Era uma noite fria. O tipo de frio que fazia o ar parecer mais pesado e o mundo, mais quieto. Eu estava sentada no banco de trás, enrolada no meu casaco favorito, aquele roxo com capuz de pelúcia. Meu pai dirigia com cuidado, os olhos fixos na estrada coberta por uma camada de neve fresca. Minha mãe estava ao lado dele, rindo de algo bobo que ele tinha acabado de dizer. Eu adorava aqueles momentos. Nós três, juntos, como uma pequena bolha de felicidade flutuando em um mar de gelo.
- Quando chegarmos em casa, podemos fazer chocolate quente! - minha mãe sugeriu, virando-se para mim com aquele sorriso caloroso que sempre fazia o mundo parecer um pouco mais brilhante.
- Com marshmallows? - perguntei, já animada só de pensar.
- Claro, com quantos você quiser! - meu pai respondeu, rindo.
Tudo parecia perfeito. A neve caía lentamente do lado de fora, e o som dos pneus deslizando suavemente sobre a pista escorregadia era quase relaxante. Eu nunca poderia imaginar o que viria a seguir.
De repente, um barulho ensurdecedor cortou o ar, e o mundo ao meu redor se desfez em um turbilhão de luzes e gritos. A pancada veio de lado, jogando o carro para fora da estrada. Tudo aconteceu rápido demais. Os gritos da minha mãe, o som de vidro quebrando, o metal rangendo. O carro girava como se estivesse fora de controle, e eu sentia meu corpo ser jogado de um lado para o outro, incapaz de entender o que estava acontecendo.
Então... silêncio.
A única coisa que conseguia ouvir era o som da minha própria respiração. Eu estava coberta de cacos de vidro, o gosto de sangue na boca. Olhei para frente, ainda tentando processar o que tinha acabado de acontecer.
- Mãe? - chamei, minha voz era apenas um sussurro. - Pai?
Eles não responderam.
O que antes era um carro confortável e quente agora era uma jaula de metal retorcido. Minha mãe estava imóvel, sua cabeça caída para o lado, um fio de sangue escorrendo por sua testa. Meu pai... Eu nem conseguia vê-lo direito. O volante tinha sido empurrado contra seu peito, e ele estava preso. Meus olhos se enchiam de lágrimas, mas eu não conseguia chorar. Tudo parecia distante, como se eu estivesse presa em um pesadelo do qual não conseguia acordar.
[...]
Perdi meus pais naquela noite. No hospital, disseram que eu tive sorte por ter sobrevivido, mas não parecia sorte. Não sem eles. Aos nove anos, o mundo que eu conhecia havia sido destruído em um instante. Eu me tornei órfã, e a dor de saber que nunca mais ouviria as risadas deles, nunca mais sentiria seus abraços, era insuportável.
Depois do funeral, fui levada para a casa dos meus tios. Eles me acolheram, mas não por bondade. Nunca houve amor ali. Meus tios eram pessoas frias, mais preocupados com o dinheiro e as aparências do que com qualquer outra coisa. O olhar de desprezo da minha tia me queimava cada vez que eu a encarava.
- Você deveria ser grata por termos aceitado cuidar de você - ela dizia, mas eu sabia que eles nunca me quiseram.
Os dias na casa dos meus tios eram longos e sombrios. Eles me faziam sentir como um fardo, um peso que eles não queriam carregar. Eu era forçada a fazer as tarefas da casa, mesmo quando estava exausta. Qualquer erro era punido com gritos ou, às vezes, com algo pior. Havia noites em que eu me encolhia na cama, chorando em silêncio, imaginando como seria minha vida se meus pais ainda estivessem vivos.
Os abraços calorosos de minha mãe foram substituídos pela frieza cruel de meus tios. O sorriso reconfortante do meu pai deu lugar às palavras duras e à indiferença. Eu era apenas uma criança, mas já entendia o que significava ser sozinha no mundo.
Foi ali, naquela casa, que eu percebi que não podia contar com ninguém. Se eu quisesse sobreviver, precisaria fazer isso sozinha.
E assim, aos poucos, a dor foi dando lugar à determinação.
