Passos apressados, respiração ofegante...
— Meu Deus, será que eu vou me atrasar no primeiro dia de aula?
Helena freneticamente observava seu relógio de pulso e, para sua tristeza, os ponteiros marcavam exatamente 14h15. Quinze minutos de atraso para a primeira aula de um curso que moldaria os próximos cinco anos de sua vida: Direito.
Não era exatamente a escolha dos seus sonhos, mas sim um prêmio de consolação depois de anos tentando ingressar em Medicina. O desejo de ser médica pulsava em seu coração desde sempre, mas os sucessivos anos de cursinho sem aprovação a obrigaram a buscar um caminho alternativo. Direito era um curso gratuito, diferente da opção de Medicina em faculdades particulares, cujo custo era simplesmente inalcançável.
Aos 18 anos, Helena fez sua escolha. Após três anos de tentativas frustradas, viu seu sonho se esvair como areia entre os dedos. Com o peito pesado, abriu mão do que mais queria e optou por um caminho que nunca desejou para si. Decidiu que não seria mais um peso para os pais e, mentindo para si mesma, inscreveu-se na universidade em um curso que jamais imaginou cursar.
"Está tudo bem", repetia para si mesma. "Isso era o que eu queria." Mas, no fundo, sabia que não era verdade. O esforço dos pais, os custos com cursinhos, viagens para provas em outras cidades... Tudo isso pesava sobre ela como uma dívida impagável. Não podia mais ser um estorvo. Então, seguiu em frente, mesmo que cada passo parecesse um desvio do que um dia sonhara.
Naquela tarde, Helena corria desesperada para a parada de ônibus. Seu coração acelerado pulsava tanto pelo esforço quanto pela angústia que lhe rondava os pensamentos. Mas, ao virar a esquina, seu estômago revirou: o ônibus das 14h00 havia acabado de partir. O único naquele horário.
Ela parou, ofegante, e olhou ao redor, buscando uma solução. O sol castigava sua pele e o suor escorria pela testa. Com os ombros caídos, respirou fundo e mordeu o lábio inferior. O que faria agora? Caminhar até a universidade levaria mais de uma hora sob o calor intenso. Esperar um ônibus alternativo? Arriscado, pois poderia chegar ainda mais atrasada.
Um nó se formou em sua garganta. Tinha se comprometido a seguir esse novo caminho, a aceitar essa nova vida, mas tudo parecia conspirar contra. Sentiu os olhos marejarem, mas piscou rápido, recusando-se a chorar ali, no meio da rua. Não agora. Não por isso. Engolindo o choro e ignorando o aperto no peito, ergueu o queixo e se pôs a esperar.
Helena tamborilava os dedos contra a perna, tentando conter a frustração enquanto olhava para a rua deserta. O sol queimava sua pele e a mochila parecia pesar o dobro nas costas. O ônibus havia passado, e agora não restava outra opção a não ser esperar pelo próximo.
Foi então que uma buzina a tirou de seus pensamentos. Virando-se, viu um carro antigo, mas bem conservado, parar ao seu lado. No volante, um rosto familiar abriu um sorriso largo.
— Helena? É você mesmo? — Pedro Neves abaixou o vidro do carro, inclinando-se um pouco para enxergá-la melhor.
Helena piscou, surpresa. Pedro havia sido seu colega no último ano do ensino médio. Nunca foram exatamente próximos, mas trocavam conversas ocasionais nos corredores e tinham alguns amigos em comum.
— Pedro? Nossa, quanto tempo! — respondeu, ainda assimilando a presença dele ali.
— Pois é! Vi você aqui e achei que pudesse estar precisando de uma carona. Pra onde vai?
Helena hesitou por um instante. Não era acostumada a aceitar caronas de conhecidos que não faziam parte do seu círculo próximo, mas o calor e o atraso iminente a fizeram reconsiderar.
— Faculdade. Estou indo para a Unifesspa. — Suspirou, sentindo o peso daquelas palavras.
Pedro ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Jura? Eu também estou indo pra lá! Entro às 14h30. Qual curso?
— Direito. — disse, tentando soar animada, mas sem muito sucesso.
— Caracas! Que coincidência! Eu entrei em Ciências Sociais. Vem, entra aí, eu te levo.
Helena olhou para os lados, como se buscasse outra alternativa, mas no fundo sabia que aquela era a melhor solução. Abriu a porta e entrou no carro, sentindo o ar-condicionado refrescar sua pele.
— Obrigada, Pedro. Você salvou meu dia.
Ele sorriu, dando a partida.
— Relaxa. A primeira coisa que você precisa entender sobre a universidade pública é que ninguém é pontual. Se tiver sorte, seu professor vai hoje. Porque, geralmente, na primeira semana, nenhum professor ou aluno vai.
Pedro riu enquanto dirigia, uma mão no volante e a outra ajustando o volume do rádio. Helena soltou um suspiro, sentindo parte da tensão deixar seu corpo. Talvez não estivesse perdendo tanto assim.
— Jura? Eu me matei correndo pra chegar e, no fim, pode ser que nem tenha aula? — Ela cruzou os braços, olhando pela janela, vendo a cidade passar depressa.
