O espelho à minha frente refletia um rosto que não parecia mais o meu. Os olhos verdes estavam lá, as sardas também. Mas os fios dourados que sempre foram minha marca — e que tantas vezes fizeram minha mãe sorrir e dizer que eu parecia um raio de sol — haviam desaparecido. Em seu lugar, uma cascata de cabelos negros escorria até meus ombros, ainda úmida da tinta.
Toquei os fios com hesitação, sentindo o peso da decisão que tomara. Não era só uma mudança de cor; era uma ruptura. Um grito silencioso contra tudo o que esperavam de mim.
Desde pequena, ensinaram-me que uma mulher devia ser delicada, graciosa, sempre gentil. Devia sorrir, abaixar a cabeça, esperar ser escolhida. Eu nunca consegui me encaixar nessa moldura dourada que pintavam ao meu redor. Sempre fiz perguntas demais, sempre quis mais do que os limites invisíveis me permitiam.
E agora, aqui estava eu, de cabelo preto, desafiando o reflexo.
— Hellie? — A voz de minha mãe soou hesitante do outro lado da porta.
Segurei o fôlego por um instante antes de responder.
— Sim, mamãe?
A porta se abriu devagar, e minha mãe entrou no quarto. O choque em seu rosto foi imediato. Seus olhos percorreram meu cabelo como se estivesse vendo um desastre acontecer bem diante dela.
— O que você fez? — sussurrou, levando a mão à boca.
— Eu pintei — respondi, tentando parecer firme, mas sentindo o coração acelerar.
O silêncio que se seguiu foi insuportável. Ela não gritou, não chorou — o que talvez fosse ainda pior. Apenas me olhou com uma mistura de incredulidade e tristeza.
— Por quê? — Sua voz saiu fraca, quase suplicante.
Eu poderia ter dito tantas coisas. Que queria ser vista como algo além de uma boneca bonita, que estava cansada de viver dentro de uma moldura dourada que não escolhi. Mas tudo o que consegui dizer foi:
— Porque eu precisava.
Ela não respondeu. Apenas virou-se e saiu do quarto, deixando para trás um silêncio ainda mais pesado.
Sentei-me na beira da cama, o coração apertado. Eu sabia que havia magoado minha mãe. Mas, ao mesmo tempo, senti algo novo dentro de mim. Uma centelha de liberdade.
E eu sabia que aquele era apenas o começo.
Fiquei sentada na beira da cama por um longo tempo, observando as mechas escuras caídas sobre meus ombros. O silêncio da casa pesava ao meu redor, como se cada parede estivesse absorvendo a reação contida da minha mãe.
O cheiro forte da tinta ainda pairava no ar, misturando-se ao perfume suave de lavanda que sempre impregnava meus lençóis. Meus dedos percorreram os fios negros, tentando me acostumar com a nova sensação. Era estranho. Era diferente. Mas era eu.
Respirei fundo e me levantei, caminhando até a janela. Londres lá fora era uma massa nebulosa de prédios altos e ruas molhadas pela garoa. O céu, pesado e cinzento, parecia combinar com meu novo eu. Sempre gostei da cidade assim, coberta de névoa, como se escondesse segredos nas esquinas. Como se houvesse algo mais além do que nos permitiam enxergar.
Olhando para baixo, vi as carruagens passando, os cavalheiros apressados sob suas cartolas e as damas elegantemente vestidas, segurando suas sombrinhas enquanto caminhavam nas calçadas de paralelepípedos. Será que alguém ali embaixo já havia feito algo tão impensável quanto eu?
Minha atenção foi desviada quando um movimento no jardim capturou meu olhar.
Owen.
Ele estava encostado no portão de ferro, com as mãos nos bolsos do casaco escuro, a expressão atenta enquanto observava a casa. Meu coração deu um pequeno salto involuntário. Fazia dias que não nos falávamos direito, e agora ele estava ali, como se soubesse que algo havia mudado.
Apertei os lábios e desci as escadas rapidamente, ignorando a sensação incômoda de que minha mãe ainda estava em algum canto da casa, desapontada. Abri a porta com cautela, e o vento frio da tarde soprou contra meu rosto.
