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As Muitas Mulheres em Mim!

Capítulo 1. A Angustiada.

Já passam das duas da manhã e Patrícia se vira na cama sem conseguir dormir. A sua cabeça está a doer. Não quer, mais não consegue parar de pensar na sua vida e em tudo que tem acontecido. Talvez justamente por pensar demais e tentar sempre evitar magoar as pessoas acabou onde está. Num casamento sem amor, sofrendo por quem não merece nem se importa, ansiosa, triste, desesperada até. Quem vê de fora diria que em relação a muitas vidas, a dela não é uma vida ruim, o que a sua mãe sempre diz, "você tem casa, carro, um bom emprego, um marido… " mais não é o que sempre sonhou para si em relação aos sentimentos, casamento, família. Lhe falta algo que nem mesmo ela consegue explicar, talvez seja o filho com quem sempre sonhou, talvez seja uma paixão correspondida ou um amor, ou até mesmo a coragem para tomar as rédeas de sua vida, o que sente é que está no lugar errado, agindo errado, não sendo a mulher que gostaria de ser.

Patrícia sempre foi esperta e muito trabalhadora, desde os onze anos se vira para ter as suas coisas. Começou como babá, recebendo no início, roupas no lugar de dinheiro. Não se arrepende. A sua patroa, Lucy, ensinou-lhe muito, desde cozinhar a cuidar de uma casa e crianças com capricho. Aos catorze anos começou a trabalhar numa escola provisória no seu bairro ajudando uma tia. Trabalhou em lojas, e assim que ficou de maior prestou concurso se efetivando numa escola pública.

Sempre muito econômica e pensando no futuro aos vinte e dois anos já conseguira a sua casa própria, bem simples, mais é sua.

Aos vinte anos, desiludida por um amor platónico de adolescente, começa a pensar em produção independente. Nunca havia namorado ninguém, não por falta de pretendentes, mais pelo sentimento que não deixou o seu coração desde os doze anos, mesmo sem nunca ter trocado um carinho com o seu amado e ele se casando com outra mulher, grávida, era só nele que pensava, por quem seu coração batia descompassado.

 Pensou, repensou, pensou novamente e na época acreditava ser a única saída, produção independente, pois desde seus onze anos apaixonada por um garoto que nunca lhe deu atenção agora já casado e pai há um bom tempo, decide dizer a sua mãe o seu desejo. Foi a pior decisão que tomou.

Até essa lembrança, da conversa com a sua mãe, veio-lhe a mente e os porquês da decisão tomada atormenta-lhe a alma.

Patrícia olha para o homem dormindo pesadamente ao seu lado, ele, o autor da sua angústia dorme como se nada tivesse acontecido. "Como pode?"

Sem fazer barulho, não quer acordá-lo de jeito nenhum, só de pensar que ele possa querer ter relações sexuais com ela lhe dá arrepios, se levanta, coloca um agasalho e sai até a varanda. Se senta na beira da escada, olha o céu escuro, Lua Nova, sente o vento frio na face. Não precisava estar a passar por isso. Se fosse firme na sua decisão poderia estar sozinha e com o seu filho, ou melhor, filha nos braços. Para não magoar a sua mãe, que foi totalmente contra a produção independente, decide aceitar João como namorado. "Filha minha mãe solteira! Seria a minha maior tristeza. Preferia morrer a ver isso acontecer!"- As palavras da sua mãe martelando na sua mente, poderia ter decidido ficar sozinha, cuidar dos sobrinhos, ou ter escolhido outro pretendente, não, teve que ouvir os outros, ser uma "Maria mole", fazendo tudo o que os outros lhe dizem sem se contrapor.

João a cercava de todas as maneiras, era carinhoso, dava-lhe presentes, dizia amar pelos dois. Porém, nunca despertou nenhum sentimento no seu coração. Terminou com ele por duas vezes, a sua insistência e os conselhos da mãe e irmãs a fizeram o aceitar de volta. As lembranças de pequenas coisas que aconteceram quando namoravam vêm-lhe a mente, "porquê não prestou atenção a esses acontecimentos que indicavam como ele era e que não cumpriria tudo que prometera?"

A mente de Patrícia fervilha, sente um vazio, um buraco na sua alma, uma insatisfação e cansaço tão grande. Quatro anos, casada com quem não ama, tentando de todas as maneiras tentar sentir algo bom por ele e a cada dia que passa o que sente é mais repulsa e decepção. Nem mesmo o sonho de ser mãe consegue realizar, talvez por isso esteja tão angustiada.

