Aos quarenta anos, Rosa Maria tinha aprendido a colocar seus sonhos dentro de uma caixa bem fechada. Era mais seguro assim. O amor, para ela, tinha virado um conto de fadas escrito para outras pessoas. Não para uma mulher como ela — marcada por despedidas, decepções e promessas quebradas.
O relógio da cafeteria marcava 17h47. A xícara de café à sua frente esfriava lentamente, ignorada. Rosa mexia distraidamente na borda do pires, os olhos vagando pela rua movimentada. Era sexta-feira, mas para ela parecia só mais um dia igual a todos os outros: cinza, sem surpresas.
Ela nem percebeu quando ele entrou.
Heliton não era o tipo de homem que tentava chamar atenção — mas chamava, inevitavelmente. Alto, cabelos castanhos com leves fios grisalhos nas têmporas, um ar de seriedade e uma tristeza bonita no olhar. Trajava um terno impecável, mas seu sorriso... ah, seu sorriso parecia perdido.
Rosa só percebeu sua presença quando o garçom lhe perguntou se ela se importaria de dividir a mesa, já que o café estava lotado. Sem pensar, apenas assentiu. Ela não era mais daquelas que esperava nada da vida.
— Muito obrigado. — disse ele, com uma voz grave e educada.
Ela apenas sorriu de lado, escondendo-se atrás da borda da xícara.
Por alguns minutos, os dois ficaram em silêncio, cada um perdido nos próprios pensamentos. Até que o destino, cansado da espera, decidiu agir.
— Você vem sempre aqui? — Heliton perguntou, com um sorriso pequeno, quase tímido.
Rosa ergueu o olhar, desconfiada. Há anos não recebia sequer uma tentativa de flerte sem segundas intenções.
— Na verdade, sim. — respondeu, secamente.
Ele riu de leve, sem se intimidar.
— Então talvez você possa me recomendar algo. — disse, abrindo o cardápio.
Ela deu de ombros. — O capuccino é bom. — e voltou a olhar pela janela.
Mas Heliton não desistiu. Havia algo na solidão dela que falava diretamente com a dele.
— Você gosta de chuva? — perguntou, inesperadamente, apontando para as nuvens pesadas que começavam a se formar.
Ela franziu a testa. Quem perguntava isso para um estranho?
— Eu costumava gostar. — disse ela, quase sem perceber a tristeza escapando em sua voz.
Heliton não respondeu de imediato. Apenas observou. Era como se pudesse ver além da superfície. Como se a enxergasse de verdade.
O garçom chegou com o pedido dele, e Heliton aproveitou a pausa para estudar melhor Rosa. Seu cabelo castanho caía suavemente sobre os ombros, algumas rugas delicadas ao redor dos olhos
Denunciavam mais histórias do que ela provavelmente gostaria de contar. Mas havia uma beleza crua nela, uma força silenciosa que o intrigava.
— Eu perdi minha esposa há três anos. — ele disse, de repente, como se estivesse entregando uma chave invisível.
Rosa piscou, surpresa. Não esperava aquela confissão.
— Sinto muito. — murmurou, com sinceridade.
Ele sorriu, triste.
— E você? — perguntou.
Ela soltou um suspiro curto.
— Eu perdi a fé. — respondeu.
Por um instante, apenas o som da chuva começando a tamborilar nas janelas preencheu o espaço entre eles.
Heliton encostou-se na cadeira, cruzando os braços. Seus olhos, de um castanho profundo, não desviavam dos dela.
— Às vezes, a fé volta nos lugares mais improváveis. — disse, com uma convicção que ela não sabia mais se podia acreditar.
Rosa riu, um som amargo.
— Não no meu caso.
Heliton sorriu novamente, mas dessa vez, havia algo diferente naquele sorriso. Uma promessa silenciosa.
— Talvez você só tenha procurado nos lugares errados.
Essas palavras ficaram ecoando na mente de Rosa muito depois que ele se levantou, pagou o café de ambos e lhe ofereceu um cartão.
Heliton Andrade — CEO, Andrade Tech.
Ela olhou para o cartão, depois para ele.
— Você sempre carrega cartões para estranhos? — perguntou, arqueando a sobrancelha.
— Não para qualquer estranho. — respondeu. — Só para aqueles que parecem estar esperando algo... mesmo sem saber.
