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Entre a Correria e o Infinito: O Recomeço Essencial

O Mundo Está Gritando, Mas Ninguém Escuta

Ninguém percebeu quando começou.

Talvez tenha sido num toque de tela,

num “aceito os termos” que ninguém leu,

num alarme que tocou mais cedo do que a alma precisava acordar.

Mas o mundo corre. E tudo corre com ele.

O café esfria na xícara.

O abraço não acontece.

A presença virou notificação.

Lá fora, as ruas incham de corpos apressados,

cada um olhando para uma luz que cabe na palma da mão.

Olhos vermelhos de cansaço,

mentes sobrecarregadas com informações demais,

emoções de menos.

Estamos todos conectados.

Mas falta algo no toque.

Falta a pele.

Falta o olhar que demora.

Falta o tempo que se estica entre um silêncio e outro —

aquele que ensina mais do que qualquer vídeo de um minuto.

Nas redes, todo mundo parece estar vivendo o auge.

Sorrisos sem pausa,

paisagens editadas,

relacionamentos que duram o tempo de uma trend.

Mas por trás das fotos vem o vazio.

Um vazio que não aparece no feed,

mas consome por dentro.

Como uma sala cheia de vozes onde ninguém ouve ninguém.

E então a ansiedade vem.

Vem vestida de urgência.

De medo de não ser suficiente.

De precisar produzir, render, performar.

De estar sempre ocupado, mesmo quando não se sabe com o quê.

De dormir com o peito apertado

e acordar com ele ainda mais cansado.

O progresso prometeu liberdade.

Mas as pessoas perderam o direito de parar.

Se você pausa, parece que ficou pra trás.

Se você não responde rápido, parece desinteresse.

Se você não mostrar sua dor com palavras bonitas, ela vira fraqueza.

E a saúde mental virou algo que só é dito com hashtag,

mas raramente acolhido de verdade.

Estamos todos tentando ser fortes demais.

Felizes demais.

Certos demais.

Mas há um ruído.

Um sussurro que cresce no fundo do peito.

Algo dizendo:

“Isso não é vida. É só sobrevivência polida.”

Com filtros, metas, algoritmos, planos…

Mas sem alma.

As crianças já aprendem a deslizar a tela antes de aprender a sentir o mundo.

Os adultos não sabem mais como se escutar sem interrupção.

Os velhos estão sendo esquecidos —

porque falam devagar demais, lembram demais,

não cabem nesse tempo de respostas instantâneas.

Tudo está tão cheio de tudo,

que já não cabe mais o essencial.

A chuva ainda cai.

Mas ninguém mais olha pra ela pela janela.

O vento ainda sopra.

Mas estamos ocupados demais com o barulho interno.

As dores doem em silêncio.

As alegrias são fotografadas, mas não vividas.

As conversas acontecem por mensagens —

e mesmo assim, muitas ficam sem resposta.

E o mundo?

O mundo está gritando.

Mas ninguém escuta.

Estamos aqui, vivendo o tempo mais rápido da história.

E talvez o mais vazio.

Porque correr sem direção é só um jeito bonito de se perder.

E se hoje fosse o último dia?

Você lembraria do quê?

Das metas cumpridas?

Ou do abraço que não deu?

Das notificações respondidas?

Ou do silêncio que você ignorou por medo de parar?

Respira.

Talvez não dê pra fugir da pressa do mundo.

Mas ainda dá pra ouvir.

 Ainda dá pra sentir.

Ainda dá pra lembrar o que é estar aqui.

Mesmo que tudo corra,

que tudo pulse,

que tudo exploda de informação,

a vida… a vida de verdade…

aquela que toca, que demora, que dói e cura —

essa ainda vive no que não se posta.

Onde Foi Que Nos Perdemos?

Talvez tenha sido quando começamos a responder “tô bem” no automático.

Ou quando os olhos deixaram de se encontrar,

porque a atenção estava sempre em outro lugar.

Talvez tenha sido quando dormir virou um ato de resistência,

e descansar virou culpa.

Sim… há uma ferida invisível crescendo entre nós.

Ela não sangra, mas pesa.

Ela não grita, mas cala tudo que importa.

As ruas continuam cheias,

mas a solidão nunca foi tão barulhenta.

Gente sentada lado a lado,

mas cada um em sua própria prisão digital,

rolando telas como se ali estivesse a salvação.

Ou ao menos o alívio.

Estamos viciados em distrações.

Em ruídos.

Em atalhos.

Como se a verdade fosse pesada demais pra carregar sem fones de ouvido.

Como se parar pra sentir fosse perigoso.

Como se o silêncio dissesse o que ninguém quer encarar.

E o mais triste é que

nos acostumamos com isso.

Com o cansaço constante.

Com os dias sem sabor.

Com a correria sem propósito.

Você já reparou?

A gente não anda mais — a gente corre.

Não conversa — responde.

Não contempla — registra.

