Oi, o meu nome é Lee, Lee Matsuka Arata Júnior.
É, eu sei... Um nome estranho. Foi coisa do meu pai, somos descendentes de japoneses e ele acha importante manter as nossas raízes, só que ele quis fazer uma homenagem às nossas raízes e para ele também abrasileirando o nome.
Meus pais já eram casados a 21 anos quando conseguiram engravidar e levar a gestação até o fim. Tentaram de tudo por anos, perderam 3 bebês até eu chegar na vida deles. Gastaram muito dinheiro para ter um filho, aí eu nasci. Minha mãe sofreu muito e quando eu nasci decidiram que eu seria o suficiente. Ou seja, todo amor, atenção e todas as infindáveis expectativas deles caíram sobre mim.
Minha mãe já tinha 42 anos quando engravidou, e isso só aconteceu depois de 7 procedimentos de inseminação artificial que deram errado. Eles queriam muito mesmo! Meu pai já tinha 50 e não tinha mais esperança, só que nunca soube dizer não. E é por isso que agora eu tenho 22 anos e meus pais parecem ser os meus avós.
Eu os amo, foram pais maravilhosos,me deram tudo o que podiam e não podiam, só que em contrapartida eles esperam coisas demais de mim. Me tornei o centro do universo deles e isso pesa muito pra mim. A cada dia que passa vejo que para agradar preciso ser menos eu e muito mais o que eles querem que eu seja. Sempre fui o quieto, calado que fica na minha. Sempre fui mais ouvinte.
Só que percebi desejos sexuais diferentes e isso fez eu viver um inferno comigo mesmo. Eu ser defeituoso seria uma afronta a tudo que meus pais fizeram por mim. A nossa cultura não aceita, o sonho deles serem avós não permite isso, é a contramão de tudo que é esperado de mim. E por isso me sinto muito mal por ser como sou. Dói!
Quando furei as orelhas e coloquei o piercing na boca foi um choque, meu ato de rebeldia. Minha mãe conta os dias para eu tirar tudo, também fiz algumas tatuagens, só que eles nem sonham. Comecei a fazer tudo isso aos 18, na tentativa de extravasar algo de dentro para fora, talvez isso seja tudo quaíé sobre quem sou de verdade, viver no personagem dói pra caralho! Ser apaixonado pelo meu amigo é desesperador por tudo que preciso ser, no sol eu preciso ser normal, só posso ser quem sou nas sombras.
E ai galera, eu sou o Fê.
Na verdade, Felipe Matos Vilaça. Mas, ninguém me chama assim. Sou o filho mais velho em uma família de 5. Meus pais me fizeram quando minha mãe tinha só 15 anos, sou "o presente" de debutante dela. Óbvio que não fui planejado. Para uma família de interior, engravidou \= casou. Hoje tenho 21 anos e a minha mãe só tem 37. Se ela se cuidasse, poderia passar por minha irmã mais velha.
Meu pai não é um cara legal. Traiu ela incontáveis vezes, mas "casamento é para sempre" cresci vendo minha mãe sofrer e engravidar. Depois dos meus 7 anos ela fez isso mais 4 vezes! Isso mesmo. Ela aos 22 anos achou que engravidar era uma ótima opção para amansar o marido. Coitada, estava tão enganada.
Em uma sociedade machista em que o cara coloca comida na mesa e a mulher é dona de casa, ela não tinha recursos, e eu sabia que tinha sido um peso maior para ela. Meu pai curtiu sua juventude, os amigos, mulheres, farras e o que quer que ele quisesse enquanto ela se lascava em casa com a gente. Desde cedo eu soube que ela me amava, ainda assim eu me sentia um um peso.
Meu pai saía falando: "você fica para cuidar dos meninos" "ela num gosta de sair ". Nunca ouvi ele convidar ela, vejo as fotos e minha mãe foi linda, hoje é só o reflexo desbotado deste passado cada vez mais distante. Tenho um irmão de 14 anos, o Bernardo, uma de 9 a Laís e uma de 5 a Dudinha, o xodó da família. Sinto falta deles, não de casa.
Não do que eu via diariamente naquela casa que não era um lar. Eu precisei me afastar para não enlouquecer, me afastar para poder voltar, para poder ser o que a minha família precisa, no caso, minha mãe e meus irmãos precisam que eu seja. Tenho vários colegas e alguns amigos que se tornaram minha família no Rio de Janeiro. Quando passei na UFRJ eu só sabia de uma coisa, eu precisava ir! A faculdade e o trabalho são o meu passaporte para um futuro com paz, traria a vida da minha mãe de volta.
Viver em outro estado longe de toda família faz com que eu tenha mais tempo, tempo que uso para estudar, ou trabalhar mais para conseguir algum dinheiro. Apesar da faculdade ser de graça, viver na cidade maravilhosa não é! Divido apartamento com outros 3 caras, quando me mudei dividia até quarto. Agora já não tô tão mal assim. Eu estudo no turno da manhã, e às vezes tenho algumas aulas a tarde.
