NovelToon NovelToon

Nocauteado por Ela

Capitulo 1

O relógio na parede marcava 18h42 quando Natália apagou o último foco de luz da cozinha. O silêncio era absoluto, exceto pelo tique-taque insistente do velho relógio de parede. A casa estava impecável — como sempre — e fria, não pela temperatura, mas pela ausência de vida. Era uma casa grande demais para um casal que mal se falava.

Felipe ainda não tinha voltado do trabalho, mas Natália já sabia como seria: ele entraria com o celular no ouvido, deixaria os sapatos no canto errado, soltaria um “oi” distraído e desapareceria no quarto ou no escritório. Às vezes, ela duvidava se ele sequer lembrava de como era sua voz.

Natália se olhou no reflexo da janela. Cabelos castanhos presos em um coque frouxo, uma camiseta larga e calça de moletom. Sem maquiagem, sem graça. Já fazia tempo que ela deixara de se arrumar. Qual o sentido, afinal? Felipe nunca notava. E quando notava, vinha acompanhado de um comentário como “vai sair?” ou “quem você quer impressionar?”.

Ela costumava ser vaidosa. Amava vestidos, batons vermelhos e seus saltos altos. Mas com o tempo, as críticas veladas, os olhares de desdém e os ciúmes descontrolados de Felipe foram abafando sua essência. Tornou-se o que ele dizia que era melhor: discreta, recatada, submissa.

Sentou-se no sofá e puxou uma manta sobre as pernas. Suspirou. O celular vibrou. Uma notificação de mensagem. Era Olivia.

"Adivinha quem pegou um voo surpresa para ver a melhor amiga do mundo? 💅🏼 Já tô no aeroporto. Me busca?"

Natália arregalou os olhos. O coração acelerou. Olivia. A amiga de infância, a confidente, a explosiva e destemida mulher que sempre disse tudo o que pensava — especialmente sobre Felipe.

Ela leu a mensagem mais uma vez. Embaixo, uma selfie de Olivia com o clássico biquinho e óculos escuros enormes, dentro do avião. Natália riu pela primeira vez em dias.

"Você é louca!" respondeu.

"E você precisa de uma sacudida, Nat. Tô indo te salvar. Me busca, por favor. 🙏🏼"

O coração de Natália bateu mais forte. Levantou-se num pulo, correu para o quarto e pegou a chave do carro. Ela ainda estava em choque, mas feliz. Pela primeira vez em meses, sentiu que algo poderia mudar.

---

O trajeto até o aeroporto foi feito no automático. Ao avistar Olivia, Natália estacionou apressada e desceu do carro. As duas se abraçaram como se estivessem se reencontrando após anos, e não apenas meses.

— Meu Deus, você tá tão... apagada — disse Olivia, segurando o rosto da amiga com as duas mãos.

— Tô vivendo, amiga.

— Isso não é viver, é sobreviver. Mas calma. A Olivia chegou. Vai ter reviravolta nesse roteiro aí.

Dentro do carro, Olivia começou a disparar perguntas, como sempre.

— E o Felipe? Continua o mesmo?

— Igualzinho. Arrogante, distante... E ainda me trata como se fosse propriedade dele. Mas o pior é que, às vezes, eu me pergunto se não sou mesmo.

— Cala a boca, Natália. Você não é coisa nem de ninguém. Você é mulher. Uma mulher incrível que ele apagou aos poucos, como se fosse um quadro bonito que ele pintou e depois enjoou de olhar.

Natália ficou em silêncio. As palavras de Olivia batiam como tapas. Necessários, mas dolorosos.

---

Ao chegarem em casa, Felipe já estava lá. Sentado no sofá, com o celular nas mãos e o olhar fixo na tela. Quando viu Olivia, ergueu as sobrancelhas.

— Olha só. A intrometida de volta.

— E você continua um babaca, pelo visto — respondeu Olivia, já entrando com a mala.

Felipe lançou um olhar reprovador para Natália.

— Você não me avisou que ela viria.

— Nem eu sabia — respondeu ela, encarando-o pela primeira vez em semanas.

Ele bufou e voltou para o celular.

Olivia cochichou no ouvido da amiga:

— Amanhã vamos mudar esse roteiro de drama pra romance de verdade. E você vai ser a protagonista. Prometo.

---

Naquela noite, Natália demorou a dormir. Olivia roncava do outro lado da cama como sempre fazia quando estavam juntas, mas Natália encarava o teto.

A visita inesperada da amiga era como um raio de luz atravessando sua zona de conforto sombria. Pela primeira vez em muito tempo, ela se perguntava: “e se...?”

E se ela não precisasse ser aquela versão apagada de si mesma? E se ainda houvesse tempo para reencontrar a mulher que um dia amou ser?

E se Felipe não fosse o fim da sua história... mas apenas o erro que precedia o renascimento?

A noite avançava lenta, e pela primeira vez em muito tempo, Natália adormeceu com um pequeno sorriso nos lábios.