Três anos se passaram desde o acidente. Eu tinha doze anos agora, mas me sentia muito mais velha. Crescer naquela casa me forçou a amadurecer rápido. Cada dia era uma luta silenciosa, uma batalha entre suportar a dor e buscar uma forma de escapar. Meus tios não tornavam isso mais fácil. Eles estavam sempre ali, prontos para me lembrar do quanto eu era indesejada, de quanto eu era um fardo para eles.
– Você é inútil, menina. Só come e ocupa espaço – minha tia repetia, enquanto me obrigava a lavar as pilhas de pratos após o jantar, pratos que eu nem sequer tinha tocado.
Eu não respondia. Qualquer palavra, por menor que fosse, era tratada como insubordinação. E insubordinação tinha seu preço.
Naquela casa, tudo tinha um preço.
[...]
Um dos poucos lugares onde eu me sentia à salvo era no quarto pequeno e abafado que me deram, no sótão. Não havia muita coisa lá, só uma cama velha, uma escrivaninha quebrada e, em um canto, um computador antigo que meu tio jogou fora. Ele achava que estava quebrado, mas eu, por curiosidade, passei noites inteiras tentando consertá-lo.
Levei dias para entender como as peças se encaixavam, como os cabos funcionavam. As primeiras tentativas de ligar o computador foram frustrantes, mas eu não desisti. Tinha aprendido que desistir não era uma opção. Quando, finalmente, a tela piscou e o sistema iniciou, senti uma onda de adrenalina como nunca antes. Foi como abrir a porta para um novo mundo, um mundo onde eu poderia ser qualquer coisa, menos a garota insignificante que meus tios viam.
Ali, eu não precisava ser fraca. Ali, eu tinha controle.
Comecei a aprender sozinha. Eu passava horas lendo sobre programação, sistemas, segurança. O computador se tornou meu refúgio, e a tecnologia, minha obsessão. Eu conseguia ficar horas e horas presa na tela, fascinada por tudo o que descobria, enquanto lá embaixo meus tios brigavam ou me mandavam fazer tarefas.
[...]
– Por que a cozinha ainda está suja? – minha tia apareceu certa noite, os olhos faiscando. – Eu não te disse para limpar direito?
– Eu limpei – murmurei, sem sequer me virar. O cansaço pesava em minhas pernas, mas eu mal conseguia deixar o computador de lado.
O tapa veio antes que eu pudesse reagir. Minha cabeça girou com a força do golpe, o rosto queimando com a dor.
– Não me desafie! – ela gritou, segurando meu braço com força e me arrastando até a cozinha. – Vai limpar agora, e dessa vez direito!
Eu não lutei. Eu nunca lutava. O que ganharia com isso? Ela teria apenas mais um motivo para me castigar. Em vez disso, guardei o ódio e a dor no fundo do meu peito, como sempre fazia, e fiz o que ela mandou.
[...]
À noite, depois de mais um dia longo de insultos e agressões, voltava ao computador. A tecnologia era a única coisa que não me tratava como lixo. Quando eu me conectava, o mundo lá fora desaparecia. Eu me sentia livre. E, pela primeira vez, tive a sensação de que poderia usar aquilo a meu favor.
Enquanto as crianças da minha idade sonhavam com futuros brilhantes e cheios de oportunidades, eu sonhava com liberdade. E, para ser livre, eu precisava de dinheiro. Muito dinheiro.
Percebi que era boa em mexer com códigos, e quando comecei a explorar redes mais complexas, percebi que poderia fazer muito mais do que simplesmente navegar na internet. Ali, nos cantos mais obscuros da rede, encontrei formas de transformar meu conhecimento em algo rentável.
Hackers falavam sobre como driblar sistemas, como roubar informações, como manipular dados. Eu estava aprendendo a fazer isso. E quanto mais aprendia, mais via uma saída para a vida miserável que levava.
Naquele velho computador, no canto escuro do sótão, comecei a construir minha rota de fuga. Eu não era mais a órfã indefesa. Não por muito tempo.