É mulher, é inteligente, forte, corajosa, então porquê até hoje não deu um basta em tudo e saiu atrás do seu sonho? "É mesmo uma Maria Mole!"- pensa. Não gosta nem um pouco da mulher que tem sido nos últimos anos, compassiva demais, triste e angustiada, aceitando tudo sem reclamar ou dizer o que sente, sufocada, mal amada, desiludida.

Um vento frio faz o seu corpo se arrepiar, seu corpo magro demais, um corpo carente, insatisfeito, "será que sou como João diz, uma frígida?" O vento bagunça os seus cabelos longos e negros (longos demais, João não gosta que corte os cabelos. Porquê o obedece?) os cabelos entram na sua boca, uma boca bem-feita com lábios grossos, lábios que nunca foram beijados com o devido carinho e desejo que merecem e que sonhou um dia.

Um barulho chama atenção de Patrícia, o arrepio agora não é de frio, não tem medo de que seja um bicho, só não quer ter que tentar explicar a João o que faz sentada no escuro do lado de fora da sua casa. Ele não entenderia. Nem tentaria. Para ele, ela é sempre a culpada de tudo. O seu coração se acalma quando o seu gato, autor do barulho, se esfrega na sua perna.

Patrícia: - É você Algodão!? Que bom! Me deu um susto.

Coloca o gato no colo e faz-lhe um carinho, o gato parece ser o único que percebe os conflitos que atormentam a sua cabeça e coração. Os dois ficam ali por um bom tempo, no silêncio da noite, com os gritos na mente de Patrícia.

Capítulo 2 . A desiludida.

Patricia se lembra do seu casamento. O evitou o mais que pode. Até o curso de noivos foi marcado por João. Que no dia do mesmo pediu a ela que pagasse, pois estava sem dinheiro, um dos sinais que ela deveria ter notado.

João é mais novo dois anos. Começaram a namorar quando ele entrou para o exército. De início isso foi bom. Aparecia uma vez ou duas por semana, ia embora logo, pois tinha horário para voltar, tornando o namoro tranquilo, durante o primeiro ano. Saindo do exército passou a morar com os seus avós, no mesmo bairro, e os avós sendo conhecidos dos seus pais, faz sua mãe querer ainda mais que ae casem. Ele começa a ir diariamente à casa dela. Muitas vezes ela chegava do trabalho cansada, com dor de cabeça e ele ali a sua espera, chegou a ir ao seu trabalho dizendo que ia a acompanhar até em casa. Isso a constrangia por diversas vezes, pois seu trabalho era em uma escola, vivia cercada de crianças, tendo que pedir a ele que não fosse mais. Outro sinal!

Pediu-lhe que viesse apenas um dia no meio da semana, mais ele era insistente. Por sorte ele gostava de conversar com a sua mãe ficando muitas vezes na companhia das duas e de suas irmãs indo embora sem namorarem.

Por mais que João lhe fizesse carinho não lhe despertava o desejo do corpo, o que a fazia pensar que pudesse ter algum problema. E agora, após anos de casamento ele chama-lhe de fria e frígida, dizendo que se casou só para não ficar solteira.

Entre idas e voltas namoraram por mais de três anos. Casamento marcado, o coração de Patrícia fica apertado, João começa a beber. Diz que só bebe socialmente, para comemorar, um socialmente que se torna diário. Fuma também. Sendo esse o motivo do último término, após noivos há alguns meses. João chora, pedi perdão, jura nunca mais beber e que vai largar do cigarro, que ama pelos dois e fará tudo para que ela seja feliz. Promessas!

A pedido da sua mãe, que parecia gostar mais dele do que da filha, ela dá-lhe uma nova oportunidade. E de início, ele parece realmente se esforçar, reforma a casa que ela comprou, vende a sua moto e compra material, não aparece todo o dia, volta a trazer-lhe chocolates, presentes… Um cordeiro!

Patrícia não sabe se foi tola, ou deixou-se iludir. Ele chegava sempre com balas no bolso, lhe dava chocolate, sempre perfumado, disfarçando o cheiro de bebida. Agora ele diz que ela sabia que ele bebia, na época ela não deu atenção, acreditando que cumprira a promessa feita, ou talvez tenha fingido não perceber para evitar discussões. Acreditou nele, pediu para que não bebesse no dia do casamento, que não precisava mais beber, pois se casaria com ele como tanto queria e ele jurou que não o faria, que tinha abandonado o vício.