— Veio me espiar? — perguntei, cruzando os braços.
Owen ergueu uma sobrancelha e esboçou um meio sorriso.
— Achei que talvez tivesse ocorrido uma tragédia. Sua mãe me viu passando e olhou para mim como se o mundo estivesse acabando.
Suspirei e me encostei ao batente da porta.
— Para ela, talvez esteja.
Ele inclinou a cabeça, me analisando por um momento.
— Eu sabia que você faria algo assim um dia — disse, dando um passo mais perto. — Mas preto, Hellie? Isso é quase um ultraje para os padrões londrinos.
— Exatamente. — Sorri de canto, sentindo um misto de nervosismo e orgulho. — Queria ver até onde vai o choque das pessoas.
Ele soltou um riso baixo e balançou a cabeça.
— Você sempre gostou de desafiar o que esperam de você.
Owen me conhecia melhor do que eu gostaria de admitir. Sempre foi assim, desde crianças, quando ele me ajudava a fugir das aulas entediantes de etiqueta para corrermos pelo jardim dos fundos. Mas agora éramos diferentes. Crescemos. E Londres não era mais um parque de diversões.
Cruzei os braços e olhei para ele.
— E você? Vai me dizer que está do meu lado ou que isso é um erro terrível?
Ele hesitou, e por um instante vi a luta interna em seus olhos cor de mel.
— Eu... acho que você tem coragem — disse, com cuidado. — Mas também acho que o mundo não é tão generoso com quem quer ser diferente.
Aquele aperto no peito voltou. Eu sabia que ele não podia me apoiar completamente. Sabia que ele carregava o peso das expectativas da própria família. Mas, ainda assim, parte de mim queria ouvir outra coisa.
— Nunca foi generoso comigo, de qualquer forma — murmurei.
Owen suspirou, como se quisesse dizer algo mais, mas desistisse no último momento.
Ficamos ali em silêncio, lado a lado na entrada da casa, observando Londres seguir seu curso.
Eu sabia que tinha feito algo grande. Que tinha começado algo que não podia mais voltar atrás. Mas a pergunta era: estaria realmente pronta para o que viria depois?
O vento soprou mais forte, e eu me abracei instintivamente, sentindo o frio atravessar o tecido fino do meu vestido. Owen percebeu e, sem pensar muito, tirou o cachecol que usava e o estendeu para mim.
— Aqui. — Sua voz saiu casual, mas seu olhar carregava aquela familiaridade de quem me conhecia bem demais.
Hesitei por um instante antes de aceitar. O tecido ainda estava quente do contato com sua pele, e o cheiro sutil de madeira e tabaco se misturou ao ar frio. Era um gesto pequeno, mas que me atingiu de uma forma inesperada.
— Obrigada. — Enrolei o cachecol ao redor do pescoço, sentindo-me um pouco mais protegida, mas também estranhamente exposta.
Owen se encostou ao portão e cruzou os braços, observando-me com uma expressão divertida.
— Você realmente não sente medo, sente?
Minha risada foi curta e sem humor.
— Sinto, sim. Mas eu aprendi que sentir medo e ceder a ele são coisas bem diferentes.
Ele balançou a cabeça, como se não soubesse se admirava ou temia minha resposta.
— E o que vem agora, Hellie? Você já desafiou sua mãe. Qual é o próximo passo da sua rebelião?
Cruzei os braços, olhando para a rua, onde a vida londrina seguia seu curso.
— Não sei. Mas não posso mais continuar sendo a menina perfeita que todos esperam. Há um mundo inteiro lá fora e... eu me sinto presa. Como se estivesse sempre esperando que algo acontecesse, mas nada nunca acontece.
Owen ficou em silêncio por um tempo, apenas observando-me. Quando finalmente falou, sua voz saiu mais baixa, quase hesitante.
— Talvez você esteja esperando a coisa errada.
Virei-me para ele, confusa, mas antes que eu pudesse perguntar o que queria dizer, a voz de minha mãe ecoou da porta da casa.
— Hellie, venha para dentro. Agora.