Seis meses se passaram desde que comecei a mergulhar fundo no mundo da programação e da segurança digital. Eu aprendia rápido. Cada dia que eu passava naquela casa me dava mais vontade de escapar, e cada noite que eu passava no meu quarto, diante daquele computador velho, me trazia um pouco mais de esperança. Hackear sistemas não era apenas um passatempo ou um desafio. Era uma saída.
Eu me dedicava como nunca. O que antes era curiosidade, agora era habilidade. Entendia de códigos, conhecia falhas de segurança em redes e, o mais importante, sabia como usar isso a meu favor.
Mas a vida fora do quarto continuava um inferno.
– Você acha que pode ficar deitada o dia inteiro nessa porcaria de quarto? – meu tio gritou da porta, me assustando. Eu tinha acabado de descer para buscar algo na cozinha, e a presença dele ali, com aquele cheiro de álcool, só piorava tudo. – Eu trabalho o dia inteiro pra te sustentar, e o que você faz? Nada!
Eu me encolhi, segurando o copo de água, sentindo o estômago embrulhar de medo e raiva.
– Eu ajudo... – tentei dizer, mas ele me interrompeu.
– Ajudar? Você é um peso morto! Se eu soubesse que ia ser assim, teria te mandado pra um orfanato no primeiro dia que pisou aqui!
Ele se aproximou, seus olhos vidrados de raiva e desprezo. Eu tentava me afastar, mas estava encurralada na cozinha.
– Você não passa de uma ingrata! Sua mãe e seu pai ficariam envergonhados de ver o que você virou – ele cuspiu as palavras com ódio. – Não sei por que aceitamos te criar. Devíamos ter te deixado no carro com eles!
Essas últimas palavras foram como facadas. Mesmo depois de tanto tempo ouvindo aquelas coisas, elas ainda me machucavam profundamente. Eu me forcei a não chorar ali, na frente dele. Sabia que ele se alimentava disso. Ele adorava me ver quebrar.
Sem dizer mais nada, me virei e voltei para o meu quarto, fechando a porta com força. Lá, eu desabei.
As lágrimas vieram, pesadas e dolorosas. Por que eu tinha que passar por isso? Por que minha vida se resumia a ser humilhada, a ser maltratada por pessoas que deveriam cuidar de mim? Era como se toda a minha existência fosse um erro.
Mas, enquanto chorava, meus olhos se voltaram para o computador, o único lugar onde eu ainda tinha controle. Me aproximei, liguei a máquina, e as lágrimas continuaram a cair enquanto os códigos e sistemas apareciam na tela.
Naquele momento, decidi que não iria mais aceitar ser pisoteada.
Já sabia hackear pequenas redes, roubar dados simples. Agora, queria algo maior. Algo que pudesse mudar tudo. Meus dedos corriam pelo teclado enquanto minha mente calculava cada movimento. Eu estava conectada a uma rede que discutia vulnerabilidades de segurança em grandes sistemas. Um servidor específico chamava minha atenção há algum tempo, algo pesado, protegido por várias camadas de segurança.
Com um misto de adrenalina e raiva, comecei a invadir.
Era mais difícil do que qualquer coisa que eu já tinha feito antes, mas não parei. Durante horas, trabalhei, quebrando uma barreira de segurança após a outra, até que, por fim, consegui acesso.
Naquele servidor, encontrei um arquivo. O título era inofensivo, mas quando o abri, percebi que estava diante de informações confidenciais. Eram dados sobre pessoas importantes, ricas, influentes. Suas transações ilegais, seus esquemas, seus segredos. Era o tipo de coisa que poderia arruinar qualquer um.
Eu olhei para a tela, o coração acelerado. Ali, naquele momento, eu soube que tinha encontrado minha saída. Com aquelas informações, eu poderia começar a virar o jogo. Poderia finalmente ter uma chance de escapar daquela vida miserável.
Eu limpei as lágrimas do rosto, olhando para a tela do computador com determinação. Naquele momento, minha vida estava prestes a mudar para sempre.
Com o tempo, fui ficando cada vez mais confiante nas minhas habilidades. Aos quatorze anos, o que começou como um pequeno experimento virou um jogo perigoso, mas altamente lucrativo. Por um ano inteiro, invadi sistemas e coletei informações comprometedoras sobre pessoas importantes – políticos, empresários, magnatas. Suas transações ilegais, adultérios, fraudes fiscais... Eu sabia tudo. E com isso, sabia que tinha o poder nas mãos.
