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Fragmentos de Nós

Capítulo 1 – Rotina Quase Perfeita

Meu nome é Luiz Felipo Andrade. Tenho trinta e seis anos, sou advogado federal, marido da Andressa há quase oito anos e pai da pequena Elisa, minha garotinha de sete anos. Aos olhos de qualquer um, eu tenho a vida perfeita.

Acordo todos os dias às seis da manhã. Tomo um café forte, levo Elisa à escola, reviso relatórios no escritório e, quando dá tempo, corro uns bons quilômetros na esteira. Andressa costuma dizer que sou um homem metódico demais, quase previsível. Talvez ela tenha razão. Talvez a previsibilidade seja meu refúgio.

Hoje, como sempre, acordei com o despertador vibrando ao lado da cama. O som é discreto, mas suficiente pra me tirar da inconsciência. Andressa ainda dormia ao meu lado, cabelos espalhados no travesseiro, a respiração tranquila. Por um instante, fiquei observando. Era bonita. Sempre foi. Mas… algo dentro de mim apertou, como se eu estivesse olhando para alguém que eu deveria amar mais do que amo.

Senti um peso estranho no peito, uma pontada incômoda que me fez virar o rosto. Levantei, vesti a calça de moletom e desci até a cozinha. A rotina começava.

Pão integral, ovos mexidos, um gole de café enquanto conferia o celular — três mensagens do departamento, uma notificação de Elisa pedindo mais um “desenho de princesa”, e nada mais. Abri a geladeira, peguei o suco preferido da minha filha e deixei a lancheira pronta. Mesmo os movimentos automáticos tinham uma precisão quase cirúrgica. Eu sabia exatamente onde cada coisa ficava, o tempo que levava pra ferver a água, o ângulo certo pra pegar a manteiga sem derrubar os potes.

Nada além do silêncio sutil de uma casa que parece em ordem, mas que às vezes soa vazia demais.

— Bom dia, papai! — Elisa apareceu correndo, agarrando minha cintura com seus bracinhos pequenos e sorrindo com todos os dentes, menos os dois da frente.

— Bom dia, querida — respondi, abraçando-a de volta.

O calor do abraço dela era real. Sempre foi. A única coisa que ainda fazia sentido de forma absoluta. Elisa era meu mundo. Talvez fosse por isso que ainda estivesse aqui. Por ela.

Andressa surgiu logo depois, arrumando o roupão no corpo, os cabelos em coque malfeito. Me deu um beijo no rosto e sentou-se à mesa, mexendo no celular com os olhos semicerrados de sono.

— Hoje você sai no horário? — ela perguntou, sem tirar os olhos da tela.

— Vou tentar. Tem reunião com os federais sobre aquela operação no porto. Mas prometo não demorar.

Ela assentiu com um murmúrio e continuou deslizando o dedo pelo celular. Silêncio. Aquele tipo de silêncio confortável para alguns casais. Pra mim, era incômodo. Sentia como se estivéssemos cumprindo um script. Atores em uma peça ensaiada mil vezes, onde cada fala já perdeu a alma.

E, mesmo assim, ninguém tinha culpa.

No carro, a caminho da escola, Elisa me contou uma história sobre um dragão que aprendia a cantar. Ela sempre inventava coisas. Tinha uma imaginação viva, intensa. Eu ouvia, sorria e reagia como se estivesse completamente presente. Mas, por dentro, uma parte de mim parecia estar sempre em outro lugar.

Deixei minha filha no portão da escola, acenei para a professora, e fui direto ao escritório. Lá, o dia se arrastou. Um amontoado de papéis, relatórios, reuniões formais e ligações que nunca pareciam ter fim. Resolvi um caso, entrei em contato com a delegacia local, revisei arquivos de uma investigação internacional prestes a cruzar fronteiras. Algo sobre tráfico de informações sigilosas. Típico.

Mas, no meio da rotina, entre um relatório e outro, fui invadido por um pensamento estranho. Uma imagem rápida. Um sorriso. Um toque. Mas de quem?

Fechei os olhos por um instante. Tentei me lembrar. O rosto não vinha. Só a sensação. Calor. Desejo. Dor.

Não fazia sentido.

Suspirei fundo e voltei ao trabalho. Talvez fosse apenas cansaço, ou estresse acumulado. Mas essa não era a primeira vez. E, cada vez que acontecia, meu coração batia mais forte. Como se alguém estivesse tentando gritar do fundo da minha mente.