Engoli em seco e olhei para Owen, que soltou um suspiro, como se já soubesse que nossa conversa tinha terminado.
— Boa sorte — murmurou ele, afastando-se devagar.
Observei enquanto ele caminhava rua abaixo, misturando-se às sombras que cresciam conforme a tarde avançava. Então, virei-me e entrei em casa, fechando a porta atrás de mim.
Minha mãe estava parada no meio do hall, os braços cruzados e o rosto impassível, mas seus olhos diziam tudo.
— Precisamos conversar — disse ela.
E eu soube, naquele instante, que essa conversa não seria fácil.
Sentei-me na poltrona do salão, sentindo o tecido do estofado ceder sob meu peso. Minha mãe postou-se diante de mim, as mãos entrelaçadas tão firmemente que seus dedos estavam brancos. O silêncio entre nós era espesso, como a névoa lá fora, e eu sabia que cada segundo de espera era uma estratégia dela para me fazer recuar.
— Helenora… — ela começou, chamando-me pelo nome que apenas usava quando estava verdadeiramente decepcionada. — O que passou pela sua cabeça para fazer isso?
Eu respirei fundo, preparando-me para a tempestade que viria.
— Mãe, eu apenas quis algo diferente. Algo que fosse meu.
Seus olhos brilharam com algo próximo da indignação.
— Seu cabelo loiro era lindo. Era um reflexo da nossa família, da sua criação. Você não percebe o que isso significa?
— Significa que eu preciso ser exatamente como todo mundo espera que eu seja? — Minha voz saiu mais firme do que eu planejava. — Significa que não posso escolher nem mesmo a cor do meu próprio cabelo?
Ela inspirou fundo, fechando os olhos por um momento, como se tentasse encontrar paciência.
— Hellie… — sua voz era baixa, quase suplicante. — Você acha que este mundo é gentil com mulheres que desafiam as regras? Acha que Londres é generosa com as que decidem ser diferentes?
Seu olhar encontrou o meu, e algo ali me fez hesitar. Minha mãe não estava apenas brava. Ela estava preocupada.
— Você não entende, filha. — Sua voz vacilou um pouco. — Ser mulher já é difícil. Ser uma mulher que se recusa a seguir as regras pode ser perigoso.
Eu queria rebatê-la, queria gritar que não tinha medo. Mas a verdade era que eu tinha.
Muito.
Mas o medo nunca havia sido suficiente para me parar antes.
— Eu não quero viver com medo, mãe.
Ela suspirou e passou a mão pelo rosto.
— Não é questão de querer, Hellie. É questão de precisar.
Ela me olhou por um longo momento, como se tentasse entender a filha que tinha diante de si. Então, balançou a cabeça e virou-se, caminhando até a porta do salão.
— O jantar será servido em breve. Você deve estar presente.
— E se eu não quiser? — perguntei, testando os limites.
Ela parou, mas não se virou.
— Então terei que aceitar que minha filha não é mais a mesma.
Quando a porta se fechou atrás dela, senti uma pontada de dor no peito.
Talvez eu realmente não fosse mais.
O silêncio que ficou no salão após a saída da minha mãe era ensurdecedor. Eu ainda sentia o peso das palavras dela, a preocupação disfarçada de frustração.
Meus olhos percorreram o ambiente, detendo-se na tapeçaria que cobria parte da parede, emoldurada por móveis pesados e imponentes. O salão sempre fora um lugar de regras rígidas, onde os adultos conversavam sobre política e negócios enquanto nós, crianças, éramos instruídas a ficar quietas, a sermos agradáveis, a não interferirmos.
Mas eu não era mais criança.
Aproximei-me da lareira, passando os dedos pela moldura dourada do espelho que a adornava. Meu reflexo me encarou, e pela primeira vez, vi alguém que não reconhecia completamente. Os cabelos negros caíam ao redor do meu rosto, criando um contraste quase gritante com a pele clara e as sardas que, por anos, tentei esconder com pós e cremes.
Minha mãe estava certa sobre uma coisa: eu não era mais a mesma.
Mas o que isso significava?
