Oi, meu nome é Joyce.
Um nome forte, diferente — e, segundo minha avó, intenso demais pra uma garota tão animada e elétrica como eu. Cresci com meus pais até eles decidirem abrir uma padaria em Portugal. Isso mesmo. Uma padaria. Pode acreditar?
Meu pai, Carlos, e minha mãe, Márcia, insistiram muito pra eu ir junto. Principalmente meu pai — ele diz que eu sou os olhos dele. Eu sempre brinco com a minha irmã dizendo que sou a filha preferida. Ela não acredita, mas eu sei que sou.
Aqui no Brasil, ficou o restinho da Família Ribeiro: minha avó Dolores, viúva, minha irmã Júlia e eu.
Aliás, olha o vacilo: falei deles, mas nem apresentei direito.
A vó Dolores tem 74 anos e é dona de um repertório infinito de ditados populares e broncas cheias de amor. Ela é um docinho... mas se eu chamar ela assim, ela me bate com a bengala. É minha melhor conselheira. Vive dizendo que eu tenho “fogo nas palavras”. A verdade é que eu falo sem filtro mesmo — saiu da cabeça, foi pra boca.
Já a minha irmã, Júlia, tem 17. É a sensatez em pessoa. Sonha em fazer medicina e ajuda a vó em tudo, enquanto estuda e cuida das redes sociais da escola. Inteligente e centrada — o completo oposto de mim. Pelo menos uma Ribeiro saiu com juízo, né?
Meus pais — os empreendedores padareiros de Portugal — acham que vão sentir muito a minha falta. Mas, verdade seja dita, eu fiquei porque amo minha liberdade. E também porque gosto do meu cantinho. Sou a mulher da casa agora. Literalmente.
Ah, e sobre mim?
Eu sou um acontecimento.
Tenho os cabelos ruivos mais escandalosos e lindos que você já viu. Do tipo “fogo puro”. Sardas, batom vermelho (meu uniforme oficial), roupas coloridas e barulhentas. Gosto de usar terninho rosa, sapato amarelo, bolsa com estampa de ursinho. O caos em forma de look.
Gritam que eu chamo atenção? Eu grito mais alto ainda. Porque se tem uma coisa que ninguém vai fazer, é apagar minha luz. Eu sou alegria com café passado. E se a vida me dá tristeza? Eu passo batom e vou ser feliz mesmo assim.
Falando em vida… são cinco da manhã e hoje eu tenho entrevista de emprego. Sim, uma entrevista. Eu não tava muito afim, confesso, mas sou o ponto seguro da minha família agora. Apesar do meu jeitinho “meio doido”, elas contam comigo. E eu com elas.
Já trabalhei com quase tudo: recepção, loja de roupa, papelaria, escola, até cuidando de cachorro dos outros. Agora tô quase formada em Administração na UNIP.
Essa entrevista é importante. Pode ser o pontapé pra uma vida nova. Salário fixo, vale-alimentação, vale-transporte, cesta básica… um sonho.
Ferraz & Co. é o nome da empresa. Chique, né?
Torçam por mim.
Aliás… ai meu Deus do céu, que cabeça de vento! Eu nem sei onde é esse lugar direito.
Mas vou chegar. Com batom vermelho, um salto confortável e minha energia lá no alto.
Porque eu sou Joyce Ribeiro.
E o mundo que lute.
Acordei animada. Mentira. Tava puta. Eram 5 da manhã e o meu celular já gritava uma daquelas músicas eletrônicas que só baixei porque achei que ia me motivar a sair da cama. Não me motivou. Só me deu vontade de tacar o celular na parede. Mas enfim. Tomei um banho rapidão, passei meu batom vermelho queridinho (claro, né? jamais saio sem ele), coloquei minha roupa chiquérrima – terninho rosa pastel, calça de alfaiataria branca (coisa fina!), sapato de salto amarelo ovo. E fui.
Fui linda.
Mas a rua não queria ver minha beleza. Porque no primeiro quarteirão... PLÉC.
Salto. Quebrado. Do nada. Do nada mesmo, minha gente. Um rombo no universo abriu e disse: “Joyce, hoje não.”
