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Amaldiçoada - Parte Três

Riacho

...AVISO...

Esse livro é continuação de escolhida por eles e fêmea, não é obrigatório ler os outros livros se não quiser, e se quiser maior parte do assunto abordado nesse livro é continuação principal do segundo livro, o que também de qualquer forma não faz tanta diferença.

: Cenas explícitas de sexo e violência. Isso é um romance maduro, puxado para um pouco do dark, apenas. Se é um lobisomen é claro que a relação sexual é bem mais primal, então não esperem misericórdia na hora do sexo. É o que tem que ser e se não gosta, tudo bem.

 : CASAL :

Sabrina

18 anos

Filha de Lumina

lobisomen/bruxa

***

Atlas

25 anos

Um dos filhos de Bea, decidiu se afastar da alcatéia e viver sua vida livremente após alguns desentendimentos com as pessoas de lá.

Alfa puro sangue. ( O que toma a força física e aparência de um lycantropo, um lobo gigante que anda sobre duas patas ou quatro. Quase como a forma de um lobisomen, mas muito mais animalesco e primal.) o único dos seus irmãos com essa aparência.

SABRINA

Vivo e sobrevivo da minha forma, tentando não morrer de fome, mas tudo que consigo fazer é respirar, pois já estou morta por dentro. Mamãe passou meus oito anos de vida falando quão horríveis era os meus olhos, quão horrível era a marca contagiosa que possuo em meu braço, que me foi passada por ela em meu nascimento.

Fui maltratada a vida que estive com ela, mas eu a amava como a criança boba que eu era, mesmo enquanto ela gritava que eu era apenas o fruto de um estupro, e que o homem que ela queria de verdade não foi o que a usou. E que pela desgraça de sorte que ela possuía eu puxei todos os traços do homem que a tocou contra a vontade.

Ela deixou escrito com seu próprio sangue que se eu ficasse próxima de outra pessoa eu passaria aquela marca para ela também, que meu castigo era ficar presa naquela cabana pra sempre, sozinha e amaldiçoada.

— Essa coisa arde as vezes... — falo, olhando pra marca preta que está ficando inchada graças há mais um surto de dor que tive esses dias, minha pele ainda está se recuperando.

Bom, a cada dois dias preciso sair de casa para procurar por ervas, vegetais e frutas, e para minha tristeza esse é mais um dia. Infelizmente, o solo perto da cabana não é tão fértil, então preciso andar um pouco até chegar onde já estão plantadas e prontas para me dar colheita, apesar que uso alguns feitiços básicos para acelerar o processo de produção.

Enquanto acompanho o riacho vejo do outro lado algo incomum. Um homem, muito bonito, aparentemente. Ele quebra alguns troncos com um machado, está sem camisa e seu cabelo longo está preso para trás, apenas para não atrapalhar os movimentos que ele precisa executar.

Por longos minutos eu o observo com admiração, afinal, é a primeira vez que vejo alguém do sexo oposto. Eu gostaria de ver como seu corpo é diferente do meu, desseca-lo e verificar parte por parte do seu corpo até me ver por satisfeita, mas também tenho medo do desconhecido.

— Droga... — resmungo baixinho, quando o vento frio do norte bate em minhas costas, bagunçando meu cabelo e me fazendo quase espirrar.

Falei baixo, mas sua atenção foi atraída, ele me encarou nos olhos, olhos tão amarelos quanto ouro, preenchidos por uma cor da cor do sol. Me escondo atrás da árvore com o coração quase saindo pela boca, minhas bochechas queimando e minhas pernas tremendo enquanto coloco minha cabeça para fora detrás da árvore e sou preenchida pela decepção quando ele não está mais lá.

Eu nunca atravessei pro outro lado do riacho, e a curiosidade quando vejo coisas novas só me faz ficar ainda mais ansiosa, mas essa marca em meu braço não me permite, possivelmente eu estou condenada o suficiente para colocar meus pés do outro lado e morrer de vez.

Prefiro sobreviver por mais um pouco de tempo do que adiantar minha morte.

Me afasto daquele local calmamente, olhando para trás algumas vezes, tentando achá-lo, mas ele realmente se foi há um tempo.

Ajeito a capa em minha cabeça enquanto olho para cima, para uma pequena montanha de pedra qual tenho que escalar antes de chegar ao meu lindo jardim cheio de frutinhas, ervas e coisinhas do tipo.