Suspirei e passei as mãos pelo vestido. Precisava sair daquele salão. O ar ali parecia pesado, como se as paredes absorvessem cada pensamento que eu tentava organizar.
Abri a porta devagar, espiando o corredor. A casa estava mergulhada em uma penumbra suave, e o som abafado dos criados se movendo ecoava pelos cômodos. O jantar estava próximo, mas eu não queria descer ainda.
Subi as escadas rapidamente, os pés deslizando sobre o tapete grosso. Assim que alcancei meu quarto, fechei a porta atrás de mim e encostei as costas nela, soltando um longo suspiro.
Precisei de alguns instantes antes de caminhar até a penteadeira. Meus dedos tocaram as escovas, os frascos de perfume, os grampos de cabelo. Tudo ali parecia pertencer a uma outra versão de mim, uma que eu havia deixado para trás.
Um bater discreto na porta me tirou dos pensamentos.
— Hellie? — A voz de Margaret, minha criada, soou do outro lado.
— Pode entrar.
Ela abriu a porta com cautela e, ao me ver, sua expressão se suavizou em um misto de curiosidade e preocupação.
— A senhora sua mãe pediu que eu ajudasse a senhorita a se preparar para o jantar.
Suspirei, sabendo que não havia como escapar.
Margaret aproximou-se e parou atrás de mim, analisando meu reflexo no espelho. Ela sempre fora mais do que uma criada — crescemos juntas, e, mesmo que as regras da casa a obrigassem a manter um certo distanciamento, sempre houve cumplicidade entre nós.
— O que acha? — perguntei, virando o rosto para encará-la.
Ela sorriu de leve.
— Acho que ficou lindo. Mas sei que isso vai dar o que falar.
Ri baixinho, sem humor.
— Já deu.
Ela pegou um pente e começou a arrumar meus cabelos com gestos cuidadosos, como fazia desde que eu era pequena.
— E o senhor Owen? Ele viu?
Desviei o olhar, lembrando-me do momento em que ele apareceu no portão.
— Viu.
— E o que disse?
Hesitei.
— Disse que não está surpreso. Mas também que o mundo não é gentil com quem escolhe ser diferente.
Margaret parou por um segundo antes de continuar a pentear meus fios.
— Ele tem razão.
— Eu sei.
O silêncio se instalou entre nós, e, por um momento, deixei-me relaxar sob o toque familiar da escova. Mas a tranquilidade durou pouco.
Um som vindo da rua chamou minha atenção. Algo como uma carruagem parando em frente à casa.
Fui até a janela e puxei levemente a cortina para espiar.
Lá embaixo, um coche negro, puxado por dois cavalos robustos, estava estacionado diante da nossa porta. Um lacaio vestido de casaca azul e botões dourados abriu a porta da carruagem, e um homem desceu.
O coração deu um leve salto.
— Quem é? — perguntou Margaret, aproximando-se.
— Acho que é o Sr. Pembroke.
Ela arregalou os olhos.
— O filho do Visconde Pembroke?
Assenti lentamente, sentindo um desconforto crescer dentro de mim. O Sr. James Pembroke era um jovem influente, pertencente a uma das famílias mais respeitadas de Londres. E minha mãe adorava mencioná-lo em conversas sobre “bons partidos”.
Isso só podia significar uma coisa.
— Parece que o jantar será mais interessante do que imaginei — murmurei, fechando a cortina.
Margaret me lançou um olhar de advertência.
— Isso pode ser um problema, Hellie.
Ela não precisava dizer. Eu já sabia.
E tinha um pressentimento de que aquela noite traria muito mais do que uma simples refeição formal.
A casa estava mais silenciosa do que o normal, mas era um silêncio carregado, como se os próprios móveis soubessem que algo estava prestes a acontecer.
Desci as escadas devagar, tentando ignorar a sensação de inquietação que crescia a cada passo. O cheiro do jantar se espalhava pelo ar — cordeiro assado, batatas ao molho de ervas e vinho encorpado, um menu preparado para impressionar.
