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Te Amar Foi um Erro (Livro 1)

antes de tudo isso...

Minha vida nunca foi fácil. Nunca mesmo.

Desde que eu me entendo por gente, tudo pareceu mais difícil pra mim do que pros outros. Não tô falando só da aparência — apesar de, bom, a aparência ser um ponto alto — mas de tudo. As roupas que não eram novas, o material escolar reaproveitado, os olhares de pena, os cochichos no corredor.

Meu pai, Marcos, foi embora quando eu tinha oito anos. Levou consigo a dignidade que ainda restava dentro da nossa casa — e junto, todas as economias que minha mãe suava tanto pra guardar. Nunca mais deu notícia. Às vezes eu ficava imaginando se ele pensava em mim, mas logo cortava esse pensamento como quem fecha um livro velho e empoeirado. Não valia a pena.

Minha mãe, Helena, segurou tudo com as duas mãos calejadas de costurar e esfregar. Era faxineira de manhã, costureira à tarde. E, à noite, me cobria com o mesmo carinho com que alinhava os vestidos que fazia pra madames que nunca souberam seu nome.

Nosso cantinho era pequeno, mas tinha cheiro de pão quente e tecido limpo. As paredes eram azul claro, com algumas partes descascadas, mas cobertas por desenhos meus que minha mãe insistia em emoldurar com fita adesiva. O sofá era antigo, mas cheio de almofadas floridas que ela mesma costurou. E a máquina de costura ficava bem ali na sala, ao lado da janela, como um altar. Minha mãe dizia que foi com ela que a gente sobreviveu — e era verdade.

— "Jojo, você estudou hoje?" — ela perguntava, com a voz sempre suave, mesmo cansada.

— "Estudei sim, mãe. Tô terminando aquele exercício de matemática."

— "Minha menina vai ser doutora, vai ser o que quiser... Eu tenho tanto orgulho de você."

E ela sorria. Aquele sorriso dela valia mais que qualquer nota. Eu sempre pensava: “Eu vou conseguir. Eu vou tirar a gente disso. Vou dar pra minha mãe tudo que ela nunca teve.”

Mas fora da nossa casa, era outra história.

A escola era um mundo diferente. Um mundo onde meu nome era sempre sussurrado com deboche, nunca com respeito. Onde os corredores pareciam longos demais e as salas pequenas demais pra tanta humilhação.

Meu lugar era sempre o último da fileira. Meus óculos, com uma das hastes remendadas com durex, viviam escorregando do nariz. O aparelho nos dentes? Velho, quebrado, com as borrachinhas já pretas de tanto tempo sem trocar. Era como se eu tivesse parado no tempo, enquanto todo mundo ao meu redor vivia num comercial de shampoo.

A sala era clara, cheia de janelas grandes, e as paredes eram pintadas com um bege que parecia desbotado de propósito. As meninas mais populares se sentavam nas primeiras fileiras, com suas mochilas de marca e unhas feitas. Riam alto, falavam de festas, de meninos, de tudo que eu nunca tive.

E mesmo assim, eu tirava as melhores notas. Porque se eu não podia ser bonita, se eu não podia ser notada... então eu seria inteligente. Seria impecável nos estudos. Seria o orgulho da minha mãe.

Só que isso também despertava inveja. Eu ouvia quando diziam que eu achava que era “a sabichona”. Mas inveja de quê? Eu me olhava no espelho e sabia que elas não precisavam ter inveja de mim. Nem um pouco.

Tinha dias que eu preferia almoçar escondida no banheiro. Sentada na tampa do vaso, com meu lanche embrulhado em papel alumínio, enquanto as outras meninas se reuniam no refeitório como se fosse um desfile. Eu fazia de tudo pra desaparecer. E por muito tempo, deu certo.

Até que um dia... ele falou comigo.

Lorenzo Fontes.

O nome dele soava como música entre as garotas do colégio. Era o tipo de menino que parecia ter nascido pra ser adorado. Tinha um cabelo castanho claro que caía levemente sobre a testa, olhos cinzentos e um sorriso que parecia capaz de derreter qualquer orgulho. Tinha ombros largos, andava com confiança, e ainda por cima era gentil — ou parecia ser.

Ele veio até minha carteira numa manhã qualquer, enquanto eu rabiscava distraída no canto do caderno.

— "Oi, Joyce, né? Posso sentar aqui?"

Engasguei com a própria saliva. A Joyce invisível. A que ninguém via. Ele... queria sentar ao meu lado?

— "P-pode." — murmurei, quase sem voz.

Ele puxou a cadeira ao meu lado. E me olhou. Não como os outros olhavam. Não com nojo ou deboche. Era um olhar suave... curioso.

Naquele momento, meu coração acelerou. E pela primeira vez... eu me perguntei se aquilo tudo podia estar mudando. Se alguém, algum dia, poderia gostar de mim de verdade.

Mal sabia eu que o começo de tudo... era só o começo da pior brincadeira da minha vida.

talvez por um segundo

Por um segundo, eu não entendo.

