{A jovem Luaen}
O céu da Alcatéia estava limpo naquela noite, estrelado como um tapete de promessas. A lua cheia pairava no alto, derramando sua luz prateada sobre a clareira onde os jovens treinavam sob a vigília de Kaellion e Soratta.
Luaen ajeitou a faixa em seu braço, ofegante após o último treino. Seus olhos azul-prateados refletiam o luar, e o vestido de treino branco ondulava com o vento leve da montanha.
— Você estava distraída de novo — disse Soratta, cruzando os braços. — O que está acontecendo, princesa?
Luaen hesitou, mordendo o lábio inferior. — Eu tive... outro sonho.
Kaellion, que observava à distância, se aproximou com os braços cruzados. — Com ele?
Ela assentiu. — Riven. Sempre ele. Mesmo depois de todos esses anos.
Soratta e Kaellion trocaram um olhar. Não era segredo para ninguém que Luaen e Riven compartilhavam uma ligação incomum desde o nascimento. Algo que nem mesmo Lyria, a guardiã das águas, conseguia explicar com precisão.
— Eu o vi preso em névoas negras — continuou Luaen, com a voz baixa. — Mas ele me chamava... com os olhos. Como se quisesse fugir, mas não conseguisse.
Zuma, a melhor amiga de Luaen, se aproximou com uma garrafinha d’água. — E você ainda acha que isso são só sonhos? Luaen... você sente ele de verdade. Sempre sentiu.
— Eu sei — murmurou a princesa. — Mas o que posso fazer? Ele é filho de Raika e Azor. Os piores vilões que o mundo lunar já enfrentou.
— E você é filha da luz — respondeu Zuma com firmeza. — Talvez seja justamente por isso que vocês estão ligados. Sombra e luar.
Lara, a loba corajosa de olhos cor de âmbar, surgiu atrás das duas com o irmão Lupper, suado do treino com os guerreiros novatos.
— Vocês não vão acreditar — disse ela, ofegante. — O ancião Hateki mandou chamar a Luaen... no templo. Agora.
Luaen arregalou os olhos. O velho guerreiro raramente deixava seu posto silencioso no templo das luas. Se ele a chamara, era algo importante.
O templo era um santuário de pedra azulada no centro da floresta, banhado por uma queda d’água cristalina que fluía como música.
Luaen subiu os degraus apressada, o coração acelerado. Hateki a esperava na entrada, ao lado de Akira e Zaigan. Os pais da jovem estavam mais sérios do que de costume.
— Filha — disse Zaigan, colocando a mão sobre o ombro dela. — Precisamos conversar.
— Sobre Riven? — arriscou Luaen.
Akira assentiu. — Recebemos um sinal. Lyria nos falou por telepatia que o momento chegou. Você e ele... devem se encontrar.
— Agora? — Luaen piscou, surpresa. — Mas ele está longe. Escondido. Ninguém sabe onde.
— Você sabe — disse Hateki com a voz grave. — O seu coração sabe. E ele precisa de você.
Luaen se sentou lentamente nos degraus, tentando entender o peso das palavras.
— Eu sonhei com ele. Ele estava gritando... me chamando — confessou.
— Riven cresceu isolado — disse Akira com suavidade. — Nós evitamos contato. Por segurança. Mas parece que a luz dentro dele ainda luta. E talvez... você seja a única capaz de despertá-la por completo.
Enquanto Luaen processava as palavras, a cena mudava para uma floresta escura e silenciosa, em outra parte do mundo lunar.
Riven estava deitado sobre um tronco caído, os olhos voltados para o céu escondido pelas nuvens. Seus cabelos escuros caíam sobre o rosto, e a marca negra na clavícula pulsava devagar.
— Ela me viu de novo... — murmurou.
Uma sombra caminhava atrás dele. Era Ishar, o guardião silencioso das trevas.
— Está enfraquecendo, garoto. Essa ligação com a luz só vai te destruir.
— Ou me libertar — respondeu Riven com firmeza.
Ishar riu baixo. — Tolo. A luz não aceita quem nasceu da sombra.
— Ela aceita sim — disse Riven, olhando para o céu. — Ela me aceita.
Luaen observava seu reflexo nas águas do templo. Uma suave brisa passou, e então... a voz de Lyria ecoou em sua mente.
"Luaen, filha da lua... está pronta para segui-lo? Mesmo que o caminho seja escuro?"
"Estou."
"Mesmo que ele falhe?"
"Eu acredito nele."
"Então, siga a luz do seu coração. A conexão entre vocês é o começo de um novo tempo."