Comecei a mandar mensagens anônimas para algumas dessas pessoas.
"Se não quiser que o mundo saiba sobre o seu envolvimento em fraudes fiscais, vai depositar cinquenta mil libras na minha conta até o final da semana – digitava, enviando uma das muitas ameaças que agora faziam parte da minha rotina."
O medo dessas pessoas de perderem suas reputações era meu trunfo. Eles pagavam sem fazer perguntas. Não podiam arriscar que alguém descobrisse o que tinham feito, e isso era perfeito para mim. A cada ameaça, a cada transação, mais dinheiro entrava na minha conta.
Mas com tanto dinheiro, eu sabia que precisava ser cuidadosa. Precisava esconder a origem dessas quantias e transformar aquele dinheiro sujo em algo "limpo", algo legal. Eu já estava acumulando muito para chamar a atenção. Foi aí que a ideia surgiu. Eu precisava criar uma fachada, um disfarce.
Passei a trabalhar discretamente, longe dos olhares dos meus tios. Comecei a oferecer pequenos serviços de tecnologia para vizinhos e conhecidos da região. Manutenção de computadores, ajuda com sistemas, aulas de informática para idosos. Tudo o que eu pudesse fazer sem levantar suspeitas.
– Ah, você conserta computadores? – uma vizinha perguntou certa vez, com um sorriso simpático, segurando uma máquina antiga nas mãos.
– Sim, posso dar uma olhada para você – respondi, com a mesma gentileza, mesmo sabendo que aquilo era o menor dos meus problemas.
Esses trabalhos não rendiam muito dinheiro, mas serviam ao seu propósito. Cada libra que eu ganhava com esses serviços era uma forma de justificar as quantias maiores que estavam entrando na minha conta. Aos olhos de qualquer um, eu era apenas uma adolescente talentosa e dedicada, que tinha uma pequena renda com seu trabalho honesto.
O que ninguém sabia era que, por trás dessa fachada, eu estava controlando pessoas poderosas. Eles eram como peões no meu tabuleiro, e eu era a mestre do jogo. Quanto mais eu ameaçava, mais dinheiro eles me davam, e quanto mais dinheiro eu conseguia, mais me aproximava do meu objetivo final: sair da sombra dos meus tios.
Mas isso era apenas o começo.
Meus tios, claro, não sabiam de nada. Para eles, eu era a mesma menina insignificante de sempre. A cada vez que me insultavam, me humilhavam, eu apenas sorria por dentro. O que eles não sabiam é que, em breve, eu não precisaria mais deles. Eu estava prestes a construir algo maior do que qualquer um poderia imaginar.
E o melhor de tudo: ninguém jamais desconfiaria que, por trás da garota quieta e sofrida, estava a mente que controlava segredos tão poderosos.
Minha reputação como "a menina boa com computadores" começou a crescer pela cidade. Cada vez mais pessoas me procuravam para serviços. O dinheiro começava a entrar de maneira mais consistente, e o que antes era apenas um disfarce se tornou uma forma real de construir um fundo que pudesse justificar tudo o que eu ganhava.
– Você pode consertar meu laptop? – me perguntou o gerente de uma loja local.
– Claro. Vai ser rápido – respondi, já acostumada com esse tipo de serviço.
Meus dias começaram a se dividir entre os trabalhos pequenos e a vida por trás da tela, onde eu controlava milhões em dinheiro sujo e o "limpava" pouco a pouco. A cada semana, recebia novos depósitos secretos de empresários desesperados, políticos medrosos, ou qualquer outro influente que não queria ver seus segredos expostos. Eu sabia o poder que tinha sobre eles.
Com o tempo, criei duas contas bancárias. Uma, onde guardava o dinheiro das chantagens, estava sempre sob vigilância e era cuidadosamente protegida para que ninguém pudesse rastrear suas transações. A outra, a "conta limpa", era onde eu depositava o dinheiro dos meus trabalhos honestos na cidade, fruto dos pequenos consertos e manutenções. Sempre que recebia um grande montante de dinheiro sujo, eu movia uma parte para a conta limpa, diluindo as transações aos poucos, para que não chamassem atenção.
