O céu se tingia de tons púrpura e laranja, espalhando sombras distorcidas pelos escombros da cidade. Parauapebas estava morta—pelo menos, para aqueles que ainda respiravam. O cheiro de carne putrefata misturava-se ao aroma de fumaça e óleo queimado, tornando o ar denso, sufocante.
Arthur se esgueirou entre os destroços de um ônibus virado, mantendo o facão próximo ao peito, seus dedos apertando o cabo com força. O silêncio era o verdadeiro inimigo. Quando os zumbis estavam por perto, sempre havia algo—um gemido baixo, o arrastar dos pés, o som de dentes trincando. Mas agora? Nada.
O rádio em seu bolso chiou, fazendo seu coração disparar.
— Arthur... você me escuta? — Helena sussurrou, sua voz carregada de urgência.
Ele puxou o aparelho com mãos suadas.
— Estou aqui. Não vejo nenhum deles, mas isso não significa que estamos seguros.
Uma pausa. O silêncio se alongou, como se até ela hesitasse em responder. Então, finalmente, veio a mensagem:
— Os rastreadores voltaram.
Arthur sentiu um arrepio subir pela espinha. Rastreadores. Não eram como os outros. Eram rápidos. Inteligentes. Trabalham em grupo. Os mortos comuns apenas vagavam sem propósito—mas os rastreadores? Eles caçavam.
Respirando fundo, ele olhou para o horizonte. O Hospital Municipal se erguia entre os destroços, suas janelas escuras parecendo olhos vazios observando a cidade morta. Se houvesse suprimentos em algum lugar, seria ali. Mas também poderia ser uma armadilha.
Ele analisou as ruas ao redor. Nenhum movimento. Nenhum som. E isso apenas tornava tudo pior.
Arthur sabia que hesitar era um luxo que ele não podia se permitir.
Com um último olhar para trás, ele apertou o facão e correu em direção ao hospital, mantendo-se rente às paredes dos prédios destruídos, evitando pontos abertos. Cada passo ecoava em sua mente como um lembrete do perigo iminente.
Ao se aproximar do hospital, sentiu uma nova inquietação. As portas estavam entreabertas, balançando lentamente com o vento. Marcas de sangue fresco manchavam a entrada, trilhas desordenadas levando para dentro do prédio escuro.
Arthur parou por um instante, seu coração martelando contra o peito. Ele precisava entrar. Mas se os rastreadores já estavam lá dentro...
O rádio chiou novamente.
— Arthur?
Mas antes que ele pudesse responder, um som cortou o silêncio.
Uma respiração pesada.
Não sua.
Alguém—ou algo—o observava.
E ele sabia que, se cometesse um único erro, nunca sairia daquele hospital vivo.
O hospital se erguia diante de Arthur, sua entrada desgastada pelo tempo e pelo caos que havia tomado conta do mundo. As portas de vidro balançavam suavemente com o vento, rangendo como um aviso sombrio. Ele apertou o cabo do facão, sentindo o suor escorrer pela palma da mão.
O último passo antes de cruzar a entrada foi acompanhado por um pensamento inevitável: se eu entrar, talvez não saia.
O cheiro de mofo e sangue impregnava o interior do hospital. Luzes piscavam esporadicamente, revelando paredes cobertas de marcas de luta, objetos caídos e rastros de sangue seco. O silêncio ali dentro era diferente do silêncio da cidade. Era denso. Sufocante.
O rádio chiou em seu bolso.
— Arthur... você entrou? — Helena sussurrou, a voz carregada de inquietação.
Ele olhou ao redor antes de responder.
— Sim. O hospital está destruído, mas tem sinais de movimento recente.
A recepção era um cenário de caos congelado no tempo. Papéis médicos espalhados pelo chão, cadeiras reviradas, vidros quebrados refletindo fragmentos de luz. Algo havia acontecido ali—e não fazia muito tempo.
Ele deu mais alguns passos, seguindo as marcas de sangue no chão. O corredor que levava às salas de atendimento estava mergulhado na escuridão. Foi então que ouviu.
Respiração.
Baixa. Profunda.
Ele parou instantaneamente. Sabia diferenciar os sons de um errante comum dos rastreadores. E o que quer que estivesse naquela sombra não era um dos mortos comuns.
Arthur recuou lentamente, mantendo-se próximo à parede, pronto para correr se precisasse.
O rádio chiou de novo.
— Arthur, você precisa sair daí. — Helena falou, seu tom de voz mais urgente. — Os rastreadores estão dentro do hospital.
Um estalo ecoou pelo corredor. Como vidro se partindo.
Arthur virou a cabeça e viu.
Olhos refletindo a luz fraca.
Uma silhueta humana, magra, músculos tensionados como se pronta para atacar.
O primeiro rastreador havia encontrado sua presa.
Arthur não podia piscar.