" Sabrina "

Uma pequena criatura com asas e brilhosa aparece, ela me chama e sorri, fazendo barulhinhos fofos algumas vezes, como um pequeno sininho.

— Olá, Mel. — agarro na primeira pedra que vejo me empurrando para cima pra agarrar a próxima e tirar meus pés do chão.

Odeio escalar essas pedras dos infernos!

— Está tudo bem? Você parece meio desanimada.

" Mamãe está brava comigo... Ela disse que não posso namorar com Diaval "

— Poxa, por que ? Eu não entendo nada de relacionamentos, mas ele parece ser um cara legal.

" Ela disse que ele não é o cara certo pra mim. Que preciso de um homem forte, com boas condições, mas não quero boas condições, isso eu já tenho! Eu quero o homem que amo poxa. "

— Não sei nem o que falar, eu nunca... Nunca cheguei tão perto de outra pessoa como eu além da minha mãe. Tudo que sei é que nenhum lugar me pertence e que preciso morrer nessa floresta, escondida do mundo e de todas as coisas diferentes que tem aqui.

" Isso é triste Sabrina, não deveria ouvi-la, não depois de tudo que ela fez para você."

— Eu sei, mas... Sinto que no fundo ela está realmente certa, preciso ficar aqui, sobreviver e viver da melhor maneira que puder. Meu sangue parece ferver em minhas veias quando penso em ir para fora, quando desejo ver o que tem alem daquele rio. Acho que é um mal sinal.

" Bom, eu acho que você só está nervosa por nunca ter ido lá fora. " Ela ri baixinho enquanto me ver finalmente escalar e ir direto na pequena plantação de legumes e verduras próximo daquele lugar.

As nuvens começam a se fechar assim que começo a coletar as coisas, uma ventania assustadora passando por nós, suspirei, um suspiro frio, e meu corpo tremendo junto.

" Preciso ir, Sabrina! " a fada diz desesperada olhando para cima, gotas grossas começando a cair. Se molhassem sua asa ela estaria perdida.

— Tudo bem, vá antes que chova. — falei pegando tudo rapidamente e voltando para casa.

***

A tempestade parecia querer arrancar o telhado da cabana. A cada trovão, eu me encolhia mais no canto da cama, com as mãos apertando a manta grossa que já não aquecia tanto. As velas tremeluziam, lançando sombras dançantes pelas paredes de madeira, e o som incessante da chuva batendo no telhado se misturava ao ranger das árvores lá fora, como se a floresta inteira estivesse viva, assistindo minha solidão.

Me forcei a ignorar o frio e a ansiedade que crescia no peito. Tempestades sempre me deixaram nervosa, mas naquela noite havia algo diferente no ar. Um peso. Um cheiro metálico que o vento trouxe com força quando abri a janela para espiar a noite.

Mas foi aí que eu o vi.

Um vulto escuro, enorme, caído bem diante da minha porta. Meus olhos demoraram alguns segundos para entender a imagem que se formava na chuva: um lobo. Mas não qualquer lobo.

A criatura era colossal, maior do que qualquer besta que já havia ousado se aproximar daquela parte da floresta. Seu pelo era negro como breu, reluzindo molhado sob os poucos relâmpagos que iluminavam o céu. E mesmo ferido, caído ali, eu podia sentir a imponência que emanava dele. Um alfa. Eu não tinha dúvidas.

Meu coração disparou, e por um breve momento, achei que pararia. Não sabia se era medo... ou fascínio.

— Droga... — sussurrei para mim mesma, observando o sangue que se misturava à lama ao redor dele.

Um rasgo largo atravessava a lateral de sua garganta, mas não era profundo o suficiente para matá-lo de imediato. Sua pata dianteira estava virada de um jeito estranho, como se tivesse sido quebrada ou dilacerada. Era fácil imaginar o cenário: emboscada. Outros lobos, provavelmente... rivais... ou pior, membros da própria alcatéia que haviam se voltado contra ele.

Olhei para minha marca, sentindo a ardência familiar subir pelo braço, como se tentasse me avisar do perigo que estava diante da porta.

— Eu não posso... — murmurei, recuando dois passos.

