A Sicília despertava sob um céu acinzentado, e a brisa do mar, que antes acalmava o coração de Elisa Castellazzo Ferrari, agora apenas a feria. Era como se a ilha sentisse sua dor, como se o vento sussurrasse memórias que ela implorava para esquecer.
Na noite anterior, Elisa assistiu em silêncio ao que considerava ser o fim de um capítulo que nunca teve um final feliz. Luiggi, o amor da sua infância, o rapaz que ela conhecia melhor do que a si mesma, se ajoelhou diante de Sofia e pediu sua mão em casamento. O brilho no olhar dele não deixava dúvidas: ele havia seguido em frente. E ela, definitivamente, não fazia mais parte do futuro dele.
Ela não chorou na frente de ninguém. Esperou que os aplausos ecoassem e se afastou lentamente da sala onde o noivado fora celebrado. Seu irmão, Mateus, estava distraído em uma conversa com outros membros da família. Ninguém notou sua saída — ninguém, exceto Carla.
Carla, sua sobrinha, estava encostada perto da escada, longe da euforia, com os olhos atentos e a sensibilidade herdada da mãe. Quando viu Elisa pegar a bolsa e descer em silêncio, seguiu-a sem dizer nada.
— Vai embora assim, tia? — sussurrou Carla, do topo da escada, quando Elisa já se aproximava da porta.
Elisa parou, fechou os olhos por um segundo, e respirou fundo.
— Já vi o suficiente, Carla. Ele fez a escolha dele.
Carla desceu os degraus rapidamente, os olhos marejados.
— Não precisa ir agora. Fica essa noite, pelo menos. Amanhã a gente conversa…
— Amanhã será pior. — disse Elisa, com a voz firme, mas quebrada por dentro. — Eu já estava esperando por isso, Carla. No fundo, sempre soube que esse momento chegaria.
Elisa saiu pela porta principal com passos contidos. A noite estava silenciosa, como se respeitasse sua dor. Carla a seguiu até o carro que a LME havia deixado estacionado a alguns quarteirões dali. Elisa não queria chamar atenção. Não queria despedidas.
— Vai pra onde?
— Para casa. — respondeu, com um sorriso triste. — Por enquanto. Preciso arrumar minhas coisas. Preciso sair daqui.
— Você vai mesmo embora da Itália?
Elisa assentiu.
— Vou deixar tudo pra trás, inclusive esse lugar que só me lembra do que perdi. Meus pais, meus sonhos... Luiggi.
Elas andaram em silêncio. A cidade dormia, e cada passo de Elisa parecia mais um adeus. Quando chegaram perto da casa que antes fora o lar dos seus pais, Elisa hesitou na porta.
— Entra comigo?
Carla assentiu, e as duas entraram em um lugar que parecia parado no tempo. Fotos, livros, o perfume suave de lavanda... tudo ali gritava os nomes de Isabela e Fabrício.
Elisa caminhou até a sala, sentou-se no sofá e desabou. As lágrimas que havia segurado por tanto tempo finalmente escaparam, intensas, doloridas. Carla sentou-se ao lado, segurando sua mão em silêncio.
Horas depois, quando o céu começava a clarear, Elisa pegou o telefone. Discou o número de sua tia Ema, nos Estados Unidos.
— Alô?
— Tia… — sussurrou, com a voz embargada. — Eu não aguento mais ficar aqui. Cada parede dessa casa fala dos meus pais. E agora... saber que Luiggi não me ama mais… que ele vai casar com outra… Me destrói. Se eu ficar aqui, vou querer me juntar a eles.
Do outro lado da linha, Ema ficou em silêncio por um segundo, surpresa com a intensidade do que acabara de ouvir. Mas logo sua voz firme assumiu o controle:
— Elisa, escuta o que vou te dizer: pegue suas coisas e venha para cá. Imediatamente. Eu não vou perder você também. Andrew, os gêmeos e eu vamos cuidar de você. Vai recomeçar aqui. Promete?
Elisa respirou fundo.
— Prometo, tia.
Na manhã seguinte, Elisa se preparou para deixar a Itália. Não deixou recado. Não avisou ninguém, nem mesmo Mateus. Só Carla sabia, e foi a única pessoa que a acompanhou até o jatinho particular da LME.