A tempestade estava por vir — mas não era para destruí-la. Era para despertá-la.

Natália atualmente

Capitulo 2

O café da manhã estava servido, mas o silêncio à mesa pesava mais do que a porcelana dos pratos. Natália colocava frutas em seu prato com delicadeza, evitando o olhar de Felipe que, como de costume, rolava a tela do celular, indiferente.

Olivia, sentada à ponta da mesa, observava a cena como uma espectadora crítica de uma peça ruim.

— Você sempre foi tão gentil assim de manhã ou guarda o charme pro fim do dia? — ela perguntou com ironia.

Felipe ergueu os olhos com um sorriso que parecia mais uma arma do que gentileza.

— Eu sou do tipo que não desperdiça charme com quem não valoriza.

Natália baixou os olhos, mordendo a maçã com discrição. Estava acostumada àquelas alfinetadas — mas algo nela começava a se incomodar de verdade com o veneno por trás dos sorrisos de Felipe.

— E você, Olivia? — ele continuou, deslizando o olhar por ela descaradamente — Ainda solteira?

— Solteira, sim. Mas seletiva — respondeu ela, seca, cruzando as pernas lentamente. — Diferente de quem troca respeito por olhares disfarçados.

Felipe riu baixo, sem se incomodar.

— Eu só estou sendo educado.

— Ah, claro. O velho truque do “eu sou simpático com todo mundo” — rebateu Olivia. — Você chama de educação, eu chamo de teste de território. E você perdeu.

O clima na sala esquentou. Natália se levantou da mesa repentinamente, pegando a caneca.

— Eu vou levar o café pro quarto.

— Tá fugindo de quê, amor? — provocou Felipe.

— Do ridículo — respondeu Olivia por ela.

Natália parou, olhou para Felipe por um breve instante. Não era raiva. Era algo mais profundo: decepção. E talvez ele tenha percebido.

---

No quarto, ela sentou-se na beira da cama com a caneca nas mãos. A voz de Olivia ainda ecoava em sua mente. "Você chama de educação, eu chamo de teste de território." Quantas vezes Felipe havia feito isso? Flertado com atendentes, elogiado colegas de trabalho em alto e bom som, mas sempre sob o disfarce da “educação”?

Ela lembrava bem daquela festa no verão passado. A forma como ele passou minutos demais falando com a amiga da vizinha, o jeito como sorriu demais, a mão que “sem querer” tocava demais. Quando Natália comentou, ele a chamou de louca. “Você tá vendo coisa onde não tem.” Mas estava ali, agora mais claro do que nunca: ele testava o quanto podia humilhá-la sem que ela reagisse.

Ela respirou fundo, tentando ignorar o nó na garganta. A porta do quarto bateu devagar, e Olivia entrou, segurando o próprio café.

— Posso?

— Claro.

A amiga sentou-se ao lado dela. Ficaram em silêncio por alguns instantes.

— Você tá começando a ver, né? — perguntou Olivia com ternura.

Natália assentiu.

— E dói.

— Vai doer. Mas depois, vai ser libertador.

---

Mais tarde, Felipe saiu sozinho. Disse que tinha um “compromisso”, sem dar detalhes. Olivia deu uma risada irônica assim que ele cruzou a porta.

— Aposto que o compromisso tem pernas longas e roupa justa.

Natália não respondeu. Só foi para o banheiro e tomou um banho longo. Quando saiu, decidiu fazer algo diferente: vestiu uma lingerie que não usava há meses. Era preta, rendada, discreta, mas insinuante. Por cima, jogou um robe de cetim vinho.

Ao passar pelo espelho, se viu com outros olhos. Havia algo ali… algo que Olivia sempre tentava reacender: a mulher que ela foi, antes de ser diminuída.

Quando Felipe chegou em casa, já passava das oito. Estava com cheiro de bebida e perfume feminino. Não disse uma palavra, apenas a observou parada na cozinha, inclinada sobre o balcão enquanto mexia o chá.

O robe escorregava um pouco pelo ombro, revelando a alça da lingerie.

— Tá se arrumando agora?

Ela se virou devagar, como se tivesse esperado por ele.

— Não. Tô me reencontrando.

Ele se aproximou com um olhar misto de desejo e surpresa.

— Pra quem?

— Pra mim.

Felipe tentou tocá-la, deslizando a mão pela cintura. Ela permitiu, por um segundo. A pele arrepiou com o contato. Seus olhos se prenderam por breves segundos, e ele a beijou.

O beijo foi intenso, como nos velhos tempos. As mãos dele exploraram seu corpo com sede. Ela sentiu a tensão acumulada sendo liberada em ondas quentes. Ele a encostou na bancada, sussurrando coisas no ouvido, tentando tomar posse novamente do que pensava ser dele.

Mas Natália interrompeu. Afastou o rosto.

— Isso aqui… não é reconciliação. É carência. Eu não sou mais seu refúgio quando o mundo não te aplaude.

Felipe a olhou confuso. Natália ajeitou o robe, passou por ele e subiu as escadas com dignidade.