A última coisa que eu precisava era contato com outro ser vivo. A maldição poderia passar para ele. E pior... se alguém descobrisse que eu o toquei, poderia ser minha sentença final.

Mas... ele ia morrer ali, não ia?

Fechei os olhos, respirei fundo e deixei a lógica tentar me convencer a não agir. Eu devia apenas apagar as velas, me cobrir e deixar que a tempestade fizesse o que quisesse lá fora. Mas havia algo nele... alguma coisa que fez meu sangue borbulhar nas veias, como se fosse proibido deixá-lo ali.

Eu não sabia se era curiosidade... ou solidão.

Peguei a manta mais grossa que tinha, joguei por cima dos ombros e me aproximei devagar da porta, sentindo o coração socar minhas costelas.

Abri só um pouco, deixando a chuva chicotear meu rosto e embaraçar meu cabelo.

— Ei... — chamei, com a voz baixa, sem saber se ele poderia me ouvir em meio ao barulho ensurdecedor da tempestade.

Os olhos dourados dele se abriram devagar, duas fendas brilhantes no escuro, fixando-se em mim com uma intensidade que me fez dar um passo para trás.

Eu deveria fechar a porta.

Eu deveria deixá-lo morrer.

Mas ao invés disso, me ajoelhei na entrada, deixando a água gelada encharcar meu vestido, e estendi a mão, hesitante.

— Eu... eu posso ajudar... — falei, mais para mim mesma do que para ele, porque parte de mim queria acreditar que ainda havia alguma utilidade em mim. Que talvez, só talvez, eu não fosse feita apenas para morrer sozinha naquela cabana.

Ele não rosnou.

Não atacou.

Não recuou.

Apenas me olhou, como se pudesse ver através de tudo o que eu era e, ainda assim, permitisse minha aproximação.

E foi nesse instante que percebi.

O lobo diante da minha porta era o mesmo homem que vi do outro lado do riacho.

Sem camisa.

Quebrando troncos com facilidade absurda.

E eu estava prestes a tocar nele.

A maldição queima em meu braço, pulsando junto com minha decisão, mas eu ignorei a dor, puxando o corpo pesado dele para dentro da cabana, sem me importar mais com as consequências.

Se fosse para morrer... pelo menos não morreria sozinha.

Não sei como consegui arrastá-lo para dentro. Minhas pernas tremiam, meus braços ardiam, e a marca no meu braço pulsava como se estivesse prestes a explodir. Cada toque no pelo encharcado dele fazia meu estômago revirar, não de nojo, mas de medo. Medo de que a maldição saltasse da minha pele para ele.

Fechei a porta com o pé e prendi a respiração. O lobo ocupava quase metade do espaço da cabana. Sua forma era tão descomunal que o colchão estreito no canto jamais comportaria aquele corpo colossal, e por isso só me restou forrar o chão com mantas velhas e peles gastas que guardava para o inverno.

— Isso... vai ter que servir... — murmurei, empurrando um dos cobertores por cima dele, embora a ideia de um alfa desses sentir frio fosse quase engraçada.

Joguei mais lenha na fogueira até ela crepitar forte, tentando afastar a umidade que a tempestade empurrava pelas frestas da madeira.

Ajoelhei ao lado dele com o kit de primeiros socorros que eu mesma montei ao longo dos anos — ervas secas, algumas pastas, bandagens feitas à mão. A garganta dele tinha um rasgo feio, não profundo o suficiente para matá-lo de imediato, mas largo demais para cicatrizar sozinho, ainda mais em plena tempestade e no meio de um exílio.

— Bom... — sussurrei, limpando o sangue ao redor do ferimento com um pano úmido e quente.

Os olhos dourados dele me acompanhavam em cada movimento. Ele não rosnava, não tentava me afastar, mas a desconfiança estava ali. Firme. Brilhando como brasas no escuro.

"Bom, eu também teria... faria de tudo por um casaco de pelos desse", pensei, com ironia, mordendo o canto da boca para não soltar uma risada nervosa.

Passei a pasta cicatrizante com cuidado, sentindo a pele quente sob meus dedos. Havia algo estranho na energia dele... algo que fazia minha própria maldição estremecer, como se reconhecesse que aquilo ali, aquele lobo, não era qualquer criatura. Era puro sangue.

Ele respirou fundo, o focinho tremendo. Por um segundo achei que ele fosse se transformar, talvez revidar meu toque, mas ele apenas fechou os olhos e deixou que eu terminasse.

