A floresta de Blackpine era evitada por todos. Diziam que quem se aventurava muito fundo nas árvores densas jamais voltava. Os mais velhos murmuravam histórias de um demônio silencioso que espreitava nas sombras... mas ninguém sabia seu nome. Ninguém sabia que aquele “demônio” tinha olhos humanos — frios, atentos e marcados por um passado tão sombrio quanto o próprio bosque.
Em um vilarejo próximo, morava Luna, uma garota de 17 anos. Silenciosa, de olhar triste e corpo coberto por marcas que ninguém ousava perguntar. A mãe vivia caída no chão da cozinha com a garrafa na mão, enquanto o padrasto... bem, a irmãzinha de cinco anos chorava todas as noites por motivos que só o inferno entenderia.
Cansada, quebrada e sem ninguém, Luna correu. Correu pra floresta proibida. Porque qualquer monstro seria melhor do que os que viviam na casa dela.
Mas o monstro a encontrou primeiro.
Não foi como nos filmes. Não houve gritos. Não houve correria. Apenas olhos se encontrando entre as sombras. Ele era alto, magro e os cabelos negros caíam em seu rosto pálido. Tinha um machado sujo de sangue nas mãos, mas seus olhos... estavam fixos nela. Não com ódio. Não com fome. Com curiosidade. E algo mais sombrio ainda: interesse.
Ela não gritou. Não tinha mais forças pra isso.
Ele se aproximou. O silêncio entre eles era mais denso do que a névoa.
— O que faz aqui? — a voz dele era rouca, seca, como se não fosse usada há muito tempo.
— Fugindo — ela respondeu com os olhos baixos.
Ele analisou cada marca em seu braço, os hematomas no rosto, o jeito como ela tremia, mas não de medo dele. Era como se ela já tivesse morrido por dentro... e isso o intrigou.
— Você... é quebrada como eu.
Naquela noite, ele não a matou.
Naquela noite, ele ficou por perto.
Naquela noite, alguém morreu na vila. Um homem. Seu padrasto.
E no dia seguinte, a garota voltou pra floresta. Não porque queria... mas porque sabia que ele a estava protegendo.
E ela, pela primeira vez, sentiu o que era ser protegida — mesmo que por um monstro.Perfeito! Vamos continuar com o Capítulo
Na floresta, o tempo parecia parar. Os sons da cidade, os gritos, as garrafas quebradas — tudo ficou pra trás. Luna se sentia estranhamente em paz entre os galhos retorcidos, mesmo sabendo que aquele lugar era lar de um assassino.
Ele nunca disse seu nome. E ela não perguntou. Chamava-o apenas de "Ele". Porque dar nome àquilo que se esconde na escuridão tornava tudo real demais.
Mas Ele... estava obcecado.
Ela era dele agora.
E qualquer um que a fizesse chorar novamente, veria o lado dele que nem a floresta ousava provocar.
Na manhã seguinte à morte do padrasto, outro corpo foi encontrado — um vizinho que uma vez zombou de Luna no mercado, depois de vê-la com o rosto machucado. Corte limpo na garganta. Nenhum rastro.
Ela soube na hora.
Soube que Ele estava observando.
Que sabia de tudo.
Que ouvia quando ela chorava.
— Por que tá fazendo isso? — Luna perguntou certa noite, sentada ao lado da fogueira que Ele montara no acampamento escondido entre árvores ancestrais.
— Porque você não merece dor. — Ele disse, enquanto afiava a faca. — Eu conheço dor. Cresci com ela. Aprendi a amar ela. Mas você... você ainda pode ser salva.
— E você?
Ele parou. A lâmina refletia o fogo. O rosto dele, duro, quase inumano... amoleceu por um segundo.
— Eu não quero ser salvo.
Ele contava, aos poucos, partes do passado. Como foi forçado a matar aos seis anos. Como seu pai ria enquanto ele tremia com a arma na mão. Como cada erro era punido com sangue, ossos quebrados, queimaduras. Como um dia, quando tentou fugir, mataram a única irmã dele — a única que era boa.
Agora, ele mata com gosto.
Mas com Luna... ele era diferente.
Protegia. Cuidava. Observava.
E se alguém ousasse olhar pra ela de forma errada... já era.
Luna começou a mudar.
De uma menina assustada, se tornou uma garota que conhecia o cheiro do sangue. Que aprendeu a não ter medo do escuro. Que sabia que, ao seu lado, havia alguém disposto a destruir o mundo se fosse pra protegê-la.
Mas quanto tempo até isso se tornar perigoso?
Quanto tempo até o amor virar prisão?
A floresta andava mais silenciosa do que o normal. Nem mesmo o canto noturno das corujas se ouvia. Luna notou isso enquanto lavava o rosto no riacho. A água estava gelada, cortante, mas trazia um certo alívio à cabeça confusa. Os dias ali dentro pareciam um borrão. A floresta já não assustava tanto. Ela conhecia suas trilhas, seus cheiros, os pontos onde podia encontrar frutas silvestres e raízes comestíveis. E conhecia... Ele.