Meus tios, porém, eram uma pedra no meu sapato. Sempre me tratando mal, sempre exigindo mais do que eu podia dar. Não sabiam o que eu fazia, mas começaram a desconfiar que havia algo a mais. Certo dia, eles me pegaram voltando para casa com uma pilha de dinheiro – fruto dos trabalhos honestos que eu fazia.
– O que é isso? – minha tia gritou, arrancando o dinheiro da minha mão.
– Meu dinheiro, dos trabalhos que fiz na cidade – respondi, já esperando o confronto.
– Então está trabalhando pelas costas da gente? – meu tio interveio, com o rosto vermelho de raiva.
– Sim, e daí? – repliquei, com a voz firme. – Vocês não se importam comigo, nunca se importaram. Tudo o que faço é para sair daqui.
Minha tia me olhou com um desprezo que eu já conhecia bem, mas dessa vez havia algo diferente. Ela estava furiosa.
– Se está ganhando dinheiro, então deve uma parte pra gente – ela exigiu, apontando o dedo na minha cara. – Vivemos te sustentando! Você mora debaixo do nosso teto, come a nossa comida. Acha que vai trabalhar e ficar com tudo sozinha?
Meu tio concordou, cerrando os dentes.
– Se não der uma parte do que ganha, vamos te colocar pra fora.
A raiva crescia dentro de mim, mas eu mantive a calma.
– Eu não vou dar dinheiro nenhum pra vocês – declarei, cruzando os braços.
– O quê? – minha tia gritou, incrédula.
– Não vou. Esse dinheiro é meu, e não devo nada a vocês. Vocês me maltrataram a vida toda. Eu não devo nada pra quem me fez tanto mal.
Os dois se aproximaram, me encarando com a mesma ferocidade de sempre, mas dessa vez, eu não me intimidei.
– E se tentarem mexer no meu dinheiro – continuei, com a voz gelada – boa sorte. Tudo está em uma conta no banco, com meu nome. Vocês não podem tocar nisso.
Os rostos deles empalideceram por um instante. Eles não tinham como acessar minhas contas, e sabiam disso. O medo de perder o controle sobre mim fez com que eles recuassem.
– Vamos ver até quando você consegue se segurar, mocinha – minha tia resmungou, mas eu vi que ela sabia que tinha perdido.
Eu tinha finalmente ganho um pouco de poder sobre eles. O dinheiro que eu acumulava me dava uma liberdade que eles não podiam controlar. Mesmo assim, eu sabia que essa era apenas uma batalha pequena. Ainda havia muito a ser feito para eu me livrar completamente deles.
E por enquanto, eu seguiria mantendo meus segredos intactos. Enquanto meus tios dormiam tranquilos à noite, eu ficava acordada até tarde, digitando no computador, manipulando informações, criando redes seguras, fazendo transferências, apagando rastros.
Se eles soubessem o que eu realmente fazia...
Alguns meses se passaram desde o confronto com meus tios, e a vida em casa só piorou. Eles não me deixavam em paz. Minha tia me olhava com um desprezo ainda maior do que antes, e meu tio não perdia a oportunidade de me humilhar. A tensão dentro de casa era insuportável, e qualquer coisa que eu fizesse parecia um motivo para um ataque verbal.
– Você acha que é melhor que a gente agora, não é? – minha tia vociferava quase toda noite. – Só porque ganha um trocado com esses computadores ridículos? Você é só uma pirralha ingrata!
Eles exigiam mais, faziam ameaças, e eu sabia que estava em uma situação cada vez mais delicada. Meus trabalhos pela cidade eram bons, mas não rendiam o suficiente para me tirar desse inferno. O dinheiro sujo que eu escondia na outra conta estava lá, intacto, mas eu não conseguia usá-lo abertamente sem levantar suspeitas.
Eu precisava de um plano melhor. Precisava de uma forma de movimentar aquele dinheiro sem chamar a atenção. Foi aí que me veio a ideia: investimentos.