Um eco. Um fantasma de algo que eu não consigo nomear.

No final do expediente, fiquei alguns minutos parado diante da janela do meu escritório. O sol se escondia atrás dos prédios, tingindo o céu de laranja e lilás. As luzes da cidade começavam a surgir, como estrelas ansiosas demais.

Pensei em ficar mais um pouco. Só pra adiar a volta pra casa. Mas não podia fazer isso com Elisa. Ela esperava por mim.

Voltei pra casa. Jantei com Elisa, contei uma história, a coloquei pra dormir. Ela adormeceu rápido, agarrada ao urso que ganhou no último Natal.

Depois de colocar Elisa na cama, fechei a porta com cuidado e fui direto ao banheiro. A luz fria acendeu com um leve estalo. Encostei as mãos na pia de mármore e encarei meu reflexo no espelho.

Havia algo nos meus olhos que me incomodava. Não era o cansaço. Nem as olheiras. Era... ausência.

Uma espécie de vazio que não se preenche com amor de pai, com estabilidade financeira, com rotina organizada. Era algo mais antigo. Mais visceral.

Passei os dedos pelo rosto, como se aquilo fosse me ajudar a lembrar. Mas lembrar do quê?

Fechei os olhos e respirei fundo. E então, de novo, veio a sensação. Tão rápida quanto um flash. Um toque na minha nuca. Dedos firmes. Respiração ofegante contra minha pele. Uma risada abafada. Um gemido.

Arfei e abri os olhos num sobressalto.

— O que diabos foi isso?

Levei a mão até o peito. O coração disparado. Uma descarga de adrenalina sem sentido.

Senti o cheiro. Como se alguém tivesse passado por mim. Um perfume que não conhecia... mas que meu corpo parecia reconhecer. Quente. Amadeirado. Familiar.

Toquei os lábios, como se quisesse lembrar o gosto de um beijo esquecido.

Por que aquilo parecia tão real?

Memórias de algo que não lembro de ter vivido. Como se parte de mim tivesse sido apagada.

Abaixei a cabeça, apoiei os braços na pia e deixei a água correr. Fria. Gelada. Precisava me controlar.

Isso não fazia sentido. Eu tinha uma vida. Uma esposa. Uma filha.

E mesmo assim… parecia que metade de mim ainda estava perdida em algum lugar. Um lugar onde o toque de outra pessoa me fazia inteiro.

Andressa já estava no quarto, no celular como sempre. Deitei ao lado dela e olhei para o teto.

— Tá tudo bem? — ela perguntou, sem desviar os olhos.

— Claro. Tudo perfeito.

E menti.

Porque, por mais que minha vida pareça perfeita, há algo dentro de mim que... falta.

Algo que não sei o que é.

Mas sinto que, se um dia eu encontrar… tudo vai mudar.

Capítulo 2 – Chamado Internacional

Meu nome é Braian Vieira. Tenho trinta e cinco anos, sou especialista em tecnologia cibernética e atuo como agente da Interpol em Washington. Trabalhar aqui não foi um plano. Foi uma fuga. Há dez anos, deixei tudo para trás. Ou melhor… tudo o que restou.

Sou bom no que faço. Hackers, sistemas invadidos, rastreamento digital — esse é meu território. Posso decifrar códigos complexos em minutos, rastrear alguém com um único IP e derrubar servidores inteiros com apenas alguns comandos. Mas, por mais que eu domine o mundo virtual, não consigo controlar o que sinto sempre que fecho os olhos e volto para aquele dia.

Aquele maldito dia.

Hoje o escritório estava mais silencioso que o habitual. O ar parecia pesado, como se algo estivesse prestes a acontecer. Os teclados digitaram com mais leveza, quase como um sussurro em meio ao vazio. Sentado à minha mesa, entre telas, cabos e códigos, revisava um relatório sobre um grupo de traficantes de dados que andava movimentando informações sensíveis na América do Sul. Era rotina, uma rotina perigosa — mas que me mantinha longe de pensar em mim mesmo.

Até que meu celular vibrou.

Notificação: Reunião urgente – Sala 7. Interpol Global.

Franzi o cenho. Reuniões urgentes não costumam ser um bom sinal.

— Ei, vai dar show na sala da chefia? — brincou Clarice, minha parceira e melhor amiga, com uma caneca de café na mão e os cabelos presos num coque bagunçado.

Sorri de lado, tentando esconder o desconforto.

— Ou vou ser convocado pra me ferrar bonito, como sempre.