— Exato. Bem-vinda ao caos organizado da Universidade Pública.
Helena não sabia se ria ou se ficava ainda mais frustrada. Tudo aquilo ainda parecia tão estranho, tão deslocado da realidade que ela imaginava. Pedro, por outro lado, parecia incrivelmente tranquilo. Ele tamborilava os dedos no volante ao ritmo da música que tocava baixinho.
— Mas e você? Sempre quis Ciências Sociais?
Pedro soltou um pequeno riso, como se já esperasse a pergunta.
— Não exatamente. Mas, ao contrário de você, eu não fiquei anos tentando outra coisa. Eu meio passei e aceitei.
— Sério?
Ele deu de ombros.
— Meu pai tem uma escola, no final das contas eu quem vou gerir ela mesmo. Ele só queria que eu fizesse algo útil da vida e entrei aqui.
— E você quer isso?
Pedro ficou em silêncio por um instante, depois deu um meio sorriso.
— Eu ainda não sei. Mas vou descobrir.
Helena observou o rosto dele por um momento e se viu refletida naquela resposta. Talvez não estivesse sozinha nesse sentimento de estar no lugar errado. Talvez, assim como Pedro, ela também pudesse descobrir um caminho.
Ao atravessar os portões da Unifesspa, Helena sentiu o calor do sol amenizado pela sombra generosa das árvores que ladeavam o caminho. Mas o que realmente chamou sua atenção foram os ipês em plena floração. As pétalas amarelas e rosas se espalhavam pelo chão, formando um tapete colorido que contrastava lindamente com o concreto das calçadas e os prédios ao fundo.
— Uau… — murmurou, encantada com a cena.
Pedro sorriu ao perceber seu deslumbre.
— Bonito, né? Na época da floração, isso aqui fica parecendo um cartão-postal.
Helena girou devagar, absorvendo a paisagem ao redor. Tudo ali parecia ter uma energia própria, como se a natureza e o campus coexistissem em perfeita harmonia. Mas uma estrutura ao longe chamou sua atenção.
— O que é aquilo? — apontou para uma grande construção de madeira, elevada por pilares, com uma arquitetura que parecia respeitar a cultura local.
Pedro seguiu seu olhar e assentiu.
— Ah, esse é o Taipiri. Um espaço cultural e de convivência. Mas antigamente esse era nosso R.U, só que com a contenção de gastos feita por aquele presidente Genocida e Facista, esse restaurante parou de funcionar. Hoje em dia, o pessoal usa para eventos, debates, às vezes até para descansar entre uma aula e outra. Dizem que a estrutura segue o modelo das casas indígenas da região.
Helena franziu o cenho, intrigada.
— Que incrível! Nunca tinha visto nada assim. Dá vontade de conhecer mais.
— Aos poucos, vai se acostumando com tudo por aqui. Agora, vamos, seu prédio é aquele ali. — Pedro apontou para uma construção rústica, com grandes janelas e corredores amplos.
Eles caminharam juntos até a entrada. Helena sentia uma mistura de ansiedade e empolgação. Era como se, pela primeira vez desde que decidira cursar Direito, algo despertasse seu interesse genuíno.
Pedro parou diante da porta e sorriu.
— Bom, daqui pra frente, é com você. Qualquer coisa, me manda mensagem. E relaxa… se o professor vier, tenta não dormir na aula.
Helena riu, sentindo um conforto inesperado na presença dele.
— Obrigada pela carona e pela companhia, Pedro.
— Sempre que precisar. Bem-vinda à Unifesspa, Helena.
Helena atravessava os corredores da universidade, ainda absorvendo cada detalhe do novo ambiente. Os murais coloridos, os grupos de alunos espalhados pelos bancos, o cheiro característico de cigarro e as cantigas entoadas pelo grupo de artes visuais, além das várias vaginas desenhadas nos muros da faculdade. Tudo era novidade, tudo parecia um mundo à parte do que ela conhecia. Cada passo ecoava em sua mente como um lembrete de que aquele era o seu novo início.
Quando saiu para a área externa, a luz do sol a fez semicerrar os olhos por um instante. Ela seguiu pela calçada principal, sentindo a brisa morna brincar com os fios soltos do seu cabelo. E foi nesse exato momento que algo a fez parar. Um ruído grave, familiar, que vibrava levemente no ar: o ronco de uma motocicleta se aproximando lentamente.
O som vinha da entrada lateral do campus. Curiosa, Helena virou-se instintivamente para ver. Uma motocicleta preta com detalhes vermelhos brilhava sob o sol, deslizando suavemente até uma das vagas de estacionamento. O piloto manobrava com precisão, como se fizesse parte da máquina. Quando finalmente desligou o motor, a quietude momentânea pareceu acentuar o instante.
Foi então que seus olhos se encontraram.
Mesmo sob o capacete escuro, havia algo magnético naquele olhar. Intenso, fixo, curioso. Ele não desviou, e ela tampouco conseguiu. O mundo ao redor pareceu silenciar, como se todos os ruídos do campus fossem abafados pelo som do próprio coração de Helena, que agora batia acelerado demais para ser ignorado.