Tenho uma bolsa de iniciação científica na faculdade que paga minha alimentação e trabalho à noite em uma boate onde eu faço de tudo, sou segurança quando precisa, sou DJ quando não tem outra opção, sou barman que foi a função para a qual fui contratado oficialmente, e sou promoter em noites específicas.
Este acúmulo de funções faz eu juntar dinheiro e ajudar minha mãe e meus irmãos, porque dinheiro trás dignidade. Não quero que ela precise pedir dinheiro ao meu pai até para comprar uma calcinha. Não são poucas as memórias dele humilhando ela por causa de dinheiro. Meu sonho é vencer e dar uma vida nova para ela, dar à ela oportunidade de sorrir, longe dele.
Minha vida tem foco, não sou um cara de relacionamentos, quem me conhece sabe. Eu fico com várias garotas, só por diversão, elas sabem o que devem esperar de mim.
Enfim faculdade!
Morei em São Paulo a vida inteira, mas eu sempre quis estudar em outro lugar, longe. Minha intenção original era o exterior. Mas, tentar convencer pais extremamente protetores disso aos 18 anos foi impossível. Assim que terminei o ensino médio eu viajei para o exterior fui fazer um intercâmbio em Tokio e viver um pouco o mundo.
Meus pais deram um jeito de familiares aparecerem para dar uma conferida e eles mesmo foram me visitar 2x! Pais protetores? Temos! Não reclamei, nesta circunstância até foi bom. Meu combinado era ir e voltar, e eles me lembravam disso diariamente. Foi fantástico viver com tanta liberdade.
Por isso quando passei em vários vestibulares eu decidi escolher uma boa faculdade em outro estado. Eu me sentia sufocado, meus pais acharam isso um absurdo. Dividir casa era um absurdo, viver sozinho era perigoso, tudo era problemático e eu não sou de brigas e imposições. Então, eu aos 19 anos lutei para convencê-los. Por fim, eles iam me dar esta liberdade, mas escolheram onde eu moraria, definiram que seria sozinho e perto da faculdade. O percurso com o carro novo que me deram dava 10 minutos, porque obviamente eu não poderia usar transporte público, isso seria o fim do mundo para eles!
No meu primeiro dia foram comigo até lá, na verdade a primeira semana inteira. Eles fizeram questão de montar um quarto para eles no meu apartamento, assim poderiamos ficar pertinho quando quiséssem. O combinado era ficar no máximo 15 dias sem visitar, então eu podia escolher ir ou recebê-los na minha casa. O primeiro mês foi horrível, eles me enlouqueceram. Ligavam a cada hora, principalmente a minha mãe. Precisei brigar para combinar no máximo duas ligações por dia. E não seria de vídeo, só se eu quisesse.
O curso de TI sempre foi meu plano original, sempre gostei da área de criação e tecnologia. Meu sonho era desenvolver softwares, redes, talvez games, também gostava de robótica. Ainda não tinha certeza da minha área de atuação, mas sabia que seria algo dentro disso.
Eu estava no segundo mês da faculdade quando vi o Felipe pela primeira vez, mais precisamente em uma aula de robótica, ele se sentou duas cadeiras depois da minha. Eu vi quando entrou na sala e subiu três fileiras escolhendo um lugar. Alto, forte, o cabelo era um loiro escuro, e os olhos, o que era aquilo? Seriam de verdade? Verdes, extremamente verdes, um tom muito claro do tipo hipnóticos. Eu precisei abaixar a cabeça para parar de encarar ele antes que me percebesse.
Não nos falamos naquele dia nem nos 2 meses seguintes, ele sempre estava batendo papo com alguém, nunca era eu, ele nem sabia da minha existência até aquele momento. Foi só no quarto mês em que estávamos estudando juntos que nos conhecemos. O professor deu um projeto em grupo de 7 pessoas, e por obra do destino ficamos no mesmo grupo. Seriam dois meses trabalhando juntos.
E aí cara? Tranquilo? - disse me estendendo a mão, o sorriso largo de um cara que sabe ser simpático, o extremo oposto do que eu era. Senti sua mão calejada, áspera na minha que parecia de uma seda. - Eu sou o Felipe.
Lee. - Não falei mais que isso, fiquei constrangido com ele. E se ele achasse que eu o estava encarando?
Você é brasileiro? - perguntou, deve ter pensado que eu não sabia falar português. Eu só estava morrendo de vergonha mesmo.
Sim, paulista. - Ele balançou a cabeça até que um idiota chamado Ian chegou segurando meu ombro.
Esse é o dorama. Ele é coreano. - um idiota que nunca soube meu nome, falou zoando como outros vinham fazendo a alguns dias, eu olhei para o nada. Quis sair de lá.
Sua família é coreana? - Felipe perguntou interessado
Não, vieram do Japão.
Gente, podemos começar? - a única garota do grupo chamou a atenção de todos e para minha sorte conseguiu.
