Quando decidi que precisava ir embora, não sabia o que esperar. Apenas sabia que não poderia mais viver na mesma cidade, no mesmo lugar, com as mesmas pessoas. Cada passo que eu dava ao lado de Júlio parecia um passo mais fundo na minha própria prisão. Ele não me amava, ele me controlava. Ele não me cuidava, ele me fazia acreditar que eu era menos do que eu realmente era.
A violência, o desprezo, os gritos, as ameaças... eu já não sabia mais o que era amor. Então, sem mais nem menos, eu decidi. Fugir. Eu não podia esperar mais. Não podia esperar mais para me perder completamente em um relacionamento que estava me destruindo. Fui sozinha, sem avisar a ninguém, sem contar aos amigos o que estava acontecendo. Só avisei aos meus pais. Eles foram os únicos que souberam de tudo.
Lembro-me do dia em que contei a minha mãe, no meio de uma tarde silenciosa. A sala estava quieta, as cortinas abertas apenas o suficiente para que a luz entrasse em suaves feixes.
"Mãe... eu não posso mais ficar. Preciso sair daqui. Júlio não é mais o homem que eu conheci." Minha voz tremia, mas ao mesmo tempo, havia uma decisão inabalável nas minhas palavras. Eu não podia mais continuar.
Ela me olhou com os olhos cheios de dor, mas, em vez de criticar, ela apenas me abraçou, me apertando com um carinho que eu ainda precisava. "Filha, você é forte. Se é isso o que você precisa, faremos acontecer."
E assim, planejei minha fuga, não para um lugar distante no exterior ou para outra cidade qualquer, mas para Fortaleza. Um lugar onde eu sabia que poderia me reerguer. Minha tia, que morava lá e quase ninguém conhecia, me recebeu de braços abertos. Ela sabia que eu estava fugindo de algo, mas, como a maioria dos meus parentes, nunca perguntou detalhes. Era como se estivesse me oferecendo uma oportunidade de começar do zero.
A mudança foi abrupta. Não houve despedidas, nem grandes planos. Peguei o primeiro voo para Fortaleza, e ao chegar lá, me vi em um lugar completamente novo, sem amigos, sem o mundo que eu conhecia, e mais importante: sem Júlio. Eu não sabia bem o que esperar de mim mesma. Mas sabia que eu precisava me distanciar de tudo e de todos para ter chance de me reconstruir.
Fortaleza, por sua vez, me acolheu com um cheiro diferente. O ar fresco, o som das ondas do mar quebrando na praia, e as ruas calmas me traziam um alívio que eu não conseguia explicar. Nada comparado à poluição e ao barulho de São Paulo. Ali, longe do caos e da violência, a sensação de liberdade começava a se infiltrar em minha alma.
Eu morava na casa da minha tia, em um bairro tranquilo. O cheiro da maresia era constante, e a vista da janela mostrava a vastidão do mar, algo que eu nunca pensei que teria o privilégio de ver todos os dias. As tardes eram solitárias, mas havia uma paz no lugar. Minha tia trabalhava durante o dia, e eu passava horas sozinha, em silêncio, tentando entender o que fazer da minha vida agora que eu tinha a chance de começar de novo.
Foi assim que comecei a me refugiar em algo novo para mim: a internet. Sem grandes planos, comecei a assistir a alguns vídeos e documentários online. Foi nessa busca por algo para preencher o vazio que me deparei com os K-dramas. Eles eram tão diferentes do que eu estava acostumada, e eu me vi tão absorvida pelas histórias que elas começaram a preencher as lacunas deixadas pela solidão. E não foi apenas isso. Em uma dessas tardes, enquanto navegava por vídeos aleatórios no YouTube, o nome BTS apareceu na tela.