Respirei fundo, peguei o salto com dignidade (aquela que me restava), andei até a padaria do Zé mancando igual uma perna-de-pau, e ele, no maior deboche:
— Ô Joyce, caiu do salto?
— Caiu foi a minha paciência, Zé! Tu tem um durex aí? Um super bonder? Uma bengala, sei lá?
Nada. Dei meu jeito. Peguei um busão até a estação. Mas, minha Nossa Senhora dos Trilhos Lotados, o trem pra Lapa tava mais cheio que minha geladeira depois do vale-refeição.
Aí você pensa: “bom, pelo menos o salto já quebrou, não tem mais como piorar.” Hahahaha. Eu de branco, minha filha. Quando fui descer do trem, um abençoado tropeça, cai em mim e splash... barro. LAMA. Minha calça branca virou obra de arte do Romero Britto versão lodo.
Mas vamos de fé.
Cheguei na Ferraz & Co. com uma perna mancando, a outra suja de barro, e a alma segurando no Senhor. Bati na recepção. A moça olhou pra mim com aquela cara de "você se perdeu do manicômio, minha flor?". Eu sorri, passei batom de novo (prioridades) e esperei ser chamada.
E fui chamada por ela. Tatiana Bueno. Mulher chiquérrima. Postura de CEO da Chanel com sangue de militar. Ela olhou pra mim, eu juro, e soltou:
— Você é Joyce Ribeiro?
— Em carne, osso e lama, senhora Tatiana.
Ela deu uma risadinha. Daquelas contidas, sabe?
— Sente-se, Joyce.
E eu me sentei. Firme. Falei bonito. Falei tudo. Dei meu show. E, entre nós, sei que conquistei ela ali.
Depois da entrevista, que foi mais tensa que final de Copa, entrei no elevador me achando. Me sentindo a própria presidente da empresa. E aí...
PUF. Tropecei e caí.
Mas não caí sozinha, não, minha filha. Caí diante de um homem.
UM. HOMEM.
O ser humano mais lindo, mais cheiroso, mais elegante que eu já vi na face da Terra. Terno alinhado, cabelo impecável, barba por fazer daquele jeitinho que faz a gente pensar besteira. E o cheiro... Ai, o cheiro! Um perfume de madeira com algo quente, como se fosse o próprio pecado em frasco. E eu? De quatro no chão.
— Desculpa, eu... eu... é que meu salto quebrou, sabe? A lama, o trem, a calça...
Ele só me olhou. Sério. Olhar azul acinzentado. Congelante.
— Você está bem?
Ah, com aquela voz? Eu estava era OVULANDO.
— Tô, tô sim. Quer dizer, não tô, né? Mas também... quem tá? A vida tá um caos, moço, e esse elevador é pequeno e quente. E você é bonito demais, desculpa, falei. Merda, falei. Falei alto? Falei, né?
E aí...
O elevador parou.
DO. NADA.
— Ah, não! Tranca não, Jesus! Tranca não! Eu juro que essa calça é nova!
— Calma — ele falou, sem muita emoção.
— CALMA? Eu tô presa num elevador com um deus grego, suada, com barro na bunda e com um salto na mão! É pedir muito pra vida parar de me dar tapas na cara?
Ele se encostou na parede e cruzou os braços.
— Você sempre fala tanto assim?
— Falo. Quer que eu cante? Porque quando eu fico nervosa, eu canto. Você prefere Sandy ou Beyoncé?
Ele arregalou os olhos.
— Nenhuma.
— Aff, grosso. Achei que fosse lindo e educado. Só é lindo.
Ele segurou o riso. EU VI. Tava lá, no canto da boca.
Ficamos ali, presos, no elevador da empresa mais chique que eu já pisei. Eu, fedendo a nervoso. Ele, perfumado até a alma. E eu sem saber que tava presa no mesmo espaço que... o dono.
Sim. O dono da porra toda.
Mas isso... isso eu ia descobrir depois.