Não tiveram relações antes do casamento. Ela não conseguiu. Até tentou, talvez se tivessem não teria se casado e ele sabia disso, não a forçando. Ela não conseguia relaxar com os seus carinhos, ficava tensa, nervosa, dizia que queria que fosse especial, no dia e hora certa e a contra gosto ele concordava.

A casa reformada, tudo preparado, o dia chegando e a ansiedade de Patrícia só aumentando. Tudo piora quando há alguns dias do casamento a avó de João vem com uma conversa estranha.

Avó: — Tem certeza que vai mesmo se casar com João? Sabe mesmo como ele é? O conhece bem? Ele é preguiçoso, briguento...

Patrícia estranha, porque só na véspera do casamento a avó vem falar com ela?

João diz que ela fez isso porque brigaram, ela não deixou o seu avô o ajudar com os gastos do casamento emprestando o dinheiro que ele precisava, pedindo a Patrícia para pagar o civil e igreja, pois havia gastado tudo que tinha na reforma. E, mais uma vez é ela quem paga tudo.

Talvez tenha sido ingênua, acreditando que ele a amava e que isso bastava. Foi com certeza compassiva demais. Agora vê com clareza tudo que aconteceu, não pode voltar ao passado e mudar o que foi, não teve voz, deixou ser levada pelo vento, acreditando que a vida era assim mesmo, o amor da sua vida havia se casado e ido embora e quase dez anos após ter o conhecido seu coração ainda se acelera ao pensar nele. Como foi se apaixonar por alguém que nunca lhe deu atenção? Nunca lhe notou? Porque esse sentimento não sai do seu coração? Porque não consegue sentir o mesmo por João? Se ele sente por ela a metade do que ela sente por alguém que nunca sequer lhe tocou talvez ele consiga fazer-lhe feliz. Se fosse ela e o seu amado, se ele lhe tivesse do uma oportunidade não mediria esforços para o fazer feliz.

No dia do casamento tentou relaxar. A igreja estava lotada, não estava nervosa, estava inerte, parecia não ser ela naquele corpo, olhava a sua imagem de noiva refletida no espelho, estava muito bonita, a sua pele morena e cabelos longos e negros destacaram-se com o branco do vestido. Olhava e parecia ser outra pessoa ali. As suas ações eram mecânicas. João a esperava no altar, isso não a emocionou. O padre, um conhecido e amigo da sua irmã trocou o seu nome pelo dela por duas vezes. Mais um sinal!

Tudo passou tão rápido. Como um fresh. A festa, na casa dos seus pais, com muita fartura, muitos conhecidos e familiares. Depois das fotos, parabéns e presentes se separam para conversar com os convidados e amigos individualmente. Após dar uma volta, Patrícia olha para um grupo de rapazes e vê João no meio deles, ele pega uma latinha e bebe. "Deve ser só uma para relaxar! Como eu devo ser virgem e estar nervoso com a noite." Tudo estava na sua frente, não quis ou fingiu não ver, e agora está nessa situação, infeliz, sozinha, decepcionada.

Capítulo 3. A decepcionada.

Patrícia tira o vestido de noiva, toma um banho. Escolheu uma roupa que imaginava melhorar a noite. Queria algo delicado, paciente, pois tinham a noite toda. Botões sendo abertos lentamente, toques suaves, descobertas...

Deixou um vinho na geladeira, frutas e doces, e como João já morava na casa, julgou que ele colocaria uma música romântica, que dançariam, que seria cuidadoso e romântico com ela, que como queria tanto se casar com ela se esforçaria para que tudo fosse o menos doloroso possível. Mero engano!

Praticamente não houve preliminares, a blusa de botões perolados foi arrancada pela cabeça sem nenhum cuidado, ali mesmo na sala. Sem música, sem vinho, sem carinho, como um selvagem lhe arranca as roupas, aperta seus seios, sem delicadeza, voraz."Agora você é minha!" - diz João como se ela fosse um objeto.

Foi tudo muito rápido e doloroso. O seu corpo foi violado, o coração rasgado. Ambos sangrando e muito. Onde foram parar os beijos apaixonados de antes? As promessas de amor? De amar pelos dois? Não tocou os seus lábios, foi direto ao que queria, não conversaram, não fizeram juras ou confissões, não foi feito amor, apenas sexo.

João sai de cima dela e quase que imediatamente dorme ao lado. Ela encolhe-se toda, se sentindo suja, machucada, mal amada. Como dormir? Foi a primeira de muitas noites em claro com os pensamentos fervilhando na sua cabeça, arrependimentos surgidos tarde demais.

