Capítulo Um – Invisível aos Olhos Dele
O sinal tocou, e mais uma vez, Luana recolheu seus cadernos com pressa, tentando sair da sala antes que alguém a notasse. Mas como sempre, não foi rápida o suficiente.
— Ei, espantalho! — gritou Renata, a garota mais popular da escola, seguida de risadas maldosas. — Cuidado pra não tropeçar na própria feiura.
Luana baixou os olhos. Sentia o rosto queimar, mas não disse nada. Como sempre. Engolia o choro com dignidade, mesmo que por dentro se sentisse quebrada. A blusa larga escondia o corpo magro demais, o cabelo preso de qualquer jeito em um coque desajeitado, e os óculos enormes escorregando pelo nariz. Ela era invisível para uns e motivo de piada para outros.
Menos para ele. Rafael Moreira.
Ele era tudo que ela não era: bonito, confiante, cercado por amigos. Um sorriso que parava o corredor e olhos castanhos escuros que pareciam ver tudo… menos ela. Rafael era o tipo de garoto que fazia qualquer menina esquecer onde estava. Jogava futebol, tinha as melhores notas em Educação Física e dominava qualquer roda de conversa com seu jeito seguro e encantador.
E Luana o amava em silêncio.
Desde o primeiro ano do ensino médio, ela alimentava um sentimento que nunca ousou admitir nem para si mesma. Criava cenários na cabeça, imaginava como seria se ele algum dia notasse que ela existia. Às vezes, quando ele passava perto, ela prendia a respiração, torcendo para que ele esbarrasse nela por engano, pedisse desculpas e… quem sabe… dissesse seu nome.
Mas isso nunca acontecia.
— Oi, Lu — disse Cíntia, surgindo do nada e afastando os valentões com um olhar mortal. — Ignora esses idiotas, vai. Eles vivem da infelicidade alheia.
Luana forçou um sorriso. Cíntia era sua única amiga, a única que a enxergava de verdade. Estudavam juntas desde o ensino fundamental e tinham criado um laço que ninguém conseguia quebrar. Se não fosse por ela, Luana já teria desistido de tudo.
— Você viu o Rafael hoje? — perguntou Luana, abaixando a voz, como se até o nome dele fosse sagrado demais para ser dito em voz alta.
— Ele tava na quadra, sem camisa. Um pecado ambulante — respondeu Cíntia, revirando os olhos. — Você tem que parar com essa paixão impossível, amiga.
Luana suspirou. Sabia que era loucura, mas não conseguia evitar. Rafael não era só bonito — ele parecia diferente. Tinha um jeito mais calmo, menos arrogante que os outros meninos. Cuidava do irmão mais novo, dava lugar no ônibus, ajudava a avó a carregar as sacolas. Luana via tudo isso, sempre à distância.
— Ele nunca vai olhar pra mim, Cíntia. — Sua voz saiu baixa, quase um sussurro. — Eu sou só... a feia do colégio.
— Não fala isso. — Cíntia pegou a mão dela. — Você é linda, só não se enxerga ainda. Um dia, você vai ser tão poderosa que ele vai implorar pra te notar.
Luana sorriu, mas era um sorriso triste. Sabia que o mundo não era feito de contos de fadas. No colégio, ela era apenas a esquisita, a que ninguém queria por perto. Enquanto Renata desfilava com seu corpo escultural e o cabelo escovado, Luana era o contraste. E Rafael... ele era inalcançável.
Naquela tarde, ao sair do colégio, Luana viu Rafael sentado no capô de um carro, rindo com os amigos. O sol iluminava seu rosto de um jeito quase cinematográfico. Ela parou por um segundo, só para observá-lo.
Então ele olhou em sua direção.
Por um breve instante, os olhos dele encontraram os dela. Luana congelou. Será que…?
Mas não. Ele apenas olhava para algo atrás dela. Talvez Renata, ou qualquer outra garota mais interessante. Ele desviou o olhar e continuou conversando como se ela não estivesse ali.
Luana continuou andando, o coração apertado no peito. Doeu. Mais uma vez, ela era invisível. Mais uma vez, não era suficiente.
Mas o que ela não sabia — o que ninguém sabia — é que aquele mundo que hoje a desprezava, um dia, a veria brilhar. E Rafael Moreira… ah, ele ainda aprenderia a dizer seu nome.