Comecei a estudar tudo o que podia sobre o assunto. Passava horas na internet, lendo sobre como o mercado financeiro funcionava, sobre ações, criptomoedas, e qualquer coisa que pudesse me ajudar a multiplicar o dinheiro. Eu não tinha muito tempo para aprender, mas o pouco que conseguia ler e entender já me dava ideias de como sair daquela situação.
No início, foi difícil. Havia muita coisa para aprender e entender, mas eu me mantinha firme. Minha rotina agora era um ciclo de trabalho, estudo e planejamento. De dia, eu fazia meus serviços pela cidade, como consertos e manutenções, e de noite, me debruçava sobre gráficos e números, testando pequenos investimentos. Comecei a perceber que eu era boa nisso. O risco me excitava de certa forma, assim como a sensação de controle que ganhava com cada transação bem-sucedida.
Depois de alguns meses de estudo, meus lucros começaram a aumentar de forma visível. As pessoas que antes desconfiavam de como eu estava ganhando tanto dinheiro passaram a acreditar que era fruto de meus "investimentos", uma justificativa que funcionava perfeitamente. Agora, eu conseguia movimentar o dinheiro sujo para minha conta normal, sem levantar suspeitas. Eu usava os ganhos de meus investimentos como uma fachada, dizendo que o dinheiro vinha dali.
Quanto mais dinheiro eu movimentava, mais meus tios se enfureciam. Eles sabiam que algo estava acontecendo, mas não conseguiam provar nada. Eu era cautelosa, cuidadosa, sempre um passo à frente.
– Como você consegue tanto dinheiro, hein? – minha tia perguntava, me encarando com os olhos cheios de desconfiança.
– Investimentos – eu respondia com um sorriso que a deixava ainda mais irritada.
A verdade é que eu estava me aproximando do meu objetivo. E por mais que meus tios tentassem me controlar, eu sabia que, em breve, teria o suficiente para me livrar deles de uma vez por todas.
Algumas semanas se passaram,e o clima em casa estava insuportável. Meus tios não se conformavam com a minha independência, e a cada dia que passava, eles encontravam novos motivos para me atacar. O ressentimento deles crescia à medida que viam que não podiam colocar as mãos no meu dinheiro, e eu sabia que uma hora a situação ia explodir. E foi o que aconteceu.
Uma noite, após mais um dia de trabalho, entrei em casa e fui diretamente para o meu quarto. Estava exausta, mentalmente e fisicamente, mas ao passar pela sala, vi meu tio sentado, bebendo, com uma expressão amarga. Ele me encarou com desprezo e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, começou.
– Garota ingrata – ele cuspiu as palavras. – Está se achando a dona do mundo agora? Ganhar dinheiro e nem sequer ajudar quem te criou!
Tentei ignorá-lo, como fazia todos os dias, mas naquele dia, a tensão era demais. Eu estava cansada de me segurar, cansada de ser o alvo constante da frustração dele.
– Vocês não me criaram – rebati, com a voz firme. – Vocês só me mantêm aqui porque me veem como um peso. E agora, só estão irritados porque não podem roubar meu dinheiro. Eu não devo nada a vocês.
Foi o suficiente para acender a faísca. Meu tio se levantou de repente e veio em minha direção, com o rosto vermelho de raiva.
– Como ousa falar assim comigo? – Ele avançou e, antes que eu pudesse reagir, senti o primeiro tapa em meu rosto. O choque da agressão me fez recuar, mas ele continuou. – Eu te dei um teto, comida, e é assim que você me retribui?
Minha tia, que até então estava calada, se juntou ao ataque verbal.
– Você devia ser mais grata! Não estaria viva se não fosse por nós! E você nunca foi nada além de um fardo!
A dor física era suportável, mas as palavras... aquelas palavras me cortavam como facas. E era isso. Aquilo foi a gota d'água. Eu não aguentava mais.
Sem dizer uma palavra, subi para o meu quarto, o rosto ainda latejando, mas minha mente já decidida. Arrumei minhas coisas em silêncio, com as mãos trêmulas, mas uma sensação de alívio me dominava. Peguei tudo o que precisava – o mínimo necessário. O dinheiro que eu tinha guardado seria suficiente para me manter por um tempo.