Não consegue dormir, sangrando, dolorida, decepcionada. Sua primeira vez foi horrível. Não consegue tirar o lençol sujo, pois ele dorme profundamente. Se levanta, toma um banho, no outro dia viajam cedo para o Rio de Janeiro, para casa do seu irmão, que veio para o casamento e insistiu para que fossem com ele, se ela soubesse como estaria não teria aceitado ir viajar.

Assim que acorda João a quer, ela explica que está sangrando e dolorida, pede que por favor espere parar o sangrando ele aceita sem outra opção.

A viagem foi difícil. Um calor insuportável, desalojaram seu irmão e cunhada que deixaram seu quarto para os recém casados. Todos os dias ele perguntava se ela já estava bem, por umas três noites conseguiu o evitar, até que não teve mais como mentir, ele a levou para o quarto em pleno dia. Ela tensa, com medo de os virem ou ouvirem, não relaxou. Ao menos não foi doloroso.

Sua cunhada os levou para alguns lugares, pois seu irmão estava a trabalhar. Ela amou o mar, a areia fina da praia de Copacabana entre os seus pés, queria ter ficado ali, olhando para imensidão de água a sua frente, entrar nas águas e ir andando até ser encoberta por elas, não parar...

Não havia levado roupa de praia, João não a deixou se molhar.

João saia do lado delas em alguns momentos e voltava mais alegre e descontraído. Numa dessas saídas Patrícia foi atrás e o viu a comprar bebidas alcoólicas e as consumindo, não gostou, mais não tocou no assunto, afinal estavam em lua de mel na casa de outros. Foram as compras, ao shopping, ao metrô, ao museu, ao zoológico e muitos desses passeios foram muitos bons, divertidos e interessantes, ele sempre dando uma saidinha. O calor era demais, precisava de uma "gelada", decidiram voltar antes do previsto, de ônibus. Para surpresa de Patrícia, João diz não ter mais dinheiro (recebeu uma boa quantia no casamento com a venda de pedaços da gravata) e ela teve que pagar as passagens dos dois de volta.

Na época ela ficava chateada com esses acontecimentos, mais deixava de lado, imaginando que tudo mudaria quando estivessem na sua casa, e voltassem a trabalhar, e afinal de contas ela ganhava mais que ele que trabalhava por dia, em serviços braçais. Pensava que quem sabe já estivesse grávida e realizaria o seu sonho de ser mãe.

 Em casa, as coisas só pioravam, João não tinha hora para chegar em casa, a cada dia chegava mais tarde e mais bêbado. Passam meses e nada de gravidez, Patrícia começa fingir que dorme quando ele chega, fecha a porta do quarto e fica ali quieta, ouvindo os seus resmungos e palavrões. Tenta por diversas vezes conversar com ele, que joga a culpa nela dizendo que bebe porque ela é fria e frígida que só se casou com ele para não ficar solteira. Depois de um tempo ela até torce para ele beber muito, pois assim cai no sofá e dorme ali mesmo.

Ela não tem coragem de reclamar, ou melhor se abrir com ninguém. Guarda tudo para si, se afasta do convívio com sua família justamente para evitar o assunto.

Passa o primeiro Natal após casada, sozinha, ele saiu com amigos para voltar só no outro dia, ela abre uma garrafa de vinho e toma tudo, na esperança de sentir algo, ou esquecer tudo. A única coisa que sente é náuseas e dor de cabeça. Ele chega com um amigo, vêm a garrafa de vinho vazio e ainda brincam a falar da ressaca que terá por beber aquele vinho, julgando que ela dormia. Saem a deixando sozinha de novo.

Patrícia jura nunca mais beber.

João fica alguns dias sem trabalhar, pede-lhe que pagasse as despesas da casa enquanto ele procura um novo trabalho para quitar as dívidas que fez. Ela assim o faz e ele não volta a pagá-las mais.

João até é trabalhador. Trabalha no que aparece, desde a colheita de café à carpir e roçar, mais não sabe economizar, gasta tudo que ganha, faz rolos com motos e nunca tem dinheiro para nada.

Patrícia tenta encontrar qualidades no seu marido, mais fica cada vez mais difícil, ele não colabora, a deixa sozinha, cheira a cigarro e álcool, age como se fosse solteiro não lhe dando satisfação de nada. Decepcionada com tudo, ela fecha-se, tornando-se triste, uma mulher fechada, decepcionada, carente...Só faz trabalhar, não procura fazer amizades, sempre só.

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