O aeroporto particular da região estava vazio, como se fosse parte do luto que ela carregava no peito. As malas já estavam no carro. Carla segurava uma das alças, com olhos vermelhos de choro contido.
— Tem certeza disso? — perguntou, pela última vez.
— Tenho. Preciso deixar essa dor aqui. Preciso parar de viver em função de quem não me escolheu.
Carla abraçou a tia com força. Elisa devolveu o abraço, com os olhos fixos na pista. Lágrimas desciam silenciosas, mas não mais como sinal de fraqueza — e sim de um adeus necessário.
— Promete que vai ser feliz, tia?
— Prometo que vou tentar. — respondeu Elisa.
E então, sem olhar para trás, ela subiu a escada do jatinho. A Sicília ficava para trás, levando consigo o amor perdido, os pais enterrados e os sonhos que não sobreviveram à realidade. À frente, apenas o desconhecido — mas também a chance de recomeçar.
O jatinho particular da LME cruzava os céus da Sicília como uma flecha silenciosa, deixando para trás não apenas uma terra marcada por memórias, mas também o coração despedaçado de Elisa Castellazzo Ferrari. Ela estava sentada à janela, os olhos fechados, tentando encontrar algum tipo de alívio no som constante dos motores. Cada quilômetro a afastava do lugar onde viu o amor da sua vida, Luiggi, se ajoelhar diante de outra mulher. Aquela cena era a última estocada de uma dor que já vinha crescendo desde a morte dos pais.
Elisa não se despediu de ninguém. Apenas Carla, sua sobrinha e confidente, viu quando ela saiu da casa de Mateus, com a mala de rodinhas e o olhar firme — embora seus olhos escondessem um vendaval. No caminho até o jatinho, Carla não fez perguntas. Sabia que a dor não cabia em palavras. Antes de embarcar, Elisa olhou uma última vez para o céu da Sicília e sussurrou para si mesma:
— Eu deixo aqui tudo. A lembrança dos meus pais… e o amor que me destruiu.
Horas depois, o jatinho pousava suavemente em solo americano. Elisa abriu os olhos com a sensação de que acordava de um sonho doloroso — ou de um pesadelo. Lá, aguardando-a como uma fortaleza viva, estava Ema Castellazzo Blake, a mulher que sempre foi mais do que uma tia. Elegante, imponente, e com a ternura escondida sob a força que a vida exigiu dela. Ao seu lado, com as mãos nos bolsos e um leve sorriso nos lábios, Andrew Blake observava com calma. Homens de preto cercavam o local, atentos, mas o olhar do casal era puro acolhimento.
Assim que desceu, Elisa foi imediatamente envolvida por Ema num abraço longo, silencioso e necessário. As lágrimas brotaram antes que pudesse resistir.
— Eu entendo, minha menina… — murmurou Ema, afagando os cabelos da sobrinha com carinho. — Talvez não toda a dor… mas parte dela, sim.
Andrew se aproximou e a abraçou com firmeza.
— Essa casa vai ficar ainda mais bonita agora que temos mais uma mulher linda por aqui — disse com seu bom humor afiado. — Você está em casa, Elisa.
O carro os levou até a mansão dos Blake. Elisa manteve os olhos na janela, como se absorver a paisagem fosse mais fácil do que encarar a própria tristeza. A cidade americana se abria à sua frente como uma promessa — mas ela ainda não conseguia acreditar nela.
Assim que a porta da mansão se abriu, passos apressados ecoaram pelo saguão. Ana Clara surgiu correndo, os cabelos castanhos esvoaçantes, os olhos brilhando ao ver a prima.
— Finalmente! Agora eu tenho uma amiga de verdade! — disse, abraçando Elisa com força. — Meu pai e o André não me deixam sair sem quatro ou cinco armários me seguindo!
Elisa soltou um risinho fraco, quase sem força, mas sincero.
— Sei como é… meu pai era igualzinho.
Ema se aproximou com passos suaves, os olhos já marejados. Passou um braço ao redor de Elisa e falou com a voz embargada:
— Nenhum desses homens da nossa família se comparava ao meu pai, Mateo Castellazzo… ele era feito de outra fibra. Confiava em mim como poucos. Dizia que eu era a minha própria segurança, que eu valia mais sozinha do que quatro ou cinco soldados armados.
Fez uma pausa, olhando nos olhos da sobrinha, e a puxou para mais perto.