O rapaz tirou as luvas com movimentos lentos, seguros, mantendo os olhos nela. Havia uma aura de mistério em torno dele. Era como se cada gesto fosse calculado, como se aquele pequeno encontro tivesse sido orquestrado por algo maior. Ele começou a erguer o capacete, e por um segundo Helena pensou que finalmente veria seu rosto, mas ele apenas o levantou o suficiente para deixar ver um sorriso leve, de canto, provocador.
Helena sentiu as pernas vacilarem discretamente. Uma mistura de calor e nervosismo a dominou. "O que está acontecendo comigo?" pensou, tentando racionalizar a sensação incontrolável. Era como se aquele instante carregasse um significado que ela não sabia nomear. Não era amor, não era paixão. Era atração pura, crua, inesperada.
Ela desviou o olhar, forçando os pés a seguirem o caminho como se nada tivesse acontecido. Mas o coração... ah, o coração seguia batendo alto, como se quisesse voltar àquele olhar e ficar ali mais um pouco.
Mal conseguira ver o rosto dele por completo, mas sabia. Sabia que algo havia mudado dentro dela. Aquele fora seu primeiro crush na universidade — intenso, silencioso e totalmente inesperado.
Helena seguiu caminhando pelo corredor do pátio central, ainda assimilando tudo ao seu redor. O burburinho dos estudantes ecoava pelos amplos espaços abertos da faculdade, misturando-se ao som dos passos apressados e das risadas ocasionais. Tudo ali era novo.
Enquanto tentava localizar a sala de aula, viu duas garotas paradas próximas a um dos pilares do pátio, olhando para os celulares e trocando expressões confusas. Algo naquelas figuras lhe pareceu familiar. Helena estreitou os olhos, tentando reconhecê-las. E então, lembrou-se: eram Gisele Nunes e Anita Barros, suas colegas do grupo da sala no WhatsApp.
Ela hesitou por um instante, mas logo tomou a iniciativa e se aproximou.
— Ei, Gisele? Anita? — chamou, com um sorriso leve.
As duas levantaram os olhos dos celulares e, por um momento, pareceram processar quem era ela. Então, Gisele abriu um sorriso animado.
— Helena! É você mesmo! — exclamou, se aproximando.
— Nossa, até que enfim encontramos alguém! — Anita suspirou, rindo. — A gente tá completamente perdida por aqui.
Helena soltou uma risada compreensiva.
— Bem-vindas ao clube! Eu também não tenho a menor ideia de onde fica a nossa sala.
As três trocaram olhares e logo caíram na gargalhada. Era um alívio saber que não eram as únicas se sentindo deslocadas.
— A faculdade podia ter colocado umas plaquinhas mais evidentes, né? — Gisele comentou, cruzando os braços. — Fiquei rodando aqui por uns dez minutos e só achei um auditório que, obviamente, não é onde precisamos estar.
— Eu vi um mapa no site da faculdade, mas não entendi nada. Parece um labirinto. — Anita acrescentou, revirando os olhos.
Helena puxou o celular e abriu o grupo da sala, rolando as mensagens até encontrar algo útil.
— Espera, um dos veteranos mandou uma mensagem com uma dica… Aqui! Ele disse que a sala do primeiro semestre fica no segundo andar. E é a segunda sala.
— Ok, então temos um caminho.
As três se olharam e, sem precisar dizer nada, seguiram juntas pelo corredor.
Enquanto caminhavam pelo corredor, ainda debatendo sobre a localização da sala, Helena sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era aquela estranha sensação de ser observada. Instintivamente, ela ergueu o olhar e, no mesmo instante, sentiu seu coração disparar.
Lá estava ele. O motociclista misterioso.
Agora, sem o capacete, ela finalmente podia ver seu rosto por completo. Os cabelos escuros ligeiramente bagunçados, o maxilar marcado e os olhos profundos que pareciam analisá-la com um brilho de curiosidade. Ele caminhava em direção a elas, com um passo confiante, como se tivesse todo o tempo do mundo. O coração de Helena bateu mais forte, e ela precisou se esforçar para manter a expressão neutra.
Quando ele parou bem à frente delas, os lábios se curvaram em um sorriso leve, quase divertido.
— Vocês são da turma nova do Direito? — Sua voz era grave, envolvente, e fez com que Helena sentisse um frio no estômago.
Ela trocou um rápido olhar com Gisele e Anita antes de responder, tentando parecer natural.
— S-Sim, somos.
Ele manteve o olhar fixo nela por um segundo a mais do que o necessário, antes de abrir um sorriso que fez Helena prender a respiração.
— Bem-vindas. Sou o veterano de vocês.
Helena sentiu seu rosto esquentar. O que era isso? Ele tinha esse efeito em todo mundo ou era só nela? Gisele e Anita também pareciam um pouco surpresas, mas foi Helena quem sentiu as pernas ameaçarem vacilar.
— H-Hm… que bom! — tentou dizer, mas sua voz soou mais trémula do que gostaria.
Ele deu uma risada baixa, como se percebesse seu nervosismo, e cruzou os braços.
— Precisando de ajuda para se achar por aqui?
