Os aplausos ecoavam pelo salão imponente, abafando momentaneamente a voz firme e segura que ressoava no palco. Mais um discurso político. Mais promessas vazias.
Sentada na escadaria lateral, afastada da multidão empolgada, Laura observava a cena com o ceticismo de quem já ouvira aquilo antes. Discursos como aquele enchiam jornais, redes sociais e debates televisionados, sempre com palavras cuidadosamente escolhidas para parecerem inspiradoras.
Ela apoiou o cotovelo no joelho e descansou o rosto sobre a mão, segurando um suspiro entediado. Seu olhar percorreu a plateia. Pessoas bem vestidas, empresários, eleitores esperançosos… Todos pareciam encantados com o homem no palco.
O jovem político carregava um sobrenome de peso. Neto e filho de políticos influentes, havia crescido nos bastidores do poder. Carismático, articulado, bonito. A fórmula perfeita para conquistar votos.
E, apesar de todo o seu ceticismo, Laura precisava admitir: ele era mesmo um espetáculo.
Não era apenas bonito — era **o tipo** de bonito que parecia moldado para capas de revistas. O cabelo escuro perfeitamente penteado, a barba bem aparada, a expressão confiante. Vestia um terno impecável que realçava seus ombros largos, mas ainda assim exibia um ar levemente rústico, como se pertencesse a dois mundos distintos.
Mas nada disso a impressionava.
Revirando os olhos, decidiu que já tinha ouvido promessas suficientes por aquela noite. Levantou-se discretamente e saiu pelo corredor lateral, onde apenas funcionários e assessores transitavam. O ambiente ali era mais silencioso, longe do fervor do salão principal.
Laura recostou-se na parede fria e pegou o celular, deslizando os dedos pela tela, esperando o tempo passar. Mas então uma voz grave e ligeiramente divertida interrompeu seu momento de descanso.
— Você tem cara de quem sabe em quem votar. Espero ter te convencido.
O tom seguro e descontraído fez com que um arrepio percorresse sua nuca.
Ela ergueu os olhos e o viu ali, a poucos passos de distância. **Miguel Vasconcellos.**
Dessa vez, sem a barreira do palco ou a multidão entre eles.
De perto, era ainda mais impressionante. O olhar intenso, o sorriso discreto nos lábios. E, agora que a distância havia diminuído, Laura notou algo além da aparência impecável: ele sabia exatamente o efeito que causava nas pessoas.
Ela piscou, recompondo-se rápido.
— **Não comprei sua ideia.**
Miguel arqueou uma sobrancelha e inclinou levemente a cabeça para o lado, como se estudasse sua resposta. Então, sorriu.
— Ainda bem que não sou vendedor.
O sorriso dele era fácil, natural… e absurdamente charmoso. Do tipo que parecia treinado para desconcertar qualquer um. Mas Laura não era qualquer uma.
— Imagino o que você faz quando ninguém está vendo — disparou ela, com um toque de provocação na voz.
Miguel riu baixinho, os olhos escurecendo ligeiramente. Deu um passo à frente, diminuindo a distância entre eles.
— Você não pode nem imaginar.
Laura sentiu o coração dar um leve tropeço, mas manteve a expressão firme. Ele queria jogar? Ótimo. Ela sabia jogar também.
— Aposto que, além de Whisky caros também gosta de se esconder nos corredores.
A risada dele foi breve, rouca, e soou quase perigosa.
— Eu gosto de manter segredos — murmurou. — E tenho a impressão de que você poderia ser um deles.
Por um instante, o mundo fora daquele corredor deixou de existir.
A luz amarelada projetava sombras nos traços marcantes de Miguel, dando a ele um ar ainda mais intrigante. Seu perfume amadeirado e sofisticado se misturava ao ar levemente abafado do ambiente, tornando a proximidade ainda mais intensa.
O olhar dele sobre o dela era firme, inquisitivo… e cheio de promessas não ditas.
Laura sabia que deveria se afastar, responder com sarcasmo, lembrar-se de que ele era exatamente o tipo de homem que ela desprezava.