— Você adora, Braian — ela revirou os olhos, sentando-se na beirada da minha mesa. — O dia que te colocarem de férias, você surta. Aliás, tem uns três anos que você prometeu viajar comigo pra algum lugar sem internet. Nunca cumpre.

— Um hacker viciado em rede sem internet? Prefiro uma missão suicida.

Ela riu. Um som leve que por um momento me fez esquecer da tensão. Mas foi por pouco tempo.

Levantei, peguei meu tablet e fui para a tal sala. No caminho, os corredores pareciam mais longos. Cada passo meu ecoava de forma incômoda. Lá dentro, dois diretores me aguardavam. Um telão com gráficos criptografados piscava suavemente, enquanto pastas com selos vermelhos estavam espalhadas sobre a mesa. O clima era sério. Quase tenso demais.

— Temos uma missão para você — começou o mais velho, com expressão grave. — Brasil. Operação em parceria com a Polícia Federal. Envolve tráfico de dados e possíveis ligações com agentes federais internos.

Brasil.

O coração deu um salto estranho no peito. Uma batida fora do compasso.

Brasil.

Por fora, mantive a pose. Frio. Profissional. Por dentro, meu mundo cambaleava.

— Quando embarco?

— Em três dias. Você será o responsável pela parte tecnológica da operação. Já estamos rastreando as movimentações do grupo, mas a rede é sofisticada. Acreditamos que há envolvimento com uma organização ainda maior, que pode estar operando em vários países, inclusive aqui.

Assenti. Nada no meu rosto denunciava a tempestade que me rasgava por dentro.

Voltei para minha sala em silêncio. Clarice me seguiu, passos rápidos atrás de mim. Ela me conhecia bem demais para deixar passar.

— E então? — perguntou, cruzando os braços ao encostar-se na mesa.

— Vou ao Brasil.

Ela arqueou as sobrancelhas. Não... não de surpresa. Mas de preocupação. Ela sempre soube o que aquele nome significava pra mim.

— Braian…

— Eu estou bem. É só mais uma missão.

— É o país onde ele…

— Eu sei.

Silêncio.

Ela se aproximou, tocou meu braço com delicadeza. O toque certo, na hora certa.

— Você não precisa ser forte o tempo todo, sabe? Já faz dez anos.

Dez anos desde que perdi Luiz. Desde aquele acidente. Desde que vi minha vida virar pó.

— Às vezes eu acho que se tivesse ido atrás dele… — minha voz falhou por um segundo. — Talvez…

— Braian. — Clarice me interrompeu, firme, porém gentil. — Você fez o que pôde com o que sabia. Com o que sentia. E você teve o direito de fugir. Mas talvez agora…

— Talvez agora seja a hora de encarar o passado — completei, com um sorrisinho amargo. — Ou talvez ele me engula vivo.

Ela apertou minha mão, firme.

— Então eu vou estar aqui quando você voltar. Inteiro ou em pedaços.

Sorri, dessa vez com sinceridade. Porque Clarice era isso. Meu porto seguro desde que deixei tudo para trás.

Naquela noite, fiquei até tarde revisando arquivos do caso. Mapas, perfis suspeitos, movimentações bancárias. Mas minha mente vagava.

Imagens que eu tentava esquecer vinham à tona. O som do riso dele. A maneira como ele dizia meu nome, sempre com ironia e doçura misturados. O toque quente, o beijo urgente. As noites sem sono. As promessas sussurradas entre lençóis e segredos.

E o acidente.

Voltar ao Brasil era como abrir um baú selado com dor, amor e lembranças demais.

Mas eu iria.

E algo me dizia que o passado estava prestes a bater de frente com o presente.

O apartamento estava escuro, silencioso. Apenas a luz da cidade entrava pelas janelas altas, pintando linhas suaves no chão de madeira. Tinha um cheiro de eletrônicos e solidão no ar.

Joguei a jaqueta no sofá, larguei o celular sobre a bancada da cozinha e fui direto ao meu quarto, sentindo cada passo como um eco do que deixei para trás.

Ainda estava com a mente agitada depois da notícia.

Brasil.

Luiz.

Suspirei fundo, tentando ignorar o aperto familiar no peito. Mas naquele silêncio… era impossível.

Abri a porta do armário e alcancei uma caixa de papelão no alto da prateleira. Era velha, desgastada, com a lateral escrita à mão: “Coisas que não devo mexer”. Sorri sem humor. Sempre fui irônico com meus próprios sentimentos.

