Um tiro.
Apenas um tiro de estilingue foi o suficiente para fraturar a cabeça do pato que passeava tranquilo pelo campo. O animal estava com o pescoço torto, agonizando, enquanto sua vida esvaia de seu corpo. Seu atirador o olhava com tédio, chateado que foi tão fácil.
– Você não devia ter matado o pato! Era para ter acertado a garrafa em cima da mesa! – Bruce reclamou, correndo até o animal – Minha avó vai me dar uma surra.
– E qual é a graça de acertar um alvo parado? – Aaron murmurou. Para satisfazer as reclamações do amigo, pegou uma pedra simples e a atirou despreocupado na garrafa, que se quebrou no segundo que foi acertada – Pronto.
– Você não devia matar os animais assim, pode dar problema para a gente.
– Não se preocupe, Bruce, vamos culpar o gato. – disse sorrindo. Um sorriso gentil que tinha uma pontada de malícia. Aaron estava ciente das suas ações e não se preocupava já que também tinha conhecimento de como sair das consequências de suas ações.
– Precisamos fazer algo com o pato. Que tal um enterro?.
– Um enterro para o pato? – sua risada ecoou alto – Jogue essa porcaria no lago. Agora precisamos encontrar algumas garotas.
– Achei que você já tinha sido convidado por alguma para ir ao Baile de Natal.
– E eu fui, mas que tipo de cavalheiro eu seria aceitando um convite? Eu sou um romântico, Bruce, eu que tenho que fazer o convite.
– Você tem um alvo, não tem? – Bruce murmurou com olhos semicerrados, pegando o pato mole em sua mão.
– Linda Taste. Dizem que ela tem uma boca maravilhosa. – ele colocou os óculos escuros, mesmo que o dia estivesse nublado.
– Você conseguiu convencer sua irmã a ir comigo?
– É, convenci. – Aaron deu de ombros – Não foi difícil, acho que ela gosta de você. – ele disse indiferente, parecendo não notar as bochechas de Bruce ficando vermelhas. Com passos calmos, Aaron pegou uma pedra pesada no meio do jardim e a trouxe para perto de Bruce. Apesar da expressão serena, ele foi rápido em tirar uma corda de nylon do bolso e amarrar uma ponta em volta da pedra. A outra ele amarrou em volta do pato. – Agora vamos nos livrar dessa coisa.
Com despreocupação, ele observou Bruce jogando o pato no lago. Se ele não estivesse se enganando, era o terceiro que ele matava em um mês com o estilingue. Apesar da preocupação de Bruce com as reclamações de sua avó, Aaron sabia que a velha não ligava tanto assim para os animais. Ele tinha quase certeza que ela os deixava ali de propósito para serem mortos.
Isso o fez sorrir um pouco.
Aquela velha matriarca da família Gehoor via potencial neles.
Com satisfação, pegou um cigarro de seu bolso e acendeu, dando uma tragada forte.
O barulho do pato sendo jogado no lago foi alto o suficiente para chamar a atenção de qualquer empregado que estivesse por perto. Que seja. Assim que Bruce foi para o seu lado, Aaron olhou para a grande mansão da família de Bruce que se erguia glamurosa ao lado deles e sorriu, dando um aceno de adeus animado para as grandes janelas.
Ele sabia que no sétimo andar da mansão, na quinta janela, do lado esquerdo da fresta sútil da cortina, a velha avó de Bruce os estava observando.
Perto das cinco horas, o silêncio da lanchonete foi preenchido pelas risadas animadas das garotas que acabaram de sair do treino. Elas eram líderes de torcida e estavam treinando muito para a apresentação de fim de ano. Era a última apresentação da vida delas como animadoras antes de se formarem, e isso talvez as deixava mais empolgadas que qualquer outra coisa. Apesar do frio, elas usavam shorts justos e tops de yoga.
Calista as invejou por isso.
Com o corpo praticamente todo coberto com roupas de frio, ela ainda conseguia sentir o ar gélido contra sua pele. Droga de pele. Sempre parecia sensível demais. Queria ser um pouco mais como aquelas líderes de torcidas graciosas que não tinham a mínima vergonha ou fragilidade pelo simples toque.
Ela assoprou o café quente mais algumas vezes antes de levá-lo à boca. Queimou. Ela o afastou chateada. Precisava de mais bons minutos para que a temperatura ficasse aceitável.
Como cachorros sentindo o cheiro de cadelas no cio, um grupo de rapazes do time de futebol entraram fazendo muito barulho. Calista os ignorou, eles a ignoraram também.
Ela tentou focar sua atenção no cardápio do lugar, mesmo que não quisesse pedir nada. Ela só queria um momento para si.
Então ela o viu entrar na lanchonete.
Aaron Bijon.
Ele era alto, loiro e tinha um sorriso que fazia as garotas quase se dobrarem aos seus pés. Sempre de óculos escuros, ele parecia confiante e inalcançável. Ao lado dele, estava seu melhor amigo, Brendon, ou seria Bruce? Algo com B, ela achava. Ele tinha cabelos cacheados e escuros, menor que Aaron e mais tímido, ainda assim tinha certo charme com seus óculos quadrados, piercings nas orelhas e fones de ouvido.
Não demorou para que Aaron se aproximasse das garotas, de uma na verdade. Linda Taste, a capitã do time. Ele sorria enquanto Linda se deleitava com as coisas que ele dizia.
Calista observou a interação quieta, tentando não parecer muito estranha por encarar demais.
