— *Hoje, a Sra. Orsini virá te acompanhar para escolher o vestido de noiva. Ela tem bom gosto.*
— *E eu tenho uma faca.*
— *Isabella.* O aviso na voz dele era claro.
Joguei meus braços para trás da cadeira, encarando o teto.
— *Por que ela tem que vir? Não posso escolher sozinha?*
— *Porque é tradição. E porque eu disse.*
Ah, ótimo. A dupla dinâmica que arruinava minha vida: *tradição* e *porque eu disse*.
Sofia tentou ajudar.
— *Você pode encontrar um vestido lindo, Bella. Algo que te faça sentir poderosa.*
— *Única coisa que me faria sentir poderosa seria um terno blindado com uma metralhadora acoplada.*
Meu pai ignorou o comentário.
— *Ela chega às 11h. Esteja presenteável.*
— *Presenteável ou obediente?*
Ele finalmente olhou para mim, e eu vi aquele brilho nos olhos que significava *"não me teste hoje"*.
— *As duas coisas.*
Às 11h01, a mãe de Vinni entrou na sala de estar como uma rainha entrando em território conquistado.
Dona Eleonora Orsini era alta, elegante, e tinha aquele jeito de olhar para as pessoas como se estivesse avaliando o preço de mercado delas. Seu cabelo estava impecavelmente preso, seu vestido bege custava mais que meu carro, e seu sorriso era tão falso quanto o meu noivado.
— *Isabella, querida,* — ela disse, estendendo as mãos. *Que prazer finalmente te ajudar com os preparativos.*
— *Sinto o mesmo,* — menti, deixando que ela apertasse meus dedos mortos.
Ela não se abalou com minha falta de entusiasmo.
— *Vamos? Tenho marcado com a costureira da família. Ela fez o vestido da minha sobrinha no ano passado, ficou divino.*
— *Que emocionante,* — respondi, seguindo-a para o carro como uma condenada a caminho do cadafalso.
A loja era tudo o que eu odiava: cheia de luzes brilhantes, espelhos enormes e vestidos que pareciam feitos para pessoas que nunca tinham pensado em matar alguém.
— *Temos vários modelos,* — a costureira disse, animada. *Alguns mais tradicionais, outros mais ousados…*
— *Ela vai de tradicional,* — Dona Eleonora decidiu.
— *Ela gostaria de opinar,* — corrigi, pegando o primeiro vestido que parecia menos nojento.
Foi uma hora de provar modelos que me faziam parecer uma boneca de porcelana.
— *Esse decote é muito baixo,* — Dona Eleonora franziu o nariz em um dos que eu quase gostei.
— *É o único jeito de eu não morrer sufocada no altar.*
Ela ignorou.
— *E esse é muito simples.*
— *Chama-se "elegância".*
— *Esse aqui,* — ela finalmente anunciou, puxando um vestido que parecia ter sido feito para uma virgem do século XVIII. *É perfeito.*
Olhei para o monstro de renda e seda.
— *Parece que meus seios foram condenados à prisão perpétua.*
Dona Eleonora sorriu, doce como veneno.
— *Exatamente
No carro de volta, ela quebrou o silêncio.
— *Você sabe que isso é maior que vocês dois, não é?*
— *Só porque é grande não significa que é bom.*
Ela suspirou.
— *Vinni também não está feliz.*
Aquela era a primeira vez que alguém mencionava ele como algo além de um obstáculo.
— *Ótimo. Podemos nos odiar juntos.*
— *Ou aprender a tolerar-se,* — ela sugeriu. *Para o bem de todos.*
Olhei pela janela, os prédios passando como um borrão.
— *Já estou tolerando você. Não peça milagres.*
Ela riu, de verdade dessa vez.
— *Você é mais parecida com ele do que pensa.*
Cheguei em casa com o vestido – *aquele* vestido – pendurado em um cabide luxuoso, embalado em um saco de tecido caro que parecia gritar *"sua vida acabou"*. Joguei tudo no fundo do meu armário e deixei Lúcifer cheirar, como se ele pudesse confirmar o quão terrível era. Ele espirrou.