— Não vou te machucar... — falei baixo, quase como se falasse para mim mesma.

Limpei a pata dianteira, onde o osso parecia desalinhado. Fiz o melhor que pude para imobilizar com tiras e ervas, mas não sou curandeira. Eu só... sobrevivo. E ajudo quando não consigo ignorar.

Depois de mais alguns minutos cuidando dos ferimentos, puxei outro cobertor e cobri o resto do corpo dele, mesmo que fosse inútil. Acho que, no fundo, era só uma desculpa para não parar de olhar.

Ele era lindo até mesmo naquela forma animalesca. Forte, selvagem, com pelos tão negros quanto a noite sem lua, e cicatrizes antigas que cruzavam a lateral do corpo, provas de batalhas que eu jamais entenderia.

Sentei perto da fogueira, abraçando as pernas e encostando o queixo nos joelhos, observando o fogo estalar e o vapor subir da pelagem dele conforme a água evaporava devagar.

Eu devia estar apavorada. E, em partes, estava.

Mas também havia uma paz estranha em ter outro ser vivo ali.

Em não ser só eu e os ecos dos gritos da minha mãe dentro da cabeça.

— Só por hoje... — sussurrei, fechando os olhos. — Amanhã você vai embora.

A marca no meu braço ardeu como se risse de mim.

Porque, no fundo, eu já sabia.

Nada na minha vida acontecia "só por hoje".

Amanhecer

A tempestade continuava a rugir lá fora, como se o céu estivesse brigando consigo mesmo, e cada trovão parecia vibrar dentro das paredes frágeis da cabana. Eu quase podia jurar que a cada relâmpago, a marca no meu braço brilhava por um segundo, pulsando junto ao fogo.

Não fazia sentido.

Nada disso fazia sentido.

Ele estava aqui. Um lobo gigantesco, mais criatura mítica do que animal, caído no chão da minha cabana como se o destino tivesse decidido me jogar mais um peso que eu não pedi.

E a marca...

A marca queimava como brasa sob a pele.

Passei os dedos por cima dela, tentando aliviar o ardor inútil. Era quase como se reagisse a ele. A presença dele. Mas por quê?

Ele não disse nada. Nenhum som além da respiração pesada e lenta, o peito subindo e descendo como se lutasse para não apagar de vez.

"Talvez seja só medo", pensei, tentando me convencer. "Ou o frio."

Mas não era.

Era ele.

Era *sobre* ele.

Ainda assim, eu não sabia quem era. Não fazia ideia de que nome carregava, ou se vinha de alguma alcateia, ou se tinha matado alguém no caminho até aqui. Eu não sabia que minha mãe talvez soubesse quem ele era, ou que em algum canto do passado deles houvesse histórias sangrentas, segredos e nomes que deveriam significar algo pra mim.

Mas pra mim... nada.

Só um lobo ferido na minha cabana e uma marca que queimava sem motivo.

Suspirei, ajeitando mais lenha no fogo, porque a madrugada prometia ser longa, e porque ele parecia precisar do calor. Eu também.

— Não planejei nada disso, viu? — falei em voz baixa, como se ele pudesse responder, mesmo inconsciente. — Juro que prefiro quando minha vida se resume a fugir da fome e cuidar das minhas plantinhas.

Os olhos dele se abriram.

Dourados. Brilhantes como lâminas sob o sol.

Eu congelei com o pano ainda na mão, a respiração travando na garganta. Ele não se mexeu. Não rosnou. Não atacou. Só... olhou.

Olhou como se pudesse me despir inteira, atravessar a pele, os ossos, e enxergar as coisas que nem eu mesma gosto de ver.

— Relaxa... — sussurrei, engolindo em seco. — Não vou roubar seu casaco, prometo.

"Embora, sinceramente... faria de tudo por um casaco de pelos desse", pensei, mordo a língua para não soltar a piada em voz alta.

A tensão entre nós era densa, pesada como a neblina fria que escorria pelas frestas da porta.

Ele piscou devagar, e eu não sabia se aquilo era um sinal de que confiava em mim... ou se só estava cansado demais para morder minha cara.

Voltei a limpar a última ferida, sentindo os músculos dele se contraírem sob o toque, tensos, prontos para reagir. Mas não reagiu.