Mas, naquele momento, tudo o que conseguia pensar era no perigo delicioso de estar ali, sozinha, diante dele.
E no que poderia acontecer se ela cruzasse a linha.
O relógio marcava o fim do tempo.
Laura largou a caneta sobre a mesa e suspirou. A última prova do semestre estava feita. Se bem ou mal, era outra história. Mas, naquele momento, o único sentimento que importava era alívio.
Ela observou os outros alunos entregando suas provas. Alguns saíam confiantes, outros murmuravam respostas baixinho, tentando se convencer de que tinham acertado pelo menos o necessário. O professor recolhia os papéis com paciência, indiferente ao drama de cada um.
Laura pegou sua mochila e saiu da sala, sentindo o cheiro característico do prédio antigo da faculdade: um misto de café requentado, livros velhos e perfume barato. Passando pelo corredor, viu alguns alunos discutindo sobre as respostas. Mas ela não queria saber. O que estava feito, estava feito.
Ao empurrar a porta que dava para o pátio, o ar fresco da tarde a recebeu, junto com o burburinho dos estudantes que já comemoravam o fim do semestre. Foi então que avistou, ao longe, seu grupo de amigos reunido na mesma mesa de sempre.
Andréh, o mais focado de todos, estava sentado com a postura impecável, segurando um copo de café e analisando algo no celular. Ele era o tipo de cara que sempre parecia saber o que estava fazendo, mesmo quando não sabia. Com 22 anos, já tinha viajado o mundo em um ano sabático antes da faculdade. Dinheiro não era problema para ele, mas sua família queria que ele seguisse administração ou direito. Ele escolheu jornalismo – só para irritar os pais.
Quando Laura se aproximou, ele ergueu os olhos e lançou um sorriso de canto.
— E então, sobreviveu?
— Mal. Mas sim. – Laura jogou a mochila na mesa e se sentou, relaxando os ombros.
Do outro lado, Katy soltou uma risada divertida. Ela era a rainha da sorte. O tipo de pessoa que não estudava, mas sempre conseguia se sair bem.
— Eu não estudei nada e fui bem! – disse, dando uma piscadela.
Laura balançou a cabeça, indignada.
— Você é insuportável.
— Eu sei!
Ema, que mexia no celular com uma expressão irritada, resmungou alto.
— Diferente de vocês, eu tenho certeza de que me ferrei.
Sempre tem alguém no grupo que você não suporta, mas que, por alguma razão, continua por perto. Para Laura, essa pessoa era Ema. Pessimista, cheia de opiniões ácidas e, às vezes, dramática demais.
— Ah, vai ver que não foi tão ruim assim! – disse Naty, com seu tom sempre otimista.
Se Ema era o caos, Naty era a calmaria. Linda, solidária, espirituosa e absurdamente positiva, ela era o tipo de pessoa que via um lado bom até em reprovar uma matéria.
— Fácil falar quando você sempre tira as melhores notas – retrucou Ema, cruzando os braços.
— Gente, notas não definem a gente! – completou Meghan, com um ar de indiferença.
Meghan era o enigma do grupo. Rica, influente e acostumada a viver no luxo, ninguém entendia direito por que ela fazia jornalismo, em vez de apenas gastar os milhões da família em viagens extravagantes. Mas, de algum jeito, ela estava ali, firme e determinada.
Laura pegou um pacote de biscoitos da mochila e começou a comer, observando os amigos discutirem. Era estranho pensar que, de alguma forma, aquele grupo caótico a ajudava a ser quem ela era.
E então havia eu a garota de 21 anos que escrevia histórias e vivia mergulhada em dramas fictícios. Que detestava políticos, mas não fugia de um debate sobre política. Que não suportava discursos vazios, mas estava sempre nos bastidores ouvindo cada palavra.
Que carregava um peso no peito e um desejo ardente no coração.
Ela queria ser uma jornalista foda. E faria de tudo para isso.
O clima no pátio estava mais leve agora que a prova estava para trás. A tarde se estendia tranquila, com o sol batendo nas árvores e os alunos se espalhando pelas mesas. Laura e seus amigos estavam reunidos, como sempre, quando uma conversa aleatória começou a tomar forma.