Foi uma daquelas escolhas aleatórias, a música que começou a tocar sem eu saber ao certo o que esperar. Era "Magic Shop", e logo eu fui completamente consumida pela melodia suave, pela letra profunda, e por uma energia inexplicável que parecia sair daquela música. J-Hope cantava sobre esperança e sobre encontrar um refúgio, e de alguma forma, suas palavras se encaixaram perfeitamente no momento em que eu estava. Ele falava de um "lugar mágico" onde você poderia ser você mesmo, onde as dores se dissipavam. E, naquele momento, tudo o que eu precisava era de um pouco de mágica, um lugar onde eu pudesse começar de novo, sem as sombras de Júlio, sem o peso da culpa, sem o medo.
"Quando você sentir que não consegue mais, venha até mim, eu estarei aqui."
Era como se J-Hope soubesse da minha dor, como se ele estivesse falando diretamente comigo. Seu sorriso, sua energia, sua voz. Eu não sabia que uma música poderia ter esse poder. Eu nunca tinha sido fã de K-pop, mas de alguma forma, aquele som começou a se tornar uma parte de mim. A partir daí, comecei a explorar mais sobre o BTS, suas músicas, os vídeos. O que começou como um refúgio casual, tornou-se uma paixão crescente.
Eu não sabia o que o futuro me reservava, mas ao ouvir aquelas palavras, eu sentia uma pequena faísca de esperança. Como se eu, de alguma forma, estivesse sendo guiada por algo maior que eu mesma. Aquela canção foi o primeiro passo para eu encontrar minha própria força, para perceber que, embora tivesse passado por um inferno com Júlio, havia algo além disso. Um lugar onde eu poderia encontrar consolo e talvez, só talvez, me curar.
Desde o dia em que conheci esses meninos, meu mundo não é mais o mesmo. Eles dominaram meu coração de um jeito que eu não sabia que era possível. Principalmente J-Hope... J-Hope era meu preferido. Quando ele dançava, tudo se iluminava, parecia que ele realmente se conectava com o universo de uma forma única. Por isso, o fandom o chama de "sol". Ele tem o sorriso mais lindo do mundo, e sempre me fazia sorrir junto.
Eu também adorava cantar e dançar, e eu fazia isso muito bem. A dança foi o que mais me conectou com J-Hope, e ele me inspirava cada vez mais. Eu sabia que, de alguma forma, a dança e o canto poderiam ser meu caminho para algo maior.
Cada um dos meninos tinha um charme único. Namjoon, o líder, com o seu QI acima da média e sua paixão por leitura, era tão parecido comigo nesse aspecto, adorava aprender. Suga, com sua atitude séria e de "bad boy", mas com um toque de vulnerabilidade que só surgia quando ele bebia, era alguém que eu admirava pela sua profundidade. Jin, o mais extrovertido do grupo quando estava nas câmeras, e Jimin, com sua doçura e aquele olhar travesso de quem poderia ser um "bad boy" quando quisesse. Jungkook, o mais novo e animado, sempre me fazia rir com sua energia incansável. E, claro, V, com sua voz marcante e personalidade única que transparecia em cada aparição. Cada um deles trazia algo de especial, e era isso que me fazia amá-los tanto.
Mas foi através de Cris que meu amor pelo BTS realmente começou a tomar forma. Cris foi o maior presente que o fandom me deu. Nos conhecemos em um grupo de fãs do BTS online, e nossa energia foi instantânea. Nos conectamos tão bem que parecia que já nos conhecíamos de outras vidas. Cris era mais divertida do que eu, sempre com uma palavra de conforto e risada, mas eu sentia que éramos parecidas em muitas coisas. A diferença era que Cris já morava na Coreia, e a vida dela lá parecia ser tão fascinante quanto os K-dramas que eu assistia.
Ela me contou tudo sobre a vida na Coreia, e como ela tinha se mudado para lá para trabalhar em uma empresa de limpeza. A empresa oferecia muitos benefícios, como casa própria (alugada, mas uma casa boa) e até aulas de coreano, uma oportunidade incrível para quem quisesse aprender o idioma. Eles contratavam muitos estrangeiros, e Cris sempre me pedia para enviar meu currículo, porque sabia que eu estava aprendendo coreano sozinha. Sempre dizia que eu tinha o perfil ideal.