Não vive — compartilha.

E, no meio disso tudo, os sentimentos vão ficando apertados num canto.

Sem espaço pra existir.

Sem tempo pra doer.

Sem colo.

Sem voz.

A dor virou fraqueza.

A pausa virou atraso.

A vulnerabilidade virou exposição.

E o amor?

Ah, o amor virou resposta visual de emoji.

Virou indireta.

Virou ausência disfarçada de orgulho.

Poucos têm coragem de amar com presença.

Com silêncio.

Com permanência.

Enquanto isso, seguimos fingindo controle.

Colecionando metas.

Planilhas.

Rotinas.

E fingindo que isso basta.

Que a alma não está gritando por algo mais.

Mas a alma grita, sim.

Ela grita no choro silencioso antes de dormir.

Grita na vontade de sumir por uns dias.

Grita no medo de ser esquecido.

Na sensação de estar sempre atrasado, mesmo sem saber pra quê.

A tecnologia deveria aproximar.

Mas afastou.

A produtividade deveria libertar.

Mas escravizou.

O progresso deveria curar.

Mas criou doenças novas,

dores novas,

formas novas de esvaziamento.

E, no fundo, todo mundo sabe.

Mesmo quem nega.

Mesmo quem finge.

Mesmo quem sorri.

Estamos vivendo no modo sobrevivência.

E chamando isso de vida.

Mas e se a gente parasse por um instante?

Só um.

Pra ouvir o que pulsa por baixo do ruído.

Pra sentir o que ficou guardado desde que tudo ficou rápido demais.

Será que ainda daria tempo?

De resgatar o essencial?

De reaprender a existir com leveza?

De lembrar que a vida, a real mesmo,

não é feita de produtividade —

mas de presença?

Talvez o caminho de volta não esteja em grandes revoluções.

Talvez esteja nas pequenas coisas.

No café que se toma devagar.

No pôr do sol que se observa sem pressa.

No olhar que encontra o do outro e não desvia.

Na mensagem sincera.

No toque.

Na pausa.

Porque, no fundo,

a vida nunca quis velocidade.

Ela só queria ser sentida.

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O Homem da Janela 304

Ele aparecia sempre às 18h.

Como um ritual esquecido do tempo em que os dias ainda tinham cheiro de fim de tarde.

A cortina se abria devagar,

e ali estava ele — o homem da janela 304.

Camisa amassada, olhar perdido, uma caneca nas mãos.

Parecia observar o mundo com uma melancolia silenciosa,

como quem esperava por algo que já sabia que não viria.

Ninguém sabia seu nome.

Mas todos, em algum momento, olharam pra ele.

Era impossível não notar aquele instante de pausa no prédio ao lado,

numa cidade onde tudo corre,

tudo buzina,

tudo pisca.

Ele era o contrário disso.

Era silêncio entre notificações.

As crianças da vizinhança diziam que ele era um espião.

Os adultos achavam que ele estava deprimido.

Os mais velhos, no entanto, apenas balançavam a cabeça e diziam:

— Esse aí entendeu tudo.

Ninguém sabia o que ele fazia,

mas muitos sabiam o que sentiam ao vê-lo.

Porque havia algo de triste,

e ao mesmo tempo reconfortante,

em ver alguém parado, só olhando.

Ele não segurava celular.

Não usava fones.

Não fazia lives, stories, reels.

Ele apenas… existia.

Ali, naquele pedaço de concreto elevado,

como quem observa o tempo e se pergunta por que ele anda tão apressado.

Alguns diziam que ele tinha perdido alguém.

Outros achavam que estava cansado do mundo.

Mas, se alguém prestasse bem atenção,

daria pra ver: ele sorria às vezes.

Sorrisos pequenos, discretos, quase imperceptíveis.

Como quem encontra graça num pássaro pousando no fio.

Ou num cachorro que late sem motivo.

Ou numa nuvem que lembra o rosto de alguém.

Um dia, ele não apareceu.

Às 18h, a cortina não se abriu.

E, naquele dia, a cidade pareceu mais barulhenta.

Mais vazia, paradoxalmente.

As pessoas notaram.

Mais do que queriam admitir.

Uma moça da janela em frente postou no grupo do prédio:

> “Alguém sabe do senhor da janela 304?”

Silêncio.

Depois de horas, alguém respondeu:

> “Acho que ele se mudou.”

Mas não havia caixas.

Não houve caminhão de mudança.

Só ausência.

E então, no dia seguinte, ele estava lá de novo.

Às 18h.

Com a mesma camisa amassada,

a mesma caneca,

o mesmo olhar que parecia ver mais do que os olhos alcançavam.

Mas agora, havia algo diferente.

Um bilhete colado no vidro.

Escrito à mão, simples, direto:

> “Estou aqui.

Só não queria ser o único a parar.”

Ninguém disse nada no grupo do prédio.

Mas naquela semana,

outros começaram a abrir suas janelas às 18h.