Katy, com seu sorriso largo, puxou a primeira conversa.
— Eu estava pensando, sabia? Se a gente pudesse viajar agora para qualquer lugar do mundo, para onde vocês iriam?
Naty, sempre com a resposta otimista, não demorou a se manifestar.
— Fácil! Eu iria para a Índia. Sempre sonhei em ir lá, meditar nos templos, aprender com os monges... deve ser uma experiência transformadora.
Meghan olhou para Naty com um sorriso curioso.
— Sério? A Índia? Eu achava que você seria mais do tipo... Califórnia, surfe, sol.
Naty riu, tirando uma mecha do cabelo do rosto.
— Também adoraria! Mas tem algo na Índia que me chama, sabe? O contraste entre o espiritual e o mundano. A busca por um propósito.
Laura observou a conversa de longe. Ela não era muito de viajar, ao menos não para os destinos dos outros. Seu mundo estava ali, no jornalismo, nas palavras, nas histórias que criava. Mas, por alguma razão, a ideia de uma viagem parecia atraente naquele momento.
— Eu iria para o Japão, — disse Laura, interrompendo os pensamentos. — Aquele lugar é um mix perfeito entre tradição e modernidade. Eu ficaria dias só explorando as ruas de Tóquio, aprendendo com a cultura deles...
Andréh, que estava quieto até aquele momento, olhou para ela com um sorriso de canto.
— Que surpresa, Laura. Esperava que você dissesse que iria para algum lugar mais... "dramático", como a Islândia ou a Rússia.
Laura riu.
— Não, não sou tão dramática assim. Só... o Japão tem algo único. Uma mistura de calmaria e caos. Eu gosto disso.
— Eu não iria para nenhum desses lugares, — disse Ema, com um tom de voz que era praticamente um suspiro. — Eu iria para uma ilha deserta. Só eu e o meu tempo. Sem barulho, sem pressa. Só paz.
Meghan levantou as sobrancelhas.
— E o que você faria lá, além de... descansar?
Ema deu de ombros, indiferente.
— Eu faria o que todo mundo faria: me perder. E, talvez, escrever.
Katy riu, fazendo careta.
— Você? Escrever? Não te vejo como escritora, Ema.
Ema virou a cabeça lentamente para olhar Katy, com um sorriso travesso.
— Acredite, todo mundo tem uma história para contar. Até eu.
Andréh, sempre o observador, agora se incluiu na conversa.
— Eu, na verdade, viajaria para algum lugar onde pudesse desaparecer por um tempo. Acho que nunca fui realmente "em casa", sabe? A vida de estresse e de expectativas é meio cansativa às vezes. Uma pausa faria bem.
Laura o olhou com curiosidade. Ela sempre achou Andréh uma figura enigmática. Apesar de ser o mais sério e centrado, ele tinha uma camada de mistério que se ocultava por trás de suas palavras.
— Então você viajaria para um lugar sem muitas responsabilidades, sem planos, apenas vivendo o momento? — perguntou ela.
— Exatamente. Às vezes, você só precisa parar de pensar no futuro e viver o agora.
Naty sorriu, colocando as mãos atrás da cabeça, como se estivesse se preparando para uma grande revelação.
— Sabem o que é engraçado? Às vezes, a gente fala tanto sobre onde *gostaríamos* de estar, mas no fundo, o que realmente importa é onde a gente está *agora*.
Laura ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre as palavras de Naty. Ela estava ali, naquele pátio, com seus amigos, após mais uma prova. E, de alguma forma, aquele momento simples era tão importante quanto qualquer destino exótico que sonhasse visitar.
— E eu? — Meghan interrompeu o silêncio. — Acho que eu iria para Paris. Só para poder tomar um café em algum bistrô charmoso, olhar a Torre Eiffel e... bem, tentar entender o que está acontecendo com minha vida.
Laura não pôde deixar de sorrir para Meghan.
— Você e essa sua obsessão por Paris... Já foi lá, sabia?
Meghan fez uma careta.