Quando alcancei o salão de jantar, a cena à minha frente confirmou minhas suspeitas. Minha mãe estava sentada à cabeceira da mesa, impecavelmente vestida em um vestido azul profundo, seu sorriso afiado como uma lâmina bem polida. Ao lado dela, o Sr. James Pembroke erguia sua taça de vinho com um ar de superioridade calculada.
Ele me viu primeiro.
— Senhorita Helenora. — Ele se levantou levemente, fazendo uma reverência educada.
Minha mãe virou-se, e seu olhar examinou-me rapidamente, buscando qualquer traço de rebeldia que pudesse comprometer sua encenação de “família respeitável”. Vi seus olhos pararem em meu cabelo, e uma sombra de irritação passou por seu rosto antes de ela compor um sorriso treinado.
— Hellie, querida, venha sentar-se. O Sr. Pembroke estava ansioso para conhecê-la melhor.
Engoli a vontade de revirar os olhos. “Conhecer-me melhor” era um eufemismo para algo muito mais calculado.
Sentei-me ao lado dela, e uma criada imediatamente serviu meu prato. O silêncio que seguiu foi desconfortável.
James Pembroke era exatamente como eu imaginava. Trajava um terno perfeitamente ajustado, o cabelo castanho claro penteado para trás com precisão cirúrgica. Seu olhar avaliava tudo ao seu redor, como se estivesse inspecionando mercadorias em uma feira de luxo.
— Então, Srta. Helenora… — Ele sorriu, cortando um pedaço do cordeiro. — Sua mãe me contou que você gosta de ler.
Soltei uma risada curta.
— Entre muitas outras coisas.
Ele ergueu uma sobrancelha, claramente não acostumado com respostas que fugiam do script.
— E quais seriam essas outras coisas?
Minha mãe pigarreou discretamente, como um aviso para que eu me comportasse. Ignorei.
— Gosto de caminhar pela cidade, observar as pessoas, ouvir suas histórias…
— Ah, então aprecia a poesia do cotidiano?
— Pode-se dizer assim. Mas também gosto de desafiar convenções que considero injustas.
Minha mãe fechou os olhos por um breve momento, como se estivesse rezando por paciência.
James, por outro lado, riu.
— Uma jovem com espírito livre. Isso é raro.
— Ou apenas inconveniente — respondi, tomando um gole do vinho.
O sorriso dele vacilou um pouco antes de se recompor.
— Certamente um espírito que precisa ser bem direcionado.
Aquilo me fez soltar a taça sobre a mesa com mais força do que pretendia.
— E quem seria responsável por esse direcionamento, Sr. Pembroke? O senhor?
Minha mãe tossiu discretamente, mas a tensão na sala era palpável. James sorriu, mas seu olhar agora tinha um brilho diferente, algo entre a diversão e o desafio.
— O tempo e as circunstâncias costumam ser os melhores professores, Srta. Helenora.
A comida já não me apetecia mais.
Naquele momento, a porta se abriu, e um criado entrou, inclinando-se levemente para minha mãe.
— Perdão pela interrupção, milady, mas o jovem Sr. Owen está à porta.
Meu coração disparou.
Minha mãe, por outro lado, franziu os lábios.
— O que ele quer?
— Não disse, senhora, apenas pediu para falar com a Srta. Helenora.
James Pembroke deslizou o olhar para mim com um interesse renovado.
Minha mãe hesitou por um instante antes de se virar para mim.
— Você sabe que temos um convidado, Hellie.
James cruzou os dedos sobre a mesa, estudando-me.
— Não há problema algum. Talvez possamos todos conversar.
Ele disse aquilo como quem já sabe que venceu.
Olhei para minha mãe, depois para James, depois para o criado.
E então tomei minha decisão.
Levantei-me, endireitando os ombros.
— Perdão, Sr. Pembroke, mas acho que esta conversa terá que esperar.
E, sem esperar resposta, caminhei em direção à saída, sentindo cada olhar cravado em minhas costas.
Eu precisava ver Owen.
Saí do salão de jantar sem olhar para trás, minha respiração ligeiramente acelerada. Assim que a porta se fechou atrás de mim, senti o peso dos olhares se dissipando, mas ainda havia uma tensão latejante dentro de mim.