Era como cuidar de uma fera selvagem prestes a decidir se deixava você viver ou não.

E, por alguma razão que eu não podia explicar, não sentia medo.

Cansaço, sim. Alívio estranho por não estar sozinha na tempestade, talvez. Mas medo... não.

Quando terminei, ajeitei os cobertores ao redor dele e voltei para meu canto, a poucos passos da fogueira, observando.

Ele também não dormiu.

Ficamos ali, os dois, calados.

Ele vigiando. Eu vigiando.

Como se fosse um acordo silencioso.

Talvez, no fundo, ambos soubéssemos que naquela noite chuvosa, com o cheiro de terra molhada e sangue no ar, alguma coisa havia mudado.

Só não sabia o quê.

Ainda.

***

O fogo já tinha baixado quando acordei.

O cheiro da lenha quase apagada e da terra molhada ainda dominava a cabana. Por um segundo, demorei a entender onde estava. Pisquei devagar, sentindo a ardência habitual da marca no braço, um formigamento incômodo que me fez apertar os dedos ao redor dela.

Só então me dei conta.

Eu dormi.

Eu *dormi*.

Na mesma noite em que um lobo gigantesco, selvagem e desconhecido apareceu sangrando na porta da minha casa, eu simplesmente... adormeci.

Que tipo de loucura era essa?

O silêncio era absoluto.

Só o som da chuva fina pingando no telhado, agora reduzida a pequenos estalos espaçados. O amanhecer forçava um tom cinza e frio pela única janela, e quando virei o rosto devagar, lá estava ele.

Ainda ali.

Deitado exatamente onde o deixei, sobre as mantas improvisadas no chão, perto da lareira que quase se apagou durante a madrugada.

Respirava.

Pouco, mas respirava.

Eu fiquei observando em silêncio.

Não sabia por quanto tempo, só... fiquei. Assistindo ao subir e descer lento do tórax enorme dele. A pelagem bagunçada, suja de sangue seco. O corte na garganta estava mais fechado, as ataduras firmes, mas a marca dele... aquelas cicatrizes em volta, os arranhões, tudo parecia ter sido deixado por outra criatura tão grande quanto.

E, de novo, aquela sensação estranha queimando em mim.

A marca no braço latejou, como se reagisse ao simples fato de eu estar olhando pra ele.

— Quem diabos é você? — perguntei baixinho, sabendo que ele não responderia.

Ou será que responderia?

Me levantei com cuidado, o corpo dolorido da posição ruim em que adormeci, e fui até a janela. Não havia sinais de pegadas além das dele, o que indicava que, se foi atacado, conseguiu despistar os outros antes de cair aqui.

Ou talvez...

Talvez tenha vindo direto.

Para *mim*.

Engoli em seco com esse pensamento absurdo.

— Paranoia... só paranoia — sussurrei pra mim mesma.

Quando voltei pra perto dele, peguei o balde de água fresca que sempre deixo ao lado da porta e um pano limpo. Limpei com calma o rosto dele, desviando o olhar quando percebi que os olhos dourados estavam abertos de novo.

Apenas me assistindo.

Sem um som.

Sem um gesto.

Só... me observando, como se cada movimento meu fosse ser julgado.

Eu estava tão acostumada ao silêncio da floresta, ao isolamento forçado, que a presença dele parecia engolir todo o espaço.

Mesmo sem falar.

Mesmo sem se mexer.

— Preciso trocar as ataduras antes que infeccione. Vai deixar? — questionei, sem esperar uma resposta real, mas na esperança de não levar uma mordida como pagamento.

Os olhos dele piscaram devagar outra vez.

Interpretei como um "sim".

Ou um "não me importo".

Ou talvez um "tente e descubra".

Aproximei-me, cuidadosa, sentindo o cheiro forte de mato, chuva e sangue vindo dele. Fiz meu trabalho em silêncio, e, por mais estranho que fosse admitir, não me senti tão sozinha naquela manhã fria.

Depois de tudo, ele estava ali.

E eu ainda respirava.

A marca ainda queimava.

Vou atrás de água morna e depois volto novamente para a sala.

Me ajoelho ao lado dele de novo, sentindo as juntas estalarem discretamente. A água morna no pano escorre entre meus dedos enquanto torço com calma, e antes de encostar na pele dele, levanto o olhar, encontrando aqueles olhos dourados e atentos, ainda me estudando como se eu fosse uma ameaça pior do que a própria morte.