E então, antes que ela pudesse pensar, ele se foi, desaparecendo na multidão da rua.
Rosa ficou ali, imóvel, olhando para a porta por onde ele saíra, o coração batendo mais rápido do que em anos. Não fazia sentido. Ela não conhecia aquele homem. Não sabia nada sobre ele além da dor em seu olhar. Mas havia algo. Algo que mexia com suas defesas cuidadosamente erguidas.
Ela pensou em jogar o cartão fora. Pensou em ignorar aquilo como mais uma coincidência vazia.
Mas não conseguiu.
Guardou o cartão na bolsa, como quem guarda uma semente sem saber que dali poderia nascer um jardim inteiro.
Naquela noite, Rosa deitou na cama e encarou o teto. O apartamento parecia ainda mais vazio, o silêncio mais pesado. Pensou em todos os amores que não deram certo, em todas as vezes que entregou seu coração apenas para vê-lo esmagado.
"Você já deveria ter aprendido", disse uma voz amarga dentro dela.
Mas outra voz, mais suave — quase imperceptível — sussurrou:
"Talvez você tenha apenas procurado nos lugares errados."
E pela primeira vez em muito tempo, ela dormiu sorrindo.
No dia seguinte, Rosa acordou com uma estranha vontade de fazer algo que há muito não fazia: se arrumar para si mesma. Vestiu um vestido simples, mas bonito. Passou um batom cor de vinho. Soltou os cabelos.
Ela ainda não sabia que aquele era o começo de algo grande. Algo que mudaria tudo.
Enquanto caminhava pela rua, respirando o cheiro de terra molhada, o celular vibrou com uma mensagem desconhecida:
"Espero que seu dia esteja sendo tão bonito quanto você parecia ontem. Heliton."
Rosa parou, o coração disparando.
E ali, no meio da calçada, sob o céu ainda cinzento, ela sorriu. Um sorriso real. Um sorriso que ela achava ter esquecido como fazer.
Era cedo demais para dizer qualquer coisa.
Mas, talvez, só talvez, o amor tivesse finalmente chegado.
E mesmo que ela ainda não soubesse... desta vez, ele viera para ficar.
Por alguns minutos, Rosa ficou parada na calçada, encarando a mensagem como se fosse um bilhete mágico vindo de outro mundo. Havia algo naquela simplicidade que derretia suas resistências.
Ela pensou em ignorar. Em se proteger.
Mas, antes que a covardia a dominasse, seus dedos, quase por vontade própria, digitaram uma resposta:
**"Obrigada. Espero que o seu esteja sendo leve."**
Simples. Seguro. Educado. Mas, por dentro, ela sentia-se como uma adolescente, tentando esconder um sorriso idiota.
A resposta veio quase instantânea:
**"Posso torná-lo ainda mais leve? Jantar comigo hoje?"**
O coração dela falhou uma batida.
Ela não era do tipo impulsiva. Aprendera a duras penas a desconfiar das facilidades, das promessas apressadas. Mas algo em Heliton... algo nele quebrava as regras do que ela pensava que sabia.
Rosa olhou para o céu, onde o cinza da chuva começava a abrir espaço para pequenos rasgos de azul. Sorriu.
**"Onde?"** — digitou.
Em menos de cinco minutos, recebeu a localização: um restaurante elegante, mas não exagerado. Intimista. A cara de alguém que não precisava impressionar ninguém, apenas queria estar presente.
***
Às 20h15, Rosa parou em frente ao restaurante. Respirou fundo antes de empurrar a porta. Ainda podia dar meia-volta. Ainda podia voltar para a segurança da sua solidão.
Mas algo dentro dela sussurrou: *vá*.
E ela foi.
Heliton já estava lá, sentado perto da janela, usando uma camisa branca casual e calça jeans escura. Quando a viu, se levantou, como se ela fosse algo raro, precioso.
— Você veio. — disse, com aquele sorriso calmo que parecia atravessar suas barreiras mais densas.
— Eu vim. — respondeu ela, tentando parecer mais confiante do que se sentia.
Ele puxou a cadeira para ela, um gesto simples, mas carregado de gentileza. Nada apressado. Nada forçado.
A conversa fluiu naturalmente. Ele falou da empresa que herdara do pai, do amor que teve pela esposa falecida, da luta para reconstruir a própria vida. Rosa falou pouco. Ainda era difícil entregar pedaços de si. Mas, de alguma forma, com Heliton, as palavras saíam mais fáceis.