Owen estava ali.
Atravessar o corredor até a entrada principal pareceu levar mais tempo do que deveria. O silêncio da casa aumentava minha ansiedade. Quando finalmente cheguei à porta, parei por um instante para recompor minha expressão. Não queria que ele percebesse o turbilhão dentro de mim.
Um criado já havia aberto a porta, e ali, parado na soleira, estava Owen.
A luz do lampião do lado de fora projetava sombras no rosto dele, destacando o brilho dourado de seus olhos cor de mel. O vento bagunçava seu cabelo preto, raspado dos lados, e seu sobretudo escuro estava ligeiramente desalinhado, como se ele tivesse vindo às pressas.
— Hellie. — A voz dele era grave, mas havia um tom de urgência ali.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, cruzando os braços. Não queria que ele notasse o alívio que senti ao vê-lo.
Ele deslizou o olhar para dentro da casa por um breve instante, depois voltou para mim.
— Eu precisava falar com você.
O criado hesitou ao lado da porta, como se estivesse esperando uma ordem, mas ergui levemente a mão, dispensando-o. Assim que ficamos a sós, saí para o lado de fora, puxando meu xale ao redor dos ombros.
— Fale.
Owen passou a mão pelos cabelos, um gesto típico dele quando estava inquieto.
— Eu soube que James Pembroke está aqui.
Soltei uma risada curta.
— E você veio me resgatar?
Ele franziu a testa.
— Hellie… eu sei o que sua mãe está tentando fazer.
— Todos sabemos. Minha opinião só não foi considerada no processo.
— Por isso estou aqui. — Ele deu um passo mais perto, e seu olhar encontrou o meu com uma intensidade que me fez prender a respiração. — Eu não podia simplesmente… deixar isso acontecer sem te dizer nada.
Fiquei em silêncio por um momento. Owen nunca fora do tipo que falava mais do que o necessário, e o fato de ele estar ali, naquela noite, me dizendo isso, significava mais do que ele estava deixando transparecer.
Mas o que ele poderia fazer? O que eu poderia fazer?
— Não estou interessada em James Pembroke — falei, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.
— Isso eu sei. Mas a sua mãe está. E ele também.
Havia algo no tom de Owen que me fez estreitar os olhos.
— O que você sabe?
Ele hesitou.
— Ouvi comentários. Pembroke não quer apenas um casamento vantajoso, Hellie. Ele quer alguém que possa moldar ao gosto dele.
Um arrepio percorreu minha espinha, mas mantive minha expressão neutra.
— Homens como ele sempre querem isso.
— Mas você não é alguém que pode ser moldada.
Aquela afirmação me pegou desprevenida.
Ele me conhecia bem demais.
Owen respirou fundo, olhando para o lado como se estivesse pesando as palavras antes de dizê-las.
— Você não precisa aceitar isso.
— E o que você sugere? Que eu fuja para um convento?
Ele sorriu de lado, aquele sorriso que sempre me desconcertava.
— Um convento não combina com você.
Eu revirei os olhos, mas não consegui conter um leve sorriso.
— Então, qual é o seu plano brilhante?
— Para ser sincero, eu não tenho um. — Ele deu de ombros. — Só sei que você merece mais do que isso.
Aquelas palavras, ditas tão simplesmente, me atingiram mais do que qualquer discurso elaborado poderia.
Fiquei em silêncio por um longo momento.
O vento noturno trouxe consigo o cheiro distante da chuva, e pela primeira vez naquela noite, senti que podia respirar.
Owen me olhava como se estivesse esperando algo, mas eu ainda não sabia o que dizer. Então, antes que qualquer um de nós pudesse quebrar aquele momento, a porta se abriu atrás de mim.
— Helenora.
A voz da minha mãe cortou o ar como uma lâmina afiada.
Endireitei os ombros antes de me virar para encará-la. Seu olhar passou por Owen por um breve instante antes de pousar sobre mim, avaliando a situação com um desagrado mal disfarçado.
— Nosso convidado está esperando.
Meu coração pesou.
Olhei para Owen uma última vez. Havia algo em seu olhar que parecia dizer não deixe que decidam por você.