O peito sobe e desce devagar, pesado.

Ele podia me partir ao meio com uma patada, se quisesse.

— Se me morder, te faço de casaco — murmuro, com a voz baixa, quase rouca, passando o pano limpo na lateral do pescoço dele, onde o corte foi mais fundo, somente pra limpar as impurezas.

Os olhos estreitam um pouco.

Será que entendeu?

Não importa.

A verdade é que estou tremendo por dentro. Não é medo... exatamente. É outra coisa. Um tipo estranho de ansiedade que queima sob a pele, junto com a marca no meu braço que voltou a arder como brasa.

Limpo o sangue seco, troco a atadura com cuidado, tentando ignorar o fato de que nunca toquei em nada tão grande, tão quente e... vivo.

A tensão não some.

Ela só cresce, espessa como a névoa que se forma do lado de fora com o fim da tempestade.

Ele não desvia o olhar.

Nem eu.

O silêncio entre nós é tão afiado que corta.

— Pronto — aviso, mesmo sabendo que ele não precisa de nenhum aviso. Retiro as mãos devagar, como se afastar fosse o ato mais sensato que eu poderia ter.

Mas não me afasto.

Fico ali, observando a respiração dele, conferindo se não vai desmaiar de novo ou simplesmente decidir que estou perto demais.

— Não faço ideia de quem você é... — confesso em voz baixa, puxando a manta para cobri-lo mais um pouco. — Mas se veio até aqui, azar o seu. Não tenho muita coisa além de chá ruim e uma cama pequena demais pra você.

Penso em rir da própria piada, mas engulo.

Não parece o momento.

Além disso, não sei por que estou falando tanto.

Talvez porque, pela primeira vez em anos, tenha alguém pra ouvir.

Mesmo que seja um lobo prestes a morrer ou me arrancar a garganta.

Volto a sentar perto da lareira e atiço as brasas com a ponta da vara, trazendo de volta um pouco de calor pro ambiente. E então fico ali, no amanhecer pálido, com a marca queimando, a pele arrepiada e a sensação incômoda de que...

Isso está só começando

O Sonho

Acordo em um solavanco, meu coração martelando no peito como se tivesse acabado de despertar de um pesadelo. Um barulho estridente ecoa pelo interior da cabana, algo se arrastando contra a madeira do chão, misturado a um ruído grotesco de algo úmido sendo dilacerado. O cheiro de sangue inunda o ar, denso, metálico, enjoativo.

Minhas pálpebras se abrem devagar, ainda pesadas pela exaustão da noite anterior. Demoro um instante para processar a cena diante de mim. O lobo... aquele lobo enorme que estava ferido e deveria estar deitado, está agora de pé, sua presença dominando o pequeno espaço da cabana. Seu pelo escuro está eriçado, os olhos brilhando com um tom amarelado intenso.

E a meu lado, sobre o chão de madeira, há um javali.

Um javali sem cabeça.

Meus olhos se arregalam quando percebo que o sangue fresco ainda escorre, formando um pequeno lago vermelho abaixo do corpo retorcido. A cena me enjoa, uma onda de repulsa subindo pela minha garganta. O cheiro da morte toma conta do lugar, tornando o ar pesado e difícil de respirar.

— O que você está fazendo?! — Minha voz sai em um grito estrangulado, um misto de raiva e horror.

O lobo apenas vira a cabeça para o lado, confuso, como se não entendesse o motivo da minha reação. Sua boca está limpa, mas os dentes afiados, visíveis por trás dos lábios escuros, denunciam o que ele fez.

Engoliu a cabeça inteira?

Meu estômago se revira ao considerar essa possibilidade. Nenhum animal normal teria uma mordida tão grande. Nenhum lobo que eu conheça teria esse tipo de força.

Eu me afasto, sem me importar com o sangue que agora mancha os meus pés descalços. Meu corpo treme, não só pelo choque, mas pelo calor crescente da marca negra em meu braço. Ela pulsa como se reagisse a algo, mas eu não sei o quê.

— Tire isso daqui! — exijo, apontando para o corpo mutilado.

O lobo não hesita. Com um movimento ágil, ele segura o javali com os dentes e o arrasta para fora, deixando um rastro de sangue pelo caminho.

