Eu estava sufocando
Nos últimos meses, tentei ignorar os olhares de pena e desprezo do meu ex-namorado, fingindo que suas palavras não me atingiam. “Isso não é problema meu, Aurora. Você que lute.” Foram essas as últimas palavras dele antes de me virar as costas. Eu lutei. Fiz cada exame sozinha, terminei minha faculdade sozinha, preparei-me para a maternidade sozinha. Mas, agora, eu não conseguia mais.
Paris, com suas luzes deslumbrantes e seu charme inigualável, havia se tornado uma gaiola de lembranças dolorosas. Eu precisava voltar para casa. Mesmo que significasse enfrentar o que eu vinha adiando há meses.
O voo foi cansativo. Meu corpo pesado, os pés inchados, e a movimentação constante dos bebês me impediam de descansar. Quando o avião pousou, senti um misto de alívio e pavor. Não sabia o que esperava por mim.
A mansão Valmort se ergueu à minha frente imponente, com sua fachada clássica e os vitrais que refletiam a luz da tarde. Quase quatro anos fora, e ainda lembrava de cada detalhe. As escadas de mármore impecáveis, as colunas elegantes, a grande porta de carvalho que parecia mais pesada agora que eu sabia o que me aguardava do outro lado.
Respirei fundo e entrei.
O aroma do chá de minha mãe se espalhava pelo ambiente, misturando-se ao perfume floral característico da casa. Ela estava na sala de estar, folheando uma revista, elegantemente vestida como sempre, com um vestido creme e os cabelos loiros presos em um coque impecável. Quando ouviu minha voz, seu rosto se iluminou.
— Mãe. — Minha voz saiu baixa, quase hesitante.
Ela ergueu os olhos e sorriu.
— Aurora! Minha menina! Finalmente voltou!
Por um segundo, tive esperança. Mas foi apenas um segundo. Assim que sua visão desceu até minha barriga arredondada, seu sorriso desmoronou. Seus olhos se arregalaram em choque, e a xícara de chá que segurava tremulou em suas mãos.
— O que... o que é isso?
Ela se levantou de súbito, como se minha presença fosse uma ameaça.
— Mãe, eu posso explicar...
— Explicar? Aurora, você está grávida!
Seu tom elevou-se, a indignação nítida. Seu rosto corado de raiva contrastava com a expressão de puro pânico.
O som de passos firmes ecoou pelo corredor. Meu pai surgiu à porta do escritório, vestindo um terno impecável, os cabelos grisalhos alinhados como sempre. Seu olhar austero passou de minha mãe para mim e, por um breve instante, houve silêncio.
Até que ele viu minha barriga.
Seus olhos, antes apenas curiosos, encheram-se de fúria.
— O que significa isso? — Sua voz saiu fria, cortante.
Tentei me manter firme.
— Estou grávida, pai.
— Grávida? — Ele repetiu, como se a palavra fosse um insulto.
Minha mãe começou a murmurar coisas incompreensíveis, levando as mãos à cabeça, enquanto meu pai se aproximava, cada passo carregado de desaprovação.
— E onde está o pai dessas crianças? — Sua voz soava perigosa.
Engoli em seco.
— Ele não quis assumir.
Meu pai riu. Um riso sem humor, carregado de escárnio.
— Então você volta para minha casa, depois de quatro anos, grávida e sem um marido?
— Pai, eu não planejei isso. Mas são meus filhos, e eu preciso do apoio de vocês.
Minha mãe arfou, como se minhas palavras fossem um absurdo.
— Você trouxe vergonha para nossa família, Aurora! Como pôde ser tão irresponsável? E agora? Quer que criemos essas... essas crianças bastardas?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
— Mãe, por favor...
Meu pai não me deixou terminar.
— Saia da minha casa.
Um choque percorreu meu corpo.
— O quê?
— Você ouviu bem. Pegue suas coisas e vá. Não há lugar para você aqui.
— Pai, não faça isso...
— Já fez o suficiente para manchar nosso nome. Se tomou essa decisão, arque com as consequências.
Meu coração se partiu naquele instante. Não importava o quanto eu suplicasse, seus olhares frios diziam tudo. Eu estava sozinha.