Respirei fundo e me virei para entrar.
O jogo ainda não havia acabado.
Minha mãe permaneceu imóvel na entrada, o rosto impassível, os lábios pressionados numa linha fina de desaprovação.
Owen ainda estava ao meu lado, e por um instante desejei que ele segurasse minha mão. Um toque, um gesto qualquer que me ancorasse àquele momento, que me lembrasse que eu não estava sozinha. Mas, claro, isso não aconteceria. Não ali, não sob os olhos vigilantes da minha mãe e da sociedade que nos cercava.
Respirei fundo e dei um passo para dentro.
O calor do salão de jantar contrastou com o frio da noite, mas não foi reconfortante. Pelo contrário, era sufocante. As chamas das velas tremulavam suavemente, lançando sombras ao longo das paredes adornadas com pinturas emolduradas em ouro. James Pembroke estava sentado à mesa, conversando com meu pai. Quando me viu entrar, sorriu de maneira educada, mas seus olhos me analisaram com um interesse que me fez sentir como se estivesse sendo avaliada como um bem à venda.
Minha mãe fechou a porta atrás de nós e deslizou ao meu lado.
— Helenora, já conversamos sobre aparências — sussurrou ela, seu tom tão frio quanto os talheres de prata na mesa.
Owen hesitou na porta por um instante, como se quisesse dizer algo, mas então me lançou um último olhar — um que parecia uma mistura de preocupação e um pedido silencioso para que eu não perdesse a mim mesma naquela noite — antes de se afastar.
Eu estava sozinha.
Ajeitei os ombros e me aproximei da mesa. James se levantou, um gesto de cavalheirismo ensaiado, e puxou uma cadeira para mim.
— Senhorita Hale, é um prazer conhecê-la. Sua mãe já me falou muito sobre a senhorita.
Claro que falou.
— Espero que apenas coisas boas — respondi, forçando um sorriso enquanto me sentava.
— Naturalmente. — Ele riu, acomodando-se de volta. — Ela me contou que a senhorita é uma jovem muito distinta, com uma mente aguçada.
Observei-o por um instante. Ele era um homem de traços elegantes, com cabelo castanho bem penteado e um terno que parecia ter sido feito sob medida. Cada gesto seu era estudado, cada palavra cuidadosamente escolhida.
— E o senhor, Lorde Pembroke? O que posso saber sobre o senhor?
Ele pareceu se divertir com minha pergunta.
— Ah, não há muito a dizer. Sou um homem prático, valorizo a ordem e a tradição. — Ele inclinou levemente a cabeça, os olhos castanhos observando-me com interesse. — Acredito que uma casa bem administrada e uma esposa sensata são as bases de uma vida bem-sucedida.
— Uma esposa sensata? — levantei as sobrancelhas. — E o que seria, exatamente, uma esposa sensata?
Minha mãe pigarreou discretamente ao meu lado, mas ignorei.
James sorriu, como se estivesse gostando do jogo.
— Uma esposa que compreenda o papel que desempenha na sociedade. Que saiba equilibrar a independência com a obediência.
Tão previsível.
— Uma combinação difícil de encontrar, imagino — murmurei, pegando minha taça de vinho.
— De fato. Mas acredito que algumas jovens ainda possuem esses valores.
Ele sustentou meu olhar, esperando alguma reação.
Sorri, mas não respondi.
O jantar seguiu com conversas triviais, minha mãe fazendo questão de destacar minhas qualidades "adequadas", enquanto meu pai permanecia relativamente silencioso, apenas acenando em concordância quando necessário.
Eu me sentia sufocada.
E então, um murmúrio chamou minha atenção.
Meu irmão, Edmund, estava sentado ao meu lado e sussurrou:
— Se precisar de uma desculpa para sair, posso derramar vinho na sua saia.
Suprimi uma risada.
— Tão heroico, Edmund.
Ele deu de ombros, escondendo um sorriso.
Ao menos alguém estava disposto a me resgatar daquela noite.
Mas eu não precisava ser resgatada.
Não, se alguém irá decidir o meu destino, esse alguém será eu mesma.
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