Capítulo Dois – O Herdeiro do Morro
O tempo passou, mas a dor de ser invisível continuava a queimar no peito de Luana. Agora com dezessete anos, ela estava no último ano do ensino médio, e embora seu corpo começasse a mudar — ganhando curvas delicadas, a pele limpando, os traços se suavizando — a visão que todos tinham dela seguia a mesma. Era como se estivessem cegos para qualquer transformação. Todos... menos Cíntia.
— Se você deixasse eu te maquiar só um pouquinho… — insistia a amiga, sentada na cama de Luana com um batom na mão. — Você tem um rosto lindo, só tá escondido aí, nesse exército de moletom e rabo de cavalo.
— E pra quê? Pra ser alvo da Renata e das outras de novo? — respondeu Luana, rindo sem humor. — Tô bem assim. Invisível dói, mas ao menos não machuca tanto quanto virar piada.
Cíntia não desistia, mas respeitava. Sabia que, por trás daquela armadura, havia uma menina que sentia tudo em dobro. E principalmente, sabia que o coração de Luana ainda pertencia a Rafael Moreira.
Mas o Rafael de agora não era mais o mesmo garoto sorridente que jogava bola na quadra da escola. Ele havia mudado. Depois da morte do pai — o lendário Tio Zé, um dos homens mais temidos do Complexo — Rafael assumiu o controle do morro com apenas dezoito anos. Ninguém achou que ele daria conta, mas ele surpreendeu a todos.
Passou a andar com seguranças, a dar ordens, a ser chamado de “chefe” por homens que antes o tratavam como moleque. Rafael virou respeitado, temido. E mais distante do que nunca de Luana.
Ela o via de longe, em reuniões na laje, cercado por motos potentes e vozes sussurrando estratégias. Ele agora era o dono de tudo: das ruas, das festas, do olhar das mulheres. Inclusive de Renata, que não perdia a chance de colar nele como uma sombra.
Mesmo assim, o coração de Luana não mudava. Toda vez que ouvia o nome dele, uma parte dela ainda sonhava com aquele garoto do colégio, o que ajudava a avó com as sacolas e ria com os amigos no pátio. Aquele garoto ainda existia? Ou teria desaparecido com o pai, soterrado sob o peso de um trono manchado de sangue?
— Ele mudou, Lu — disse Cíntia, certa tarde. — Você precisa entender isso. Ele não é mais o mesmo.
— Eu sei — respondeu ela, mexendo no caderno sem foco. — Mas o meu sentimento não mudou. E isso… isso é pior.
Ouvia-se, pelas ruas, histórias sobre Rafael. Como ele negociava com traficantes maiores, como impunha regras no morro, como protegida as crianças da comunidade e mantinha as bocas de fumo funcionando com disciplina quase militar. Ele era uma mistura perigosa de justiça e perigo. Uma lenda viva.
E Luana, como sempre, só observava. Amava em silêncio. Sofria sozinha.
Até que, numa noite de sábado, a rotina dela virou de cabeça pra baixo.
Estava voltando da mercearia quando viu Rafael parado na esquina, encostado numa moto, cercado por dois comparsas. Estavam rindo de alguma coisa. Quando ela passou, baixou a cabeça instintivamente. Mas dessa vez, algo diferente aconteceu.
— Ei. — A voz dele a fez parar. O coração disparou. — Tu não é aquela menina que estudava comigo?
Ela congelou.
— É a Luana, né? — Ele sorriu, um sorriso torto que ela nunca esqueceu. — A CDF.
Luana virou o rosto devagar, surpresa por ele lembrar seu nome.
— Sou eu, sim — respondeu, a voz firme apesar do coração em frangalhos.
Rafael assentiu, a observando por um segundo a mais do que o necessário.
— Tá diferente — comentou. — Mas continua quieta, né?
Ela não sabia se era um elogio ou provocação. Talvez os dois. E antes que ela pudesse dizer algo, ele já estava de volta à conversa com os comparsas, como se aquele momento não tivesse significado nada.
Mas pra Luana… significou tudo.
Porque pela primeira vez, Rafael Moreira a enxergou.
E isso foi o bastante para reacender todos os sentimentos que ela tentou enterrar.