— Eu sei exatamente o que você está sentindo, meu amor. Quando perdi seus pais… meu mundo também desabou. Acordei no dia seguinte à minha festa de aniversário e recebi a notícia… Foi como se uma faca tivesse atravessado meu peito. Desde então, nunca mais tive uma comemoração que não viesse com dor.
Elisa segurou as mãos da tia, sentindo o peso da dor compartilhada.
Ema enxugou os olhos e disse com firmeza:
— A dor não vai desaparecer, Elisa. Ela vai continuar aí, mas vai mudar. Você vai aprender a carregar. Vai aprender a viver apesar dela. E agora… agora sou eu que vou cuidar de você. Sua mãe foi como uma segunda mãe pra mim. Quando entrei nessa família, os meus irmãos já estavam crescidos. Mas Isabela… ela me acolheu como filha. E ajudou a mama me criar.
Acariciou o rosto de Elisa e sorriu com ternura.
— E agora, chegou a minha hora de te acolher. De ser o que você mais precisa: uma mãe, no meio desse caos.
Elisa chorou de novo, mas não apenas por dor. Chorou porque, mesmo ferida, ela ainda tinha onde se apoiar. E naquele instante, mesmo que por um breve momento, ela acreditou: talvez… talvez fosse mesmo possível recomeçar.
O jantar na mansão dos Blake seguia animado, embora ainda houvesse no ar a sombra do que Elisa carregava em silêncio. A comida, impecável como sempre, parecia quase um detalhe diante das conversas animadas à mesa. Ema, com sua elegância natural, coordenava tudo com maestria, enquanto Ana Clara enchia o ambiente com sua energia e sinceridade sem filtros.
Para quebrar o clima emocional que ainda pairava após o reencontro, Andrew, o tio sempre espirituoso, resolveu fazer uma de suas observações típicas:
— A última vez que alguém veio se refugiar aqui foi o seu irmão, Mateus… — começou ele, apoiando o garfo no prato e levantando as sobrancelhas em tom de provocação. — Ele veio só pra ver as obras do centro de treinamentos, e saiu daqui levando a Luciana de brinde. Quem sabe, Elisa, quando você voltar para a Itália, também não estará mais sozinha?
Ana Clara, que já estava de olho no pai, ergueu as mãos em indignação teatral.
— Muito engraçado, pai! Pra Elisa, o senhor quer logo arranjar um romance… Mas pra mim, coloca aqueles armários humanos pra me seguir até na padaria!
Andrew fechou a cara, cruzando os braços com firmeza.
— Ela não é minha filha.
Ana Clara deu uma volta rápida na cadeira e o encarou com o sorriso mais atrevido que tinha.
— Pois eu acho que preciso conversar com o tio Mateus e o tio Enrico… Quem sabe eles pensam diferente do senhor.
Ema, que assistia à pequena encenação com um sorriso contido, balançou a cabeça com leveza e interveio com sua voz doce, porém firme:
— Filha… o dia que você encontrar um pretendente, nem que eu tenha que prender esses dois homens — seu pai e seu irmão —, você vai viver esse amor. E digo mais: eu sou ótima em formar casais! Já juntei Luciana e Mateus, e ainda teve Ayla e Celso. Dois casamentos, um currículo de respeito, não acha?
Todos riram, menos Andrew, que ainda fingia estar emburrado. Ana Clara ergueu o queixo, orgulhosa da mãe, e Elisa finalmente soltou um suspiro leve, um quase sorriso. Ainda tímido, ainda pequeno, mas sincero.
— Eu agradeço, tia — disse Elisa, pousando os talheres e olhando para Ema com carinho. — Mas meu coração ainda está em pedaços. Depois de tudo com o Luiggi… eu não estou pronta pra amar ninguém.
Ana Clara ergueu a mão no ar como quem cancela um feitiço.
— Ai, ai, ai! Aqui está oficialmente proibido falar esse nome!
— Ana Clara… — murmurou Elisa, mas a prima foi categórica.
— Primo ou não, sobrinho ou não, ele fez a escolha dele, e você precisa se libertar disso. Deixa o Luiggi refazer a vida com a noiva dele. Você ainda vai encontrar alguém tão bonito quanto ele. Ou até mais bonito!
Andrew, que até então fingia estar calado, voltou a se manifestar, estreitando os olhos para a filha:
— Bonito? Que homem bonito é esse que você está pensando?