Sentei na beirada da cama e abri a tampa devagar. Dentro, pedaços de um tempo que tentei apagar. Cartas antigas, ingressos de cinema, um chaveiro quebrado em forma de raio… E então, lá estava ela.

A foto.

A única que sobreviveu àquele tempo.

Eu e Luiz. Sentados na grama de uma universidade qualquer, ele de óculos escuros, me olhando com aquele sorriso preguiçoso e charmoso. Eu estava com o braço em volta da cintura dele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

E era.

Nós éramos isso. Naturais. Intensos. Inseparáveis.

Até que não fomos mais.

— Você ainda vive em mim, sabia? — murmurei, olhando para aquele rosto congelado no tempo. — Por mais que eu tente seguir em frente… ninguém nunca foi você.

O celular vibrou na cozinha. Não fui ver. Nada importava agora além daquela lembrança. Abaixei a cabeça, encostei a testa na moldura da foto e fechei os olhos.

Como pude sobreviver a te perder?

Fiquei assim por alguns minutos, em silêncio absoluto. Só o som do meu coração e a respiração pesada. Até que algo dentro de mim se moveu. Um tipo de agitação estranha, como se um fio invisível tivesse sido puxado.

Brasil.

Algo me dizia que aquela viagem não era apenas uma missão.

Era um reencontro.

Mesmo que com fantasmas.

Ou talvez…

Talvez com algo que eu pensava estar morto.

Mas que, no fundo, nunca deixou de respirar dentro de mim.

Capítulo 3 – Primeiro Impacto

Luiz estava no escritório de casa, cercado por papéis, mas sua mente vagava distante. A luz do abajur projetava sombras suaves nas paredes, enquanto os ponteiros do relógio insistiam em lembrá-lo do tempo passando. Ele tentava, em vão, revisar o relatório da agência — mas as palavras pareciam embaralhadas, como se estivessem numa língua que ele já não compreendia.

Do quarto ao lado, a voz de Andressa embalava Elisa com uma música de ninar. Era uma cena que deveria trazer paz. Mas tudo em Luiz parecia inquieto.

Como num impulso, levantou-se da cadeira e foi até a estante dos fundos, onde caixas antigas repousavam há anos, intocadas. Estavam cobertas por uma fina camada de poeira, lembranças de um tempo que ele mesmo não sabia dizer quando havia começado a esquecer.

Ao abrir uma das caixas de papelão, encontrou cadernos de faculdade, uma camiseta da atlética com seu nome bordado, uma foto em preto e branco rasgada ao meio. Mas o que mais chamou sua atenção foi um chaveiro metálico, velho, com o formato de um capacete de moto estilizado. Na parte de trás, uma inscrição quase apagada gravava em letra cursiva:

“Pra sempre nós, B.”

Ele franziu a testa, confuso.

— “B…?” — sussurrou, girando o chaveiro entre os dedos.

Sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Aquilo despertava algo — mas não conseguia nomear o quê. Era como se uma memória estivesse ali, atrás de uma porta trancada. Sabia que já tinha sentido aquele objeto antes. Aquela gravação parecia íntima, promissora. Mas ao mesmo tempo, era um completo mistério.

Ele apertou o chaveiro na palma da mão e respirou fundo. Uma leve dor de cabeça se formou, pulsando atrás dos olhos. O vazio dentro dele cresceu — e com ele, uma sensação amarga de perda.

"Por que isso, que deveria ser só um objeto velho, me faz sentir como se estivesse perdendo algo..."

Sem dizer nada, guardou o chaveiro no bolso da calça. Tinha algo ali. E mesmo sem entender o porquê, precisava mantê-lo por perto.

Sede da Polícia Federal – Auditório Central

No dia seguinte, Luiz caminhava pelos corredores da sede da PF com passos firmes, mas a mente ainda em torvelinho. A reunião interagências prometia ser longa e repleta de protocolos. Agentes da Europol, Interpol, representantes do FBI, delegados federais… todos reunidos para discutir avanços nas investigações conjuntas sobre atividades de crime organizado transnacional.

O ambiente era formal, tenso. Ele cumprimentou alguns colegas, manteve-se discreto. Tentava concentrar-se, afastar os pensamentos desconexos da noite anterior.

Estava prestes a se sentar quando a porta dupla se abriu e uma nova equipe entrou.

E então, como se o tempo tivesse congelado por um instante, Luiz olhou.

Seus olhos encontraram Braian.

O mundo silenciou ao redor. A respiração ficou presa. O corpo congelou.

