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Enemies To Lovers

Capítulo 1

Se tem uma pessoa neste mundo que eu odeio com todas as minhas forças, essa pessoa é Josh Thorne. Não estou falando de uma simples antipatia ou daquela irritação momentânea que a gente sente com qualquer um. Eu o detesto, com todas as letras. Cada vez que ele aparece no meu caminho, sinto meu sangue ferver. Mas é importante esclarecer uma coisa: meu ódio não começou do nada. Há motivos para isso — muitos motivos.

Primeiramente, existe o ódio tradicional. Nossas famílias se detestam há gerações. A família Evernight e os Thorne são inimigas de longa data, e, sinceramente, nem sei exatamente o porquê. Meus pais nunca me explicaram. Quando perguntei para minha mãe, tudo o que ela disse foi: “É melhor você não saber.” Meu pai, como sempre, apenas grunhiu algo incompreensível e continuou lendo o jornal. Perguntar aos meus avós também não adiantou. Eles mudavam de assunto ou faziam aquele olhar severo que me dizia claramente para deixar isso de lado.

Se eu tivesse que adivinhar, diria que provavelmente envolve dinheiro ou traição. Tudo na família Evernight gira em torno de poder, e sei que os Thorne também não são santos. O que quer que tenha acontecido, criou uma divisão tão profunda que nenhum lado parece disposto a deixar para trás.

Mas o que realmente alimenta minha aversão por Josh é algo mais pessoal. Nos conhecemos desde o fundamental, mas éramos apenas duas crianças que se ignoravam. Foi no ensino médio que tudo desandou. Aí, ele passou de um rosto aleatório no corredor para um espinho constante no meu caminho. E, claro, houve *aquele* incidente que selou de vez o nosso destino como inimigos declarados.

Era um dia qualquer, e ele tinha acabado de fazer algum comentário idiota. Nem me lembro exatamente o que ele disse, mas lembro do tom sarcástico, daquele sorriso convencido que ele sempre usa para provocar. E eu não sou do tipo que leva desaforo para casa. Nós começamos a discutir, como sempre, e a coisa escalou rapidamente. Palavras afiadas foram trocadas, eu o acusei de ser um babaca insuportável, ele revidou dizendo que eu era uma psicopata

Foi então que aconteceu. Ele tropeçou, ou escorregou — não tenho certeza — e caiu direto na piscina do ginásio. A cena deveria ter acabado ali, mas óbvio que Josh nunca sabe quando parar. Ele saiu da água como um furacão, convencido de que eu o havia empurrado. 

-Você não tem limite, né? O que é isso? Não sabe brincar?

Eu olhei para ele, completamente sem reação.

-Eu não te empurrei, seu idiota!

-Você vai ver agora!

Ele disse, e, sem mais nem menos, me arrastou para dentro com ele.

Foi um caos completo. Eu não sei nadar — o que, claro, ele não sabia na época. . A água me envolveu e eu fui para o fundo, tentando desesperadamente me segurar em alguma coisa. Meu coração estava batendo forte demais, e, antes que eu percebesse, já estava me agarrando ao primeiro ponto fixo que encontrei: Josh.Eu estava perto demais dele, meu rosto quase colado ao dele. 

-Ótimo Mavis, além de me empurrar na piscina ainda quer me afogar também?

-Eu ja te falei que não te empurrei!! Eu não sei nadar, não faz sentido eu te empurrar! Josh voçê ainda vai se ver comigo se voçê não me tirar dessa piscina!!!

-Sua maluca mentirosa, solta minha garganta! Voçê ta me sufocando!

-Você me puxa para a piscina e quer que eu solte você? Mais é claro que não vou soltar!

Eu senti minha raiva aumentar. Como ele podia ser tão... irritante? Eu estava em pânico, e ele estava mais preocupado com a minha mão no pescoço dele do que com o fato de eu estar quase me afogando.

-Mavis... voçê realmente não sabe nadar.. né?

-Claro que não! Por que você acha que eu estava te agarrando?

Josh ficou em silêncio por um momento, e então pareceu finalmente perceber o quão grande foi o mal-entendido. Ele ficou sem graça, olhando para mim, e a raiva que antes estava estampada no rosto dele agora parecia dar lugar à vergonha. Ele não sabia o que fazer com a situação.

-Desculpa.. Eu pensei que voçê tinha me empurrado

-Agora que voçê caiu na real me tira daqui!!!

Ele me olhou por um momento, com aquela cara de “tá bom, já entendi”, e com um suspiro, finalmente me ajudou a sair da água. Então, sem conseguir segurar a frustração, dei um tapa no rosto dele.