— E? Nada como repetir a experiência. Afinal, o que é a vida sem um pouco de romantismo?
Após a conversa descontraída sobre viagens e sonhos, Meghan, com seu olhar afiado, puxou a pauta que já estava presente em seu pensamento há algum tempo.
— E a política? — disse ela, olhando para os amigos com um sorriso irônico. — Sempre os mesmos discursos, as mesmas promessas vazias. Parece que a população esquece o que foi prometido e não cumprido.
Laura suspirou e olhou ao redor. Não era surpresa que, em algum momento, a conversa fosse cair nessa. Política era como uma sombra, sempre presente, mas nunca realmente conquistando o respeito.
— Não entendo como as pessoas ainda caem nessas conversas, — comentou Naty, balançando a cabeça. — É como se cada eleição fosse uma chance de enganar a todos novamente.
— Eu já estou cansado de ver a cara desse cara em todo lugar, — Andréh falou, quebrando o silêncio, com um tom de desânimo. — Esse candidato está em tudo. O dinheiro é que faz um candidato.
Laura parou por um momento, olhando Andréh com atenção. Ele estava falando sério, como sempre, com aquela expressão de quem já perdeu a paciência há tempos. A crítica de Andréh não era uma novidade, mas ouvir de um cara como ele, que vinha de uma família rica e influente, fazia todo o sentido. Ele sabia do que estava falando.
— O dinheiro compra tudo. Até os votos, — Ema completou, com um sorriso de desdém.
— E você, Ema, acha que alguém vai realmente mudar alguma coisa? — Meghan perguntou com uma pontada de sarcasmo.
Ema olhou para ela, desafiadora.
— Todo mundo precisa de um herói. Se o povo não tem esperança, o que mais resta? Eles só querem alguém para colocar suas expectativas. Para dar sentido ao caos.
A conversa sobre política continuou por mais alguns minutos, cada um dando sua opinião, mas o tema era o mesmo: as promessas não cumpridas e a manipulação que acontecia por trás de tudo. No fundo, todos sabiam que nada mudaria, mas ainda assim, eles estavam presos nesse ciclo de expectativas e frustrações.
Laura sentiu um peso nas costas. Ela precisava voltar para casa, fazer as coisas dela. Se despediu de seus amigos e começou a caminhar para a estação de metrô.
— Preciso conversar com você depois, — disse Andréh, parando a caminhada dela por um instante.
Laura olhou para ele, intrigada.
— Vou indo para o metrô. A gente se fala depois. — Ela riu de nervoso, tentando disfarçar o desconforto da situação.
Andréh apenas assentiu e a deixou seguir.
Enquanto se dirigia para o metrô, Laura não conseguia deixar de pensar no que tinha acabado de acontecer. O rumo que sua vida estava tomando. As palavras de Ema sobre o povo, as esperanças... parecia que tudo se repetia, que a história nunca mudava. Ela olhou para os cartazes de candidatos que decoravam cada poste da cidade, como se fosse impossível escapar deles.
Os rostos dos candidatos estavam em todos os lugares: nas ruas, nos elevadores, no metrô. Cartazes espalhados, coloridos e agressivos. Os candidatos a presidente e governador eram os mais visados, com seus rostos estampados em todos os lados. Era claro que a batalha estava entre os três principais candidatos, e o resto parecia ser uma tentativa desesperada de preencher o vazio.
— É um saco, — ela murmurou, com um suspiro. — Faltam quatro meses, e já está assim. Imagina no dia da eleição.
Laura estava cansada de tudo aquilo. A agitação, o excesso de informações, as pesquisas, as promessas vazias. Ela tinha razão: era tudo um jogo. Um jogo de poder, de manipulação, de promessas que não significavam nada. O pior de tudo era saber que ela estava ali, participando do ciclo, da mesma forma que todos os outros.
Meghan estava certa. Ema era uma iludida, assim como o povo. Eles só queriam alguém para depositar suas esperanças, como se um novo governo fosse trazer a salvação. Era uma ilusão coletiva.
Mas Laura sabia que, no fundo, as promessas continuariam se repetindo.
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