Braian também parou. Ficou imóvel na porta. Seu olhar pousou em Luiz como uma flecha certeira. Ele sequer piscava. O coração dele batia forte demais, e o chão parecia ter sumido sob seus pés.

Para Luiz, foi como se um raio atravessasse seu peito. Não havia reconhecimento imediato. Mas havia algo. Algo visceral.

"Por que ele está olhando assim pra mim...? E por que o olhar desse homem me dá a sensação de que... estou prestes a lembrar de um sonho esquecido?"

Braian engoliu seco. O Luiz à sua frente não era o mesmo homem que beijara sob a chuva anos atrás, nem o que dividiu noites de carinho e fugas. Era outro. Mas ainda assim, ele estava ali. Vivo. Respirando. E o cheiro... Deus, o cheiro ainda era o mesmo.

A reunião começou, mas ninguém prestava atenção de verdade.

Olhares se cruzavam. Breves, tensos. Braian evitava contato direto, com medo de explodir por dentro. Luiz tentava entender por que aquele desconhecido despertava tanta inquietação em seu peito.

Parte 3 – O Sentimento Desconhecido

Corredor – após a reunião

Luiz caminhava distraído pelos corredores quando parou diante da máquina de café. Ao lado, Braian.

Por um segundo, o silêncio foi tão denso que se podia ouvir o som da máquina preparando o café como um trovão.

— "Advogado Luiz Felipe," disse ele, estendendo a mão, tentando soar formal.

Braian virou o rosto devagar. Havia um leve tremor em seu corpo.

— "Braian Vieira, Interpol."

O toque entre as mãos foi breve, mas algo os atravessou. Como uma faísca elétrica que percorreu o corpo de ambos. Luiz ficou estático. Um calor subiu por dentro, inexplicável.

Ele tentou disfarçar, mas falhou.

— "Nós… já nos vimos antes?" — perguntou Luiz, olhando fixamente nos olhos de Braian.

Braian hesitou. Seus olhos brilhavam, carregados de tudo o que não podia dizer.

— "Talvez em outra vida."

Luiz sorriu de forma nervosa, sem saber o porquê. Algo doía. Algo ecoava no fundo do peito.

"Se é isso que chamam de déjà vu, então por que dói tanto?" — pensou.

"Ainda é você…" pensou Braian.

Terraço da Sede da PF – fim da tarde

O vento soprava morno, balançando suavemente a camisa social de Braian. O sol tingia o céu de tons dourados e laranjas, mas o coração dele batia como se estivesse no meio de uma tempestade.

Ele se apoiou no parapeito do terraço, olhando o horizonte distante.

A dor o consumia.

"Ele está vivo."

"Luiz."

Mas não era mais o seu Luiz. O olhar era o mesmo — mas vazio. A ausência de reconhecimento machucava mais do que qualquer luto que já sentira.

As mãos tremiam. O corpo parecia frágil, como se prestes a despencar.

Respirou fundo. Fechou os olhos.

— "Você está mesmo aqui, né?" — murmurou para o céu. — "Mas e eu? Onde eu fiquei em você?"

A lembrança do toque voltou como uma descarga. O modo como os dedos de Luiz tremeram ao encostar nos seus. O olhar perdido, como se procurasse algo... que ele mesmo não sabia.

E Braian estava ali. Sempre esteve.

As lembranças voltaram em avalanche:

O sorriso de Luiz deitado no sofá, a risada dele após o primeiro beijo atrapalhado. A cicatriz no ombro direito. A forma como o abraçava durante as noites frias, como se ele fosse o lar.

E agora, tudo aquilo parecia ter sido deletado da vida dele.

— "Será que, se eu tocar mais uma vez... ele lembra?" — sussurrou.

Seu corpo inteiro gritava para correr até ele, segurá-lo, implorar que se lembrasse. Mas sua mente o segurava. Ele precisava ser racional. Profissional. Forte.

Mas a dor... era outra coisa.

— "Eu pensei em você todos esses anos... e agora que te vejo, é como se eu fosse só mais um rosto desconhecido no seu caminho."

Fechou os olhos novamente, pressionando os punhos contra o concreto frio do terraço. Lutava contra as lágrimas.

A voz dele ainda ecoava em sua mente:

— "Nós… já nos vimos antes?"

Sim, Luiz. Você já me viu antes. Você me amou antes.

E eu… nunca deixei de te amar.

E pela primeira vez em anos, Braian não sabia o que fazer.

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