Leonardo Assis era o tipo de homem que estampava capas de revistas e inspirava inveja por onde passava. Com pouco mais de trinta anos, ostentava um currículo impressionante: MBA em Londres, sócio de uma das maiores redes de joalherias do mundo, presença constante em eventos de gala, festas em iates e viagens internacionais. Era impossível não notá-lo, com seu porte elegante, sorriso calculado e o olhar sempre distante.
Nascido em berço de ouro, Leonardo nunca soube o que era precisar de algo. Desde pequeno, os melhores colégios, os carros mais luxuosos e os destinos mais exclusivos faziam parte de sua rotina. Mas, por trás da perfeição que exibia, havia uma ausência que nem os diamantes mais raros conseguiam esconder.
As manhãs de Leonardo eram todas iguais: café servido por empregados silenciosos, reunião com acionistas, telefonemas intermináveis e decisões que movimentavam milhões. À noite, o cenário mudava — festas em coberturas, música alta, taças de champanhe nas mãos e pessoas que pareciam felizes demais para serem reais.
O problema é que ele sabia disso. Era tudo cenário. Tudo espetáculo.
Certa noite, durante um evento luxuoso em Mônaco, cercado por investidores, modelos e empresários, Leonardo se pegou observando o mar escuro pela sacada. Era como se o som das risadas atrás dele não o alcançasse mais. A grandiosidade ao redor começava a perder o brilho. Havia algo fora de lugar — ou talvez dentro dele.
Seu pai, Roberto Assis, era o retrato do poder e da rigidez. Comandava os negócios com punhos de ferro e exigia o mesmo de Leonardo. Em casa, sempre deixava claro que sentimentos eram sinais de fraqueza, e que o sucesso era a única linguagem aceita entre os Assis.
Apesar de conviver com figuras políticas, empresários renomados e celebridades, Leonardo nunca se sentiu, de fato, pertencente a esse universo. Ele representava bem o papel que lhe foi dado — mas era só isso, um papel. Quando tirava o terno, deitava a cabeça no travesseiro e o silêncio preenchia o quarto amplo demais para uma só pessoa, a inquietação tomava conta.
Sua única lembrança de afeto verdadeiro vinha da avó, Dona Amélia. Mulher forte, sensível e teimosa, ela sempre dizia que o coração precisava ser alimentado com mais do que contas bancárias. Quando ela faleceu, uma parte de Leonardo também se apagou. E com o tempo, o vazio cresceu.
A vida de Leonardo era impecável do lado de fora, mas fria por dentro. Como uma joia perfeitamente lapidada, mas sem alma.
Naquela semana, um telefonema inesperado o tirou do roteiro habitual. A voz trêmula do médico de sua avó — sim, ela ainda estava viva, embora muito debilitada — pediu que ele fosse até a casa dela no interior, pois o tempo estava se esgotando.
Relutante, Leonardo aceitou. Não porque tivesse tempo, mas porque devorava uma culpa que nem ele sabia nomear.
Arrumar as malas foi fácil — tudo era feito por sua equipe. Difícil foi encarar o espelho antes de partir. O homem ali parecia completo, mas seus olhos diziam outra coisa.
Na manhã seguinte, o jato particular já o aguardava. A viagem até o interior duraria poucas horas. Ele se perguntou o que encontraria por lá. Certamente, nada parecido com o que estava acostumado.
Mas talvez fosse exatamente disso que ele precisava. Só ainda não sabia.
A cidadezinha parecia ter parado no tempo. Ruas de paralelepípedo, fachadas antigas, varandas com vasos de flores e vizinhos que se cumprimentavam com sorrisos genuínos. Era o oposto de tudo que Leonardo conhecia — e, para ser honesto, aquilo o incomodava mais do que ele gostaria de admitir.
O carro preto que o buscou no pequeno aeroporto cruzou as ruas estreitas até uma casa modesta, com janelas azuis e um jardim repleto de margaridas. Lá estava ela, sentada em uma cadeira de balanço, tão frágil quanto as pétalas que rodeavam sua varanda.
— Léo… meu menino bonito — disse Dona Amélia, sorrindo apesar do rosto marcado pelo tempo.
