[ Le Suquet, Cannes - França ]
Camila Vasquez | 6:20 AM
Estava sentada em minha cadeira giratória de couro branco, com o som abafado da cidade ao fundo, filtrado pelas janelas panorâmicas que ocupavam toda a parede do meu apartamento. O relógio no canto do monitor marcava 6:20 da manhã, e o céu ainda tingido em tons de azul claro e dourado parecia quase calmo, um contraste gritante com a inquietação que tomava conta de mim.
Minha mesa, organizada até de forma obsessiva, era um reflexo do controle que eu precisava manter. Pastas alinhadas em um canto, o brilho suave de uma luminária de design moderno iluminando os papéis que espalhei sobre a superfície de madeira clara. Cada relatório financeiro da Stark Motors estava ali, esperando minha atenção.
Tinha passado a noite revisando os números, procurando incongruências ou algo que pudesse justificar a estranha movimentação que apareceu na última semana. Não era apenas uma questão profissional, era um instinto. Algo estava errado, e eu sabia que Nicolas Stark estava envolvido, de alguma forma.
Respirei fundo, tentando ignorar o desconforto crescente. Peguei minha caneca de café — a terceira da noite — e encarei a vista lá fora. A cidade já começava a despertar, os prédios ao longe acendendo suas luzes como uma orquestra sincronizada. Era bonito, quase reconfortante, mas o peso que carregava me impedia de apreciar.
Minha atenção voltou aos papéis quando uma notificação surgiu no celular. Era um e-mail da assistente de Nicolas, relembrando a reunião daquela manhã. Pontualidade será essencial, dizia. Claro que seria. Ele gostava de deixar claro que todos estavam sob seu controle.
Passei a mão pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais, e olhei para o reflexo no vidro da janela. Eu parecia exausta, mas não tinha tempo para pensar nisso. Tinha que provar que era mais do que capaz. Não só para ele, mas para mim mesma.
Quando o relógio marcou 6:45, levantei-me e caminhei até o quarto. O traje escolhido — um conjunto sóbrio, mas elegante — estava pendurado na porta do closet. Não era apenas uma questão de estilo, mas de armadura. Trabalhar na Stark Motors exigia mais do que habilidade: exigia presença.
Enquanto me preparava, meus pensamentos continuavam voltando para Nicolas. Seu olhar frio e calculista, a maneira como ele parecia perceber tudo sem dizer uma palavra. Algo nele sempre me irritou, mas agora... agora havia algo mais. Um mistério que eu precisava desvendar.
O dia estava só começando, e eu sabia que, ao final dele, estaria ainda mais perto de descobrir a verdade — ou de me perder no meio dela.
[ Stark Motors, Cannes - França ]
Nicolas Stark | 7:30 AM
Se há algo que aprendi ao longo dos anos, é que controle é tudo. Na Stark Motors, nada, absolutamente nada, acontece sem que eu saiba. Não há espaço para erros, distrações ou desculpas. E era exatamente isso que fazia daquela manhã particularmente irritante.
Estava em minha sala, no topo do prédio da empresa, cercado por vidro e aço. A vista dali era tão grandiosa quanto fria, exatamente como eu preferia. Barueri se estendia à minha frente, o sol refletindo nos prédios de linhas modernas. Um lembrete constante do que eu havia construído e do que ainda estava por vir.
Passei os olhos pela tela do computador, analisando os relatórios do último trimestre. Tudo estava perfeitamente alinhado — ao menos à primeira vista. Mas havia algo fora do lugar, algo que escapava dos olhos treinados da maioria. E, infelizmente, Camila Vasquez parecia estar a um passo de descobrir.
Camila.
Só de pensar nela, um misto de irritação e fascínio tomava conta de mim. Desde o momento em que ela entrou para a equipe jurídica da Stark Motors, soube que seria um problema. Não só pela competência inquestionável, mas pela obstinação que ela carregava. Era como se ela não soubesse quando parar. Uma qualidade admirável em teoria, mas que, no meu mundo, era perigosa.
Passei a mão pelo queixo, sentindo a leve aspereza da barba que não tive tempo de fazer. Não era a primeira vez que um funcionário tentava se meter onde não devia, mas Camila... ela era diferente. Não apenas uma peça no tabuleiro, mas uma jogadora.