Ele, que a observava mesmo quando ela não o via. Que aparecia do nada, com a roupa suja de lama e os olhos fundos, dizendo que "estava tudo sob controle". Que dormia perto o suficiente pra protegê-la, mas distante o bastante pra não tocar. Ainda assim, havia uma tensão no ar sempre que estavam juntos — um fogo contido, prestes a se espalhar pela mata inteira.
Naquela manhã, Luna acordou com o som de passos. Mas não eram os dele.
Eram pesados. Tensos. Medidos.
Ela ficou em silêncio, deitada sob as folhas que cobriam seu abrigo subterrâneo improvisado. Cada centímetro do seu corpo parecia saber que algo estava errado.
Segundos depois, Ele apareceu. Os olhos semicerrados. A mandíbula travada.
— Não saia daqui — disse apenas, e sumiu entre os arbustos.
Luna ficou imóvel, o coração martelando no peito. Ela não sabia o que temer mais: o que se aproximava... ou o que Ele faria com isso.
O homem que entrara na floresta se chamava Elias Figueira. Policial veterano, quarenta e dois anos de idade, casado, pai de duas filhas. Um homem bom, de coração justo. Mas cansado. Cansado de ver crianças sumirem. De ver corpos serem encontrados em valas. De sentir o cheiro da morte todo dia no trabalho e não fazer ideia de onde ela vinha.
Os assassinatos recentes haviam se espalhado como uma praga. Primeiro o padrasto da garota Luna. Depois, um vizinho. Um segurança. Dois guardas da cidade sumiram após uma patrulha próxima à floresta. A única ligação entre os casos? Todos tinham alguma conexão com Luna.
E então, ela também desapareceu.
"Não é coincidência", pensou Elias. "Alguém a levou. Ou ela fugiu... e achou coisa pior."
Elias caminhava lentamente, arma em punho, olhos varrendo o terreno. A floresta era espessa, sufocante. Cada árvore parecia esconder olhos. O suor escorria pelas têmporas mesmo com o frio. Ele havia deixado seu carro a dois quilômetros da entrada, escondido. Viera sozinho — contra ordens superiores. Sabia que, com uma equipe, o “alvo” fugiria. Mas sozinho... poderia surpreender.
Ele não esperava ver Luna.
Muito menos daquele jeito.
Ela estava sentada em uma pedra coberta de musgo, os cabelos desgrenhados, as roupas sujas, mas o olhar... aquele olhar calmo, como se fosse parte da floresta.
— Luna?
Ela se virou devagar. Parecia reconhecer a voz. Seus olhos se arregalaram por um instante, depois voltaram ao normal.
— Você... é policial?
— Sim. Sou Elias. Tô aqui pra te levar de volta. Você tá segura agora. Vamos pra casa, tá?
Ela não respondeu.
— A sua irmã está bem. Está sendo cuidada por assistentes sociais. Você pode vê-la, Luna. Mas precisamos sair daqui.
Ela deu um passo para trás.
— Não posso ir.
— Por quê?
— Ele tá aqui.
— Quem?
Luna engoliu seco.
— Você precisa ir embora. Agora.
— Luna, você não entende. Esse homem é perigoso. Você tá assustada. Vem comigo, por favor. Eu juro que vou te proteger.
— Já sou protegida.
A voz dela saiu firme.
Foi nesse momento que Elias percebeu.
Ela não estava com medo. Não daquele lugar. E talvez... não dele.
Estava com medo do que aconteceria com ele.
O som do machado cortando o ar foi mais rápido que o grito.
Elias teve apenas tempo de virar o rosto e ver a sombra surgir entre os arbustos. A lâmina acertou o ombro dele em cheio, abrindo um corte profundo. Ele caiu de joelhos, a arma escorregando da mão.
Ele surgiu de pé, imponente, os olhos cravados no policial.
— Eu avisei. — murmurou.
— Desgraçado... — Elias tentou alcançar a arma, mas a bota do assassino esmagou seus dedos antes que pudesse tocar no cabo.
— Você veio pegar o que é meu. — a voz dele era baixa, controlada, mas fervia por dentro.
— Ela não é sua... é só uma menina...
A lâmina voltou a subir.
Luna gritou.
— PARE!
Ele parou. A lâmina suspensa no ar, tremendo nas mãos.
— Por favor... — ela sussurrou. — Não faça isso.
Os olhos dele encontraram os dela. Por um momento, houve hesitação. Um segundo apenas.
Mas foi o suficiente para Elias agarrar a arma e atirar.
O tiro pegou de raspão no abdômen de "Ele". Ele cambaleou para trás, rosnando como um animal ferido. Mas não caiu. O machado girou, e desta vez, Elias não teve chance.
O corte foi preciso. Frio. Silencioso.
O corpo caiu lentamente, como se o tempo tivesse desacelerado só para Luna assistir.
Ela correu para ele, mesmo sabendo que já era tarde. Elias ainda estava consciente, por um fio.
— Ele vai... te destruir — murmurou, o sangue escorrendo da boca.
Ela segurou a mão dele com força. Chorava, mas não por ele. Chorava pelo que se tornava. Pelo que aceitava. Pelo que estava perdendo dentro de si.