Depois disso, o ódio só cresceu. Cada vez que nos encontramos, é como uma faísca pronta para explodir em fogo. Ele adora provocar, e eu não consigo evitar revidar. Parece que estamos presos em um ciclo interminável de brigas e discussões, e, para ser honesta, nem sei mais onde tudo isso vai parar.

Mas de uma coisa eu tenho certeza: Josh Thorne é a personificação de tudo o que me irrita neste mundo. E, infelizmente, parece que o universo insiste em colocá-lo na minha vida. O que é ainda pior é que, toda vez que isso acontece, sinto como se houvesse algo mais ali — algo que eu me recuso a admitir. Porque admitir significaria abrir uma porta que eu não quero atravessar.

E eu não atravessarei. Nunca.

Quando penso sobre mim mesma, é impossível ignorar o quanto sou uma Evernight até a última célula. Minha família é um reflexo claro de tudo o que carrego em minha personalidade. Frieza, calculismo, e uma habilidade assustadora de separar razão e emoção. Meu pai é severo, um homem que prefere o silêncio a qualquer demonstração de afeto. Minha mãe? Ela é uma perfeição glacial, sempre controlada, nunca fora do eixo. Crescer nesse ambiente me moldou de uma forma que às vezes assusta até a mim mesma.

Não sou diferente. Sou fria. Não consigo me importar com ninguém, pelo menos não de verdade. É como se houvesse um muro invisível entre mim e o resto do mundo. Minhas emoções existem, mas estão trancadas em algum lugar tão fundo que raramente consigo alcançá-las. Amizades? Nunca fiz questão. Não sei como confiar, nem sei se quero aprender. As pessoas vêm e vão, e eu continuo exatamente no mesmo lugar.

Já me disseram que sou meio psicopata. Não posso discordar completamente. Não sinto culpa, nem remorso .Talvez seja genético, um legado da família Evernight. Talvez seja apenas quem eu sou. Não sei ao certo, e, para ser honesta, não me importa descobrir.

Às vezes me pergunto como seria ser diferente. Ter amigos, sentir algo mais profundo por alguém, rir até o estômago doer. Mas essas ideias desaparecem tão rápido quanto surgem. No final das contas, a solidão nunca me incomodou de verdade. É confortável, familiar, como uma segunda pele.

E é por isso que não consigo entender por que Josh Thorne desperta algo em mim. Algo que eu não quero nomear. Algo que quebra, ainda que por um instante, a muralha que construí em torno de mim mesma. Isso me irrita. Me descontrola. E, acima de tudo, me assusta.

Havia algo em Josh que sempre me irritava profundamente, mas que, de certa forma, também me intrigava — mesmo que eu odiasse admitir. Era um intervalo qualquer, e eu estava encostada em uma das colunas próximas ao pátio, tentando ignorar o burburinho ao meu redor. Foi quando o vi, do outro lado, encostado na parede, como se fosse dono do mundo.

Josh Thorne estava cercado por algumas pessoas, mas parecia distante, como se o grupo não o incluísse realmente. Ele tinha aquele olhar sério que sempre me dava nos nervos, uma mistura de mistério e arrogância. A maneira como ele inclinava levemente a cabeça ao falar com alguém, como se estivesse analisando cada palavra antes de soltá-la, me deixava com raiva e... intrigada. Ele levantou os óculos com um gesto tão natural, mas ao mesmo tempo tão calculado, que era impossível não reparar. Era como se ele soubesse exatamente o que estava fazendo — e como as pessoas ao redor o viam.

Eu deveria desviar o olhar. Deveria ignorá-lo completamente. Mas algo no jeito como ele mantinha aquela postura relaxada, ainda que visivelmente atento a tudo, me prendia. Por um momento, ele pareceu se desligar do grupo, seus olhos vagueando até pousarem em mim. Meu coração deu um salto, mas eu me recusei a mostrar qualquer reação. Fixei meu olhar em outro ponto, fingindo estar completamente alheia à sua presença.

Foi então que, com o canto do olho, percebi um leve sorriso surgir em seus lábios. Aquele sorriso. O mesmo que ele usava toda vez que queria me provocar, me tirar do sério. Senti meu rosto esquentar, não de vergonha, mas de pura irritação. Ele achava mesmo que podia me intimidar à distância?

"Ridículo", pensei, cruzando os braços e me virando para o outro lado. Mas, mesmo enquanto tentava ignorá-lo, algo dentro de mim não parava de questionar por que eu continuava a notar cada detalhe dele — desde o jeito como seus olhos sérios e hipnotizantes observavam o mundo ao seu redor até a maneira casual com que ele inclinava o corpo contra a parede.

"É só ódio. Nada mais. Não há nada além disso." Repeti para mim mesma como um mantra, tentando silenciar o pensamento incômodo de que, talvez, só talvez, houvesse algo mais por trás daquela fachada irritante. Algo que eu nunca admitiria, nem para mim mesma.