Uma notificação soou no celular, e meu olhar se estreitou ao ler o lembrete da reunião com ela. Ótimo. Mais uma oportunidade para testá-la, para avaliar até onde ela estaria disposta a ir.
Levantei-me e caminhei até a janela, as mãos nos bolsos do paletó. A cidade abaixo parecia tão pequena, tão insignificante, mas cada detalhe importava. Assim como cada decisão minha.
Camila achava que estava se aproximando da verdade, mas o que ela ainda não sabia era que eu já tinha um plano. Sempre tenho.
E, se ela insistir em seguir por esse caminho perigoso, terei que decidir se é mais interessante deixá-la cair... ou trazê-la para mais perto.
Porque, no fundo, há algo nela que me intriga. Algo que desafia a lógica e o controle que tanto prezo.
Mas isso não importa. Não pode importar.
O relógio marcava 7:30. Hora de jogar.
[ Stark Motors, Cannes - França ]
Camila Vasquez | 9:00 AM
Quando entrei na sala de reuniões, o ambiente estava calmo demais, quase hostil. Nicolas estava sentado à mesa, o olhar fixo na tela do computador, sua postura impecável e a expressão inalterada, como sempre. Mas eu sabia que havia algo errado. Ele não parecia surpreso com minha entrada, o que indicava que ele sabia exatamente o que eu estava prestes a dizer.
Camila: Bom dia — comecei, tentando manter a calma, embora sentisse uma tensão crescente no ar. Ele não se mexeu. Não deu sequer um olhar para mim antes de responder.
Nicolas: Bom dia, Camila — respondeu com uma voz fria, sem nem desviar os olhos da tela. — Sente-se.
Dei um passo à frente, tentando controlar minha respiração e a inquietação que me consumia. Coloquei os papéis sobre a mesa com cuidado, como sempre faço.
Camila: Estive analisando os relatórios financeiros, como sempre faço — comecei, já sabendo que ele não gostava de ser interrompido no início de uma conversa. — E percebi algo estranho. Os números aumentaram de forma considerável nas últimas semanas. Não são grandes discrepâncias, mas são suficientes para que eu fique desconfiada.
Dessa vez, ele levantou os olhos e me encarou. Não havia surpresa no olhar dele, apenas uma leve curiosidade.
Nicolas: E o que você está sugerindo com isso, Camila? Que há algo errado?
Eu respirei fundo antes de responder.
Camila: Eu não estou sugerindo nada. Eu estou afirmando que há algo fora do lugar. O aumento repentino nas movimentações não pode ser apenas coincidência. Pode ser uma série de pequenas falhas, mas também pode ser algo mais. E eu não vou ignorar isso.
Ele se recostou na cadeira, os olhos ainda fixos em mim, mas sua expressão era uma mistura de ceticismo e desafio.
Nicolas: Você está criando um caso a partir de nada, Camila. As flutuações nos números são normais. Empresas como a Stark Motors lidam com grandes quantidades de dados, e pequenas variações acontecem. Não há nada de estranho nisso. A menos que você queira que haja.
Fui implacável.
Camila: Não se trata de querer ou não, Nicolas. As flutuações podem ser normais, mas o ritmo e a magnitude dos aumentos não fazem sentido. Olhe para o padrão. Isso não é... comum. E você sabe disso.
Ele ficou em silêncio por um momento, me estudando. Eu podia ver que ele estava se divertindo com o meu desafio, como se estivesse me testando, me empurrando para ver até onde eu iria. Então, ele inclinou-se um pouco para frente, seus olhos se estreitando.
Nicolas: Você acha que está perto de algo, não é? — ele disse, com um tom quase divertido. — Você se sente como se estivesse descobrindo algo que ninguém mais percebeu. Mas a verdade, Camila, é que você está olhando para algo que não existe.
Senti uma onda de frustração se formando dentro de mim, mas mantive a calma.
Camila: Eu sei o que vejo, Nicolas. E se você está dizendo que não há nada, então explique-me. Eu gostaria de entender por que os números cresceram tão rapidamente. E por que você acha que isso não é importante.
Ele sorriu levemente, mas não havia bondade em seu sorriso.
