Capítulo 1 – “Entre cafés e correria”
Amanhecia em Lyon. O sol ainda lutava para rasgar o nevoeiro que cobria os telhados antigos da cidade. Era uma manhã fria de novembro, e Claire Bouvier já estava de pé há mais de uma hora. Com o cabelo preso de qualquer jeito e a mochila jogada no ombro, ela corria pelas ruas estreitas com um croissant na boca e uma pilha de papéis na mão.
— Eu vou chegar atrasada de novo! — murmurou para si mesma, ofegante, atravessando a praça principal onde o cheiro de café e pão fresco dominava o ar.
Claire tinha 25 anos e uma vida feita de correria e prazos. Trabalhava como assistente administrativa em uma pequena empresa de design, onde fazia tudo — do café ao fechamento de contratos. Tinha talento, mas pouca oportunidade. Seu francês era impecável, apesar de ter nascido em Bordeaux, filha de uma costureira viúva que a criou sozinha com dignidade e muito amor.
Namoro? Nem pensar. "Não tenho tempo nem pra fazer a unha, vou ter tempo pra homem?", dizia sempre à melhor amiga, Sophie, que era o completo oposto: romântica, sonhadora, viciada em livros de amor e sempre pronta pra empurrar Claire nos braços de algum desconhecido bonito.
Mas aquele dia, ah, aquele dia tinha cheiro de destino.
Enquanto Claire lutava com o relógio e tentava não derrubar os documentos no meio da calçada, um carro preto luxuoso parou abruptamente na rua. Ela não viu. Esbarrou no capô, tropeçou no salto e… os papéis voaram como confete no vento.
— Merde! — gritou, ajoelhando-se no chão.
Uma voz firme e grave veio de cima:
— Está tudo bem?
Ela ergueu os olhos devagar e viu os sapatos de couro italianos, a calça bem cortada, o relógio caro… e então o rosto. Um homem de olhar intenso, barba bem-feita, cabelos escuros perfeitamente alinhados. Devia ter pouco mais de trinta anos. Ele estendeu a mão.
— Deixe-me ajudar. Você se machucou?
Ela hesitou. Pegou a mão dele e se levantou com um misto de vergonha e irritação.
— Estou bem. A culpa foi minha… eu estava com pressa — disse, sem saber onde enfiar a cara.
— Eu sou Adrien Lefèvre. — Ele sorriu, e ali estava. O sorriso que, sem saber, começaria a bagunçar a vida organizada de Claire.
— Claire… Bouvier — respondeu, seca.
Eles se encararam por um segundo a mais do que deveriam. E então ela recolheu os papéis com pressa e se despediu:
— Obrigada… mas eu realmente preciso ir.
E foi. Sem saber que aquele homem era CEO de uma das maiores empresas de tecnologia da Europa. Sem saber que o destino tinha acabado de assinar o primeiro capítulo da história dos dois.
Porque Adrien, ao entrar no carro e vê-la desaparecer na multidão, sentiu algo. Um incômodo. Um arrepio. Uma curiosidade fora do comum.
E Claire, ao contar tudo pra Sophie no fim do dia, ouviu da amiga:
— Você topou com o homem do seu destino e saiu correndo! Isso é tão você!
— Destino nada, Sophie. Isso foi só azar. E talvez… um pouco de sorte.
Capítulo 2 – “O nome dela era Claire”
O carro deslizou pelas ruas de Lyon enquanto Adrien mantinha o olhar perdido pela janela. A cidade passava rápida, mas sua mente estava presa em algo – ou melhor, em alguém. Ele não sabia o sobrenome dela, mas lembrava do nome como quem guarda um segredo: Claire.
— Está tudo certo com a reunião, senhor Lefèvre? — perguntou Marc, seu assistente pessoal, do banco da frente.
— Hã? Ah, sim… está sim. — Adrien piscou, voltando à realidade.
Não estava. Nada estava. Ele era um homem acostumado a números, contratos, decisões de milhões em questão de segundos. Mas havia algo naquela garota... naquele tropeço, naquela pressa, naquele jeito de desviar o olhar como se tivesse medo de ser lida. Ela era diferente. Natural. Sem maquiagem pesada, sem salto de grife, sem as intenções que ele tanto conhecia. E justamente por isso… impossível de esquecer.
Enquanto Adrien entrava em sua empresa com o celular vibrando a cada passo, do outro lado da cidade, Claire se jogava no sofá do pequeno apartamento que dividia com Sophie. Um lugar modesto, mas com janelas largas e plantas que resistiam ao vento francês.
— Você encontrou um CEO e não pegou o número dele?! — Sophie apareceu na porta com uma tigela de pipoca, os olhos arregalados.
— Eu não sabia que ele era CEO, Sophie. Pra mim, era só um homem bonito e... bem vestido demais — disse Claire, rindo. — E você sabe que eu não sou dessas. Eu não caio em conto de fadas.
— Às vezes, o conto de fadas cai em você.
Claire bufou, pegando um punhado de pipoca. Tentava parecer tranquila, mas a verdade é que o rosto dele não saía da sua cabeça. A gentileza no olhar. A voz grave. O toque rápido quando ele a ajudou a levantar. Ela podia sentir tudo de novo só de fechar os olhos.
— Talvez a gente nunca mais se veja — disse, jogando uma almofada no colo. — E tudo bem.