Helena engoliu em seco. De todas as coisas que poderia ter imaginado para seu primeiro dia, ser guiada pelo seu primeiro crush universitário definitivamente não estava na lista. Mas, no fundo, ela sabia que aquela seria uma apresentação que jamais esqueceria.
Enquanto Helena tentava processar a revelação de que o misterioso rapaz era seu veterano, Gisele, sempre mais desinibida, cruzou os braços e sorriu com interesse.
— E como nosso veterano, vai nos ajudar a encontrar nossa sala? Porque estamos completamente perdidas.
Ele soltou uma risada baixa, um som despreocupado que fez Helena sentir um arrepio inesperado.
— Claro, esse é o meu trabalho, não é? — Ele indicou com a cabeça para que o seguissem. — Vamos, eu levo vocês até lá.
As três trocaram olhares antes de começarem a segui-lo pelos corredores da faculdade. Helena se esforçava para focar no caminho, mas era impossível ignorar a presença dele tão próxima. Ele caminhava com confiança, cumprimentando algumas pessoas pelo caminho, claramente já acostumado com aquele ambiente.
— Qual o seu nome? — Anita perguntou, quebrando o silêncio.
Ele virou ligeiramente a cabeça e sorriu de canto antes de responder:
— Miguel.
Helena sentiu o nome ressoar em sua mente, como se precisasse memorizá-lo.
— Você está em que semestre? — Gisele questionou.
— Sétimo. Já passei pela fase de calouro perdido que vocês estão vivendo agora.
— Que bom para você — Anita disse, rindo. — Porque a gente não tem nem ideia de como as coisas funcionam aqui.
Ele diminuiu o passo e olhou para elas, especialmente para Helena, que sentiu suas bochechas esquentarem.
— Vocês vão aprender rápido.
Helena desviou o olhar, fingindo observar os murais do corredor, mas a verdade é que ela estava processando tudo. Não era só a voz dele ou o jeito confiante, havia algo mais em Miguel que a deixava inquieta, como se ele soubesse algo que ela ainda não compreendia.
Quando finalmente chegaram em frente à sala delas, Miguel parou e se virou para as três.
— Pronto, aqui está. Qualquer coisa, estarei por aqui.
Antes que pudesse dizer algo, Gisele agradeceu e puxou Anita para dentro. Helena, no entanto, hesitou por um segundo a mais, e foi o suficiente para que Miguel percebesse.
— Espero que goste do curso — ele disse, em tom casual, mas havia algo em sua expressão que a deixou ainda mais nervosa.
— Obrigada... — foi tudo o que conseguiu responder antes de se virar apressadamente para entrar na sala.
Seu coração ainda batia acelerado, e ela sabia que aquele era apenas o começo.
A primeira aula passou num piscar de olhos. Entre apresentações, explicações sobre a ementa do curso e um discurso motivacional do professor, Helena mal conseguia focar. Sua mente ainda estava presa nos corredores, nos olhares trocados com Miguel.
Assim que a aula terminou, ela saiu da sala acompanhada de Gisele e Anita. O corredor parecia mais movimentado do que antes, e Helena logo percebeu o motivo: um grupo de rapazes estava espalhado pelo espaço, observando atentamente as calouras que saíam da sala. Risadas e cumprimentos eram trocados, alguns mais ousados, outros apenas simpáticos. Eram os veteranos, ávidos para conhecer as novas alunas.
— Parece que somos o centro das atenções — Anita comentou em tom de brincadeira.
Gisele revirou os olhos, mas sorriu.
— Acho que essa é a parte do trote que ninguém menciona.
Helena, no entanto, não estava interessada na movimentação ao seu redor. Seu olhar foi direto para a sacada do corredor, onde teve a visão que fez seu coração vacilar mais uma vez.
Miguel estava lá embaixo, ao lado de sua motocicleta. Com um movimento fluído e natural, ele colocou o capacete sob o braço e ajeitou a jaqueta de couro. Estava prestes a partir. Como se sentisse o olhar dela, ele ergueu o rosto, e seus olhos se encontraram por um breve instante.
Um sorriso surgiu nos lábios dele.
Helena sentiu as pernas fraquejarem levemente, e, antes que pudesse reagir, Miguel montou na motocicleta, ligando o motor com um ronco grave. Ele ainda a observou por mais um segundo antes de acelerar e desaparecer pelo portão da universidade.
Helena chegou em casa no fim da tarde, exausta fisicamente, mas com a mente a mil por hora. Largou a mochila no canto do quarto e se jogou na cama, ainda usando a calça jeans apertada do dia. O ventilador girava preguiçoso no teto, mas nem o calor abafado foi suficiente para desviá-la do que realmente importava: Miguel.
Pegou o celular, desbloqueou com a digital e abriu o Instagram quase por instinto. Na busca, digitou com hesitação: "Miguel Direito Unifesspa". Nada muito relevante apareceu. Tentou mais algumas variações, até que uma das sugestões chamou sua atenção: @miguel.rocha7.
A foto de perfil era uma imagem desfocada dele sobre a moto, com o capacete preso ao braço. Mesmo com tão pouco, ela soube que era ele. Sentiu uma onda de expectativa crescer no peito ao clicar.