Eu observo enquanto ele leva a presa para o lado de fora. A cena deveria me assustar mais do que me enfurecer, mas, de alguma forma, estou mais irritada do que com medo.

— Fala sério! — grunho para mim mesma.

Pego um balde de madeira no canto da cabana e saio para buscar água no riacho. Preciso limpar essa bagunça antes que o cheiro impregnado na madeira me deixe doente.

A manhã ainda está fria, o céu encoberto por nuvens cinzentas da tempestade que passou. O solo está molhado, e a grama úmida faz com que meus pés fiquem gelados. Caminho com pressa até a água, ignorando a ardência persistente da marca em meu braço.

Depois de encher o balde, volto para casa e começo a esfregar o chão, tentando ignorar a presença do lobo que agora está sentado do lado de fora, observando-me em silêncio.

Ele não parece ter intenção de ir embora.

Isso me incomoda.

Assim que termino de limpar o chão, cruzo os braços e encaro a fera que ainda está ali, imóvel, como se estivesse me esperando.

— Você já está melhor, vá embora. Não tenho nada para nós dois, e essa carne não vai durar para sempre.

Ele continua me observando, os olhos dourados penetrando os meus como se pudessem enxergar além da superfície. Em seguida, empurra o corpo do javali em minha direção, como se estivesse me oferecendo.

Eu reviro os olhos.

— Eu não preciso disso. — Meu tom é firme, impaciente.

Ele continua me encarando, sem se mover.

A tensão no ar se torna quase palpável. Eu não sei o que fazer com essa criatura. Ele não é um lobo comum, isso é óbvio. Mas o que exatamente ele é? E por que eu sinto essa inquietação dentro de mim sempre que o olho?

A marca no meu braço pulsa novamente, uma pontada de dor ardendo na pele.

Respiro fundo, massageando a têmpora com os dedos.

— Faça o que quiser. Mas não entre na minha casa de novo com um cadáver.

Viro-me e entro na cabana, fechando a porta atrás de mim. Meu corpo inteiro está tenso, e a sensação de que algo está prestes a mudar me incomoda mais do que o cheiro de sangue que ainda paira no ar.

Me jogo sobre a cama e fecho os olhos, tentando ignorar a presença silenciosa do lobo do lado de fora. Mas, no fundo, sei que ele ainda está lá. E que, de alguma forma inexplicável, isso muda tudo. Tudo que tentei evitar.

Rapidamente caio em um cochilo, acordei no susto, precisava repor as forças do meu coração para caso aconteça mais um susto. Mas um sonho escuro, profundo, sensual e quente me toma e eu não consigo acordar.

Não quero.

" Sabrina... preciso de você... "

" Você é a única que acalma meu corpo"

" A única que acalma esse calor indescritível desde o momento que te vi "

" Mas se me enterro em você sou um monstro, e você vai quebrar tão fácil como uma pequena boneca de porcelana, o que posso fazer? "

" O que posso fazer quando não me importo e ainda assim quero me enterrar em você. Será que sou egoísta ou loucamente obcecado pra te foder logo... Sabrina....

É um sussurro acompanhado de algo molhado em minha intimidade. Algo quente e molhado, algo que me tira suspiros indesejados no meio das falas estranhas e daquele calor que se acumula em meu ventre, queimando e descendo, latejando aquele lugar que nunca cogitei me tocar para algo além de me lavar, e que nem nesses momentos me causou isso.

Não sei o que significa, mas é o melhor sonho que já tive, parece tão real, tão caloroso, tão surreal.

Os movimentos que agora aquilo faz é diferente, mais intenso e meu corpo reage tão intenso quanto, sinto-me mexer, meus braços sendo presos, meu pescoço sendo apertado e o meu corpo inteiro tremendo. Uma sensação incrível me tomando.

Me sinto libertar de um peso sem tamanho. Abro os olhos preguiçosamente, um calor insuportável ao meu redor que nunca senti, o suor escorrendo pelo meu corpo e um rastro quente e molhado em minhas coxas.

O lobo não está aqui, e é melhor assim, ficaria com vergonha caso ele visse o que aconteceu com meu corpo, pois imagino que ele sentiria o cheiro em mim agora, porque até eu mesmo sinto, e parece que estou em um Cio.

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