Nicolas: Você é obstinada, Camila. Isso é o que mais admiro em você. Mas há momentos em que essa obstinação se torna um obstáculo. Você está se fixando em um ponto e ignorando o quadro completo.
A tensão estava crescendo a cada palavra, e eu sabia que estava mexendo em algo que ele não queria que fosse tocado. Mas, em vez de me intimidar, isso só me motivava mais.
Camila: Eu entendo o quadro maior, Nicolas — respondi, com firmeza. — Mas sem olhar os detalhes, o quadro não faz sentido. E eu não vou deixar passar algo que pode ser perigoso para todos nós.
Ele se levantou então, caminhando até a janela com uma tranquilidade desconcertante, como se a minha presença na sala não fosse relevante o suficiente para ele se preocupar.
Nicolas: Você está buscando algo, Camila, mas talvez esteja olhando no lugar errado. E se continuar assim, pode acabar encontrando algo que preferiria não saber.
Eu o observei enquanto ele ficava em silêncio, observando a cidade lá fora.
Camila: Então você sugere que eu pare de procurar? — Eu não podia deixar de perguntar, minha voz suave. — Que eu simplesmente aceite que tudo está em ordem?
Ele virou a cabeça para olhar para mim, o olhar penetrante.
Nicolas: Não estou sugerindo nada, Camila. Estou apenas dizendo que, muitas vezes, a resposta que você procura está bem diante de seus olhos, mas você está tão obcecada pela busca que não consegue enxergar o óbvio.
Senti um arrepio correr pela minha espinha. Ele estava jogando comigo, mas eu não me deixaria distrair.
Camila: E o que seria 'o óbvio', Nicolas?
Ele sorriu de novo, mas dessa vez, o sorriso era carregado de um mistério quase intransponível.
Nicolas: Às vezes, Camila, o que é óbvio é o que você menos espera.
Eu não sabia se ele estava tentando me intimidar ou se realmente estava tentando me direcionar para algo. Mas uma coisa era certa: ele não estava disposto a me dar as respostas que eu queria. E, por mais que eu quisesse continuar pressionando, eu sabia que aquele não era o momento.
Camila: Continuarei investigando — respondi, com um tom que não admitia contestação. — E você terá que me ouvir, Nicolas. Não vou desistir disso.
Ele apenas acenou com a cabeça, como se já soubesse que minha persistência seria minha maior força e meu maior obstáculo.
Nicolas: Fique à vontade, Camila. Apenas lembre-se: o que você procura pode não ser o que espera encontrar.
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[ Stark Motors, Cannes - França ]
Nicolas Stark | 9:35 AM
Observei a porta da sala de reuniões fechar-se suavemente atrás de Camila. Ela era audaciosa, perspicaz, e, acima de tudo, teimosa. Um conjunto de características que me fascinava e, ao mesmo tempo, irritava. Ela havia feito o que poucos ousariam: me desafiar diretamente, sem hesitação, sem medo aparente.
Voltei para a minha cadeira, mas minha mente não conseguia focar nos relatórios na tela. Ela estava fazendo perguntas demais, aproximando-se de uma linha tênue que jamais deveria ser cruzada. As flutuações financeiras que ela mencionara não eram meros erros contábeis, e, se ela continuasse insistindo, poderia tropeçar em algo que não estava pronta para lidar.
Olhei pela janela, a vista de Cannes se estendendo à minha frente como uma pintura viva. O brilho ensolarado da Côte d'Azur parecia inapropriado, considerando o peso do que estava em jogo.
Camila, Camila... você realmente não sabe onde está se metendo, não é? — murmurei, quase como se ela pudesse ouvir.
Eu tinha planos. Grandes planos. E, embora as movimentações financeiras fossem apenas um detalhe no quadro maior, elas não eram algo que pudesse ser exposto. Se ela insistisse, não teria outra escolha senão... redirecioná-la.
Minha mente começou a calcular as possibilidades. Camila era inteligente, mas sua determinação poderia ser sua fraqueza. Quanto mais ela pressionasse, mais fácil seria manipulá-la. Eu só precisava fazê-la questionar suas próprias conclusões, jogando a dúvida contra ela mesma.