Você acredita que o elevador ainda não tinha voltado? Pois é. Eu já tava me perguntando se Deus tava brincando de Sims e resolveu tirar a escada do mapa. Uma hora e quinze minutos presa com o homem mais bonito do mundo, e eu já tava no terceiro estágio do colapso emocional.
— Se eu morrer aqui, só me promete uma coisa... — falei, olhando pro teto.
— O quê? — ele perguntou, ainda com aquela cara de quem tá meio rindo por dentro e meio “o que que eu tô fazendo aqui?”.
— Que vai avisar minha mãe que eu morri elegante. Mas suada, e com lama na bunda.
Ele soltou uma risada. Uma risada DE VERDADE. Com som. Barulho. Eco. E, minha filha... se a beleza dele já era nível pecado, o sorriso foi tipo o inferno todo abrindo as portas. Eu congelei. Sério, eu tive um micro AVC.
— Você é sempre assim? — ele perguntou, virando um pouco o corpo pra mim.
— Assim como? Linda? Brilhante? O caos em pessoa?
Ele riu de novo. Dessa vez, mais solto. E eu juro, por um segundo, ele não pareceu aquele homem gelado e silencioso de antes. Pareceu… humano. E quase fofo. Quase.
Só que o tempo começou a passar e, meu Deus, que calor era aquele? Parecia que o elevador tinha se transformado numa sauna a vapor com essência de tensão sexual. Eu já sentia a maquiagem derretendo, a nuca suando e o batom virando blush.
— Preciso tirar isso aqui, senão vou derreter — falei, já arrancando o paletó rosa pastel com toda a dignidade que me restava.
— Fica à vontade — ele disse, e eu JURO que teve uma pontinha de malícia ali. Mas a Joyce aqui não recua, minha filha. Fui e tirei.
E foi aí que eu vi.
Os olhos dele foram direto. Direto.
Pro meu decote.
E eu vi MESMO. Não foi tipo “será que ele olhou?” — foi tipo: ele olhou, analisou, mediu, calculou o peso, fez projeção 3D e... sorriu. Aquele sorrisinho de canto, safado, tipo “minha nossa senhora da tentação em pessoa”.
— TÁ QUENTE, NÉ? — soltei do nada, como se isso apagasse o incêndio no ar.
— Tá — ele respondeu, com a voz mais grave do que antes. E mais lenta. E MAIS QUENTE AINDA, PORRA.
O clima ficou denso. Tenso. Parecia que o ar tava pesado, o tempo parado, e a qualquer segundo um dos dois ia pular no outro. E olha... eu quase fui. Quase mesmo. A tensão tava ali, viva, pulsando no meio daquele cubículo.
Eu tava com a respiração desregulada, suando, com o cabelo grudado na testa. Ele, por sua vez, tirou o paletó também, e DEUS, por quê? Que tipo de homem usa camisa branca justa por baixo de um terno e ainda parece um modelo da Calvin Klein no meio do Apocalipse?
Eu olhei. Olhei MESMO. E ele notou. E não falou nada. Só me encarou.
A gente ficou ali, os dois sentados no chão do elevador, trocando olhares quentes o suficiente pra derreter aço. Eu já tava prestes a pedir desculpa pelo que eu ia fazer a seguir, quando...
PLIM.
O elevador fez um barulhinho.
As portas se abriram.
E o inferno congelou.
Ali, bem na nossa frente, estava praticamente TODO O ESCRITÓRIO. Uma multidão de gente de crachá, de salto, de cafezinho na mão, olhando pra gente como se a gente tivesse matado alguém lá dentro.
Ele? Sem paletó, com a camisa meio aberta e amarrotada, parecendo saído de um romance hot.
Eu? Sem paletó, com a blusa grudada de suor, o cabelo bagunçado e o decote gritando “oi”. Sentada no chão, rindo, igual uma doida.
Silêncio.
Morto.
Até que uma voz lá no fundo, de uma estagiária qualquer, saiu:
— ...gente, é a nova funcionária e o CEO.
EU. TRAVEI.
CE. O.
CÊ. TÁ. ZUANDO. QUE. É. ELE?
Meu sorriso congelou. A alma saiu do corpo. E eu só consegui dizer:
— ...bom dia?
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