O rastreador o encarava do outro lado da recepção, seus olhos refletindo a luz fraca do hospital. Seu corpo magro e esquelético parecia quase humano, mas algo nele estava errado—movimentos calculados, músculos tensionados como um predador à espera do momento perfeito para atacar.
O silêncio voltou, pesado, sufocante.
Arthur engoliu em seco e deu um passo para trás, mantendo o facão erguido. O rastreador inclinou a cabeça como se estudasse seu próximo movimento.
Então, sem aviso, ele se moveu.
Foi rápido.
Muito rápido.
Arthur saltou para trás no último segundo, sentindo a rajada de vento causada pelo ataque fracassado da criatura. O rastreador bateu contra um balcão de atendimento, derrubando papéis e vidros quebrados. Seus olhos voltaram a Arthur em uma fração de segundo.
Ele correu.
O hospital se tornou um labirinto de corredores escuros, e Arthur não tinha tempo para escolher a rota certa—apenas fugia. Atrás dele, o som dos passos do rastreador se aproximava. O eco no chão de azulejo tornava difícil determinar a distância real entre eles.
Virou à direita. Uma porta entreaberta. Empurrou o corpo contra ela e se trancou dentro da sala.
Respiração pesada.
Ele sabia que não estava seguro.
Do outro lado da porta, o som de passos parou.
O rastreador estava esperando.
Escutando.
Arthur se forçou a respirar pelo nariz, tentando controlar a adrenalina. Seus olhos buscaram o ambiente ao redor—gavetões médicos, instrumentos enferrujados, prateleiras tombadas.
Se ficasse parado, estaria morto.
A única saída era outra porta, do lado oposto.
Mas ele sabia que abrir qualquer coisa faria barulho.
O rádio chiou.
Arthur segurou o grito.
— Arthur... você está aí? — Helena sussurrou.
O rastreador reagiu.
Arthur ouviu o primeiro passo.
Depois o segundo.
A criatura estava avançando.
Ele não tinha mais tempo para hesitar.
Arthur girou a maçaneta da porta oposta e saiu da sala sem olhar para trás. O som da porta se abrindo ecoou pelo corredor.
O rastreador avançou.
Arthur correu o mais rápido que pôde, desviando de macas reviradas e cestos de lixo quebrados. Os corredores do hospital pareciam infinitos, todos escuros, todos sufocantes.
Cada novo canto era um perigo.
Cada segundo perdido podia custar sua vida.
O facão já não parecia suficiente contra algo tão rápido.
O rádio chiou de novo.
— Arthur, fala comigo!
Ele segurou o aparelho e respondeu entre a respiração acelerada:
— Rastreadores. São mais de um.
Silêncio.
Depois, Helena falou:
— Você precisa ir para o terceiro andar. A saída no térreo está cercada.
Arthur sentiu o peso da informação se afundar em seu estômago. Ele estava sendo encurralado.
Virou um corredor e viu uma placa indicando a escada. Sem pensar duas vezes, correu até lá.
Mas antes que pudesse subir, ouviu outro som.
Mais passos.
Não apenas um rastreador.
Vários.
Arthur se virou lentamente.
Olhos na escuridão.
Ele estava cercado.
Arthur segurou o facão com força, sentindo o suor frio escorrer pela pele. Seus olhos se fixaram nas silhuetas ao fundo do corredor, sombras inquietas que se moviam lentamente, analisando-o.
Os rastreadores não atacavam como os errantes. Eles observavam. Esperavam o momento certo.
Ele recuou um passo, então outro, mantendo-se perto da parede. Seu plano inicial de escapar pelo térreo estava destruído—Helena havia confirmado que a saída estava bloqueada. Agora, só restava subir.
Mas para isso, precisaria passar pelos rastreadores.
Seu rádio chiou.
— Arthur... você precisa se mover. Agora! — Helena sussurrou, a urgência na voz evidente.
Ele não respondeu. Em vez disso, fixou o olhar na escadaria à frente. Três rastreadores bloqueavam o caminho. Se quisesse sobreviver, precisaria agir rápido.
Sem hesitar, Arthur correu.
O primeiro rastreador avançou, os músculos se contraindo antes de pular em sua direção. Arthur girou o corpo no último instante, sentindo o vento do ataque passar a centímetros de seu rosto.
O segundo veio logo atrás.
Ele ergueu o facão e acertou um golpe lateral, sentindo a lâmina atravessar carne e ossos. O rastreador caiu, mas ainda se mexia—ferimentos não eram suficientes para pará-los.
O terceiro já estava em cima dele.
Arthur sentiu o impacto antes de ver o ataque. Foi arremessado contra a parede, o choque rasgando sua jaqueta e deixando sua visão turva por um instante. O rastreador o observava, os olhos predatórios fixos nele.
Ele precisava se mexer.
Antes que a criatura atacasse novamente, Arthur girou o facão com força, atingindo seu pescoço. O som foi seco, um corte profundo. O rastreador cambaleou para trás, os movimentos descoordenados por um breve momento.
Era sua chance.