LUANA A FEIA
RAFAEL DONO DO MORRO
CINTIA AMIGA DELA
RENATA
PAOLLA
JESSYCA
Capítulo Três – Suja de Dor
Era fim de tarde na favela, e o céu alaranjado pintava os becos com uma luz suave. Luana voltava da faculdade com o caderno apertado contra o peito e a mochila gasta nas costas. Vestia o mesmo moletom de sempre, largo demais, escondendo o corpo que já não era tão franzino assim. Ainda preferia o anonimato, ainda evitava chamar atenção.
Mas naquela tarde, o destino parecia pronto pra testar sua resistência.
Na pracinha do alto do morro, um grupo de meninas ria alto, sentadas no murinho de cimento. Elas não estudavam, não trabalhavam, mas andavam como se o morro fosse delas. As mesmas que Luana via desde o colégio, agora piores, mais venenosas, com unhas de acrílico e cabelo alisado com chapinha, chamando atenção de quem passava com seus shortinhos colados e blusas decotadas.
Eram elas. Renata à frente, sempre com aquele sorriso torto e cruel.
— Olha quem tá passando, gente — disse ela, se levantando. — A intelectual. A princesinha dos livros.
Luana tentou passar sem olhar, o coração acelerado. Sentia o suor frio na nuca.
— E ainda com esse moletom horroroso. Certeza que tem umas traças morando aí dentro — zombou outra, arrancando risos do grupo.
— Tá pensando que é melhor que a gente, é? Só porque estuda? — Renata se aproximou, empinando o queixo. — Vai ver tá achando que um dia o chefe vai olhar pra ela. Coitada.
Luana segurou o choro. Respirou fundo. Só queria passar. Mas Renata não deixou.
— Fala alguma coisa, ô palmito sem graça. Cadê toda essa pose de doutora?
A raiva e a dor se misturavam no peito de Luana. Quando tentou desviar, sentiu uma mão empurrando seu ombro.
— Anda logo, sua ridícula!
O impulso a desequilibrou, e num segundo, Luana caiu de joelhos. A mochila escorregou pelas costas e o caderno foi parar no chão, bem no meio de uma poça de lama. Antes que ela pudesse reagir, uma das meninas chutou o caderno com força, sujando ainda mais suas folhas cheias de anotações.
Renata gargalhou. — Agora combina mais contigo.
Luana, de joelhos, olhou para as páginas encharcadas. As lágrimas que vieram dessa vez não foram contidas. Escorreram pelo rosto já sujo, misturadas com a lama nas mãos. Não havia dignidade ali. Não havia justiça. Só a velha dor de sempre.
Mas o que aquelas meninas não sabiam é que Luana não estava sozinha naquela praça.
De longe, encostado num carro preto, Rafael observava tudo em silêncio.
Ele tinha subido o morro para resolver um assunto com os aliados, mas parou ao ver a confusão. Reconheceu Luana de imediato. Mesmo com o moletom velho, havia algo nela que o fazia prender o olhar. Aquela postura cansada, mas resiliente. A força contida por trás da dor.
Viu cada palavra cruel. Viu quando ela caiu. Viu a lama no rosto, nas mãos. E aquilo… aquilo mexeu com ele.
— São elas de novo — comentou um dos homens ao lado. — Essa Renata não tem limite. Vive se achando rainha.
Rafael não respondeu. Os olhos dele estavam cravados em Luana.
Ela se levantou devagar, recolhendo o caderno com as mãos trêmulas. Olhou em volta, como se procurasse um canto pra desaparecer. Mas então, algo diferente brilhou em seu olhar. Uma faísca. Uma raiva silenciosa.
Ela não disse nada. Não revidou. Apenas ergueu o rosto, mesmo com a lama, e caminhou com dignidade.
Rafael sentiu o peito apertar. Não era pena. Era admiração. E algo mais. Algo que ele não sabia nomear ainda.
Naquele instante, sem ela saber, o chefe do morro começou a vê-la de um jeito novo. E Renata, que gargalhava alto, jamais imaginaria o preço de zombar de quem carrega força no silêncio.
Claro! Aqui está a apresentação dos personagens, agora com idade, personalidade e um breve resumo da história de cada um:
---
Personagens de “A Feia do Morro”
---
Luana Silva
Idade: 21 anos
Personalidade: Reservada, inteligente, resiliente, doce, emocionalmente forte.