Virei-me e saí, sentindo o peso de cada passo. O ar do lado de fora estava mais frio do que me lembrava, ou talvez fosse o gelo que se instalava dentro de mim.
Meus braços envolveram minha barriga em um gesto protetor.
— Vai ficar tudo bem, meus amores. Eu prometo.
Mas eu não sabia como manter essa promessa.
Caminhei sem rumo pela cidade. O céu começava a escurecer, e as luzes dos postes lançavam sombras nas calçadas. Minha mente estava um caos. Onde eu iria? O que faria?
Foi então que tudo aconteceu.
Os faróis vieram rápidos demais. Meu corpo reagiu tarde. Um som alto, o impacto, e eu fui lançada ao chão.
A dor não veio de imediato, mas a preocupação sim. Minhas mãos instintivamente seguraram minha barriga, o medo me tomando por inteiro.
Um homem saiu do carro. Alto, imponente, de terno escuro e olhar penetrante. Seu cabelo negro estava perfeitamente alinhado, e seu maxilar tenso mostrava preocupação.
— Meu Deus! Você está bem?
Eu tentei responder, mas um gemido escapou.
— Você está grávida! Droga! Eu vou chamar uma ambulância.
— Não... os bebês... — minha voz falhou.
— Calma, eu vou cuidar disso.
Ele pegou seu celular, a mandíbula travada, e fez uma ligação rápida. Antes que eu pudesse processar, ele se ajoelhou ao meu lado.
— Meu nome é Dante. Dante Morelli. Eu vou levar você ao hospital.
Então, tudo escureceu.
A claridade suave invadia o quarto branco e impessoal. Pisquei algumas vezes, tentando ajustar minha visão e entender onde estava. O cheiro forte de antisséptico e os ruídos de monitores apitando me alertaram antes mesmo de perceber a cama macia sob meu corpo.
Meu coração disparou.
Minhas mãos voaram para minha barriga, em um instinto imediato de proteção, mas o espaço vazio me fez entrar em pânico.
— Meus bebês! Onde estão meus bebês?! — Minha voz saiu trêmula, desesperada.
Uma enfermeira apareceu ao meu lado, uma mulher de meia-idade com um sorriso gentil, e segurou minha mão.
— Calma, querida. Seus bebês estão bem. Eles nasceram prematuros, mas estão fortes.
Minha respiração ficou irregular. Eu queria vê-los. Precisava sentir que estavam vivos.
Mas, então, as palavras seguintes da enfermeira me congelaram.
— O pai está com eles agora.
Eu franzi o cenho.
— O quê?
Meu coração parou por um instante. Que pai? Meu ex não queria nada com as crianças, e meu próprio pai me expulsou de casa.
A porta se abriu, e um homem alto entrou. Seus cabelos negros estavam perfeitamente alinhados, os olhos castanho-escuros carregavam intensidade, e sua expressão era séria. Ele vestia um terno caro, mas a gravata estava um pouco solta, como se tivesse passado a noite ali.
Era ele.
O homem que me atropelou.
Ele me analisou por um instante antes de falar:
— Você está bem?
Minha mente estava em frangalhos, e minha primeira reação foi atacá-lo.
— Estou bem? Eu tive meus bebês antes do tempo! Eles nasceriam no momento certo se você não tivesse me atropelado!
Ele ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Ah, me desculpe por não ter previsto que você apareceria na frente do meu carro do nada.
Eu cerrei os dentes, pronta para responder, mas minha exaustão me venceu. Suspirei e olhei para ele, finalmente questionando:
— Por que aquela enfermeira disse que o pai das crianças está com eles?
Ele pareceu desconfortável, passando a mão pelos cabelos.
— Foi um mal-entendido. Quando cheguei com você, as enfermeiras presumiram que eu era o pai e me levaram para vê-los.
Minhas sobrancelhas se ergueram.
— E você não os corrigiu?
Ele deu de ombros.
— Você estava inconsciente. Eles precisavam de alguém para assinar alguns documentos.
Respirei fundo, absorvendo as informações.
— Eu quero vê-los.
Ele assentiu.
— Já pedi para prepararem tudo para que você possa ir até a UTI Neonatal. Mas antes... Me responda uma coisa.
Eu ergui o olhar para ele, esperando.