Perfil privado.
Helena soltou um suspiro frustrado.
"Claro que seria", pensou.
O nome no topo confirmava: Miguel Rocha. E na bio, apenas duas palavras: Direito - Unifesspa. Nada mais. Nenhuma frase enigmática, nenhum emoji, nenhum link. Tão reservado no digital quanto era em pessoa.
O polegar dela pairou sobre o botão azul por alguns segundos. Enviar solicitação ou não?
Ela mordeu o lábio inferior, sentindo-se boba por hesitar tanto por algo tão pequeno. Mas não era pequeno. Não para alguém que, até algumas horas atrás, nem fazia parte da vida dela.
Com um impulso súbito, clicou em "Seguir". O botão mudou para "Solicitação enviada".
Mas o alívio durou pouco.
Segundos depois, Helena se sentou na cama, o celular ainda nas mãos. A ansiedade começou a crescer. "E se ele achar estranho? E se pensar que eu sou só mais uma caloura deslumbrada?"
A vergonha subiu como uma maré. Com o coração acelerado, ela apertou o botão novamente e selecionou "Cancelar solicitação".
Pronto. Simples assim.
Ela soltou o ar num suspiro, agora misturado com uma risada nervosa. “Ridícula”, murmurou para si mesma.
Talvez não fosse assim que ele fosse notar ela.
Helena jogou o celular de lado e se deitou de costas, encarando o teto. Se Miguel fosse notar sua existência, seria de outro jeito. Presencialmente. Com tempo.
Os dias se seguiram num ritmo acelerado. Helena começava a se ambientar com a nova rotina, os corredores, os rostos e as dinâmicas do curso. As conversas com Gisele e Anita se tornaram frequentes, e o grupo das calouras se consolidava aos poucos. Mas, no fundo, Helena esperava apenas um momento: ver Miguel novamente. Desde o breve encontro de olhares na sacada, ele não cruzara seu caminho mais nenhuma vez.
E então, chegou o temido — e aguardado — dia do trote.
Naquela manhã, Helena se arrumou com um zelo quase ingênuo. Escolheu uma calça jeans que valorizava sua silhueta, uma blusa clara e simples, e deixou os cabelos soltos. Colocou um toque leve de maquiagem — só o suficiente para destacar o olhar.
A aula transcorria normalmente, com o professor explicando as divisões clássicas do Direito Público e Privado. O ambiente era tranquilo, os calouros atentos, até que a porta da sala se escancarou de repente com um estrondo.
— BOA TARDE, CALOUROS! — gritaram em uníssono vozes já bem conhecidas nos corredores.
Era a turma do sétimo semestre. Eles invadiram a sala como uma tempestade: risadas, gritos animados e ordens para que todos se levantassem. A confusão foi instantânea. Alguns alunos hesitaram, outros riam nervosamente, e o professor apenas observou tudo com um sorriso resignado — claramente cúmplice da emboscada.
— Todo mundo pra fora! — ordenou um dos veteranos, batendo palmas para apressá-los.
Sem escolha, Helena e os outros calouros foram conduzidos pelos corredores, formando uma longa corrente humana até a saída do bloco. O burburinho nos corredores aumentava à medida que outros alunos assistiam à cena com divertimento.
Assim que chegaram à praça do outro lado da rua da faculdade, o verdadeiro batismo começou. Farinha, tinta colorida, espuma de barbear e até confete — tudo era jogado sem piedade.
Helena tentava se esquivar, mas foi em vão. Entre risadas e gritos, um ovo se espatifou bem no topo da sua cabeça, fazendo-a gelar por um instante. O impacto foi leve, mas o conteúdo escorreu imediatamente entre seus cabelos e a testa.
— Bem-vinda oficialmente — disse Miguel, que segurava mais um ovo na mão e exibia um sorriso travesso.
Helena ficou paralisada por um segundo. Aquilo era tudo o que teria naquele dia: um ovo quebrado na cabeça, vindo exatamente de quem ela esperava um olhar diferente.
— Romântico, não é? — Anita ironizou, ao vê-la com clara de ovo escorrendo pela testa.
— Muito — respondeu Helena, rindo de si mesma.
Os calouros ganharam cartazes com frases engraçadas e foram posicionados nos semáforos para pedir moedas aos motoristas que passavam.
Helena, agora completamente coberta de tinta verde e rosa, mal conseguia abrir os olhos de tanto rir e tossir. O cheiro de ovo misturado à tinta invadia suas narinas, mas, de forma surpreendente, ela não estava triste.
O trote finalmente havia chegado ao fim. O cheiro de ovo impregnava as roupas e o cabelo de Helena, enquanto a mistura de tinta e farinha formava uma camada pegajosa sobre sua pele. Cada passo que dava era acompanhado de pequenos flocos de farinha caindo de seu corpo. Ela não poderia voltar para casa daquele jeito.
— Eu não posso entrar em um uber assim! Minha mãe não tá em casa! — Helena reclamou, puxando a camisa endurecida pela tinta.