As horas seguintes foram de muitas ideias e poucas soluções, o idiota falava sem parar a garota cortava ele, parecia um duelo. Eu fiquei calado, disseram que eu faria o desenho e eu só concordei. Seria fácil, Felipe deu sugestões e naquele dia vi que ele era um cara interessado. A garota tocava ele a cada frase, claro que ela sentou do lado dele. Ele parecia não perceber, era isso ou não ligava.
No final, todos passaram seus números e criaram um grupo de WhatsApp para trocar ideias. Na despedida ouvi alguns perguntando ao Felipe sobre uma festa, não falaram comigo, e fingi não ouvir enquanto guardava as minhas coisas. O idiota veio me atormentar outra vez, eu fiquei sem reação por uns segundos e naquele momento eu ganhei meu dia.
Ei cara, para! Tá chato. - Felipe falou sério. - O nome dele é Lee.
Tô zoando ele, né não dorama? - perguntou fingindo uma brincadeira e forçando uma aproximação. - Tá de boa, né não?
Tá. - Eu idiota abaixei a cabeça sem graça.
O grupo dispersou e ele foi um dos primeiros a sair sendo seguido pela garota e mais um cara. Acho que com aquele ato a minha atração que era totalmente física começou a se tornar também afetiva.
Depois que que entregamos o projeto e o 1º semestre de aulas acabou fui ficar na casa dos meus pais por alguns dias. Eles me enxiam de perguntas, mesmo tendo feito várias visitas supressa quebrando nosso combinado inicial, eu não gostava, minha mãe sempre brincava que era para ver se não tinham “periguetes” na minha casa. Segundo ela eu sou muito inocente e não saberia identificar se alguém estava se aproveitando de mim.
Precisei conversar com eles e com o meu terapeuta de longa data sobre limites. Sobre como eu me sentia oprimido com todo este controle exagerado. Entendo o que eu significo para eles, mas agora que estão aposentados e só vão às lojas quando querem tudo ficou pior. Meus pais tem uma rede de supermercados que agora tem um administrador e com isso eles tem muito tempo. Meu terapeuta conseguiu convencê-los de que precisávamos de limites. E combinamos como seriam as visitas a partir de agora. Nada de surpresas e invasão da minha privacidade.
Quando voltei para o Rio comecei a me enturmar com duas pessoas da minha aula de desenho, o Caio e a Bárbara. Nós descobrimos que tínhamos muito em comum e foi natural. Eles foram as primeiras pessoas fora da minha família a frequentar meu apartamento. Comecei a sair e conhecer mais pessoas, sentia que minha vida estava começando de verdade.
No final do segundo semestre eu já tinha muitos conhecidos, fazíamos várias competições de games, encontros para jogos de tabuleiros e todo tipo de coisa nerd. Foi nesta época que a pornografia entrou na minha vida. Morando na casa dos meus pais eu sempre morria de medo, tudo era muito vigiado, tive minhas fases de masturbação, e fazia isso pensando em filmes que podem passar até na sessão da tarde. Eu me colocava no lugar das garotas e fantasiava ser tomado por aqueles caras.
Na adolescência eu tive uma namoradinha, beijava ela porque era o que se esperava, mas quando se tem 16 anos e não tenta nada com a namorada da escola ela acha estranho. Os hormônios da adolescência são cruéis e quando ela terminou comigo saiu espalhando isso, que eu era um frouxo, coitada. Ela não sabia de nada, nunca sequer me conheceu.
Depois disso fiquei com outra garota, eu sempre levava lanche para ela e ficávamos com frequência, mas foi a Veronica que realizou a minha introdução sexual, ela era mais velha 4 anos e me dava aula particular. Ficávamos sozinhos na minha casa e um dia ela ofereceu para bater uma para mim, depois se ofereceu para me chupar, ela não era quem eu queria, mas eu sempre podia fechar os olhos e imaginar outra pessoa. Imaginar os meninos no vestiário de educação física. Eu não ficava secando eles, nenhum em específico, mas estava sempre os admirando com cuidado.
Foi assim que eu vi o primeiro pau que não era o meu, eu era um manja rôla, eles me zoavam achando que eu só era tímido, sabiam que fiquei com garotas, mal sabiam as sacanagens que se passavam na minha cabeça vendo eles, eu imaginava como seria a sensação de tocar em um pau alheio, pensava se beijar um cara era diferente de beijar uma mulher.
Eu ficava olhando os casais de namorados da escola nos intervalos, eu vivia com um fone, ou desenhando sentado com meus iguais, os casaizinhos ficavam se agarrando, se beijando, um sentando no colo do outro e eu tinha este desejo escondido. Queria viver estas sensações, já que as minhas experiências não me fizeram eu sentir quase nada.
Eu sabia que eu era o diferente, o errado. Na comunidade japonesa, pensar como eu era um absurdo. Eu seria motivo de vergonha para a minha família. Então, eu fui vivendo nas sombras, me escondendo dentro de mim. Tentando calar os meus desejos e sentimentos. Ninguém sabia sobre este meu lado, só eu.
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