Se tem algo que eu realmente desprezo mais do que ouvir o nome de Josh Thorne, é ter que participar de atividades que envolvem poesia. E adivinhe o que estávamos fazendo na aula de português hoje? Exatamente. O professor achou que seria uma ideia genial convidar a turma para expor seus “sentimentos mais profundos” através de poemas que escrevemos como dever de casa.

Eu sabia que ia acabar me metendo nisso assim que ele entrou na sala com aquele sorriso de quem está prestes a atirar os alunos em um poço de vergonha coletiva.

— Vamos começar com… Mavis Evernight. Por favor, venha à frente e leia seu poema para a turma.

Minha mão estava apertando a caneta com tanta força que eu podia jurar que estava prestes a quebrá-la. Não tinha como escapar. Me levantei, e caminhei até o centro da sala sob os olhares curiosos dos outros alunos. Claro que senti Josh me encarando. Sempre me encarando.

Respirei fundo e comecei:

Teus olhos, duas lanças geladas,

Rasgando a neblina do meu ser,

Tua voz, lâmina cortante e abafada,

Perfura o ar, me faz desvanecer.

Por que tu, ser vazio e desprovido,

Insistes em brincar com a minha dor?

Esquece que sou a tempestade, o perdido,

E que o ódio por ti é meu eterno fervor.

Nos teus gestos vejo a falsidade,

A mentira dançando no ar,

Cada palavra que sai da tua boca

É um peso que me faz suar.

Quem te deu direito, miserável criatura,

De respirar o mesmo ar que eu?

Teu silêncio afasta a ternura,

E a dor que me causa é o teu troféu.

E mesmo que te veja de longe,

Teu olhar me arranha como ferro quente,

A raiva que me consome e me esconde

Diante de ti, é uma chama pungente.

Quando terminei, a sala estava em um silêncio desconfortável. Alguns alunos me encaravam com expressões de puro choque; outros apenas olhavam para suas mesas, como se estivessem fugindo de algo. Eu dei um sorriso discreto e voltei para o meu lugar, sentindo a satisfação de ter tirado todo o meu ódio para fora.

— Bem… muito intenso, Mavis. Muito bem escrito. Agora, Josh Thorne, que tal compartilhar o seu poema conosco?

Ah, claro. Como se o universo já não fosse cruel o suficiente, agora era a vez dele. Ele caminhou até a frente da sala com aquela postura confiante que me irritava tanto. Para piorar, ele ainda inclinou levemente a cabeça enquanto ajustava os óculos. O olhar sério e misterioso que, admito, era irritantemente hipnotizante, percorreu a sala antes de ele começar a ler:

Teus olhos, mar de tempestade,

Onde tudo é calculado, planejado,

E cada gesto teu, sem piedade,

Desafia o mundo, como se fosse invadido.

Tua frieza, escudo impenetrável,

Me afasta, me espanta, me perde,

És como o inverno, implacável,

Onde cada palavra é um gelo que se perde.

Mas, se em ti tudo parece calculado,

Há algo que me desconcerta, me choca,

No fundo, um resquício de algo mais, inesperado,

Um espaço vazio que sua frieza bloqueia.

Porque, no fim, descobri que tu és dura,

Mas não soube que a dor também me feria,

O que vi no fundo da tua armadura

Foi uma trégua que a mim, de algum modo, se oferecia.

E mesmo que minha raiva tenha sido imensa,

No toque da água, no reflexo que vi,

Teu olhar me revelou a essência,

E percebi que és ruim, mas não tanto quanto eu acreditava ser.

Então, se as palavras que trocamos te ferem,

Se em minhas ações há culpa que me envolve,

Peço, então, perdão — sei que se ofendem,

E espero que uma trégua, ao menos, se resolva.

Eu pisquei. Ele só podia estar brincando.

A sala caiu na risada, e ouvi murmurinhos.

— Ei, parece que eles escreveram um para o outro! — comentou um garoto do fundo.

— É o amor! — disse outra menina, mal contendo o riso.

— Amor? Sério?— Josh virou para a sala, levantando uma sobrancelha, antes de olhar diretamente para mim. — Só pode ser piada.

— Com certeza é. Eu prefiro morrer a sentir algo que não seja ódio por você.— Cruzei os braços, ainda sentindo meu rosto queimar de vergonha pela insinuação absurda.

Josh riu baixo, aquele tipo de riso que só me irritava mais ainda, e voltou para o seu lugar, me lançando um olhar de canto.

Eu o ignorei, mas jurei para mim mesma que aquela aula ainda ia ter um capítulo extra na nossa guerra pessoal.