Eles faziam um casal lindo. Na verdade, todos eram lindos. Todos eles tinham vidas boas. Eles eram acessíveis uns para os outros. Enquanto ela…
– Saia. – disse a garçonete ao lado dela.
– Como? – ela perguntou baixo, assustada.
– Você está aqui há trinta minutos, só pediu um café e a lanchonete está começando a lotar. Se não for pedir mais nada, por favor, saia.
Calista sentiu o rosto ficando quente, os olhos inquietos para o caso de alguém ter ouvido. Ela viu que o amigo de Aaron a olhava segurando o riso.
– Ãh, claro… Sinto muito. – ela se levantou, indo ao caixa para pagar pelo café. Durante o trajeto, sem querer uma das líderes de torcida esbarrou nela. Foi um toque leve, quase imperceptível, mas Calista se encolheu como se tivesse levado um soco.
– O que…? Eu em, estranha. – disse a líder de torcida.
Calista tentou ignorar os olhares que estavam sob ela. Que ideia estúpida de ter saído para uma lanchonete. Ela devia ter ficado em casa. Agora as pessoas estavam olhando para ela, não estavam? Eles sabiam sobre sua pele, não sabiam? Eles sabiam que ela era um fracasso…
Ela saiu apressada, mesmo que o simples toque na maçaneta da porta fosse como formigas picando sua pele.
A boca de Linda Taste era mesmo uma maravilha.
Depois de ficarem um tempo na lanchonete, Aaron finalmente a convidou como par para o Baile de Natal. Ele acreditava que a beijaria na noite do baile, quando ela estivesse encantada demais com seu cavalheirismo que cederia sua boca a ele. Mas não. Ao que indicava, ela também havia rejeitado convites de outros rapazes aguardando o dele. E o jeito como ela chupava seu pescoço, o dizia que ela o queria já havia um tempo.
– Você podia jantar na minha casa hoje. – ela disse quando finalmente se desgrudou dele. Eles estavam no parque, uma área verde, debaixo de uma árvore um pouco afastada das luzes principais. Um lugar perfeito para um jovem casal de amantes. A lua já brilhava no céu, junto com as estrelas, deixando tudo ainda mais intenso.
– Vejo que você não gosta de ir devagar. – ele falou despreocupado, com as mãos nos quadris dela.
– Quando o assunto é você, não mesmo. – lhe deu um beijo rápido – Eu pensava que os Bijon tinham uma vista boa, mas você demorou a notar que eu estava te esperando.
– E eu tenho uma vista boa. Agora mesmo eu vejo que você está completamente fascinada por mim. – a risada de Linda ecoou como uma canção suave ao seu ouvido.
– Você é um exibido. Quero ver se continuará se achando assim com uma venda nos olhos.
– Então esse é o seu plano? Me vendar? Não pensei que fosse tão maldosa. – ele murmurou avançando outra vez na boca dela. Linda riu sob seus lábios, o que fez o beijo não durar muito.
– Eu não esperava que você fosse desse jeito. – ela admitiu, dessa vez o abraçando e apoiando a cabeça sob seu peito. Aaron aceitou muito bem o carinho dela, afagando os cabelos longos e dourados de Linda com os dedos. Um silêncio reconfortante ficou entre eles por alguns momentos. Era bom, calmo. Ele nunca se sentiu assim com ninguém antes – Sabe, eu soube que as Famílias estão permitindo casamento entre si. Talvez, apenas talvez, se isso que está começando entre nós der certo…
– Eu adoraria. – ele disse sincero.
– Mesmo?
– Claro, imagine só, ter sua boca perfeita em mim todos os dias…
Ela se afastou, rindo outra vez.
– Você não tem jeito. Pensei que iria achar estranho esse papo de casamento.
Aaron deu de ombros, pensando um pouco na questão.
Existiam cinco Famílias poderosas na cidade de Parade, cinco elites fechadas que não permitiam nenhum relacionamento matrimonial entre si. O motivo era simples, membros de Famílias diferentes não podiam gerar herdeiros. Sem herdeiros, não tem como continuar uma família. Aaron nunca achou a ideia muito agradável, afinal, ele não podia mais contar nos dedos quantas vezes fora repreendido por se interessar por garotas de uma das outras Família. Ele não queria procriar com elas de qualquer jeito, beijos não fariam mal. Entretanto, desde que seu próprio irmão mais velho se casou com uma mulher da Família Reukzin as coisas mudaram. Foi o primeiro casamento permitido e apoiado entre as Famílias, o que era estranho. Ao que Aaron entendeu, eles iriam conseguir gerar um filho mesmo sendo incompatíveis.
Boa sorte ao seu irmão e que os caminhos dele sejam iluminados, pois com esse casamento, os jovens das outras Elites finalmente se viram livres para coçar a sarna. Aaron pôde sair com Linda. Até Bruce já mostrou um interesse há muito oculto pela filha mais nova da Família Bijon.
– Eu vou ter que ser obrigado a casar de qualquer jeito, então que seja com alguém que eu realmente goste. – ele concluiu, acariciando a bochecha de Linda. De repente, ela se encolheu com o frio da noite e se abraçou. Aaron não hesitou em tirar seu casaco e entregar a ela – Bom, já está ficando tarde e você está com uma roupa de treino. Apesar de ser agradável para os meus olhos, não quero que fique doente.
– É capaz de eu estar usando menos que isso na apresentação antes do baile. – ela provocou.
– E eu pretendo te deixar com nada depois…
– Tudo bem, já deu. Vamos logo. – ela saiu puxando Aaron para a parte mais iluminada do parque. Ele se deixou ser levado por ela, afinal, o futuro deles estava unido.
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