Leonardo não soube o que responder. Estava ali, de pé, com um terno caro em um lugar onde ninguém se importava com marcas ou etiquetas. Caminhou até ela, abaixando-se com cuidado para beijar sua mão fina e delicada.
— Vó… você está... — tentou dizer algo, mas a emoção apertou-lhe a garganta.
— Estou viva. E isso basta por hoje — ela respondeu, com aquele jeito prático e direto que sempre teve. — Entra, vamos conversar.
A casa cheirava a lavanda e bolo de fubá. As paredes exibiam fotografias antigas, bordados pendurados e livros gastos pelo tempo. Leonardo sentou-se no sofá simples, enquanto sua avó se acomodava em uma poltrona coberta por uma manta colorida.
— Por que me chamou? — ele perguntou, sem rodeios.
— Porque sei que você está perdido. — A resposta veio como uma flecha certeira. — E sei também que ninguém mais vai te dizer isso.
Leonardo desviou o olhar, incomodado. Como ela podia saber?
— Você tem tudo, Léo. Mas não tem nada. Sabe do que estou falando, não sabe?
Ele não respondeu. Apenas abaixou a cabeça, como se quisesse fugir da verdade.
— Por isso pedi para você vir — continuou ela. — Não para cuidar de mim. Eu já vivi bastante. Mas para cuidar de si mesmo.
— Como assim?
— Quero que fique aqui por um tempo. Uma semana. Duas, talvez. Sem celular, sem negócios, sem terno. Só você. E a vida.
Leonardo riu, nervoso.
— Você quer que eu... tire férias? Aqui?
— Não são férias, meu filho. É uma chance. De você se lembrar de quem é, sem os rótulos. Sem o sobrenome. Sem os números.
— E o que espera que eu faça?
— Caminhe. Observe. Converse com as pessoas. Vá até a pracinha, sente num banco e ouça. Deixe o mundo te alcançar de verdade.
Ele se encostou no sofá, confuso. Aquilo era insano. E, ao mesmo tempo, fazia algum sentido estranho que ele não conseguia explicar.
— Você sabe que meu pai vai enlouquecer se eu sumir — disse ele, mais para si mesmo do que para ela.
— Seu pai já enlouqueceu faz tempo. De tanto medo de sentir — ela disse, com tristeza. — Eu criei dois homens fortes, mas só um deles ainda pode escolher ser livre. E esse homem está aqui, na minha frente.
Silêncio.
Leonardo olhou ao redor da sala. Aquela casa parecia tão simples, mas havia nela uma paz que fazia falta em todos os lugares luxuosos por onde ele passara. Um lar de verdade. Não um cenário montado.
— Está bem — disse enfim. — Eu fico. Mas só por alguns dias.
Dona Amélia sorriu, satisfeita.
— É tudo o que eu preciso. E tudo o que você também precisa. Só não sabe ainda.
Naquela noite, Leonardo deitou-se em um quarto pequeno, com um colchão que rangia a cada movimento. Sem televisão, sem notificações no celular — que agora estava desligado, a pedido da avó — e sem o ruído constante da cidade grande.
Pela primeira vez em muitos anos, ouviu o som dos grilos do lado de fora. Sentiu o vento atravessar a janela semiaberta. E ficou ali, de olhos abertos, tentando entender o que estava fazendo naquele lugar. A única certeza que tinha era a de que, de alguma forma, aquela decisão tinha mexido com ele mais do que qualquer fusão bilionária que já assinara.
Talvez, só talvez... algo estivesse prestes a mudar.
O sol da manhã entrava pela janela do quarto como um convite silencioso para sair. Leonardo acordou cedo, o corpo um pouco dolorido pela cama simples, mas a mente mais leve do que esperava. Havia algo reconfortante naquela rotina desacelerada, ainda que estranha para alguém acostumado ao luxo e à correria.
Depois de tomar um café com pão caseiro preparado por Dona Amélia, ele saiu para caminhar. A cidade parecia pequena demais, mas cheia de vida. Crianças brincando nas calçadas, senhores conversando em bancos de praça, e um silêncio diferente — não o silêncio do isolamento, mas da presença.