Capítulo 2

Se tem uma pessoa que desafia minha paciência e me faz questionar por que o universo insiste em cruzar nossos caminhos, essa pessoa é Mavis Evernight. Ela é o tipo de garota que você percebe de longe — sempre andando com aquela aura de superioridade, como se estivesse acima de todos. E talvez ela esteja, pelo menos na cabeça dela. Mas se tem algo que sei, é que por trás desse exterior de gelo existe uma tempestade própria.

Nossas famílias se odeiam. Sempre foi assim. Os Evernight e os Thorne são praticamente sinônimos de inimizade. Cresci ouvindo minha mãe falar sobre como os Evernight só pensam em dinheiro e poder, e ela sempre adicionava um suspiro dramático ao final dessas conversas, como se fosse uma história antiga que ela gostaria de esquecer. Nunca entendi exatamente o porquê. E sinceramente, não acho que alguém saiba. Parece que esse ódio se perdeu no tempo, mas o ressentimento ainda está muito vivo.

Mavis e eu, no entanto, conseguimos elevar essa rivalidade a um novo nível. Sempre que estamos no mesmo espaço, algo dá errado. Acho que é porque nós dois somos parecidos em alguns aspectos — teimosos, impulsivos e incapazes de deixar uma provocação passar sem revidar. Foi assim desde o ensino médio, mas nada se compara ao que aconteceu naquele dia na piscina.

Tudo começou com mais uma das nossas discussões idiotas. Não lembro exatamente o que ela disse, mas, como sempre, tinha aquele tom afiado e um sorriso cheio de desdém. Algo em mim simplesmente travou. Começamos a brigar, palavras foram trocadas, e, no calor do momento, acabei escorregando — ou talvez tropecei, sei lá. Antes que pudesse me dar conta, estava dentro da piscina, completamente encharcado.

Olhei para cima, e lá estava ela, com aquele olhar de quem achava tudo extremamente divertido. Fiquei furioso. Na minha cabeça, era claro que ela tinha me empurrado, e, sem pensar duas vezes, agarrei o braço dela e a puxei para dentro da água também. Foi uma atitude impulsiva, eu admito, mas naquela hora parecia a coisa certa a fazer.

Foi só quando ela começou a se debater que percebi o problema. Ela não sabia nadar. Ela agarrou meu pescoço como se a vida dependesse disso — e talvez dependesse mesmo. Por um momento, ficamos tão próximos que eu podia sentir sua respiração irregular contra meu rosto. Seus olhos, geralmente tão frios e calculistas, estavam arregalados de puro pânico. Algo naquele momento mexeu comigo de uma forma que eu não esperava.

Não era só o desespero dela que me atingiu, mas também algo mais profundo e desconcertante. Por um segundo, eu esqueci que odiava Mavis Evernight. Esqueci da rivalidade, das provocações, de tudo. Tudo o que conseguia pensar era no quanto ela parecia... vulnerável. E isso me irritou. Irritou porque não fazia sentido. Porque ela é Mavis Evernight, e eu não deveria sentir absolutamente nada por ela que não fosse puro desprezo.

Entao eufiquei parado, tentando entender o que diabos tinha acabado de acontecer.

Desde aquele dia, algo mudou. Não sei explicar exatamente o quê, mas a faísca que sempre existiu entre nós parece ter ganhado uma nova camada. Algo mais intenso, mais complexo. Não quer dizer que eu gosto dela — longe disso. Ela ainda é insuportável. Mas agora, sempre que a vejo, fico com aquela memória da piscina na cabeça. E isso, para ser sincero, me irrita mais do que qualquer coisa que ela possa dizer.

Se tem algo que eu odeio tanto quanto a Mavis Evernight, é falar sobre o meu pai. Mas, de alguma forma, tudo que aconteceu comigo, tudo que me moldou, volta para aquele dia. Eu tinha oito anos quando o perdi. E não foi apenas ele que se foi; foi também uma parte de mim.

Lembro-me do sorriso dele. Era algo raro, porque meu pai era um homem sério, focado, mas quando sorria… era como se o mundo ganhasse cor. Ele era meu herói, meu maior exemplo. E então, de uma hora para outra, ele simplesmente não estava mais lá.

Foi um acidente de carro. Algo tão comum e, ao mesmo tempo, tão cruel. Minha mãe tentou me poupar dos detalhes, mas eu era curioso, insistente. Descobri mais do que deveria. Ele estava a caminho de casa depois de um dia exaustivo no trabalho, e um motorista embriagado cruzou o sinal vermelho. Eu me pergunto, até hoje, como seria se aquele motorista tivesse decidido pegar outro caminho. Se meu pai tivesse saído cinco minutos mais tarde…

Depois disso, nossa casa nunca mais foi a mesma. Minha mãe, Clara, sempre foi forte. Mas eu via as rachaduras na armadura dela. Ela sorria para mim e para Ivy — minha irmãzinha —, mas quando achava que ninguém estava olhando, eu a via chorar. No início, tentei confortá-la, mas o peso era demais para um garoto de oito anos. Então, eu fiz o que achei que era certo: me tornei o homem da casa.