Ele se aproximou por trás. Colocou uma das mãos ensanguentadas no ombro dela.
— Eu disse que ninguém vai te tirar de mim.
Ela não respondeu. Apenas ficou ali, ajoelhada, olhando os olhos do policial apagarem.
E no fundo, uma parte dela... sentiu alívio.
Não porque Elias morreu.
Mas porque agora, não havia mais volta.
Naquela noite, a floresta parecia mais viva do que nunca. Os galhos se mexiam sem vento. Os grilos se calaram. E a Lua, cheia no céu, observava a cena lá de cima como uma testemunha silenciosa.
Ele cavou uma cova funda com as próprias mãos. Luna ajudou a cobrir o corpo com terra. Nenhum deles falou durante horas.
Quando o trabalho terminou, ela sentou-se na beira do buraco e olhou para as mãos cobertas de sangue seco e lama. Estavam tremendo.
— Isso vai acontecer sempre? — perguntou.
— Enquanto tentarem te levar, sim.
— E se um dia... eu quiser ir?
Ele a olhou com algo entre dor e fúria.
— Você não vai.
Silêncio.
Ela não disse que sim. Não disse que não.
Naquela noite, dormiram lado a lado. A mão dele repousava sobre a dela. E embora o corpo estivesse ali, a mente de Luna vagava por lugares que ela não sabia se existiam mais.
"Sou prisioneira?", pensava.
"Ou parte disso?"
As folhas sussurravam sobre amor e sangue.
E a floresta, cúmplice de tudo, os acolhia como seus novos filhos.
O corpo do policial ainda estava lá, coberto por folhas e terra. A carne começava a se desfazer, o cheiro doce da decomposição impregnando o ar da floresta. Luna já não tapava mais o nariz. Já não virava o rosto. A morte, antes uma presença distante e apavorante, agora era parte da rotina. Como a chuva, como o vento, como Ele.
Depois daquilo, tudo mudou.
Ele ficou mais vigilante, mais próximo. Dormia ao lado dela agora, mesmo que ela não dormisse. Mantinha as armas limpas, afiadas. Caçava não só animais, mas ruídos. Qualquer som estranho, qualquer vulto que cruzasse o campo de visão — Ele sumia na mata como uma sombra viva. Sempre voltava sujo de sangue. Sempre com os olhos calmos quando a olhava.
— Estão vindo atrás de você. Eu sinto. — disse numa noite, enquanto Luna observava as estrelas através da abertura na copa das árvores.
— Por minha causa?
— Por nós dois. Eles querem te levar pra longe. Eles não entendem que você é minha.
Ela engoliu seco.
"Minha."
A palavra ecoava no peito dela como uma corda apertando.
Mas parte de si mesma não odiava aquilo.
Parte de si mesma... se sentia querida, pela primeira vez.
Naquela madrugada, Ele teve um pesadelo. Um raro momento de fragilidade. Gritava nomes que Luna não conhecia. Chorava — mas com raiva, não tristeza. Acordou ofegante, suado, com as mãos tremendo. Luna se aproximou, hesitante.
— Foi sua família? — ela perguntou, tocando o braço dele.
Ele a olhou como uma fera encurralada. Depois, abaixou a cabeça.
— Eles faziam eu ajoelhar sobre vidro quebrado se eu errasse a mira. Faziam minha irmã assistir enquanto me batiam com corrente. Quando chorei pela primeira vez... me deixaram trancado num porão por dias. Me alimentavam com comida de cachorro.
Silêncio.
Luna sentiu o estômago revirar.
Ele continuou.
— Aos 6 anos, meu presente de aniversário foi uma faca. Me mandaram matar um homem que devia dinheiro à família. Meu pai me levou até ele e disse: "Ou ele morre, ou você morre".
— E você...?
— Matei. Chorei por três dias. Depois nunca mais.
Ele se virou para ela.
— Até conhecer você. Você me faz lembrar que ainda sou humano.
Ela não respondeu. Apenas deitou ao lado dele, em silêncio. Os olhos fixos na escuridão acima.
Os dias seguintes foram cheios de tensão.
Ele começou a falar de planos. De irem mais fundo na floresta, onde ninguém jamais os encontraria. Um lugar onde o mundo não existiria, só os dois.
Mas Luna... ela começava a ter dúvidas.
O que aconteceria se um dia ela quisesse sair da floresta?
Se quisesse ver a irmã?
Se... quisesse dizer "não"?
Ela sabia a resposta. Via nos olhos dele. Amor e loucura viviam ali lado a lado, como dois lobos famintos.
Naquela noite, enquanto Ele dormia, Luna se levantou devagar e caminhou até o velho casaco do policial. No bolso, achou o rádio.
Apertei o botão. Uma estática chiou. Depois, uma voz.
— Unidade central, alguém na frequência?
Ela hesitou.
"Se eu falar, eles vêm. Se eu calar, fico pra sempre."
O som dele se mexendo atrás dela fez o sangue congelar.
Ela soltou o botão.
— O que você tá fazendo, Luna?
A voz dele soava calma.
Mas ela já sabia.
Calma era o tom que Ele usava antes de matar.
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