Na manhã seguinte, a princesa da Alcatéia partiu sozinha, sem alarde, montada sobre um lobo branco ancestral. Na garrafinha do pescoço, levava uma gota das águas de Lyria, e no coração, uma certeza inabalável.
Ela iria encontrar Riven.
E salvar o mundo... juntos.
A floresta ao norte da Alcatéia era densa, fria e mergulhada em neblina. A cada passo, Luaen sentia o ar mudar. Era como atravessar uma barreira entre mundos — um reino de sombras onde a esperança parecia esquecida.
— Estamos perto, Ayru — disse ela ao lobo branco sob suas pernas. Ele rosnou baixo, em sinal de alerta.
A jovem apertou o colar lunar no pescoço. Sentia o coração bater rápido. Era medo… ou era o chamado?
De repente, uma presença. Um arrepio percorreu sua espinha. Ela desceu do lobo e andou devagar pela trilha de pedras escuras, até ouvir uma voz rouca, quase familiar:
— Sabia que viria.
Ela se virou rápido. Ele estava ali. Encostado numa árvore antiga, parcialmente encoberto pela neblina. Riven.
— Você… sabia?
Ele deu um meio sorriso, sombrio, mas não ameaçador. — Sonhei com você também.
Luaen respirou fundo, tentando controlar o turbilhão de emoções. — Por que nunca tentou me encontrar?
— Porque eu fui criado pra te evitar.
— Mas mesmo assim… me sentia conectada a você — ela deu um passo à frente. — Como se estivéssemos incompletos, separados.
— Talvez estejamos — disse ele, olhando nos olhos dela. — Talvez sejamos só metade de algo maior.
Houve silêncio. O tipo de silêncio que fala alto demais.
Luaen se aproximou com cautela, observando cada traço dele. Os cabelos escuros caíam em ondas sobre os olhos intensos. Ele estava mais alto do que imaginava, com feições fortes, porém marcadas pela solidão.
— Riven… o que aconteceu com você?
— Cresci cercado por vozes que diziam quem eu devia ser. Raika queria que eu fosse um guerreiro das sombras. Ishar me treinou para destruir. Mas eu… — ele suspirou — eu nunca aceitei aquilo.
— E por isso fugiu?
Ele assentiu. — Fugi no dia em que percebi que odiava o que estava me tornando.
Luaen se aproximou mais um passo. — Então por que ainda está aqui, escondido?
— Porque... ainda sou uma sombra. Não sei se consigo ser luz como você.
Ela tocou o braço dele devagar. — Não precisa ser luz. Basta não se apagar.
O vento soprou forte. Luaen sentiu um leve tremor e, instintivamente, ele tirou o próprio casaco e colocou sobre os ombros dela.
— Obrigada — murmurou ela.
— Você é... diferente do que imaginei.
— E como me imaginou?
— Inacessível. Perfeita. Intocável.
Luaen sorriu de canto. — Intocável? Já enfrentei feras, vilões, e passei noites em vigília com Soratta. Não sou tão delicada quanto pareço.
— Mesmo assim... ainda é feita de luar — disse ele, com a voz baixa.
Ela corou. — E você? É mesmo feito de sombra?
— Não sei mais o que sou. Mas sei que, quando te vejo, a escuridão em mim parece... calar.
Um estalo de galho atrás deles quebrou o momento.
Luaen virou rápido. — Estamos sendo seguidos?
— Não exatamente — disse Riven. — Eles me observam. Sempre. As sombras.
De dentro da neblina, surgiu Ishar, o guardião sombrio.
— Você foi longe demais, Riven — disse ele. — E trouxe companhia. A filha da luz.
Luaen se posicionou na frente de Riven, como um escudo.
— Não vou deixar que o leve.
— Que fofa — zombou Ishar. — A princesa corajosa protegendo o filho do caos.
Riven passou por Luaen e encarou Ishar.
— Ela está comigo agora. Se quiser me levar, vai ter que enfrentá-la. E a mim.
Ishar sorriu. — Não preciso. Basta que vocês falhem. E vocês vão falhar… porque a luz e a sombra nunca coexistem.
— Talvez você esteja errado — disse Luaen. — Talvez a lua brilhe mais forte... quando atravessa a escuridão.
Ishar desapareceu na névoa com um último olhar ameaçador.
Riven soltou o ar devagar. — Ele vai voltar. Com mais força.
— Então vamos estar prontos — respondeu Luaen. — Você vem comigo?