Deixei de brincar, de rir com os amigos. Comecei a cuidar de Ivy como se fosse minha própria responsabilidade. Eu queria ser forte, como meu pai. Mas, ao mesmo tempo, havia essa raiva que queimava dentro de mim. Raiva do mundo, de quem tirou ele de mim. E, com o tempo, essa raiva virou algo silencioso. Algo que eu carregava comigo, mas nunca deixava transparecer. Até hoje, as pessoas dizem que sou sério demais, distante demais. Elas não entendem que isso é tudo que sei ser.

Ivy é a única pessoa que consegue quebrar essa barreira. Ela tem essa energia, essa alegria que me lembra meu pai nos dias bons. Faço tudo que posso por ela. Talvez por isso eu tenha essa tendência a cuidar das pessoas, mesmo que não admita. Eu não quero que ela carregue as mesmas dores que eu. Eu não quero que ela veja o mundo como um lugar frio e injusto.

Às vezes, quando penso no meu pai, também penso na Mavis. Sei que parece estranho, mas há algo nela que me lembra da raiva que eu sentia na época. Ela é como uma tempestade — imprevisível, cheia de energia e destrutiva. E, talvez, eu veja nela um reflexo do que eu poderia ter me tornado. Ou talvez seja só o fato de que ela é uma Evernight, e eu fui criado para odiar tudo que essa família representa. Ainda assim, é complicado. Porque, ao mesmo tempo que ela me irrita, também me intriga.

Eu tento não pensar muito sobre isso. Mas, quando me pego encarando o passado, é difícil não me perguntar: e se as coisas fossem diferentes? E se eu pudesse ser diferente?

Mas não importa. Meu pai se foi, e eu sou quem sou por causa disso. Não há como mudar o passado. Tudo que me resta é seguir em frente, mesmo que eu não saiba exatamente para onde estou indo.

                          ____________

Eu estava sentado em uma mesa no canto do refeitório, mastigando meu sanduíche e tentando ignorar o burburinho ao redor. A maioria das pessoas prefere o centro do salão, onde podem se exibir e socializar. Eu, por outro lado, só quero que esse tempo passe logo. Então, claro, a paz nunca dura. 

Ouvi risadas altas vindas de algumas mesas à frente. Meu olhar foi atraído pelo tumulto, como o de todo mundo. Três garotas do grupo popular — lideradas por Scarlet, sempre ela — estavam em pé ao redor de uma menina franzina que parecia completamente desconfortável. 

— Sério, Lily? Esse é o melhor suéter que você tem? Parece que pegou no lixo — Caroline zombou, enquanto as amigas riam. 

A tal Lily, que sempre ficava sozinha no canto da sala, não disse nada. Apenas abaixou a cabeça, tentando ignorá-las. 

— Ah, você não vai nem se defender? — Scarlet continuou. — Bem típico. Aqui, deixa eu te ajudar. 

Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, Scarlet pegou a bandeja de comida de Lily e jogou tudo na garota. Um silêncio tomou conta do refeitório, seguido por risadinhas de outras mesas. 

Eu senti o sangue ferver. Não que eu fosse um defensor de causas nobres, mas odiava esse tipo de atitude. Estava prestes a me levantar, quando alguém chegou lá primeiro. 

Mavis Evernight. 

Ela surgiu do nada, atravessando o salão com aquele jeito dela — passos firmes, olhar afiado. A maioria das pessoas teria hesitado ao se aproximar de Scarlet e seu grupo, mas Mavis? Nem por um segundo. 

— O que está acontecendo aqui? — ela perguntou, sua voz cortando o silêncio como uma lâmina. 

Scarlet revirou os olhos e cruzou os braços. — Nada que te interesse, Evernight. Vai cuidar da sua vida. 

— Bom, isso *é* da minha vida agora — Mavis rebateu, se abaixando para pegar a bandeja caída no chão. Por um segundo, achei que ela ia devolver a bandeja para Lily, mas, claro, eu deveria ter sabido que Mavis nunca faz o óbvio. 

Ela segurou a bandeja, virou-se para Scarlet, e — sem aviso — jogou os restos de comida diretamente no rosto da garota. 

O refeitório explodiu. 

— Sua maluca! — Scarlet gritou, tentando limpar o rosto com as mãos. 

— Engraçado, você não parecia achar isso tão ruim há um segundo atrás — Mavis respondeu, com aquele tom gelado que ela usa quando está realmente irritada. 