— Relaxa, a gente dá um jeito. — Pedro respondeu, tirando o celular do bolso. — Vou ver se a Marina pode te salvar dessa.
Marina era uma amiga antiga de Pedro, alguém com quem ele tinha uma relação próxima. Naquele dia, ele já havia combinado de dormir na casa dela, então usou isso como argumento para insistir no favor.
Pedro digitou rapidamente e logo recebeu uma resposta.
— Ela disse que tudo bem, mas pra gente ir logo antes que você endureça feito cimento. — Ele riu, mostrando a mensagem no celular.
Helena suspirou aliviada. Ela mal conhecia Marina, mas, naquele momento, a moça se tornava sua salvadora. Caminharam até um ponto de ônibus, e, mesmo entre olhares curiosos dos passageiros, embarcaram sem cerimônia.
Quando chegaram ao pequeno apartamento de Marina, a garota abriu a porta já segurando uma toalha e um conjunto de roupas limpas.
— Meu Deus, realmente pegaram pesado nesse trote! — Marina exclamou, levando a mão ao nariz. — Entre logo antes que algum vizinho reclame do cheiro de ovo estragado.
Helena passou rapidamente por ela, murmurando um agradecimento envergonhado antes de desaparecer pelo banheiro. Ligou o chuveiro e deixou a água quente escorrer sobre seu corpo, levando consigo a sujeira e a exaustão daquele dia.
Do lado de fora, Pedro jogou a mochila no sofá e se jogou ao lado de Marina.
— Valeu mesmo por isso. — Ele disse, pegando um pacote de biscoitos na mesa e abrindo sem cerimônia.
— Você me deve essa. E talvez uma pizza. — Marina respondeu, cruzando os braços.
— Fechado. — Pedro riu, jogando um biscoito na boca.
Minutos depois, Helena saiu do banheiro vestindo uma blusa larga e um short que Marina emprestou. Seus cabelos ainda pingavam um pouco, mas ela se sentia renovada.
— Se olhar no espelho e não se reconhecer, é normal. — Marina brincou, entregando um pente para Helena.
— Obrigada de verdade, Marina. Sério. — Helena sorriu genuinamente.
— Sem problema. Mas e aí? Algum veterano gato pelo menos te tacou o ovo dele?— Marina provocou com um olhar divertido.
Helena riu, mas não respondeu. Apenas se lembrou do sorriso de Miguel, logo antes do ovo quebrar em sua cabeça.
Contudo, ao se olhar no espelho, percebeu um detalhe que a fez corar instantaneamente: a blusa larga de Marina não escondia nada. Sem sutiã, seus seios marcavam nitidamente no tecido claro.
— Ah, não… — murmurou para si mesma, cruzando os braços e tentando decidir o que fazer.
— Qual é o problema agora? — perguntou.
Helena hesitou, mas bufou em frustração.
— Essa blusa… está meio… transparente — disse, apontando para si mesma.
Pedro olhou por um breve segundo e logo desviou o olhar, coçando a nuca.
— Ah. É. Você tem um ponto. — Ele rapidamente tirou o próprio casaco e o estendeu para ela. — Toma, veste isso. Vai evitar que o motorista do Uber fique olhando demais.
Helena pegou o casaco sem hesitar e o vestiu, sentindo-se um pouco mais protegida.
— Obrigada. Você salvou minha dignidade — disse, rindo.
— Imagina — Pedro deu de ombros. — Mas, se quiser devolver lavadinho depois, eu agradeço.
Marina observava a cena com um sorriso malicioso.
— Olha só, cavalheirismo em pessoa — provocou.
— Corta essa, Marina — Pedro revirou os olhos.
O celular de Helena vibrou. O Uber havia chegado. Ela puxou o casaco de Pedro para mais perto do corpo e se despediu apressadamente.
A calourada era o evento mais esperado pelos novos alunos. As festas da universidade eram lendárias, mas a primeira tinha um peso especial: era o momento oficial de integração entre os calouros e os veteranos. Helena já estava ansiosa, mas seu coração disparou ainda mais quando encontrou Miguel no corredor, dias antes do evento.
— Você vai na calourada, né? — ele perguntou, encostando-se casualmente na parede.
Helena tentou parecer indiferente, mas o nervosismo a fez sorrir sem jeito.
— Talvez… — respondeu, brincando.
Miguel arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto.
— Eu espero te ver lá. — E, com isso, saiu andando, deixando Helena completamente sem ar.
Na noite da festa, Helena caprichou no visual. Vestiu um shortinho de alfaiataria verde de cintura alta e uma blusa branca fofinha que destacava sua silhueta. Deixou os cabelos soltos e colocou uma maquiagem leve, apenas o suficiente para realçar seu olhar. Queria estar impecável, mas sem parecer que havia tentado demais.
Anita passou para buscá-la de carro, animada.
— Você tá um arraso! Hoje é teu dia! — disse, piscando para ela.
— Hoje eu beijo meu crush. — Helena pensou, determinada, enquanto entrava no carro.