Fazia aulas de coreano online há algum tempo, mas achava que nunca seria suficiente para realmente mudar minha vida. Meu QI ajudava muito no aprendizado, e eu tinha uma facilidade imensa para aprender novas línguas. Sempre foi assim, desde pequena, então, quando Cris me pediu mais uma vez para enviar o currículo, eu realmente parei para pensar. Não tinha nada a perder, e quem sabe aquilo pudesse ser a mudança que tanto esperava.
Então, com coragem, enviei o currículo. Eu não esperava nada. Era apenas mais uma tentativa. Nunca imaginei que algo realmente aconteceria. Até que recebi a ligação.
— Joyce, você não vai acreditar! Você foi selecionada para a entrevista!
Era Cris, do outro lado da linha, falando tão rápido que mal consegui entender. Eu estava em choque. Minha mente estava tentando processar aquilo, mas parecia um sonho. Eu ia realmente fazer uma entrevista para uma empresa na Coreia? Eu não sabia o que esperar, mas o simples fato de ter sido chamada para a entrevista já me deixava emocionada.
Ela me explicou que eu tinha uma semana para me preparar, e a entrevista seria com uma empresa que contratava estrangeiros para trabalhar. A ansiedade tomou conta de mim, mas ao mesmo tempo, um fio de esperança crescia dentro de mim.
Agora, eu precisava contar aos meus pais. O coração bateu mais forte, um nó na garganta. Como eu iria explicar isso? Eu estava prestes a ir para outro continente, sozinha, para uma cultura completamente diferente, para uma entrevista em uma empresa que eu mal conhecia. Eu sabia que eles iriam se preocupar muito, mas no fundo, sentia que era a minha chance de mudar a minha vida.
O telefone desligou e eu fiquei ali, sentada no sofá, com as pernas bambas. A adrenalina de falar com Cris ainda estava no meu corpo, mas agora só restava uma sensação de vazio. Eu tinha acabado de decidir algo grande, algo que parecia tão simples até poucos minutos atrás. Ir para a Coreia, começar uma nova vida... mas como eu ia fazer isso sem dinheiro? A realidade batia forte em minha mente. Eu sabia que não tinha condições financeiras para essa viagem, mas, ao mesmo tempo, sentia que não podia voltar atrás. Eu tinha que tentar.
Respirei fundo, decidida. Peguei o celular e disquei o número do meu pai. Ele sempre foi meu maior apoio, sempre acreditou nos meus sonhos. Se alguém poderia me ajudar, era ele.
O telefone tocou uma vez, duas... até que finalmente ouvi a voz familiar do meu pai do outro lado da linha.
Oi, filha, tudo bem? Aconteceu alguma coisa? Algo urgente?
A preocupação em sua voz me deu um certo conforto, mas também me fez hesitar. O que eu diria agora? Como contar que estava prestes a embarcar para outro continente, sem mais nem menos?
Pai... eu tô em uma novidade. Você lembra que falei sobre enviar meu currículo para aquela amiga? – eu falei rápido, tentando não dar muito espaço para ele questionar.
Hum... lembro sim, filha. Mas, e aí? Para onde foi esse currículo?
É, então... o currículo não é para o Brasil, pai. Eu estou falando sobre a Coreia do Sul.
Houve um silêncio do outro lado. Eu sabia que ele estava tentando processar o que eu estava dizendo. Eu apressei, tentando explicar.
Eu conheço uma amiga lá, pai. Faz quase um ano que a conheço. E ela foi quem me ajudou a enviar o currículo. Se eu for para lá, eu tenho onde ficar. Ela fala minha língua também, então não vou estar sozinha. Além disso, eu estudei coreano, eu sei me virar. Eu sei me virar, pai. E você sabe que já estive em outro país antes.