Scarlet deu um passo para frente, mas Mavis a encarou de frente, cruzando os braços. 

— Vai tentar alguma coisa? — desafiou. 

Scarlet hesitou, olhando ao redor. Sua confiança vacilou sob o olhar de todos, e, com um resmungo irritado, ela e suas amigas se retiraram apressadas. 

O silêncio do refeitório foi quebrado por alguns aplausos e risadas abafadas. Mavis, por outro lado, parecia menos confortável. 

— Obrigada — Lily disse baixinho, olhando para Mavis com olhos cheios de gratidão. 

Mavis deu de ombros. — Não fiz isso por você. Só não suporto gente estúpida. 

A menina tentou dizer algo mais, mas Mavis já estava saindo, a cabeça erguida, o rosto inexpressivo, como se não tivesse acabado de se tornar o centro das atenções. 

Mas eu percebi. Percebi o leve rubor nas bochechas dela, a tensão em seus ombros. Ela odiava que as pessoas estivessem olhando para ela como uma heroína. E, por algum motivo, isso me fez sorrir. 

Ela é tão complicada. Sempre tentando esconder qualquer resquício de bondade debaixo daquela máscara de durona. É como se ela lutasse contra si mesma o tempo todo. 

Olhei para o prato à minha frente, sem fome agora. Havia algo em Mavis que me deixava... curioso. Eu sempre a via como alguém fria e calculista, mas cenas como essa me faziam questionar tudo. 

Eu podia odiá-la. E talvez ela ainda fosse a garota mais insuportável que já conheci. Mas, naquele momento, tive que admitir: Mavis Evernight era, no mínimo, fascinante. 

Capítulo 3

Fui chamada à sala da diretora logo depois da aula. Minha única reação foi bufar. Era óbvio que isso tinha a ver com o “incidente” no intervalo. Não que eu estivesse arrependida. Scarlet mereceu cada pedaço daquela bandeja.

— Mavis, seu pai já está vindo. — A voz da diretora era calma, mas carregava aquele tom de reprovação que parecia estar gravado no DNA de todo adulto responsável por alunos.

Eu cruzei os braços e me joguei na cadeira diante da mesa dela. Não era como se eu estivesse ansiosa para aquele encontro. Meu pai não era exatamente conhecido por sua paciência.

Quando ele entrou, o ar pareceu mudar. Lucian Evernight sempre emanava uma autoridade que fazia qualquer um se encolher, até mesmo a diretora.

— O que aconteceu desta vez? — ele perguntou, seco. Seus olhos claros varreram a sala, parando em mim com uma expressão de puro desdém.

A diretora pigarreou antes de explicar.

— Senhor Evernight, Mavis se envolveu em um incidente no intervalo. No entanto, antes de mais nada, quero esclarecer que, apesar do ocorrido, a atitude dela foi uma boa ação. Ela defendeu uma aluna que estava sendo intimidada por Scarlet e...

Meu pai levantou uma mão, interrompendo-a.

— Corte as formalidades. Quero saber exatamente o que ela fez.

A diretora hesitou, claramente desconfortável com a presença dele.

— Ela... atirou uma bandeja na cara de Scarlet.

— Atirou uma bandeja? — Ele me lançou um olhar que prometia consequências. — E por que exatamente você achou que isso era uma boa ideia, Mavis?

Abri a boca para me defender, mas a diretora falou primeiro.

— Senhor Evernight, é importante entender o contexto. Scarlet estava praticando bullying contra outra aluna, e Mavis interveio. Foi um ato de defesa, mas...

— Basta. — Ele a interrompeu novamente. Sua voz era afiada como uma navalha. Ele se virou para mim. — Vamos para casa. Agora.

O caminho de volta foi um silêncio sufocante. Cada batida do meu coração parecia um martelo me lembrando do que estava por vir. Assim que cruzamos a porta de casa, ele se virou para mim como um furacão.

— O que você acha que estava fazendo, Mavis? Defendendo alguém? Você? — Ele riu, mas era um som frio, desprovido de humor. — Que tipo de idiota você está se tornando?

Eu mantive a postura rígida, mas meu estômago revirava.

— Scarlet estava passando dos limites. Alguém precisava fazer algo.

— E por que precisava ser você? — Ele deu um passo à frente, a voz ganhando intensidade. — Você é uma Evernight! Nós não ajudamos ninguém. Nós não somos bondosos com ninguém , nós não pensamos em ninguém, Nós não nos envolvemos em brigas que não são nossas. Você acha que esse tipo de fraqueza é aceitável?

— Não foi fraqueza...