— Sabe... — disse ele, brincando com a borda da taça de vinho. — A maioria das pessoas acha que tem tempo infinito. Para amar. Para perdoar. Para recomeçar.
Rosa o observava, fascinada.
— Eu aprendi que tempo é um presente. E que a gente não deve desperdiçar quando sente... algo verdadeiro.
Ela baixou o olhar, sentindo o peso daquelas palavras.
Heliton se inclinou levemente para frente.
— Não estou dizendo que é fácil. — disse, a voz baixa. — Mas quando a vida te dá a chance de sentir de novo... você precisa estar viva o bastante para aceitar.
Rosa sorriu, um sorriso tímido, mas real.
— Eu não sei se estou pronta. — confessou.
Ele estendeu a mão sobre a mesa, sem tocá-la, apenas oferecendo.
— Eu espero você. No seu tempo. — disse simplesmente.
E, naquele instante, algo dentro dela — algo velho, triste e desconfiado — começou a rachar. Bem devagar, mas definitivamente.
***
Quando o jantar terminou, ele insistiu em acompanhá-la até o carro.
A noite estava fresca, a rua úmida brilhando sob a luz dos postes. Quando chegaram ao carro dela, Rosa hesitou. Não queria que a noite terminasse. E, ao mesmo tempo, morria de medo do que viria depois.
Heliton pareceu perceber.
Ele ficou ali, parado, as mãos nos bolsos, respeitando o espaço dela.
— Posso te ver de novo? — perguntou, simplesmente.
Rosa mordeu o lábio, um gesto inconsciente que entregava sua luta interna. Ela queria. Deus, como queria. Mas e se tudo desmoronasse de novo?
Ela olhou nos olhos dele — tão cheios de paciência, de vida, de esperança.
E, pela primeira vez em muito tempo, decidiu confiar.
— Pode. — disse, com a voz embargada de emoção.
Heliton sorriu, e era como se todo o cansaço dela — anos e anos de amargura e medo — derretesse sob aquele sorriso.
Ele não tentou beijá-la. Apenas tocou a ponta dos dedos na mão dela, em um gesto que dizia: *Estou aqui. No seu tempo.*
Rosa entrou no carro com o coração batendo forte, sentindo-se, de repente, muito viva.
Ela observou pelo retrovisor enquanto ele esperava até que ela partisse, como um cavaleiro moderno, sem armadura, mas com um coração genuíno.
E pela primeira vez em anos, Rosa Maria chorou. Não de tristeza.
Mas de alívio. De gratidão.
Porque, aos 40, quando ela menos esperava, o amor finalmente tinha chegado.
E ela estava pronta para vivê-lo.
Inteira. Verdadeira. Sem medo.
O som da chuva batendo no vidro era como uma canção de ninar, mas Rosa Maria não conseguia dormir.
Sentada na poltrona da sala, enrolada em uma manta, ela encarava o vazio da noite, perdida entre cicatrizes antigas e sonhos recém-nascidos.
Era estranho. Durante anos, ela acreditara que seu coração havia endurecido para sempre. Quantas vezes ela recolheu os pedaços de si mesma após histórias que prometiam ser diferentes — e acabavam iguais?
Quantas vezes havia sido chamada de "difícil", "complicada", "insegura"?
A verdade, nua e dolorida, era que Rosa Maria nunca tinha sido amada do jeito certo.
E isso deixava marcas. Invisíveis, mas profundas.
Heliton.
O nome dele flutuava nos pensamentos dela como um sussurro doce. A lembrança do jantar, da gentileza, da maneira como ele olhava para ela sem pressa... Tudo isso parecia tão fora de lugar na vida que ela conhecia, tão absurdo que quase doía acreditar.
Rosa encostou a cabeça no encosto da poltrona e fechou os olhos.
Ela tinha medo.
Medo de acreditar e se decepcionar de novo. Medo de abrir a porta do coração e encontrar lá dentro apenas os mesmos velhos fantasmas.
"Você é difícil de amar."
"Não é boa o bastante."
"Você já passou da idade."
Vozes do passado, ecos de homens que disseram que a amavam — mas a quebraram em silêncio.
Quando amanheceu, Rosa decidiu que não podia mais se esconder atrás dos seus traumas.