Uns com chá.

Outros com silêncio.

Alguns com lágrimas que não sabiam de onde vinham.

E pela primeira vez em muito tempo,

houve algo entre os prédios que não vinha das telas:

presença

A Menina Que Não Sabia Brincar

Ela se chamava Luna.

Tinha oito anos, dois olhos enormes e uma coleção de filtros no rosto.

Sabia deslizar o dedo na tela antes mesmo de saber escrever o próprio nome.

Sabia sorrir para a câmera, mas não para o espelho.

Sabia dançar todas as trends,

mas nunca tinha corrido atrás de uma borboleta.

Luna morava num apartamento silencioso,

cheio de Wi-Fi e falta de tempo.

Os pais trabalhavam muito, e quando não trabalhavam, descansavam das exigências do trabalho.

Davam amor — do jeito que podiam.

Mas quase sempre, esse amor vinha com senha, com conexão, com distração.

Um dia, a escola fez algo estranho:

um dia inteiro sem eletrônicos.

Nada de tablets, nada de lousas digitais, nada de vídeos.

A professora disse que era “pra brincar como antigamente”.

Luna franziu a testa.

Brincar… como?

Colocaram cordas no pátio. Bolinhas de gude. Papel para dobradura.

Luna olhou tudo aquilo como quem observa objetos de outro planeta.

As outras crianças começaram a correr, gritar, suar.

Havia risos altos, tropeços, poeira.

Ela ficou sentada no canto, olhando.

Não sabia como entrar.

Não sabia como se joga amarelinha.

Não sabia perder no pega-pega sem chorar.

Não sabia brincar de faz-de-conta sem um filtro engraçado ou trilha sonora de fundo.

Sentiu algo estranho:

um aperto no peito misturado com um vazio que ela não sabia nomear.

A professora se aproximou, sentou ao lado.

Perguntou se estava tudo bem.

Luna respondeu com a frase que ouvira tantas vezes em casa:

— Tô só cansada.

Mas não era cansaço.

Era ausência.

Era a falta de algo que ela nunca teve, mas que o corpo sentia falta mesmo assim.

No dia seguinte, Luna desenhou.

Desenhou um balanço num parque que nunca visitou.

Desenhou uma menina correndo atrás de um cachorro sorridente.

Desenhou mãos dadas com outras crianças.

E ao lado, escreveu com letras tortas:

“Quero aprender a brincar.”

Não mostrou pra ninguém.

Mas guardou.

Dobrou o papel com cuidado,

e colocou dentro da mochila, entre os cadernos de tarefas.

A infância tinha deixado um bilhete.

Mesmo que ninguém estivesse ouvindo.

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O Tempo do Senhor Álvaro

O senhor Álvaro sentava no mesmo banco da praça todas as manhãs.

Chuva, sol, frio ou calor — lá estava ele.

Com seu chapéu velho, uma bengala torta e um olhar que atravessava o tempo.

Ele não falava muito.

Mas quem olhava de perto, percebia:

seus olhos estavam sempre conversando com alguma coisa que ninguém mais via.

Com as árvores, talvez.

Com o passado.

Com lembranças que já não cabem no mundo de agora.

As pessoas passavam apressadas por ele.

Algumas achavam bonito vê-lo ali, como parte da paisagem.

Outras desviavam o olhar, com culpa disfarçada de pressa.

Os jovens corriam de um compromisso para outro, fones nos ouvidos.

Alguns tiravam fotos da praça, mas não viam a praça.

Fotografavam as flores, mas não sentiam o cheiro.

Álvaro só observava.

Sabia que não era mais ouvido — mas isso não o impedia de ouvir.

Certa vez, uma menina sentou ao lado dele.

Devia ter uns dez anos, carregava um tablet maior que o caderno.

Ele olhou pra ela, sorriu com os olhos.

— Bom dia, mocinha.

Ela respondeu sem tirar os olhos da tela:

— Tô jogando.

— E o mundo? — ele perguntou, apontando para o céu, para os pássaros, para as folhas dançando com o vento.

— Já jogou com ele hoje?

A menina franziu a testa, sem entender.

Depois voltou à tela.

Álvaro não insistiu.

Mas naquele dia, ao voltar pra casa, escreveu em seu caderno de anotações —

aquele que ninguém lia, mas que ele preenchia todos os dias como se fosse um testamento do invisível:

“Hoje, tentei conversar com o futuro.

Ele estava ocupado demais.”

Na semana seguinte, ele não apareceu.

O banco ficou vazio.

Mas, estranhamente, parecia cheio de memórias.

A menina do tablet voltou.

Dessa vez, sem o tablet.

Sentou no banco, ficou ali uns minutos olhando para o céu.

Depois pegou um papel do bolso e deixou em cima do banco, dobrado como um segredo.

Quem passasse e tivesse coragem de ler, veria escrito:

“Desculpa.

Volta outro dia pra gente conversar?”

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