Ao chegarem na festa, perceberam que estavam entre as primeiras a chegar. O som ainda não estava tão alto e poucas pessoas circulavam pelo espaço. Foi então que Helena avistou Miguel, conversando com alguns amigos. Assim que ele a viu, seus olhos brilharam com diversão e algo mais que ela não conseguiu decifrar.
Ele se aproximou devagar, com aquele jeito relaxado que a deixava inquieta.
— Você veio. — Sua voz era baixa, mas cheia de intenção.
— E parece que fui das primeiras — Helena respondeu, tentando soar confiante.
Miguel sorriu de lado, deixando o olhar correr por ela de maneira sutil.
— Valeu a pena chegar cedo. — O tom era casual, mas carregado de subtexto.
Helena sentiu o rosto esquentar e, pela primeira vez, teve certeza: aquela noite prometia.
A festa foi enchendo aos poucos, o barulho das conversas se misturando ao som crescente da música. Helena estava ao lado de Anita, segurando um copo com um drink qualquer que mal havia provado. Seu coração batia acelerado, e o motivo tinha nome: Miguel.
Desde que ela chegara, os olhares entre os dois se tornaram uma constante. No início, foram discretos, fugidios. Ele olhava, ela desviava. Depois, os papéis se inverteram. Ela observava, tentando captar cada detalhe dele: a forma como ria com os amigos, a maneira casual como levava a bebida aos lábios, o jeito que se inclinava levemente quando alguém falava com ele. E, sempre que seus olhos se cruzavam, ele sustentava o olhar por segundos a mais do que o necessário.
Ela sentiu um arrepio percorrer a espinha quando, em determinado momento, Miguel se afastou dos amigos e caminhou em direção ao balcão. No trajeto, passou perto dela. Perto o suficiente para que Helena sentisse seu perfume amadeirado misturado ao leve cheiro de álcool. Seus olhos se encontraram de novo, e dessa vez ele não desviou. Pelo contrário, sorriu de canto, de um jeito lento, como se soubesse exatamente o efeito que tinha sobre ela.
Helena umedeceu os lábios sem perceber, sentindo as bochechas queimarem. Ele se inclinou levemente em sua direção, mas não disse nada. Apenas segurou o olhar dela por mais alguns instantes antes de seguir seu caminho.
— Esse homem tá flertando com você descaradamente — sussurrou Anita, segurando o braço de Helena.
— Você acha? — Helena tentou disfarçar a ansiedade, mas sabia que não era imaginação.
— Tenho certeza. Se continuar assim, é só questão de tempo até esse jogo silencioso de vocês se transformar em algo mais.
Helena ainda sentia o calor dos olhares trocados, o jogo silencioso de provocações que a fazia acreditar que, naquela noite, tudo aconteceria. Mas então, tudo mudou.
De repente, Miguel fechou a cara. Sua expressão relaxada deu lugar a algo indecifrável — irritação, talvez? Ele desviou o olhar, pegou sua cerveja e deu um longo gole. Sem olhar para trás, virou-se e saiu da festa.
O coração de Helena apertou. O que havia acontecido? Ela tinha feito algo errado? O frio na barriga que antes era empolgante se transformou em uma sensação amarga de frustração. A cada minuto que passava sem vê-lo retornar, sua decepção aumentava. Será que tinha perdido sua chance?
E então, depois de horas, ele voltou.
Mas não estava sozinho.
Ao lado dele, uma mulher de cabelos escuros e expressão carregada. Ela mal disfarçava o incômodo, e quando seus olhos encontraram os de Helena, a mensagem foi clara: ela não era bem-vinda ali.
O estômago de Helena revirou. A expectativa e o encanto daquela noite foram esmagados pela realidade cruel. Seu crush, aquele que lhe lançava olhares intensos minutos atrás, agora estava ali, com outra.
A dor veio junto com um desejo impulsivo de entorpecer aquela sensação. Sem pensar muito, pegou o copo de Anita e deu um gole generoso. Depois, mais um. Em pouco tempo, já não sabia dizer quantas doses havia ingerido.
A noite virou flashes.
Luzes coloridas piscando, risadas ecoando ao fundo, o gosto forte do álcool na boca. Sentia o corpo leve, quase flutuando. Pessoas passavam ao seu redor, algumas falavam com ela, mas suas respostas vinham arrastadas.
O mundo girava. O gosto amargo de álcool misturado com arrependimento ainda estava na boca de Helena. Ela não sabia quantas bocas tinha beijado naquela noite, nem quantos copos de bebida haviam passado por suas mãos. O que sabia era que tinha tentado se aproximar de Miguel — bem ali, na frente da namorada dele.
Foi humilhante.
Ele não precisou dizer nada. O olhar de desprezo que lançou para ela, misturado com o riso debochado da garota ao seu lado, já diziam tudo. Mas, naquela altura da noite, Helena já estava entorpecida demais para sentir o impacto de verdade. Ao invés de recuar, ela se jogou ainda mais fundo na bagunça da festa. Dançou até os pés doerem, riu alto, aceitou qualquer drink que lhe oferecessem e beijou sem critério.
Agora, acordando na casa de Anita, a ressaca era tanto física quanto moral.
— Meu Deus… — murmurou ao abrir os olhos, sentindo a cabeça latejar.