Esse menino — um garoto que nunca me olhou nos olhos antes — simplesmente se encolhe ao lado do Lorenzo Fontes, o popular, o bonitão da escola. Ele parece um anjo saído de um daqueles comerciais de pasta de dente: sorriso branco demais, cabelo bagunçado na medida certa, roupas que parecem estar sempre novas, mesmo quando não estão. Ele é o tipo de pessoa que parece não se esforçar pra ser adorada. As coisas só... acontecem pra ele.

Claro que ele só se aproximou por uma brincadeira. Um jogo. Um deboche. Nada além disso. Eu não sou a garota que atrai atenção. Sou a garota dos blocos de espinha, do cabelo preso sempre num rabo de cavalo frouxo. O tipo de cabelo que embaraça fácil demais e exige muito pra ficar solto. Eu raramente deixo. E, com a rinite que tenho desde criança, meu cheiro deve ser uma mistura de livro velho e Vick Vaporub.

Mas ele tá ali. Sentado ao meu lado.

A aula continua. Ele não fala nada. Nenhuma piada, nenhuma provocação.

Só... fica.

Meu coração bate acelerado, como se já soubesse que aquilo não era real. Que era só questão de tempo até alguém rir. Até ele mesmo rir. Mas, por enquanto, ele tá calado. E isso, de algum jeito, é mais perturbador.

Até que a porta se abre.

Eduardo entra. Melhor amigo de Lorenzo. O tipo de pessoa que se acha mais engraçado do que realmente é. Sempre rindo alto demais, falando alto demais, achando que todo comentário idiota é uma obra-prima de humor. Ele vê o amigo sentado ao meu lado e ergue uma sobrancelha, antes de se aproximar com aquele sorriso torto que me dá enjoo.

— "Ué, Fontes... Tá com problema de visão, é? Sentou no lugar errado, parceiro?"

Eu fico imóvel. Fingindo que não ouvi. Eu sempre finjo que não ouço.

Lorenzo dá um risinho discreto, mas não responde.

— "Ou será que vai pedir umas dicas de como virar nerd agora? Quer que ela resolva a prova de matemática pra você também?" — Eduardo ri sozinho da própria piada.

— "Cala a boca, mano." — Lorenzo diz, baixo. Não é um protesto. Não é defesa. É só o suficiente pra não parecer cúmplice, mas não o bastante pra me proteger.

Eduardo dá de ombros e vai sentar duas fileiras atrás.

A aula segue. E eu tento me afundar nos meus próprios ombros, como se pudesse desaparecer. Mas aí vem ele.

Lorenzo se inclina levemente.

— "Hey... cê entendeu essa parte aqui da fórmula? Tô meio perdido."

Eu engulo seco. É uma pergunta real? Ele tá me perguntando de verdade?

— "É... é só substituir o valor do X. Aqui, ó... vê." — mostro no meu caderno, onde já resolvi a questão. — "Você tem que isolar o Y primeiro."

Ele observa, e seus olhos seguem meus dedos.

— "Entendi. Valeu."

Silêncio.

Mais cinco minutos, ele volta:

— "E essa aqui? É igual?"

— "Quase. Só muda o sinal ali..."

E assim vai. Durante a aula toda. Sempre com aquele tom neutro. Sem ironia. Sem aquele veneno escondido nas palavras. E por mais que eu me diga, mentalmente, que ele tá só brincando, que isso é parte de alguma aposta idiota, meu coração idiota começa a pensar outra coisa.

Mas eu sei melhor. Eu sempre soube.

Por isso, quando toca o sinal do intervalo, eu não vou pro banheiro.

Porque é assim que acontece: toda vez que abro a porta, encontro alguma crueldade me esperando. E naquele dia, escuto antes mesmo de entrar.

— "Aposto que ela dorme com aquele moletom velho todo dia. Credo, tem cheiro de armário mofado."

— "Você viu o tênis dela? Parece que sobreviveu a um apocalipse zumbi."

— "Ela deve achar que o cabelo preso esconde o rosto... não esconde, não."

A porta permanece fechada. Eu me afasto. Não porque sou fraca. Mas porque cansei de ser machucada por gente que nunca vai me conhecer de verdade.

Com o lanche ainda embrulhado no papel alumínio, caminho até a biblioteca. Meu esconderijo.

A bibliotecária, dona Lucinda, me dá um aceno silencioso. Ela já sabe: ali no fundo, entre as estantes de livros de história e romances antigos, é meu canto. Meu pedaço de invisibilidade.

Me sento no mesmo lugar de sempre, onde a luz da janela entra de lado e ninguém me vê. Lá, tiro o lanche. Um pão com queijo. E respiro fundo. Na biblioteca, não preciso provar nada pra ninguém. Não preciso esconder meu jeito, nem meu cheiro, nem meu silêncio. Sou só... eu.

E por mais solitário que isso pareça, é mais seguro do que fingir que alguém como ele pode se importar de verdade.

Porque por mais que Lorenzo tenha sorrido. Por mais que tenha pedido ajuda com a matéria.

Eu sei.

Eu sei que meninos bonitos não se sentam ao lado de meninas como eu... sem motivo.