Foi quando seus passos o levaram até uma pracinha rodeada por árvores antigas. No centro, havia um coreto branco, e logo à frente, um muro largo que servia como tela para algo inesperado: um mural sendo pintado com cores vibrantes.
Curioso, Leonardo se aproximou. Viu várias crianças ao redor de uma jovem que, pincel na mão, orientava os pequenos com paciência e sorrisos. Os cabelos castanhos estavam presos de maneira desajeitada, e um pouco de tinta coloria sua bochecha. Ela ria com facilidade, envolvida completamente naquele momento.
Ele parou, observando à distância. Algo naquela cena o prendeu — talvez a leveza, talvez a forma como ela parecia pertencer ao lugar, como se fosse parte da paisagem. Seus olhos não conseguiam desviar dela.
— Quer pintar também? — disse uma voz infantil, puxando-o de seus pensamentos.
Leonardo olhou para baixo e viu uma menininha de tranças, com um pincel estendido em sua direção.
— Acho que não sou muito bom nisso — respondeu ele, surpreso com a abordagem.
— Ninguém é bom até tentar — disse a menina, com a sabedoria inocente de quem ainda não aprendeu a duvidar de si mesma.
Antes que pudesse responder, a jovem do mural se virou, notando a interação.
— Ei, você é novo por aqui — disse ela, caminhando até ele com passos firmes. — Nunca te vi nessa praça.
— É porque eu nunca estive nela — respondeu Leonardo, sem jeito.
— Então seja bem-vindo. — Ela estendeu a mão, sorrindo. — Clara.
— Leonardo.
Os dedos dela estavam sujos de tinta, e mesmo assim ele apertou sua mão, como se aquele toque simples tivesse um peso inesperado.
— Está de passagem? — ela perguntou, voltando o olhar para as crianças.
— Mais ou menos. Vim visitar minha avó.
— Dona Amélia?
Ele assentiu, surpreso por ela saber.
— Todos conhecem todos por aqui — disse Clara, com um sorriso leve. — E sua avó é uma lenda.
Leonardo soltou uma risada. Fazia tempo que não ria com tanta naturalidade.
— Está pintando esse mural com as crianças?
— Projeto voluntário. Toda semana fazemos uma atividade diferente com os pequenos do bairro. Eles ajudam, criam, sujam tudo… e no final, aprendem algo — disse ela, orgulhosa. — E eu também.
— Você é professora?
— De arte. Mas meu salário vem da livraria da esquina. Dar aulas aqui é por amor. E por teimosia — completou, com humor.
Leonardo ficou em silêncio por um instante, tentando processar aquilo. Ele não sabia que tipo de gente fazia esse tipo de coisa. Estava acostumado a pessoas que cobravam até pelo tempo. Clara era diferente. Muito diferente.
— Vai ficar olhando ou vai ajudar? — ela perguntou, entregando-lhe um pincel grosso. — Tem uma parede aqui esperando por cor.
— Já disse que não sou bom nisso.
— E eu já disse que ninguém é até tentar.
Ele pegou o pincel, hesitante. Aproximou-se da parede e, com um traço tímido, passou um pouco de azul ao lado de um desenho de nuvem. As crianças riram, incentivando-o.
— Está vendo? Já começou — disse Clara.
Leonardo não percebeu o tempo passar. Quando deu por si, o sol já estava mais alto, e seu pincel estava manchado de várias cores. Conversou com Clara sobre tintas, arte, livros e, surpreendentemente, sobre silêncio. Ela falava com paixão até mesmo sobre o som das folhas quando o vento soprava.
— Você parece ver beleza em tudo — comentou ele, intrigado.
— É que a vida já me mostrou o suficiente de feiura. A gente escolhe onde mirar os olhos — respondeu ela, com sinceridade.
Leonardo ficou com aquela frase na cabeça durante o resto do dia. Nunca tinha ouvido algo tão simples soar tão verdadeiro. Pela primeira vez, ele sentia que havia mais naquele lugar do que só calmaria rural. Havia algo que o fazia querer voltar no dia seguinte.
E, mesmo sem perceber, foi exatamente isso que ele fez.
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