*Concordo, gato. Concordo.*
---
Meu pai decidiu que, já que eu estava sendo *tão cooperativa* (leia-se: não tinha incendiado a loja de vestidos), poderíamos adiantar a prova do cardápio do casamento.
— *Os Orsinis virão hoje,* ele anunciou, como se estivesse falando de uma visita ao dentista. *Comportem-se.*
Sofia me deu um aperto de mão discreto sob a mesa. Ela sabia. Sabia que cada passo nesse noivado era como pisar em vidro.
Ele entrou na sala de jantar como sempre: com aquela postura de quem *não quer estar aqui*, mas vai fazer questão de arruinar o dia de todo mundo mesmo assim.
Usava um blazer cinza escuro, a camisa aberta no colarinho, como se até a gravata fosse um compromisso grande demais. Os olhos dele passaram por mim como se eu fosse um dos móveis – até piscar para Lúcifer, que, *traidor*, ronronou em sua direção.
*Vou te dar sachê podre hoje à noite,* prometi mentalmente ao gato.
— *Bonito gato,* Vinni comentou, puxando uma cadeira. *Pena o dono.*
— *Ele não tem dono,* retorqui. *Assim como eu.*
Ele sorriu, lento, e sentou-se exatamente na cadeira ao meu lado. *Claro que sim.*
Os pratos começaram a chegar, e com eles, as opiniões não solicitadas.
— *O salmão está muito óbvio,* Vinni murmurou, provando um pedaço. *Algo mais único seria melhor.*
— *Como você, então? Único em ser insuportável?*
Meu pai deu um golpe na mesa.
— *Isabella.*
Vinni, no entanto, pareceu *divertido*.
— *Ela tem um ponto,* ele disse, erguendo o copo de vinho. *Sou insuportável. Mas pelo menos admito.*
Ele bebeu, os olhos fixos em mim sobre a borda do cristal.
Eu revirei os olhos e agarrei uma garrafa de água – até perceber que era *água com gás*.
— *Você pediu isso de propósito,* acusei, baixo.
— *Talvez.*
— *Odeio água com gás.*
— *Eu sei.*
E *isso* me fez pausar.
*Como ele sabia?*
Não tive tempo de perguntar antes que o próximo prato chegasse – uma sobremesa de chocolate amargo com raspas de laranja.
Vinni cortou um pedaço e, *sem quebrar o contato visual*, colocou na boca.
— *Bom,* ele admitiu. *Amargo. Complexo. Persistente no paladar.*
— *Que poético,* eu resmunguei. *Quase parece que você não é só um babaca.*
— *Quase.*
Ele estendeu o garfo na minha direção, com outro pedaço.
— *Prova.*
— *Não.*
— *Tem medo?*
*Isso era uma armadilha.* Tudo nele era uma armadilha. Mas eu nunca fui boa em recuar.
Inclinei-me e mordi o pedaço do garfo dele, mantendo os olhos fixos nos seus. O chocolate derreteu na minha língua – doce, depois amargo, depois *queimando* com o cítrico da laranja.
— *…Não é horrível,* admiti.
Ele sorriu, como se tivesse ganhado algo.
— *Já é um começo.*
No final da noite, quando os pratos estavam quase todos experimentados e as palavras tinham se esgotado, Vinni se levantou para ir embora.
Mas antes de sair, parou na minha cadeira.
— *O vestido,* ele disse, baixo. *É tão ruim assim?*
Eu olhei para ele, *realmente olhei*.
— *Pior.*
Ele riu – uma risada genuína, surpreendentemente quente.
— *Boa noite, Isabella.*
E então saiu, deixando para trás o gosto de chocolate e uma pergunta que eu não queria responder:
*Por que isso não foi tão insuportável quanto deveria?*
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