— Foi exatamente isso! Fraqueza! — Ele gritou, apontando um dedo para mim. — Você está começando a parecer uma dessas pessoas patéticas que deixam sentimentos atrapalharem. Frágil. Vulnerável. Bondosa. Eu não criei você para ser uma pessoa bondosa, Eu criei você para ser melhor do que isso!

— Eu só... — Comecei, mas ele não deixou.

— Você só nada, Mavis! Pessoas fracas são esmagadas neste mundo. E se você continuar assim, vai acabar do mesmo jeito. O que você fez hoje foi patético.

Ele avançou mais um passo, e meu instinto foi recuar, mas o impacto veio rápido. Um tapa forte cruzou meu rosto, me deixando atordoada por um segundo. Era um movimento calculado, mas o suficiente para me lembrar quem estava no controle.

— Isso é para você aprender. Nunca mais. Entendeu? Nunca mais! — Ele cuspiu as palavras, antes de me deixar sozinha na sala.

Fiquei lá por um momento, com a mão no rosto, o impacto ainda pulsando. Não chorei. Não conseguiria, mesmo que quisesse. Apenas me joguei no sofá, olhando para o teto, enquanto a raiva fervia no meu peito.

Fraca? Vulnerável? Talvez ele estivesse certo. Mas uma parte de mim odiava o fato de que, mesmo depois de tudo isso, eu ainda conseguia me importar com o que ele pensava.

E isso era a coisa mais irritante

Depois que meu pai saiu da sala, o silêncio caiu sobre a casa como uma nuvem pesada. O lado do meu rosto ainda ardia, mas a dor física era um nada comparado à fúria que borbulhava dentro de mim. Não por ele ter me batido — isso eu já esperava —, mas pelas palavras que ele disse. Como ele ousava me chamar de fraca? Eu fiz o que ninguém mais teve coragem de fazer.

Levantei do sofá, sentindo a tensão nos ombros, e comecei a subir as escadas em direção ao meu quarto. Foi quando ouvi vozes vindas do escritório dele. Parei no meio do caminho, meus pés congelados no degrau, enquanto o som da conversa de meus pais flutuava pelo corredor.

— Lucian, você acha que pegou pesado? — Era minha mãe. A voz dela era firme, mas havia um traço de hesitação.

— Não foi o suficiente, Eleanor. — A resposta do meu pai era tão fria que me fez estremecer. — Ela precisa aprender. Essa coisa de se importar com os outros... isso vai destruí-la.

Minha mãe suspirou.

— Mas ela é só uma garota, Lucian.

— E daí? — ele rebateu, impiedoso. — Garota ou não, ela é uma Evernight. Nós não nos rebaixamos a esse tipo de fraqueza ,Eu não vou permitir que isso aconteça. Mavis vai aprender, Eleanor. E se isso significar que precisamos ser mais rígidos, que assim seja.

Meu coração bateu forte. Minha garganta parecia apertada, como se eu tivesse engolido algo pesado demais. Eu sabia que eles não se importavam realmente comigo, mas ouvir aquelas palavras — ouvir que eles estavam planejando “dar um jeito em mim” — fez algo dentro de mim rachar.

Eu não queria ouvir mais nada. Subi as escadas rapidamente, o mais silenciosamente possível, e fechei a porta do meu quarto. Encostei-me contra ela, respirando fundo, tentando processar o que tinha acabado de ouvir.

Na manhã seguinte, a tensão dentro de casa estava tão espessa quanto o silêncio. Eu descia para tomar café, esperando evitar qualquer tipo de interação com meus pais, mas, claro, isso nunca funciona como planejado.

— Mavis. — A voz cortante do meu pai me parou na metade do caminho até a cozinha. Ele estava sentado à mesa com minha mãe ao lado, ambos com expressões sérias que me deram arrepios.

— O quê? — perguntei, tentando soar indiferente, mas meu estômago já estava apertado.

Ele apontou para a janela da sala, onde minha gatinha preta Night, estava enrolada confortavelmente na almofada. Pela janela, dava para ver o quintal da casa de Josh, e, como sempre, a gatinha branca deles, Luna, estava vagando por lá.

— Essa gata do Thorne. Ela está causando problemas de novo.

Minha mãe cruzou os braços, olhando para mim com aquele olhar calculista que sempre me fazia querer sumir.

— As duas ficam brigando constantemente. Aquela maldita gata dos thornes fica entrando aqui em casa para arranjar confusão com a Night,  Night até voltou arranhada da última vez. Não podemos permitir que isso continue.

— O que vocês querem que eu faça? — perguntei, mesmo sabendo que não iria gostar da resposta.

Meu pai levantou-se da cadeira, aproximando-se de mim. Ele parou a poucos centímetros de distância, sua presença opressora me fazendo querer recuar.

— Você vai dar um jeito naquela gata. Mate-a, se livre dela, suma com ela...