Se quisesse viver algo verdadeiro, precisava primeiro olhar para dentro. Encarar o que doía. Acolher o que sangrava.
Decidiu ir até o único lugar onde sempre encontrava um pouco de paz: o pequeno jardim comunitário do bairro, onde plantas esquecidas por todos floresciam teimosamente.
Ela vestiu um jeans gasto, uma camiseta simples e saiu de casa sem maquiagem, sem armaduras.
Ao chegar, o cheiro de terra molhada a envolveu como um abraço antigo. As flores, apesar da chuva da noite anterior, estavam eretas, desafiadoras.
Floresciam apesar das tempestades.
Rosa caminhou entre as roseiras e lavandas, deixando que o ar fresco lavasse sua alma cansada.
Parou em frente a uma roseira de flores amarelas — a cor da esperança.
Com as pontas dos dedos, tocou uma pétala úmida.
— Bonita, né? — disse uma voz atrás dela.
Ela se virou, surpresa.
Era Dona Amélia, uma senhora de cabelos brancos e olhos gentis, que sempre cuidava do jardim como quem cuida da própria vida.
— Muito bonita. — respondeu Rosa, sorrindo.
Dona Amélia se aproximou, apoiando-se na bengala.
— Sabe o que eu aprendi sobre essas flores? — disse a velha senhora, olhando para a roseira. — As mais bonitas são as que mais apanharam da chuva e do vento. Mas elas continuam crescendo... mesmo com os galhos quebrados.
Rosa sentiu um nó na garganta.
Era como se Dona Amélia estivesse lendo sua alma.
— A senhora cuida delas há muito tempo? — perguntou, tentando mudar de assunto.
— Há vinte anos. Desde que perdi meu marido. — disse a mulher, com um sorriso triste, mas sereno. — Venho aqui plantar para não deixar meu amor morrer.
Rosa se sentou em um banco de pedra próximo, absorvendo aquelas palavras.
— Às vezes a gente acha que acabou pra gente, né? — disse Dona Amélia, olhando para o céu nublado. — Mas o amor... ele é teimoso. Sempre acha um jeito de florescer de novo.
Rosa não respondeu. Apenas deixou que as lágrimas corressem livres.
Dona Amélia apertou sua mão com carinho.
— Deixa ele florescer, menina. Não importa se o coração tem cicatrizes. Elas só provam que você sobreviveu.
Naquela noite, Rosa ficou olhando para o telefone por longos minutos.
Heliton tinha mandado uma mensagem simples:
"Pensei em você hoje. Espero que tenha tido um dia leve."
Ela sorriu. Era tão diferente dos jogos e manipulações que conhecia. Tão leve... tão honesto.
"Pensei em você também." — ela respondeu.
E assim, devagarinho, Rosa começou a permitir que Heliton entrasse em sua vida.
Conversaram por dias, trocando mensagens, ligações, confidências. Nenhuma pressa. Nenhuma cobrança.
Heliton queria conhecê-la de verdade. Queria saber o que ela gostava, o que a fazia rir, o que a fazia chorar.
Rosa falou de seu amor por livros antigos, sua paixão por música francesa, sua mania de dançar sozinha na sala quando ninguém estava olhando.
Heliton contou de suas caminhadas matinais para clarear a mente, do café que ele mesmo fazia todas as manhãs — forte e sem açúcar —, da saudade que sentia da esposa, mas também da vontade genuína de viver um novo amor.
Era tudo tão cru, tão verdadeiro.
E, lentamente, Rosa Maria começou a se ver com outros olhos.
Não como a mulher quebrada que tantos fizeram ela acreditar que era.
Mas como alguém capaz de amar e ser amada de novo.
Alguns dias depois, Heliton a convidou para um piquenique no parque.
Rosa hesitou. A ideia parecia tão... jovem, tão fora da sua zona de conforto.
Mas ela disse sim.
E naquela tarde de sábado, entre risos, comida simples e olhares cheios de promessas, ela se permitiu ser apenas Rosa. Sem amarras. Sem máscaras.
Deitada na grama, observando o céu, sentiu Heliton deitar ao seu lado.
— Rosa Maria. — ele disse, olhando para ela como se fosse a coisa mais bonita que já tinha visto.
— Hum? — respondeu, fechando os olhos para sentir melhor o momento.