Antes que Ana Clara pudesse responder, a voz da Ema surgiu do outro lado da mesa, rindo:
— Nem começa, Andrew…
Elisa riu junto, com uma leveza que não sentia há semanas. Por um instante, tudo parecia menos pesado. Aquela troca de provocações, os olhares cúmplices, os sorrisos sinceros… ela conhecia aquilo. Era família. E mesmo longe da Sicília, mesmo com o coração em cacos, ela estava em casa.
— Eu juro que parece reunião de família — disse, enxugando discretamente uma lágrima do canto do olho, que não era de tristeza, mas de gratidão.
Ema tocou sua mão por cima da mesa e sorriu.
— Porque é. E você vai ver, minha menina… aqui é o lugar onde você vai recomeçar.
Elisa se recostou na poltrona da sala, sentindo aos poucos o ambiente acolhedor daquela casa amenizar o peso da sua dor. Mas mesmo cercada por carinho, sua mente não parava. Havia responsabilidades, pendências e decisões a tomar.
— Eu quero recomeçar, tia — disse com firmeza, encarando Ema com sinceridade. — Preciso procurar uma faculdade para dar continuidade ao curso de Administração. Não posso simplesmente parar. Também quero ajudar com a empresa. Preciso falar com os meus irmãos, pedir que me enviem recursos. Eu tinha algo na conta, mas o inventário ainda está em andamento. Vivia com o que o papai me mandava todo mês… agora é tudo tão incerto.
Ela desviou o olhar, a emoção apertando o peito.
— Não sei se vou manter a casa dos meus pais. Nem o que fazer com minha parte da herança.
Ema caminhou até ela e se ajoelhou à sua frente, segurando suas mãos.
— Não se preocupe com as despesas. Aqui você será tratada como mais uma de nossos filhos. Mas tem algo que precisa fazer agora. Você tem que ligar para os seus irmãos. Não foi certo sair sem se despedir, mesmo que sua dor tenha te feito agir por impulso.
Elisa abaixou a cabeça.
— Eu sei. Só que se eu olhasse para eles, eu não conseguiria ir embora… — murmurou.
Ema se levantou e disse com naturalidade:
— Então aproveita que já estão na linha. Andrew está com eles agora, discutindo os próximos passos sobre a caçada ao traficante de mulheres. Ele e André vão para a Itália amanhã. Mas eles precisam ouvir a sua voz.
Elisa ficou surpresa, os olhos se arregalando.
— Agora? Eles estão…?
Antes que pudesse completar a frase, Andrew entrou na sala, com o celular na mão.
— Estão esperando você — disse, oferecendo o aparelho.
Ela pegou com certa hesitação. Respirou fundo antes de levar o telefone ao ouvido.
— Alô?
Do outro lado, o silêncio foi breve, logo rompido pela voz de Mateus:
— Elisa? Graças a Deus!
E logo em seguida, a voz firme e emocionada de Enrico:
— Por que você saiu assim? Sem falar nada?
Ela engoliu em seco.
— Me desculpem. Eu só… eu precisava ir. Não consegui ficar. Ver o Luiggi com outra foi demais. E aquela casa, sem o papa e a mama… — sua voz falhou, e ela respirou fundo. — Estou nos Estados Unidos. Com a tia Ema e o tio Andrew. Só preciso de um tempo pra recomeçar.
Do outro lado, silêncio. Até que Andrew, ainda na linha, interveio com seu tom prático:
— Os dois ficaram aflitos, Elisa. Mas entenderam. Estão preocupados com você e querem que você saiba que tem o apoio deles, esteja onde estiver. E quanto a nós, partimos amanhã. Assim que resolvermos essa missão, vamos garantir que sua segurança e sua paz estejam intactas.
— Obrigada, tio… — murmurou, emocionada. — E me perdoem, Mateus, Enrico. Eu amo vocês. Só não sabia como dizer adeus.
— Não precisa pedir perdão — respondeu Enrico, com um suspiro. — A gente só quer que você esteja bem. Recomece aí, com calma. E nos mantenha informados.
Ela desligou com um nó na garganta, mas aliviada.
Ao devolver o telefone, Ema puxou-a para um abraço apertado. Andrew permaneceu calado, mas havia orgulho em seus olhos.
Elisa sorriu. Pela primeira vez, sentia que o recomeço era possível.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!