Eu sentia as palavras saindo mais rápido do que eu conseguia processar, como se estivesse tentando convencer a mim mesma mais do que a ele. Mas eu sabia que tinha que ser sincera. Minha vida estava prestes a mudar.
Você não acha muito longe? E se algo acontecer? – ele perguntou, sua voz carregada de preocupação.
Eu sabia que ele tinha razão. Eu não estava indo apenas para outra cidade, mas para o outro lado do mundo, sozinha. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia que era a única coisa a fazer.
Pai, ele não vai me encontrar lá. E, além disso, eu realmente preciso dessa oportunidade. Você sabe que é o que eu quero.
Mais uma vez, houve uma pausa. Eu sabia que ele estava ponderando, pensando nas implicações. Ele sempre foi assim, cuidadoso, mas ao mesmo tempo sempre me deu liberdade para buscar o que queria.
Eu entendo... mas, filha, você tem que falar com sua mãe sobre isso. Antes de qualquer coisa, avise ela da viagem.
Com o coração acelerado, concordei. A primeira parte estava resolvida, mas faltava falar com minha mãe.
Logo, mandei uma mensagem para ela. A resposta veio rapidamente, com uma empolgação que me surpreendeu.
Que ótimo! Você vai estar longe do Júlio, e isso é bom! Vai dar certo, filha. Eu apoio você!
Isso me fez sorrir. Minha mãe sempre apoiou minhas decisões, principalmente quando envolvia ficar distante de Júlio. Ela sabia o quanto ele havia me machucado no passado.
De repente, meu celular vibrou novamente, interrompendo meus pensamentos. Era uma notificação de transferência bancária. Olhei para a tela e vi o valor: R$ 100.000. Era do meu pai. Eu sabia que ele não me daria apenas o dinheiro da passagem. Ele queria garantir que eu teria o suficiente para me manter lá por algum tempo. Um calor se espalhou pelo meu peito, e eu senti uma mistura de gratidão e amor por ele. Quando eu preciso, ele sempre esteve lá por mim.
Com o dinheiro na conta, rapidamente comprei as passagens e comecei a arrumar minhas malas. A sensação de pressa me invadiu, o tempo estava se esgotando. Eu tinha apenas um dia para organizar tudo. Só que o nervosismo não me deixava focar direito. As roupas estavam espalhadas pelo quarto, e eu não conseguia decidir o que levar. Meu pensamento estava longe, em tudo que me aguardava.
Finalmente, o dia da viagem chegou. Acordei cedo, já sentindo a pressão de tudo o que estava por vir. Eu sabia que tinha que pegar o voo de Fortaleza para São Paulo e de lá pegar o avião até a Coreia. Era uma jornada longa, e o que mais me preocupava era o fato de que essa mudança significava deixar para trás tudo o que eu conhecia.
Cheguei ao aeroporto de São Paulo com bastante antecedência. O dia estava nublado, como se o tempo quisesse acompanhar minha ansiedade. Eu passei pela segurança, organizei minha documentação e me dirigi ao portão de embarque. Estava quase no meu destino, quase no futuro que eu havia sonhado. O som ambiente do aeroporto era uma mistura de vozes, anúncios e passos rápidos de pessoas com destino a lugares desconhecidos.
Foi quando meus olhos se fixaram em uma figura conhecida ao longe. O coração parou por um instante. Júlio. Ele estava lá, parado perto da área de embarque, olhando fixamente para mim. Eu sabia o que ele estava fazendo ali, sabia que ele não me deixaria partir sem tentar algo.
O ar pareceu desaparecer por um segundo, e uma sensação de pânico tomou conta de mim. Eu tentei me mover, mas minhas pernas pareciam coladas ao chão. Ele ainda estava vindo na minha direção, e o que eu faria agora? Eu precisava sair dali, mas não queria que ele me encontrasse, não agora, não assim.
O que eu faria?
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