O esconderijo da garota invisível

“Às vezes, tudo o que a gente quer é um canto onde ninguém veja a bagunça que somos por dentro.”

Eu simplesmente me sento no fundo daquela biblioteca. Aquele meu esconderijo. Sei que ali ninguém vai me encontrar. Enquanto eu almoço, abro meu livro preferido: Corte de Asas e Ruínas. As letras parecem dançar sob meus olhos, não por beleza, mas por fuga. Fugir do barulho, da zombaria, das vozes que me lembram o tempo inteiro que eu não sou como as outras meninas.

Minha marmita cheira a comida de verdade. Nada de salada fitness ou lanches caros de cantina. Mas ali, no silêncio acolhedor da biblioteca, com as páginas de Prythian me envolvendo, é o único lugar onde não me sinto errada.

Então, ouço passos.

Lentos, determinados. Passos que fazem meu coração acelerar de medo. Medo de ser descoberta. Medo de ser motivo de piada — de novo. Ergo o olhar, cautelosa.

Não. Não pode ser.

Lorenzo.

O menino mais bonito da escola. O tipo de beleza que deveria vir com alerta. Olhos de tempestade e sorriso de comercial de pasta de dente. Ele está ali, parado na minha frente, como se aquele fosse o lugar mais natural para ele estar.

— Eu estava te procurando... onde é que você se esconde no intervalo? — ele pergunta, com a voz baixa, mas segura.

Pisco. Uma. Duas vezes. Será que eu ouvi certo? Eu?

— A escola toda sabe. — murmuro, tentando manter minha postura. — Ou eu tô no banheiro... ou na biblioteca. Não é segredo pra ninguém.

Talvez minha voz tenha saído um pouco ríspida. Não é culpa minha. Eu já aprendi a manter as pessoas longe.

Ele não parece se importar. Simplesmente se senta na cadeira à minha frente. Fica olhando pro meu livro, como se aquilo fosse o mais interessante do mundo.

— Eu não acredito... — ele diz, com um sorriso no canto da boca. — Você gosta da saga ACOTAR?

Franzo o cenho.

— Gosto.

— Sério? Eu amo essa autora... como é mesmo o nome dela?

— Sarah J. Maas. — respondo sem hesitar.

Ele dá um pequeno tapa na própria testa, teatral.

— Isso! Sarah J. Maas. Gênio demais. Tipo... o que ela fez em Corte de Névoa e Fúria foi...

— Perfeição. — completo, meio sem querer.

E, por um instante, Lorenzo sorri. Mas não é aquele sorriso de galã. É um sorriso genuíno. Um sorriso de alguém que se empolga falando de algo que ama.

— Qual é seu personagem favorito? — ele pergunta, apoiando o queixo na mão.

— Azriel.

Ele arqueia uma sobrancelha.

— Jura? Pensei que fosse o Rhysand.

Dou de ombros.

— Todo mundo ama o Rhys... mas tem algo no Azriel. Ele observa. Ele escuta. Ele sente, sem precisar ser o centro.

Lorenzo me encara. Mas não como quem julga. Como quem tenta entender. Seus olhos descem lentamente até meu rosto, e então ele diz algo que me faz congelar.

— É que... sei lá, seus olhos me lembram os dele. Meio... lilás.

Meus olhos.

Quase ninguém nota isso. Só minha bisavó dizia que herdei dela. Uma cor rara, estranha. E ali estava ele, reparando na coisa mais invisível de mim.

Antes que eu possa reagir, Lorenzo estende a mão e tira meus óculos.

— Posso? — sussurra.

Fico imóvel. Sinto o calor dele tão perto. O perfume dele invade meu espaço — amadeirado, doce e forte. Meu coração bate descompassado.

Ele segura meus óculos com cuidado e se aproxima ainda mais.

— Incrível... seus olhos são realmente lindos.

Fica vermelho. Ri de leve, como se percebesse que passou dos limites.

— Desculpa, foi meio estranho isso, né?

Tomo meus óculos de volta, quase rindo também.

— Um pouco.

O sinal toca.

— Se você quiser, eu tenho o box todo da saga. Até Chamas Prateadas. Posso te emprestar qualquer dia desses.

Fico surpresa. Emprestar algo assim? Pra mim?

— Eu aceitaria.

Levantamos. Seguimos juntos até a sala. Passamos pelo corredor onde tudo ecoa — os passos, os sussurros, as piadas. E elas vêm.

— Olha lá, a nerd pegando o galã!

— Aposto que ela tá fazendo o dever dele.

— Deve ter amarrado ele com alguma simpatia.

Mas, pela primeira vez, não me importo. Sinto meu rosto quente, mas não de vergonha. É algo diferente. Um orgulho pequeno, um calor novo.

Eduardo, o melhor amigo de Lorenzo, passa por nós e franze o nariz.

— Bela orelha. — diz, piscando para Lorenzo.

Não entendo. Lorenzo não responde. Só engole seco.

Ainda não sabia... mas aquela piscadela era o prenúncio do fim.

E o começo de algo que, por mais que doesse, ia me transformar.

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