No corredor, cruzou com Olivia, que estava escutando música com os fones. Ela sorriu, como se soubesse.

Natália parou, voltou, e disse em voz baixa:

— Vamos pro Brasil. Eu preciso respirar longe dele.

Olivia assentiu com os olhos brilhando.

— Tá pronta?

Natália respirou fundo.

— Agora estou.

Capitulo 3

O sol mal surgia no horizonte quando Natália acordou com uma sensação diferente. Um incômodo bom, como se o coração estivesse cutucando a alma, dizendo: “Vai. Se mexe. Você não é isso que deixou te transformarem.”

Ela se levantou com cuidado para não acordar Olivia, que dormia profundamente com um travesseiro abraçado entre as pernas. No espelho do banheiro, viu-se de rosto limpo, olheiras fundas e expressão cansada — mas pela primeira vez em muito tempo, não virou o rosto com vergonha. Ali estava a mulher que aguentou calada, que chorou escondido, que se anulou. Mas também a mulher que agora estava acordando para si mesma.

Abriu a gaveta onde guardava algumas maquiagens esquecidas. Pegou um batom vermelho escuro — presente de Olivia, ainda com etiqueta — e passou nos lábios. O contraste com sua pele parda era provocante. Depois soltou os cabelos, que caíram com volume pelos ombros. Não se lembrava da última vez que os deixara soltos pela casa.

Quando Olivia acordou, encontrou a amiga sentada à mesa, tomando café com uma leve maquiagem, vestindo uma blusa colada e uma calça jeans que moldava o corpo perfeito que por tanto tempo foi escondido sob moletom.

— Que visão é essa, meu Deus? — Olivia disse, com um sorrisinho de admiração.

— Eu só cansei de me esconder. — Natália respondeu com simplicidade.

— Isso não é só sair da toca, Nat... Isso é renascer. E tá maravilhosa, aliás.

Natália riu, envergonhada, mas satisfeita. Aquela manhã foi diferente. O café teve gosto de liberdade. A cozinha, antes fria e silenciosa, agora era preenchida por conversas leves e sinceras entre duas mulheres que sabiam exatamente o valor uma da outra.

---

Mais tarde, Felipe entrou na sala enquanto Olivia fazia uma live no Instagram, mostrando Natália dançando ao som de um funk divertido. A blusa dela subia discretamente com os movimentos. O sorriso, espontâneo, radiante. Felipe parou na porta, com os olhos estreitos.

— Que palhaçada é essa?

Olivia virou o celular para ele, com um sorriso irônico.

— A palhaçada é você achar que ainda manda aqui.

— Natália, por favor... Isso é ridículo.

Natália desligou o som calmamente e se aproximou. O olhar dela era sereno, mas firme.

— Ridículo é um homem que precisa diminuir a esposa pra se sentir forte.

Felipe foi pego de surpresa. A voz dela não tremia mais.

— Você tá diferente — ele comentou, quase como uma constatação.

— Estou. E você devia começar a se perguntar por que.

---

No fim da tarde, Olivia convenceu Natália a dar uma volta no shopping. Ela resistiu, mas acabou cedendo. Colocou um vestido verde justo, sandálias de salto médio e um leve delineado nos olhos. Quando saíram, atraiu olhares por onde passou. E pela primeira vez, não se encolheu nem pediu desculpas por ser linda.

No provador de uma loja, Olivia a encarou com carinho.

— Sabe o que tá diferente em você?

— O quê?

— O olhar. Antes parecia pedir desculpas por existir. Agora... parece que sabe exatamente quem é.

Natália sorriu, emocionada. Pela primeira vez em muito tempo, se sentia inteira. E esse despertar não era passageiro. Era definitivo.

---

Enquanto isso, em casa, Felipe se pegava incomodado com o silêncio. Abriu a galeria do celular e, entre as milhares de fotos antigas, encontrou uma de Natália sorrindo, usando um vestido florido em um piquenique. Ele quase não lembrava daquele dia. Ela ria, sentada sobre a toalha no chão, segurando uma taça de vinho.

Aquilo o atingiu em cheio. Onde aquela mulher tinha ido parar? Quando foi que ele deixou de reparar nela? Quando foi que virou o homem que preferia o celular à companhia dela?

Pegou o telefone e quase ligou. Mas não teve coragem. Algo lhe dizia que agora, ele teria que correr muito mais se quisesse alcançar a nova mulher que estava surgindo diante dos seus olhos.

---

No quarto do hotel onde passariam a noite antes do voo para o Brasil, Olivia estendeu a passagem nas mãos de Natália.

— Tá pronta?

Natália encarou o bilhete e, em seguida, seu reflexo no espelho. Não era mais a esposa apagada de Felipe. Era Natália. Uma mulher com história, com brilho, com vida.

— Tô mais do que pronta. Tô viva.

Olivia abriu um sorriso vitorioso.

— Então bora. O Brasil que se prepare. Porque o furacão Natália tá vindo.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!