— Você é como essas flores aí. — ele apontou para um campo de margaridas selvagens. — Pode ter enfrentado tempestades, pode ter galhos quebrados... mas olha só como você floresce.
Rosa abriu os olhos e, pela primeira vez em muito, muito tempo, acreditou.
Talvez, só talvez, ela merecesse mesmo tudo aquilo.
Não porque era perfeita.
Mas porque era forte.
Porque tinha sobrevivido.
E agora, finalmente, estava pronta para florescer.
Na volta para casa, sentada no banco do passageiro, Rosa olhou para Heliton, que dirigia de maneira tranquila, cantarolando baixinho uma música antiga no rádio.
O sol dourava a estrada à frente deles, e Rosa percebeu:
A felicidade não era um trovão estrondoso que explodia de uma vez.
Era isso aqui — um sentimento morno, tranquilo, gentil.
Um florescer paciente, mas inevitável.
A vida dela estava mudando.
E, pela primeira vez, ela não sentia medo.
Sentia gratidão.
E amor.
Muito amor.
Por si mesma.
Pela jornada.
Por Heliton.
Pelas cicatrizes.
Pelas flores.
Heliton era um homem diferente de tudo que Rosa Maria já conhecera.
Não apenas pelo porte imponente, os traços firmes ou o olhar penetrante que fazia o chão desaparecer sob seus pés — mas pela presença. Havia algo nele que dizia, sem palavras: "Eu não vou te ferir."
E isso, para uma mulher como Rosa, era mais assustador do que qualquer outro tipo de perigo.
Ser amada de verdade?
Ser cuidada?
Ser vista?
Isso era novo. Isso dava medo.
Mas Heliton não tinha pressa. Ele se aproximava dela como quem se aproxima de um animal selvagem machucado: com paciência, com respeito, com amor.
Naquela sexta-feira, Rosa foi convidada para conhecer o escritório de Heliton.
Um imenso prédio de vidro espelhado se erguia no coração da cidade, elegante e imponente. Rosa hesitou antes de entrar. Sentia-se deslocada, pequena demais para aquele mundo onde todos pareciam seguros de si.
Mas, assim que atravessou as portas giratórias, viu Heliton esperando-a na recepção. E todo o resto desapareceu.
Ele sorriu — aquele sorriso que ela começava a reconhecer como casa — e abriu os braços para recebê-la.
— Bem-vinda ao meu outro mundo, Rosa Maria.
Ela sorriu de volta, o nervosismo derretendo sob a ternura daquele olhar.
Heliton a conduziu pelos corredores largos, apresentando-a aos funcionários que o cumprimentavam com respeito genuíno. Não havia arrogância nele, apesar do cargo. Só havia gentileza, firmeza e uma autoridade que vinha de dentro, da alma.
Ele a levou até a cobertura do prédio, onde uma sala envidraçada dava vista para toda a cidade.
— Este é o meu refúgio — disse, puxando uma cadeira para ela.
Rosa se sentou, maravilhada.
— É lindo, Heliton.
— É apenas vidro e concreto. — ele disse, olhando diretamente nos olhos dela. — O que torna isso especial é quem está aqui comigo.
Ela corou.
Era assim com Heliton. Ele dizia coisas bonitas sem esforço, como quem respira.
E, pela primeira vez, Rosa Maria não duvidava da sinceridade.
Enquanto ele terminava algumas reuniões rápidas, Rosa caminhou até a estante repleta de livros.
Filosofia, economia, romances clássicos. Uma seleção que surpreendia. Heliton era um homem que pensava. Que sentia.
Ela puxou um exemplar de "Dom Quixote" e sorriu.
Heliton se aproximou.
— Meu livro favorito. — ele disse, encostando-se à estante.
— Um sonhador lutando contra moinhos de vento. — Rosa comentou.
— Um homem que acreditava no impossível. — Heliton corrigiu com um brilho nos olhos.
Rosa o olhou por um momento longo.
Talvez, pensou, ela também fosse um moinho de vento.
Cheia de defesas invisíveis, pronta para afastar qualquer um que ousasse se aproximar.
Mas Heliton não se assustava.
Ele via além das hélices girando. Ele via a mulher ferida e linda que ela era.
E a amava, não apesar disso, mas por isso.
Depois do expediente, Heliton a convidou para jantar.
Dessa vez, não em um restaurante sofisticado — mas na casa dele.