Riven hesitou. — Se eu entrar na Alcatéia, vão me aceitar?
— Meus pais vão. Lyria vai. E o velho Hateki já sabe que esse dia chegaria.
— E os outros?
— Os outros vão aprender.
Ele sorriu. Pela primeira vez, de verdade.
— Então sim. Eu vou com você.
Luaen estendeu a mão. Ele segurou.
E a lua acima deles brilhou com mais força, selando o primeiro passo de um novo destino.
{o jovem Riven}
A Escola Lupina surgia no horizonte como uma fortaleza de sabedoria esculpida na montanha. As torres brancas tocavam o céu, os portões de pedra reluziam sob o luar e os ventos cantavam histórias antigas pelas janelas arqueadas. Luaen apertou o passo, guiando Riven pela trilha iluminada por cristais lunares.
— Está nervoso? — ela perguntou, quebrando o silêncio entre eles.
— Um pouco. — Ele soltou um meio sorriso. — Ser julgado antes de dizer uma palavra não é algo novo pra mim.
— Aqui as palavras não pesam tanto quanto os olhares — respondeu Luaen, olhando à frente. — Mas tem quem saiba escutar com o coração.
Eles cruzaram os portões. A presença dos dois atraiu atenção imediata. Jovens lobos em treinamento pararam os exercícios. Sussurros. Espanto. Um deles, um garoto de cabelos cinza e olhos dourados, se adiantou.
— Luaen! Finalmente voltou! — exclamou, correndo até ela. — E quem é esse?
— Lupper… — Luaen sorriu. — Esse é Riven. Ele vai ficar conosco agora.
Lupper franziu a testa, instintivamente se colocando entre ela e Riven.
— Ele tem cheiro de trevas.
— Ele tem um passado difícil. Mas está aqui pra recomeçar.
— Espero que saiba o que está fazendo — disse Lupper, seco.
Antes que Luaen respondesse, outra voz surgiu:
— Sempre sabe.
Zuma, com suas trancinhas prateadas e olhos claros, surgiu ao lado de Lupper. Ela deu um passo à frente e olhou Riven de cima a baixo.
— Então é você… o filho das sombras.
Riven sustentou o olhar.
— E você é a melhor amiga que já me odeia sem motivo?
Zuma deu um sorriso irônico.
— Ainda não te odeio. Só tô observando. Confiança aqui não é gratuita.
Luaen interveio com a voz firme:
— Ele vai provar que merece estar aqui. E vocês vão ver isso com o tempo.
Zuma deu de ombros. — Por sua causa, eu dou um voto de silêncio. Mas vou ficar de olho.
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Mais tarde, o salão da Pedra da Lua estava vazio, exceto por Kaelion e Soratta. O casal observava os vitrais quando passos ecoaram no corredor. Luaen entrou primeiro. Depois, Riven.
Kaelion levantou o olhar. Seus olhos castanho-claros se estreitaram ao reconhecer o garoto à frente.
— Você…
— Eu sei quem sou — disse Riven antes que qualquer acusação viesse. — E também sei quem não quero ser.
Kaelion cruzou os braços, firme.
— Você é filho dos dois maiores inimigos da Alcatéia. Sua presença aqui pode causar pânico. Ou pior… destruição.
— Eu não pedi pra nascer deles — respondeu Riven, firme, mas sem hostilidade. — Mas eu escolhi quem quero me tornar. E isso não inclui seguir os passos deles.
Soratta trocou um olhar com Kaelion e se aproximou.
— Olhos claros… mas escuros por dentro. Você traz conflitos. E traz esperança.
— Me aceita, então?
— Não é sobre aceitar — disse Kaelion. — É sobre te colocar à prova. Todos aqui enfrentam seus próprios monstros. Você terá que encarar os seus. Está pronto?
— Já estou há anos — respondeu Riven.
Soratta assentiu. — Amanhã começa seu treinamento. E a primeira lição será controlar o caos dentro de si.
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Naquela noite, no quarto de Luaen, Zuma apareceu com um chá quente e expressão pensativa.
— Ele é bonito.
Luaen olhou surpresa. — Quem?
— Riven, claro.
— Zuma!
— Calma. Só tô dizendo o óbvio. Mas também tô dizendo que o perigo pode vir disfarçado.
Luaen suspirou, olhando para a janela e o luar.
— Eu sinto algo nele. Algo que pulsa… igual ao que pulsa em mim. Não é amor. Ainda não. Mas é destino.
Zuma se sentou ao lado dela. — Então espero que esse destino saiba te merecer.
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