— O quê? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, mas não pude evitar. — Vocês estão loucos? Não posso simplesmente... me livrar de uma gata que nem é nossa!

Ele sorriu, mas não era um sorriso amigável.

— Se você não fizer isso, nós vamos cuidar disso. E não de uma forma gentil.

— Vocês não podem estar falando sério. — Eu recuei um passo, sentindo a raiva subir dentro de mim. Olhei para minha mãe, esperando encontrar alguma hesitação ou desacordo, mas ela apenas assentiu, concordando com ele.

— Você tem até o fim do dia, Mavis, — disse ela, sua voz fria e distante. — Ou nós mesmos resolveremos.

Eu odiava a ideia de fazer qualquer coisa que ajudasse meus pais, mas odiava ainda mais o pensamento de Luna sendo machucada por eles.

Eu não tinha escolha.

Subi as escadas, meu sangue fervendo de raiva e indignação. Como eles podiam esperar isso de mim? Desde quando minha vida se resumiu a obedecer ordens irracionais? Encostei a porta do meu quarto e me joguei na cama, tentando pensar em uma solução.

Minha mente correndo com possibilidades.

Se eu fosse até Josh e explicasse o que estava acontecendo? Não... ele provavelmente não acreditaria em mim, ou pior, me provocaria. E, para ser honesta, eu não queria que ele soubesse o tipo de monstros que meus pais eram.

Mas eu também não podia simplesmente obedecer.

Fiquei olhando para o teto, enquanto minha cabeça girava com planos. Talvez... talvez houvesse um jeito de proteger Luna e frustrar meus pais ao mesmo tempo.

Eu só precisava ser mais esperta que eles.

A noite estava pesada, um silêncio cortante que fazia até o vento parecer hesitar em passar.  aquela bolinha branca de pelos — se movia despreocupada no quintal dos Thorne.

O quintal deles era bem cuidado, ao contrário do meu. Grama aparada, cercas bem pintadas, tudo tão perfeito que dava nos nervos.

Pisquei várias vezes, tentando reunir coragem.

— Certo, Mavis. Você entra, pega a gata e sai. Simples assim.

Tinha que ser rápido. Se alguém me visse... Não. Não ia pensar nisso agora. Respirei fundo e cruzei a rua com passos leves, como uma sombra, ignorando o barulho das folhas secas sob meus pés.

Chegar até Luna foi fácil; ela nem percebeu minha aproximação. Agachei-me ao lado dela e, com a voz mais suave que consegui, murmurei:

— Oi bolinha de neve, Vamos dar um passeio, ok?

Luna era tão leve que parecia um travesseiro nas minhas mãos.

— Você não faz ideia do que estou salvando você, pequena.

Quando me virei para sair, ouvi um barulho vindo da casa. Uma luz se acendeu na cozinha, iluminando parte do quintal. Congelei no lugar, meu coração batendo tão forte que parecia ecoar no silêncio.

— Merda. — apertei Luna contra o peito, tentando me misturar à sombra do arbusto.

A silhueta de alguém apareceu na janela. Não precisei olhar duas vezes para saber quem era: Josh. Ele parecia estar mexendo no celular, o rosto sério como sempre. Por um segundo, achei que ele tinha me visto, mas, em seguida, ele saiu de perto da janela, apagando a luz.

Suspirei aliviada e, com passos rápidos, atravessei de volta para o outro lado da rua. Luna estava tranquila, como se aquele momento não fosse nada demais.

— Você realmente tem nervos de aço, hein? — murmurei, enquanto seguia em direção ao meu destino: a velha casa abandonada.

A casa era como eu lembrava: uma relíquia esquecida no tempo, com janelas quebradas e paredes descascando. A porta rangeu quando a empurrei, e o cheiro de poeira e madeira velha invadiu minhas narinas. Não era o melhor lugar do mundo, mas era seguro.

Coloquei Luna no chão em um quarto fechado da casa e ela imediatamente começou a explorar o ambiente. Observei enquanto ela farejava um canto, depois outro, antes de se acomodar em um pedaço de cobertor que eu havia trazido.

— Não é um hotel cinco estrelas, mas vai servir por enquanto. — Enchi duas tigelas, uma com água e outra com ração, e as coloquei ao lado dela.

Sentei-me no chão, observando-a comer, e senti um peso estranho no peito. Era como se, por um momento, eu estivesse fazendo algo certo — algo que fazia sentido.

— Só espero que ninguém descubra isso. Especialmente não o idiota do seu dono.

Fiquei mais alguns minutos ali, ajeitando o espaço e garantindo que ela estivesse confortável. Quando me levantei para ir embora, murmurei:

— Eu volto amanhã. Fique bem, Luna.

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