História: Cresceu na favela, sempre vista como “a feia” por causa de sua aparência simples e do jeito tímido. Sempre usou moletons largos, não se arrumava e evitava chamar atenção. Foi vítima de bullying pesado na escola, principalmente por parte de Renata e suas amigas. É apaixonada por Rafael desde os tempos de colégio, embora ele nunca tenha reparado nela. Agora estuda Direito e sonha em mudar de vida. Mesmo insegura, é extremamente determinada e tem um brilho interno que poucos veem — mas que, um dia, vai mudar tudo.
---
Renata Souza
Idade: 22 anos
Personalidade: Arrogante, vaidosa, manipuladora, ciumenta, cruel com quem considera inferior.
História: Cresceu na mesma comunidade que Luana, mas desde nova se destacou pela beleza. Sempre foi a líder do grupinho que praticava bullying. Nunca se interessou por estudar, vive se envolvendo com homens influentes do morro em busca de dinheiro, poder e status. É apaixonada por Rafael, mesmo ele nunca tendo demonstrado interesse. Enxerga Luana como uma ameaça quando percebe que ele começa a olhar para ela — o que desperta ainda mais inveja e crueldade.
---
Cíntia Ramos
Idade: 21 anos
Personalidade: Divertida, fiel, estilosa, boca suja, cheia de atitude, conselheira sincera.
História: Melhor amiga de Luana desde a infância. Sempre a protegeu das humilhações e nunca ligou para o que os outros pensavam. Sonha em trabalhar com moda e tem um talento natural para transformar o visual das pessoas. É ela quem, mais pra frente, ajuda Luana a se arrumar para a famosa festa onde tudo muda. Cíntia é o alicerce de Luana — quem enxerga sua beleza antes de todo mundo.
---
Jessyca Ferreira
Idade: 22 anos
Personalidade: Fofoqueira, interesseira, metida, cruel, mas insegura por dentro.
História: Uma das amigas de Renata. Vive colada com ela, repetindo tudo o que ela faz e fala. Gosta de se sentir superior às outras meninas da comunidade. Usa roupas chamativas, vive de aparência e adora estar no centro das atenções. Tem inveja do jeito verdadeiro de Luana, mas nunca admite.
---
Paula Cardoso
Idade: 23 anos
Personalidade: Silenciosa, falsa, sarcástica, seguidora, invejosa.
História: Também do grupo de Renata, Paula é menos falante, mas nunca perde uma chance de rir de Luana. Vive se comparando com as outras, tem baixa autoestima e se esconde atrás da arrogância do grupo. Tem ciúmes da amizade de Renata com Rafael, mesmo que finja que não.
---
Rafael Monteiro
Idade: 25 anos
Personalidade: Frio, protetor, intenso, observador, líder nato.
História: Rafael cresceu no morro, filho do antigo chefe do tráfico. Herdou o comando ainda jovem, após a morte trágica do pai. É temido e respeitado, mas tem seus próprios traumas e cicatrizes. Sempre viu Luana como alguém invisível, até que começa a observá-la de longe — e percebe uma força nela que ele nunca tinha notado em mais ninguém. Carrega uma relação conturbada com o amor, mas isso vai mudar quando o destino o colocar frente a frente com o que sempre ignorou.
---
Pedro Nascimento
Idade: 28 anos
Personalidade: Leal, explosivo, direto, confiável.
História: É o braço direito de Rafael e cuida das operações mais pesadas do morro. Cresceu junto com ele e o protege com a vida. Não gosta de Renata e enxerga nela uma ameaça disfarçada. Com o tempo, se aproxima de Cíntia, apesar de negarem a atração que surge entre eles.
---
Renato Monteiro
Idade: 25 anos (irmão gêmeo de Rafael)
Personalidade: Sarcástico, sedutor, carismático, imprevisível.
História: Irmão gêmeo de Rafael, mas com um jeito totalmente diferente. Foi embora do morro cedo e voltou anos depois. Tem um passado misterioso e um charme perigoso. Gosta de provocar, inclusive o irmão. Vai mexer com muita gente — inclusive com uma que ele jamais deveria.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!