Capítulo 1 - O Disfarce da Feiura
Desde que se entendia por gente, Lilith Ashford soube que o mundo não era gentil com aqueles que fugiam dos padrões. Seu reflexo no espelho nunca lhe pareceu algo ruim, mas a maneira como os outros a olhavam, sim. Seus cabelos possuíam um brilho prateado incomum, que reluziam sob qualquer luz, chamando atenção indesejada. Seus olhos, de um verde intenso e cortante, pareciam esmeraldas vivas—mas, ao invés de admiração, causavam estranheza.
Sua mãe, uma mulher vaidosa e obcecada com aparências, decidiu cedo que a filha jamais poderia ser vista daquela forma. “Você será um monstro aos olhos dos outros, Lilith,” ela dizia, enquanto colocava a primeira peruca sobre os cabelos reluzentes. “O que é raro é temido. O que não pode ser explicado é rejeitado.”
E assim, ao longo dos anos, Lilith passou a viver por trás de um disfarce cuidadosamente construído. Perucas pesadas cobriam seus fios prateados, lentes castanhas escondiam seu olhar vibrante e camadas de maquiagem criavam um rosto artificialmente apagado. Enquanto outras moças sonhavam em brilhar nos bailes e atrair pretendentes, Lilith se habituou a ser invisível.
O preço de sua proteção? Ser conhecida como a feia dos Ashford.
Ninguém ousava comentar em voz alta, mas os olhares diziam tudo. A filha mais nova da família Ashford, apesar de pertencer a uma linhagem respeitável, era considerada sem graça, sem atrativos, quase grotesca. Não importava que sua inteligência fosse afiada ou que seu coração fosse bondoso—nada disso tinha valor em uma sociedade que só enxergava a superfície.
Mas, em segredo, Lilith amava.
E seu coração pertencia a Raphael Devereux, o homem que jamais a olhara duas vezes.
O Visconde Devereux era tudo o que Lilith nunca poderia ter. Alto, imponente, dono de uma beleza fria e inacessível. Seus olhos cinzentos eram duros como aço, seu rosto esculpido como mármore. Ele caminhava pelo mundo como se estivesse acima de todos, e talvez estivesse mesmo. Seu nome carregava prestígio, sua fortuna era imensa, e sua presença fazia qualquer salão se silenciar.
Ela o via de longe, nos bailes da alta sociedade. O observava nas ruas, montado em seu cavalo negro, tão majestoso quanto um rei. Quando ele falava, sua voz era grave e firme, e Lilith imaginava como seria se aquelas palavras fossem dirigidas a ela.
Mas Raphael nunca a notou.
E talvez fosse melhor assim. Afinal, mesmo que por algum milagre ele a enxergasse, não veria a mulher real por trás do disfarce. Apenas a feia que todos acreditavam que ela era.
O que Lilith não poderia prever era que, em breve, seu destino se entrelaçaria ao dele de uma maneira que nenhum dos dois poderia evitar.
Seu pai, um comerciante dono de banco próspero, viu sua fortuna ruir como um castelo de cartas ao vento. Dívidas se acumularam, credores bateram à porta, e a única saída que lhe restava era vender sua filha em um casamento vantajoso.
E foi assim que, sem qualquer aviso, Lilith viu sua vida mudar drasticamente.
Um contrato foi assinado. Seu nome foi colocado ao lado de um homem que jamais a quis.
Ela estava prometida ao Visconde Raphael Devereux.
Capítulo 2 - O Visconde Arrogante
O nome Raphael Devereux era sinônimo de poder e mistério. Aos trinta anos, o visconde já havia conquistado respeito e temor na alta sociedade. Sua riqueza vinha de gerações de nobres comerciantes e banqueiros, mas não era apenas o dinheiro que o tornava temido—era sua frieza implacável, sua maneira de olhar para os outros como se fossem meros peões em seu jogo de xadrez.
Alto, de ombros largos e postura sempre impecável, Raphael era um homem de presença avassaladora. Seus olhos cinzentos, cortantes como navalhas, pareciam enxergar além das máscaras sociais. Não havia espaço para ilusões ou sentimentalismos em sua vida. Para ele, os casamentos eram meras transações financeiras e alianças políticas, não um assunto do coração.
E era por isso que seu noivado com Lady Eleanor Huntington, uma jovem aristocrata de linhagem impecável, era considerado um acerto perfeito. Eleanor era bela, refinada e, mais importante, trazia consigo uma fortuna considerável. Embora o visconde não sentisse amor por ela, tampouco se preocupava com isso. Ela servia ao propósito de fortalecer sua posição social, e isso era o suficiente.
Naquela tarde, Raphael estava em sua propriedade rural, um vasto domínio cercado por colinas verdejantes e estábulos luxuosos. Ele montava seu cavalo negro, relâmpago, galopando pelos campos enquanto o vento chicoteava seus cabelos escuros. O exercício ajudava a clarear sua mente e a se livrar do incômodo que sentia sempre que se encontrava com Eleanor.
A verdade era que, apesar de sua beleza, Eleanor era… entediante. Seu riso sempre calculado, suas palavras cuidadosamente escolhidas para não contrariá-lo, tudo nela era ensaiado demais. Onde estava a paixão? O fogo? A coragem? Raphael não se importava com amor, mas desejava pelo menos uma esposa que desafiasse sua mente, que tivesse uma centelha de vida própria.
Enquanto cavalgava, um de seus criados se aproximou apressado.
— Milorde, uma carta urgente chegou de Londres. É do seu advogado.