Desci as escadas uma última vez, com a mala nas mãos. Eles me olharam, confusos, sem entender o que estava acontecendo.
– Onde você pensa que vai? – minha tia perguntou, com uma voz carregada de desdém.
– Eu vou embora – disse calmamente, sem olhar para trás. – Não preciso mais de vocês.
E, antes que pudessem reagir, atravessei a porta. Eu não sabia para onde estava indo, mas qualquer lugar seria melhor do que aquele inferno.
[...]
Nos dias seguintes, fiz o que sabia de melhor: usei minhas habilidades para criar uma nova identidade. Eu sabia que seria difícil, mas era minha única saída. Afinal, com apenas 14 anos, eu não poderia alugar um lugar ou sequer sobreviver sozinha sem uma identidade falsa. Hackeei sistemas locais e criei documentos falsos. Eu agora era uma jovem de 18 anos, independente e capaz de alugar uma pequena casa longe dos meus tios.
Era um lugar simples, escondido em uma parte mais afastada da cidade. Pequeno, mas meu. O aluguel era baixo e, graças ao dinheiro que ganhei – legal e ilegal –, eu poderia me sustentar por um tempo.
Sentada no colchão velho no meio da sala vazia, não pude evitar pensar em tudo o que tinha passado. Meus tios tinham me privado de muitas coisas. Eles até me impediram de ir à escola, achando que seria uma perda de tempo e de dinheiro. Para eles, eu era só uma boca extra para alimentar, e educação não era prioridade.
– Ir para a escola era uma perda de tempo, não é? – murmurei para mim mesma, olhando para o vazio. – Mas aqui estou eu, morando sozinha e ganhando mais dinheiro do que eles jamais conseguiram. Mesmo que de forma ilegal.
Eu sabia que meu caminho estava longe de ser o ideal. Sabia que o que eu estava fazendo era perigoso. Mas naquele momento, a liberdade que eu tinha conquistado, mesmo que fosse construída sobre uma mentira, era o suficiente para me manter de pé. Eu estava sozinha agora, e pela primeira vez, isso não me assustava.
Com a liberdade recém-conquistada, eu sabia que tinha que continuar crescendo. Meus tios estavam fora da minha vida, mas o medo de ser arrastada de volta para aquele inferno ainda me assombrava. Por isso, me dediquei mais do que nunca ao que eu fazia de melhor: trabalhar. Eu me joguei no meu pequeno universo de chantagens, mantendo uma rede de pessoas influentes sob controle enquanto expandia meus trabalhos legais e, agora, meus investimentos.
Estudava obsessivamente sobre o mercado financeiro, aprendendo a investir com precisão. Aos poucos, minha vida financeira se estabilizava, e uma ideia ousada começou a tomar forma. Eu tinha que criar algo maior, algo que me protegesse e que, ao mesmo tempo, fosse uma fachada impecável para lavar o restante do meu dinheiro sujo. Foi assim que decidi abrir minha própria empresa de tecnologia.
Usei os contatos que tinha conseguido com meus trabalhos limpos e, com a ajuda do reconhecimento que fui ganhando na área de tecnologia, comecei a recrutar os melhores peritos possíveis. Eles eram especialistas em todas as áreas: desde a criação de jogos, passando por aplicativos, até a construção de sistemas robustos para empresas. No início, eram apenas poucos funcionários, mas, com o tempo, mais e mais pessoas se interessavam em trabalhar para mim. A empresa crescia a cada mês.
[...]
Um ano se passou. Eu tinha 15 anos e mal conseguia acreditar no que havia acontecido. A empresa que criei explodiu de uma maneira que eu nunca imaginei ser possível. Eu tinha me tornado uma referência no país, conhecida pelo jeito meticuloso com que gerenciava a empresa. Minhas habilidades em tecnologia me colocaram no topo de um mercado competitivo, e os melhores profissionais vinham até mim, querendo fazer parte do meu império.
Minha empresa agora era gigante, e o melhor de tudo: o dinheiro sujo que eu havia acumulado estava se tornando limpo, facilmente misturado aos ganhos legais. Eu estava milionária, com uma reputação limpa e, mais importante, com uma fachada impecável. Agora, eu tinha poder e influência para manter qualquer um que ousasse me ameaçar à distância.