Ignorando a dor, Arthur correu em direção à escada, pulando dois degraus por vez.
Atrás dele, os rastreadores se moviam.
Mas agora ele tinha um objetivo: o terceiro andar.
O hospital já não era um abrigo—era uma prisão.
E ele precisava encontrar uma saída antes que fosse tarde demais.
Arthur correu pelos degraus da escada, sentindo seu corpo protestar contra o esforço. A adrenalina o impulsionava, mas ele sabia que não poderia manter aquele ritmo por muito tempo. Atrás dele, o som dos rastreadores se aproximava—passos rápidos, movimentos ágeis demais para serem considerados humanos.
Cada novo andar parecia mais escuro que o anterior. O cheiro de mofo e sangue impregnava as paredes do hospital, tornando cada respiração um desafio. Ao chegar ao terceiro andar, Arthur empurrou a porta com força, entrando em um corredor iluminado apenas por lâmpadas piscando.
O rádio chiou em seu bolso.
— Arthur, você conseguiu subir?
Ele puxou o aparelho e respondeu, ofegante:
— Sim, mas eles estão vindo atrás de mim.
Helena hesitou antes de responder.
— O terceiro andar tem um acesso ao terraço. Mas você precisa atravessar toda a ala de internação para chegar lá.
Arthur olhou ao redor. As portas de diversos quartos estavam abertas, algumas quebradas, outras cobertas de marcas de arranhões. Cama hospitalares reviradas, seringas espalhadas pelo chão, prontuários amarelados pelo tempo.
Não havia sinais de vida.
Mas havia morte por toda parte.
Ele deu alguns passos à frente, tentando ignorar o eco dos próprios movimentos. O corredor era longo e claustrofóbico, cada sombra parecia esconder algo. A única coisa que o mantinha em movimento era a certeza de que parar significava morrer.
Atrás dele, a porta da escada bateu com violência.
Arthur não precisou olhar para saber—os rastreadores tinham chegado.
Seu coração acelerou. Ele correu.
O som dos passos das criaturas se misturava ao seu, uma orquestra de caos e sobrevivência. Arthur desviou de uma maca tombada, empurrou uma cadeira para trás na esperança de atrasá-los.
Nada funcionava.
O rádio chiou novamente.
— Arthur! O terraço fica no fim do corredor!
Ele olhou à frente e viu uma porta metálica. Última chance. Última saída.
Mas antes que pudesse alcançá-la, algo o atingiu por trás.
O impacto foi brutal, jogando-o contra a parede. Arthur sentiu o gosto metálico do sangue na boca e tentou se levantar, mas uma mão fria agarrou seu braço.
O rastreador estava sobre ele.
Seus olhos predatórios refletiam a luz fraca do hospital. Sua mandíbula se contraiu como se saboreasse a antecipação do ataque.
Arthur ergueu o facão e golpeou.
O corte foi preciso, mas não letal. O rastreador cambaleou por um instante, dando a ele uma oportunidade.
Com um esforço final, Arthur se impulsionou para frente, chutou a criatura para longe e correu em direção à porta do terraço.
Ele a empurrou com toda a força.
A luz do pôr do sol o cegou por um segundo.
O vento fresco bateu contra seu rosto.
E então ele percebeu—não estava sozinho no terraço.
Alguém já o esperava ali.
Arthur respirou fundo, sentindo o ar fresco do terraço contrastar com o cheiro de morte que impregnava o hospital. Seu peito subia e descia em um ritmo irregular, a adrenalina queimando em suas veias.
Ele deu um passo para frente, os olhos ajustando-se à luz do pôr do sol.
Alguém estava lá.
Uma silhueta se destacava contra o horizonte avermelhado.
A figura virou lentamente, revelando um rosto marcado pela sobrevivência. Pele suja, roupas rasgadas, olhos alertas.
E apontando uma arma diretamente para ele.
Arthur ergueu as mãos instintivamente.
— Não quero briga. Só quero sair daqui. — Sua voz saiu áspera, carregada pelo cansaço.
O estranho não respondeu imediatamente. Seus dedos ajustaram-se ao gatilho, como se testassem sua paciência.
O som distante de rastreadores ecoou pelo corredor atrás de Arthur.
Eles estavam chegando.
O estranho franziu o cenho.
— Você os trouxe para cá?
Arthur não teve tempo para explicar. O primeiro impacto contra a porta do terraço veio como um aviso brutal—os rastreadores estavam tentando entrar.
Sem pensar, o desconhecido abaixou a arma e correu para uma grade na lateral do terraço.
— Se quiser viver, me siga.
Arthur olhou para a porta. Ela não aguentaria por muito tempo.
O estranho já estava descendo pela lateral do prédio, usando uma corda presa precariamente a um cano enferrujado.
Arthur sabia que ficar ali significava morrer.
Sem mais opções, correu até a borda, segurou a corda com força e se jogou na descida.
Atrás dele, a porta se despedaçou.
E os rastreadores finalmente alcançaram o terraço.
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