Raphael pegou o envelope e rasgou o lacre com um único movimento de suas mãos hábeis. Seus olhos percorreram as palavras rapidamente, e seu semblante se endureceu. O Banco Ashford está falindo.
Ele conhecia bem o nome Ashford. O banqueiro Henry Ashford era um homem respeitável, mas sua família não possuía títulos. Tinha apenas duas filhas, e a mais velha, Evangeline Ashford, era considerada uma das mulheres mais desejadas da temporada.
Raphael franziu o cenho. O que essa falência significava para ele? Nada. Mas então, ao virar a página, seus olhos se estreitaram.
"Lord Ashford busca um casamento para salvar a família. Ele fará qualquer acordo necessário para evitar a ruína completa."
O visconde riu baixo. Então o honrado Henry Ashford estava desesperado a ponto de vender uma de suas filhas para evitar o desastre?
Patético.
Mas então algo chamou sua atenção. Um adendo no rodapé da carta, escrito pelo advogado:
"Evangeline Ashford fugiu. Um casamento com a filha mais nova é a única alternativa."
Raphael bufou, dobrando o papel entre os dedos.
Ele conhecia vagamente a filha mais nova dos Ashford. Lilith. Nunca a vira de perto, mas os rumores não eram favoráveis. Ela não comparecia a bailes, raramente era vista em público, e sempre se dizia que possuía uma aparência… peculiar. Alguns sussurravam que era feia. Outros, que era estranha.
Seja como fosse, ele não tinha interesse em uma esposa que fosse um fardo social. Mas um pensamento lhe ocorreu.
Se os Ashford estavam dispostos a tudo para salvar sua fortuna, então ele poderia moldar esse casamento às suas próprias condições. Talvez, em vez de Eleanor, sua esposa devesse ser outra.
Com um sorriso calculista nos lábios, Raphael voltou a galopar, enquanto em sua mente, um novo jogo começava a ser traçado.
Capítulo 3 - O Destino Impiedoso
O salão da mansão Ashford, outrora repleto de brilho e elegância, agora parecia sufocado pelo peso do desespero. As tapeçarias ricas não conseguiam esconder o cheiro da ruína, e o silêncio dentro da casa era ensurdecedor.
Lilith Ashford estava sentada em uma poltrona de veludo desbotado, os dedos crispados no tecido do vestido simples que usava. Ela ouvira os cochichos dos criados, as conversas abafadas de seu pai com os advogados, e agora, a confirmação pairava sobre ela como uma sentença: os Ashford estavam falidos.
Ela olhou para seu pai, Henry Ashford, que andava de um lado para o outro com um olhar derrotado. Nunca o vira assim, tão envelhecido, tão vulnerável. A falência de seu banco não era apenas um golpe financeiro—era uma desonra que manchava toda a família. E para um homem orgulhoso como Henry, perder sua posição na sociedade era quase tão doloroso quanto perder a própria vida.
Mas o pior ainda estava por vir.
— Lilith — a voz dele soou firme, mas carregada de tensão. — Precisamos conversar.
Ela ergueu os olhos prateados, os mesmos que escondia do mundo com lentes castanhas. O coração acelerou em seu peito, um pressentimento sombrio se espalhando por sua pele.
— Sim, papai?
Ele parou diante dela, o rosto marcado pela preocupação.
— Você sabe que sua irmã… Evangeline… fugiu.
Lilith apertou os lábios. Como poderia não saber? Desde o amanhecer, os criados murmuravam sobre o desaparecimento da filha mais velha, a bela Evangeline, a joia da família. O choque de sua fuga, somado à tragédia de sua morte inesperada em um acidente de carruagem, pairava sobre a casa como um espectro.
— Sei — respondeu em um fio de voz.
Henry suspirou e pegou uma carta sobre a mesa, entregando-a a ela.
— Esta é a proposta do Visconde Devereux. Ele estava prestes a firmar um noivado com Eleanor Huntington, mas, ao saber de nossa situação, ofereceu um acordo. Ele concordou em casar com uma de minhas filhas para estabilizar nossa posição.
Lilith sentiu o estômago se revirar.
— Ele… queria Evangeline.
— Sim — Henry confirmou, desviando o olhar.
Ela apertou a carta entre os dedos, seu corpo inteiro tomado pelo frio do choque. Então Raphael Devereux não queria uma esposa, ele queria sua irmã.
E agora teria que se contentar com ela.
— Mas… e se ele não me aceitar? — perguntou, quase esperando que seu pai reconsiderasse.
Ele olhou para ela com um cansaço profundo.
— Ele já aceitou.
Lilith sentiu o chão desaparecer sob seus pés.
— O quê? Mas ele nem sequer me viu!
— Ele não se importa. Raphael Devereux não busca amor, apenas conveniência. Ele quer uma esposa, e nós precisamos dessa aliança.
Lilith sentiu uma risada amarga subir por sua garganta. É claro que um homem como ele não se importaria com quem estava se casando, desde que fosse útil para seus propósitos. O Visconde Arrogante não via mulheres como pessoas, apenas como peças em seu tabuleiro de poder.
Mas então, uma verdade cruel se instalou em sua mente: ela não tinha escolha.
Se recusasse, sua família mergulharia na miséria. Seu pai, que dedicara a vida inteira a construir um império financeiro, perderia tudo. Os criados, que dependiam deles, seriam despedidos.
Ela inspirou fundo, fechando os olhos por um instante.
Então, quando os abriu novamente, havia uma determinação fria ali.
Se Raphael Devereux queria uma esposa, ele teria uma. Mas não Evangeline.
Ele teria Lilith.
E ela não seria tão fácil de dobrar.
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