— Você tem família?
Meu peito apertou. Pensei na frieza nos olhos de meu pai e no olhar de desgosto de minha mãe.
— Achei que tivesse. Mas eles me expulsaram de casa.
O silêncio pairou entre nós.
Então ele perguntou:
— E o pai das crianças?
Meu corpo ficou tenso, e minha voz saiu quase como um sussurro.
— Ele me abandonou.
Dante Morelli me observou por um longo tempo, seus olhos avaliando cada detalhe da minha expressão.
— Então você não tem para onde ir.
Engoli em seco, sentindo uma lágrima brotar no canto dos meus olhos.
— Infelizmente, não.
Ele suspirou, passando as mãos pelos cabelos antes de se aproximar mais.
— Se eu te fizesse uma proposta, você aceitaria?
Eu franzi o cenho.
— Que tipo de proposta?
Ele puxou uma cadeira e sentou ao meu lado, seu olhar sério e determinado.
— Preciso de uma esposa.
Minha boca se abriu levemente, sem entender se aquilo era uma piada ou um delírio da medicação.
— O quê?
Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Meu avô me deu um ultimato. Tenho três meses para me casar ou perco a empresa pela qual trabalhei minha vida inteira.
Eu ainda tentava assimilar.
— E o que isso tem a ver comigo?
Ele suspirou.
— Você precisa de um lugar para ficar. Eu preciso de uma esposa de fachada. Podemos ajudar um ao outro.
Balancei a cabeça, tentando entender a loucura daquela situação.
— Isso é insano. Você quer que eu me case com você só para manter sua empresa?
— Sim. Em troca, você e seus filhos terão segurança financeira e um lugar para viver.
Meus olhos se estreitaram.
— E o que acontece depois?
Ele inclinou a cabeça, como se já tivesse tudo planejado.
— Depois de um tempo, poderemos nos divorciar amigavelmente. Sem complicações.
Eu ri, sem humor.
— Você fala como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Ele não recuou.
— Porque para mim é. Casamentos em meu mundo são, muitas vezes, apenas contratos. E você, Aurora, está em uma situação sem muitas opções.
Meus dedos se apertaram no lençol.
— Então você quer que eu venda minha liberdade em troca de estabilidade?
Ele deu um sorriso de canto, sem desviar o olhar.
— Eu quero que você faça um acordo vantajoso para ambos. Você terá um lar para criar seus filhos, e eu manterei minha posição. Ninguém sai perdendo.
O peso das suas palavras caiu sobre mim.
Eu não tinha mais um lar. Não tinha mais ninguém. O futuro dos meus filhos dependia apenas de mim agora.
Suspirei, sentindo o peso da decisão que precisava tomar.
— Eu preciso pensar.
Dante se levantou, ajustando o terno.
— Claro. Mas não demore muito. Meu prazo está acabando.
Ele me lançou um último olhar antes de sair do quarto.
Meus olhos se voltaram para a janela.
Paris era um sonho que desmoronou. Minha família me rejeitou.
E agora, um estranho me oferecia uma vida que eu nunca imaginei.
O que eu faria?
O silêncio no quarto era ensurdecedor. Minha mente girava, repetindo cada palavra que Dante Morelli havia dito.
Um casamento de fachada.
Um contrato.
Segurança para mim e meus filhos.
Meu olhar se voltou para minha barriga ainda flácida, sentindo a ausência do peso dos meus bebês. Meu peito apertou. Eu queria vê-los.
A porta se abriu suavemente, e a mesma enfermeira de antes entrou com um sorriso gentil.
— Querida, os médicos autorizaram sua visita à UTI Neonatal. Você gostaria de ver seus bebês agora?
Minha garganta se fechou com a emoção. Assenti rapidamente, segurando as lágrimas que ameaçavam cair.
— Sim, por favor.
Ela trouxe uma cadeira de rodas, e, com sua ajuda, me levantei devagar. Minhas pernas ainda estavam fracas, mas a necessidade de ver meus filhos me deu forças.
Atravessamos os corredores brancos do hospital. O som de passos, murmúrios e monitores preenchia o ambiente, mas tudo parecia distante. Meu mundo se resumia ao que estava prestes a ver.