— Claire… você não acredita em destino. Mas talvez o destino acredite em você.
Enquanto a noite caía sobre Lyon, em outro ponto da cidade, Adrien estava parado diante de uma taça de vinho, no alto do seu apartamento de luxo. A cidade inteira aos seus pés… e a sensação de que algo escapava pelas mãos. Ele nem sabia por quê, mas pediu a Marc:
— Descubra quem é a moça que esbarrou no meu carro hoje. Preciso devolver alguns papéis dela... e, talvez, agradecer como se deve.
Marc hesitou.
— Isso parece… pessoal, senhor.
Adrien sorriu.
— Talvez seja.
Na manhã seguinte, algo do passado voltaria a bater à porta dele. Literalmente.
Uma mulher elegante, salto fino, perfume doce demais. Cabelos dourados, maquiagem perfeita. A campainha tocou com firmeza. Adrien abriu a porta e lá estava ela.
— Bonjour, mon amour — disse, com um sorriso calculado. — Sentiu minha falta?
Era Élodie. A ex-noiva. Linda, rica, e perigosamente determinada a não ser chamada de “ex” por muito tempo.
Mas no fundo, Adrien só pensava em outra mulher. Aquela que não usava salto, que tropeçava na rua e bagunçava sua mente com um só olhar.
Claire.
Capítulo 3 – Sombras de Veludo
A campainha soou às oito da manhã, cortando o silêncio do apartamento como uma navalha. Adrien ergueu os olhos do café ainda quente. Não esperava ninguém. A maioria das pessoas sabia que aquele horário era sagrado: seus primeiros minutos de silêncio, antes que os negócios, os e-mails e as decisões do dia o engolissem.
Foi até a porta sem pressa. Quando a abriu, o passado entrou com perfume caro, salto fino e um sorriso de quem nunca aceita um “não” como resposta.
— Bonjour, mon amour — disse Élodie, com uma tranquilidade que só os perigos mais bem vestidos carregam.
Ela entrou como se ainda pertencesse àquele espaço. Como se as semanas, os meses e as despedidas não tivessem acontecido. O salto ecoava no chão de mármore, o casaco bege de lã se acomodava aos ombros com a mesma arrogância elegante de quem sabe que ainda causa impacto.
Adrien fechou a porta devagar, encarando-a com um misto de surpresa e cansaço.
— Eu pensei que você estivesse em Genebra.
— Estava. Mas vi sua entrevista no canal francês. Tão só... tão distante. Senti que estava precisando de mim — ela respondeu, apoiando a bolsa na cadeira como quem ocupa novamente o seu trono.
Adrien se recostou na bancada da cozinha, os dedos apertando levemente a xícara de café.
— Você veio até Lyon por isso?
— Eu vim porque ainda existe algo entre nós — disse, com os olhos cravados nele. — E você sabe disso.
Ele soltou um leve riso sem humor. Aquilo era tão Élodie. Sempre pronta a reescrever a história do jeito que lhe convinha. Sempre decidida a manter o controle — até do que já não era mais dela.
— Nós terminamos, Elô. Você sabe disso. Você saiu da minha vida... e eu deixei que saísse.
Ela se aproximou, os olhos faiscando.
— Você deixou? Adrien, você fugiu. Fugiu de nós, dos planos, da vida que construímos juntos. E agora aparece com esse olhar perdido... está pensando em outra pessoa, não está?
O silêncio dele foi resposta o suficiente.
— Quem é ela?
Ele não queria responder. Não sabia nem o nome completo de Claire. Mas já sabia que ela tinha mexido com algo nele que Élodie, com todos os seus luxos, nunca conseguiu alcançar.
— É alguém que não finge ser o que não é — ele disse, por fim. — Com você, tudo sempre foi... espetáculo. Com ela, foi real. Mesmo que tenha durado dois minutos.
— Uma qualquer? — Élodie quase cuspiu as palavras. — Você vai jogar anos de história por um acaso?
— Talvez seja justamente isso. Um acaso que fez sentido.
Ela cerrou os punhos. A postura ainda era altiva, mas os olhos já carregavam lágrimas contidas.
— Eu lutei por você, Adrien. E vou lutar de novo, se for preciso. Só que, desta vez, não vou perder.
Ela pegou a bolsa com elegância ensaiada, mas o olhar era de guerra. Na porta, virou-se.
— Você pode achar que está vivendo algo novo, mas você vai voltar pra mim. Você sempre volta.
A porta se fechou com um estalo seco.
Adrien ficou ali, olhando o vazio por alguns segundos. A raiva dela, o orgulho ferido, o passado tentando invadir um presente que ele mal começou a entender. Respirou fundo. Tomou um gole do café. Já estava frio.
No outro lado da cidade, Claire ria alto em uma cafeteria com Sophie. Contava sobre um cliente que tentou pagar com um botão achando que era uma moeda antiga. Ela ainda não sabia o nome de Adrien. E tampouco imaginava que, naquele momento, alguém estava decidida a eliminá-la de uma história que ela nem sabia que estava prestes a viver.
Mas a verdade é que, mesmo sem saber, Claire já estava no centro do conflito.
E a sombra de veludo de Élodie, com sua beleza e sede de controle, estava apenas começando a se mover pelas margens da vida dela.
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