A claridade invadiu sua visão e, por um instante, tudo parecia girar. Com esforço, levou a mão ao pescoço e sentiu a pele dolorida. Se arrastou até o espelho mais próximo e prendeu a respiração ao ver o estrago.
Chupões.
Muitos. Roxos, espalhados, impossíveis de esconder sem um cachecol ou uma blusa de gola alta. Helena arregalou os olhos, sentindo o desespero crescer no peito.
— Ah, não…
Anita entrou no quarto rindo.
— Bom dia pra você também, Bela Adormecida — brincou, cruzando os braços. — Como se sente depois de passar a noite agarrada com o veterano mais feio da festa?
Helena fechou os olhos e gemeu de frustração.
— Me diz que é brincadeira…
— Quem me dera! Você estava impossível, Helena. Pegou geral! Mas ficou grudada mesmo foi naquele cara que a gente sempre evitava no corredor porque… bom, porque ele parece um ogro.
Helena queria desaparecer.
— Eu nunca mais bebo — prometeu, enterrando o rosto nas mãos.
Anita riu e jogou uma blusa na direção dela.
— Melhor vestir isso. Você tem muito o que processar.
Os dias que se seguiram foram um verdadeiro teste para Helena. Ela evitava os corredores mais movimentados, mudava de trajeto sempre que via um grupo de veteranos ao longe e, acima de tudo, fazia de tudo para não cruzar com Miguel. A lembrança daquela noite desastrosa ainda a atormentava, mesmo que estivesse fragmentada em flashes desconexos.
Porém, se por um lado Helena fugia de Miguel, por outro, Eduardo Freitas, amigo dele, parecia cada vez mais interessado em se aproximar dela. No início, ela nem percebeu. As mensagens começaram de forma sutil, um comentário aqui, uma reação ali. Até que, de repente, ele começou a chamá-la para conversar com mais frequência.
“E aí, como tá a ressaca?”
“Se precisar de companhia no intervalo, me chama.”
“Te vi hoje, mas você tava apressada. Foge de mim também, é?”
Helena não sabia como reagir. A princípio, ignorava. Depois, começou a responder de forma vaga, sem se comprometer. Mas uma coisa a incomodava: Eduardo parecia saber mais daquela noite do que ela mesma.
Uma tarde, enquanto mexia no celular no intervalo entre as aulas, Anita espiou a tela e soltou um riso debochado.
— Olha só, seu novo admirador não desiste, hein?
— Eu não sei nem o que dizer… — Helena suspirou, largando o celular. — Eu nem lembro de ter ficado com ele.
— Mas ficou. E muito. — Anita fez uma careta. — E pelo jeito, ele gostou.
Helena se encolheu no banco, abraçando os joelhos.
— Isso tá uma bagunça…
— Então resolve. Você quer sair com ele? Quer saber mais do que rolou? Ou só quer esquecer essa história?
Helena ficou em silêncio, encarando o celular vibrando na mesa ao lado. A verdade era que ela não sabia.
Aos poucos, Helena começou a perceber que aquele universo universitário era bem diferente do que imaginava. Os veteranos não estavam apenas interessados em brincadeiras de trote ou conversas casuais. Eles queriam mais.
Ela passou a notar os olhares prolongados nos corredores, os sorrisos que carregavam segundas intenções, os convites aparentemente inocentes para festas e encontros que sempre pareciam ter um único objetivo. O que antes parecia apenas uma socialização comum começava a ter uma nova camada de significado.
Eduardo, por exemplo, não disfarçava mais suas intenções. Suas mensagens passaram de amigáveis para diretamente insinuantes. Helena já não precisava perguntar sobre aquela noite desastrosa; pelo jeito que ele se referia a ela, estava claro que ele se sentia no direito de continuar o que começaram – mesmo que ela não lembrasse de nada.
Naquele dia, enquanto terminava seu café na lanchonete da faculdade, Helena ouviu sem querer a conversa de um grupo de veteranos na mesa ao lado.
— Aquele trote foi ótimo — um deles comentou, rindo. — Teve caloura que não sabia nem onde tava quando a gente levou pra casa.
— Ah, normal — outro respondeu. — O primeiro semestre é pra isso mesmo. Caloura besta acha que só vai beijar, mas quando vê, já tá na minha cama.
As risadas foram altas, e o sangue de Helena gelou. Por mais que soubesse que havia um jogo de sedução dentro daquele novo ambiente, ela nunca tinha parado para pensar na intensidade disso.
Seu estômago revirou. Olhou ao redor e viu outras meninas, novatas como ela, completamente alheias a essa realidade, talvez prestes a cair no mesmo jogo sujo. Helena se perguntou quantas delas, assim como ela, estavam sendo cortejadas por caras que, no fundo, só esperavam uma oportunidade para levar a noite para um lugar mais privado.
A ideia de que seu nome poderia estar em conversas parecidas fez algo dentro dela se acender. Não queria ser apenas mais um comentário em um grupo de rapazes rindo no intervalo. Não queria ser mais uma história contada entre goles de cerveja.
Respirou fundo. Se queria sobreviver àquele novo universo, teria que aprender as regras rápido.
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