Mas havia algo mais que me incomodava. Não era apenas o fato de ela estar perto demais da verdade. Era o modo como ela me olhava, como se pudesse enxergar algo além dos números e dos segredos. Como se quisesse decifrar o próprio homem por trás da fachada.
Isso era perigoso.
Levantei-me e comecei a caminhar pela sala, a mente trabalhando em estratégias. Eu sabia que precisava ser cauteloso. Camila era implacável, mas eu era paciente. Ela podia estar certa sobre as flutuações financeiras, mas jamais poderia desconfiar do verdadeiro propósito por trás delas.
Ela não pode saber...
Minha voz ecoou no silêncio da sala, como uma promessa sombria.
Se Camila continuasse investigando, poderia descobrir que os números eram apenas a ponta do iceberg. E, se isso acontecesse, tudo o que construíria seria colocado em risco. Mas o mais curioso de tudo era que, apesar do incômodo, eu não queria afastá-la. Havia algo em sua presença, em sua obstinação, que me fazia hesitar.
Talvez fosse o desafio. Ou talvez fosse a ideia de que, mesmo que ela estivesse perto demais, eu queria vê-la tentar.
Mas, no fim, era um jogo que só um de nós poderia vencer.
Caminhei até a mesa e pressionei um botão no interfone.
Nicolas: Marie, peça para que kaleb e tyler venha até minha sala imediatamente.
Se Camila queria continuar investigando, eu precisaria garantir que seus passos fossem cuidadosamente monitorados. E, acima de tudo, que ela jamais soubesse o que realmente estava por trás dos números.
Eu tinha uma empresa para proteger. E segredos que ninguém poderia descobrir.
[ Le Suquet, Cannes - França ]
Camila Vasquez | 8:30 PM
Sentei-me na varanda do pequeno apartamento que divido com Sasha e Yara, minhas melhores amigas e, muitas vezes, minhas vozes da razão. As luzes de Cannes brilhavam ao longe, como uma miragem de tranquilidade que contrastava com o turbilhão em minha mente.
Sasha: Você parece tensa, Camila. — Sasha comentou enquanto colocava uma taça de vinho na minha frente e sentava-se ao meu lado. Ela tinha aquele jeito direto, como se enxergasse através de mim.
Camila: Estou. — respondi, sem rodeios.
Yara surgiu logo atrás, carregando um pacote de pipoca e seu olhar curioso de sempre.
Yara: Isso tem a ver com o chefe milionário e arrogante? — ela perguntou, com um sorriso travesso.
Eu bufei, mas não pude evitar um sorriso.
Camila: Mais ou menos. — murmurei, olhando para o vinho como se ele pudesse me dar respostas.
Sasha arqueou a sobrancelha.
Sasha: “Mais ou menos”? Você nunca traz trabalho para casa, Camila. O que está acontecendo?
Respirei fundo, hesitando. Eu confiava nelas, mas sabia que envolvê-las significava compartilhar um peso que eu mesma mal conseguia carregar.
Camila: Há algo estranho acontecendo na Stark Motors. — comecei, escolhendo as palavras com cuidado. — Descobri um aumento suspeito nas movimentações financeiras. Não são discrepâncias grandes, mas o suficiente para levantar dúvidas.
Yara franziu o cenho.
Yara: E você falou com o Nicolas sobre isso?
Assenti, lembrando da conversa tensa mais cedo.
Camila: Sim, mas ele foi evasivo. Disse que eu estava criando um problema onde não havia.
Sasha sorriu de forma sarcástica.
Sasha: Claro, porque homens poderosos nunca escondem nada.
Yara jogou uma almofada nela.
Yara: Não ajuda, Sasha.
Sasha: Estou falando sério! — Sasha continuou. — Camila, você está se metendo em algo grande. Ele é o dono da Stark Motors. Se tem algo errado, você acha que ele vai admitir?
Camila: Não vou ignorar isso. — retruquei, firme. — Algo está fora do lugar, e eu não vou fingir que não vi.
Sasha suspirou, apoiando a cabeça na mão.
Sasha: Eu só quero que você seja cuidadosa, Cami. Nicolas Stark não é só um chefe qualquer. Ele é o tipo de homem que joga xadrez enquanto todos os outros jogam damas.
Camila: E eu aprendi a jogar xadrez. — respondi, determinada.