Com esse sucesso, comprei um apartamento de cobertura, longe de qualquer vestígio da minha antiga vida. Não precisava mais da identidade falsa; era finalmente livre para ser quem quisesse. A cobertura era tudo o que eu sempre quis: ampla, moderna, e com uma vista incrível da cidade. Meus dias eram de conforto, e eu finalmente respirava em paz. Pelo menos, por enquanto.
[...]
Numa noite calma, eu estava deitada no sofá, descansando após mais um dia de trabalho intenso. O som do teclado do computador, que havia se tornado quase uma trilha sonora constante na minha vida, estava ausente. Era uma noite rara de tranquilidade, até que uma notificação inusitada piscou na tela.
Levantei, intrigada, e fui até o computador. O que vi fez meu sangue gelar. Alguém havia hackeado meu sistema. Não apenas invadido, mas deixado uma mensagem clara: minha identidade secreta como chantageadora tinha sido descoberta. Em um segundo, tudo o que construí parecia à beira de um colapso. Quem quer que fosse, sabia que estava controlando pessoas poderosas, e agora eles iriam atrás de mim.
Desesperada, tentei rastrear a origem do ataque, mas a pessoa era habilidosa, muito habilidosa. Não deixaram rastros que eu pudesse seguir. A única coisa que restou foi o pânico. Sabia que quem descobriu não ficaria de braços cruzados. Pessoas influentes não perdoam, e eu estava certa de que eles queriam se vingar.
[...]
Nos dias seguintes, coisas estranhas começaram a acontecer. Percebia que alguém me seguia nas ruas, mas nunca conseguia ver quem era. O carro que eu usava para me locomover, sempre impecável, de repente começou a apresentar defeitos inexplicáveis. As portas travavam sem motivo, o freio falhava em momentos críticos. Passei a viver sob constante paranoia, e a sensação de que qualquer um ao meu redor poderia estar envolvido se tornava cada vez mais sufocante.
Os funcionários da empresa, que antes eram apenas rostos amigáveis, agora pareciam suspeitos. Ninguém me passava confiança. Eu estava em uma situação delicada, sem saber em quem confiar.
Decidi voltar para casa a pé. A ideia de estar presa em um carro que poderia falhar a qualquer momento me deixava em pânico. Meu motorista, sempre cuidadoso, me assegurou que tudo estava perfeito, mas a paranoia havia tomado conta. Andar pelas ruas movimentadas de Londres me deixava mais tranquila, e a noite estava fresca e silenciosa, o que me permitia pensar.
Os arranha-céus se erguiam como sombras ao meu redor, e, à medida que caminhava, tentava me concentrar em outras coisas: o sucesso da empresa, os investimentos que estavam indo tão bem, as mudanças que planejara para o futuro. Quando finalmente me aproximei de casa, decidi cortar caminho por um beco que conhecia. Era uma decisão impulsiva, mas às vezes os atalhos pareciam irresistíveis.
Entrei no beco e, à medida que a escuridão me envolvia, uma sensação de desconforto começou a crescer dentro de mim. O som dos meus passos ecoava nas paredes estreitas. Meu coração acelerou. Algo não parecia certo.
Então, vi uma figura. Um homem de cabelos ruivos estava de costas, e, em um movimento brusco, ele atacou uma sombra no chão. A cena se desenrolou diante dos meus olhos em câmera lenta, um terror indescritível tomando conta de mim. Meu corpo paralisou. Ele estava assassinando alguém, e a cena era brutal.
Quando o homem se virou, o olhar em seus olhos verdes me fez gelar. A ameaça que emanava dele era palpável, e um arrepio percorreu minha espinha. Ele não parecia surpreso ao me ver; na verdade, havia um sorriso enigmático em seus lábios.
A realidade do momento me atingiu como um soco no estômago. Eu estava no lugar errado, na hora errada, e agora, ao invés de voltar para casa em segurança, eu havia entrado em um pesadelo. O que aconteceria a seguir? A resposta estava prestes a se desdobrar em um instante.
E ali, no escuro, tudo que construí e lutei para proteger estava em risco.
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