Era um convite íntimo. Um passo adiante.
Rosa hesitou apenas por um instante antes de aceitar.
A casa era tão acolhedora quanto o próprio dono: paredes em tons claros, livros espalhados por todos os cantos, fotografias emolduradas de momentos felizes.
No centro da sala, uma foto de Heliton abraçado a uma mulher linda, de olhos gentis — provavelmente sua falecida esposa.
Rosa parou, respeitosa.
Heliton se aproximou.
— Essa era a Laura. — disse, a voz carregada de uma ternura antiga. — Ela foi meu grande amor. E também minha grande perda.
Rosa virou-se para ele.
— Você ainda a ama?
Heliton sorriu, triste e verdadeiro.
— Sempre. Mas amar alguém que se foi não impede que a gente ame de novo. — ele tocou o rosto de Rosa com a ponta dos dedos. — Eu estou pronto para um novo amor, Rosa. Se você estiver também.
As palavras eram simples. Mas tinham o peso do mundo.
E Rosa sentiu, em cada fibra do corpo, que ele falava a verdade.
O jantar foi leve, cheio de risadas, vinho e histórias.
Heliton era um homem que sabia ouvir. Não interrompia, não corrigia, não diminuía. Apenas olhava para ela como se cada palavra fosse preciosa.
E, aos poucos, Rosa foi contando pedaços de sua história: as traições, as decepções, a sensação constante de ser insuficiente.
Heliton ouvia em silêncio, com o coração aberto.
Quando ela terminou, ele apenas disse:
— Você não foi difícil de amar, Rosa. Você só amou as pessoas erradas.
E então a abraçou.
Não um abraço de pena. Não um abraço superficial.
Era um abraço que dizia: Eu vejo suas cicatrizes. Eu respeito suas dores. E ainda assim, eu escolho você.
Naquela noite, enquanto ele lavava os pratos e ela secava, Rosa percebeu algo extraordinário:
Pela primeira vez em anos, ela não sentia que precisava ser "melhor", "mais bonita", "mais perfeita" para ser amada.
Ela podia simplesmente ser.
E isso era libertador.
Mais tarde, sentados no sofá, Heliton segurou a mão dela.
— Rosa Maria... — disse, sério. — Você merece ser feliz. Não porque mudou. Não porque provou algo. Mas porque você é você.
Ela sentiu as lágrimas surgirem, mas não as conteve.
Pela primeira vez, não eram lágrimas de dor.
Eram lágrimas de cura.
Heliton a puxou para mais perto e beijou sua testa.
Um gesto tão cheio de reverência que Rosa sentiu seu coração florescer ali mesmo.
O amor deles não começou com fogo de artifício.
Começou com a delicadeza de quem sabe o valor das feridas.
Com a paciência de quem entende que cicatrizes contam histórias.
Com a ternura de quem escolhe ficar, mesmo sabendo que o caminho não será sempre fácil.
Nos dias que seguiram, Heliton se tornou um porto seguro para Rosa.
Quando ela duvidava de si mesma, ele a lembrava de sua força.
Quando os velhos medos surgiam, ele segurava sua mão e dizia:
— Eu estou aqui. E não vou a lugar nenhum.
E, assim, Rosa Maria foi se curando.
Não porque Heliton a "consertava" — ela nunca foi quebrada.
Mas porque ele a fazia lembrar de quem ela era antes das feridas.
E mais do que isso: ele a fazia acreditar que o melhor ainda estava por vir.
Certa manhã, deitada ao lado dele, observando o sol nascer pela janela, Rosa sussurrou:
— Você curou minhas feridas, Heliton.
Ele sorriu, acariciando seus cabelos.
— Não, Rosa Maria. Você se curou. Eu só estive aqui para te lembrar do que você já era capaz.
Ela sorriu, emocionada.
E ali, nos braços dele, sentiu que tudo, absolutamente tudo, valeu a pena.
Cada lágrima.
Cada decepção.
Cada cicatriz.
Porque todas elas a trouxeram até aquele momento.
Até aquele amor.
Até aquele homem.
O CEO que não apenas comandava empresas — mas que ensinava corações a acreditar de novo.
E, pela primeira vez, Rosa Maria não tinha medo do futuro.
Ela sabia, com toda a certeza do mundo, que estava exatamente onde sempre sonhou estar.
Amada.
Inteira.
Feliz.
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