Chegamos à UTI Neonatal, um espaço iluminado, com incubadoras enfileiradas. Meus olhos correram pelo ambiente até que a enfermeira apontou para duas pequenas incubadoras lado a lado.
— Aqui estão seus bebês.
Meus lábios tremeram ao vê-los pela primeira vez.
Dois pequenos pacotinhos, ligados a fios e monitores, com pele rosada e feições delicadas. O coração apertou no peito.
— Posso tocá-los? — minha voz saiu como um sussurro.
A enfermeira sorriu.
— Claro. Mas com cuidado, eles ainda são muito frágeis.
Meus dedos tremiam ao tocar a mãozinha do meu filho mais velho. Ele mexeu os dedinhos minúsculos, como se reconhecesse meu toque. Uma lágrima silenciosa escorreu pelo meu rosto.
— Oi, meus amores… — minha voz quebrou, carregada de emoção. — Mamãe está aqui.
Minha filha, menorzinha, se remexeu levemente, como se respondesse.
— Eles são fortes. Estão reagindo muito bem, considerando que nasceram antes do tempo. — A enfermeira me tranquilizou.
Eu queria abraçá-los, segurá-los, nunca mais soltá-los. Mas, naquele momento, percebi algo:
Eu não tinha nada para oferecer a eles.
Nenhuma casa. Nenhuma garantia de segurança.
Minha única alternativa era um casamento que eu não queria.
Ou será que queria?
— Que nomes vai dar a eles? — a enfermeira perguntou gentilmente.
Respirei fundo, ainda acariciando os pequenos.
— Bella e Bento.
— São lindos.
Assenti, sem tirar os olhos deles. Eu precisava protegê-los.
E talvez isso significasse aceitar a proposta de Dante.
***
Algumas horas depois, já de volta ao meu quarto, minha mente não parava de trabalhar.
O que eu sabia sobre Dante Morelli?
Bem, a única coisa que eu sabia sobre ele era o que lia nas revistas. Mesmo que meus pais sempre foram de uma classe social alta, nada se comparava ao império da Família Morelli havia construído.
Dante Morelli é conhecido como o rei das indústrias financeiras. Lembro-me das reportagens que diziam que tudo o que ele tocava virava ouro, como se tivesse o Midas moderno nas mãos. Mas sua vida pessoal? Isso era um mistério. A única coisa que eu sabia, e que todos comentavam, era sua obsessão por controle e trabalho. Ele tinha 35 anos, mas parecia ser mais velho, como se o peso de suas responsabilidades tivesse envelhecido sua alma.
E eu?
Eu era uma mulher recém-formada, expulsa de casa, sem um centavo no bolso, eu tenho duas vidas que dependiam de mim.
Era isso ou voltar para as ruas com dois recém-nascidos.
Um suspiro cansado escapou dos meus lábios quando a porta do quarto se abriu.
Dante entrou, impecável como sempre, vestindo um terno escuro. Seus olhos analisaram minha expressão antes de ele se aproximar.
— Já tomou uma decisão?
Eu mordi o lábio inferior.
— Quero algumas condições.
Ele ergueu uma sobrancelha, parecendo intrigado.
— Diga.
Engoli em seco.
— Quero que meus filhos sejam registrados apenas no meu nome.
Dante franziu o cenho.
— Isso pode levantar suspeitas.
Cruzei os braços, firme.
— Não me importa. Eles são meus filhos, e ninguém vai tirá-los de mim.
Ele me estudou por alguns segundos antes de soltar um suspiro.
— Posso colocar no contrato que ninguém tiraria seus filhos, mais alguma coisa?
Assenti.
— Quero garantias de que, se algo der errado, terei uma compensação financeira para cuidar deles sozinha.
Dante sorriu de canto.
— Eu admiro sua determinação. Mas não se preocupe. Eu cumpro meus acordos.
Hesitei por um segundo, mas finalmente assenti.
— Então, eu aceito.
O sorriso de Dante aumentou levemente.
— Ótimo. Vamos oficializar isso o quanto antes.
Meu coração batia forte. Eu estava prestes a me casar com um homem que mal conhecia.
Mas se isso significava proteger Bella e Bento… então era um preço que eu estava disposta a pagar.
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