Sasha soltou uma risada curta, mas o brilho de preocupação em seus olhos não passou despercebido.
Sasha: Espero que sim, porque jogar contra alguém como Nicolas Stark não é só um teste de habilidade. É um teste de sobrevivência.
Yara: Ela está exagerando. — Yara interveio, mordendo uma pipoca. — Mas, Camila, honestamente, por que você simplesmente não deixa isso pra lá? É só um trabalho, e Stark Motors não vai entrar em falência por sua causa.
Balancei a cabeça, irritada com a falta de compreensão.
Camila: Vocês não entendem. Não é só sobre o trabalho. É sobre integridade. Se eu fingir que não vi nada, o que isso diz sobre mim?
Sasha apoiou o cotovelo no braço da cadeira e olhou diretamente para mim.
Sasha: E o que isso vai custar a você? Porque eu sei que você, como sempre, está pronta para lutar contra o mundo. Mas Nicolas? Ele não joga limpo, Camila.
Yara: Além disso, você já pensou que talvez ele não seja o vilão nessa história? Talvez essas movimentações financeiras tenham uma explicação legítima.
Suspirei, exasperada.
Camila: É exatamente isso que eu quero descobrir. Não estou acusando ninguém, só quero respostas.
Sasha balançou a cabeça, um sorriso amargo nos lábios.
Sasha: Respostas são perigosas quando vêm da pessoa errada.
Yara: E Nicolas é definitivamente o tipo de pessoa errada.
Olhei para ambas, sentindo um nó no estômago. Elas tinham razão, mas isso não significava que eu iria desistir.
Camila: Talvez ele seja, talvez não. Mas não vou saber se não tentar.
Sasha colocou a taça de vinho na mesa com um leve clink.
Sasha: Só prometa que vai pensar antes de agir, tá? Não quero receber uma ligação sua às três da manhã porque foi demitida.
Yara: Ou presa.
Eu ri, apesar da tensão que ainda me consumia.
Camila: Prometo.
Depois de alguns minutos, Yara foi dormir e Sasha desapareceu no quarto para assistir a alguma série francesa aleatória, fiquei sozinha na varanda. A brisa fresca de Cannes acariciava meu rosto enquanto eu olhava as luzes da cidade abaixo.
Peguei o celular e abri o e-mail. Meu dedo pairou sobre a última mensagem enviada por Nicolas.
"Camila, evite especulações desnecessárias. Seu trabalho é seguir as diretrizes, não criar teorias."
Lembrei-me do tom cortante dele naquela manhã e da maneira como seus olhos frios me analisaram, como se estivesse me estudando, avaliando cada movimento meu.
Um jogo de xadrez, pensei. Sasha provavelmente estava certa. Mas, o que ela não sabia, era que eu já estava no tabuleiro. E sair não era mais uma opção.
Fechei o e-mail e, com um último gole de vinho, prometi a mim mesma: eu venceria esse jogo, não importava o custo.
[ la Croisette, Cannes - França ]
Nicolas Stark | 23:15 PM
O silêncio do meu apartamento de frente para o mar era quase perturbador. O vento soprava através da janela aberta, trazendo consigo o som distante das ondas quebrando na praia. Eu deveria me sentir em paz aqui, mas minha mente estava a quilômetros de distância.
Sentei-me na poltrona de couro próxima à sacada, segurando um copo de uísque, o gelo derretendo lentamente. A luz da cidade se refletia nas paredes de vidro do apartamento, mas o que eu enxergava era outra coisa: o rosto determinado de Camila Vasquez.
Desde que ela apareceu na Stark Motors, Camila havia se tornado uma peça difícil no tabuleiro. Não era apenas pela competência ou pela teimosia. Era a maneira como ela fazia perguntas que ninguém ousava fazer. Perguntas que poderiam levar a respostas que deveriam permanecer enterradas.
Passei a mão pelos cabelos, sentindo a tensão acumulada no corpo. O e-mail que eu havia enviado a ela mais cedo ainda pairava na minha mente.
"Evite especulações desnecessárias. Seu trabalho é seguir as diretrizes, não criar teorias."
Direto. Claro. Um aviso.
Mas conhecendo Camila, sabia que ela não recuaria. Isso era o que mais me irritava e, ao mesmo tempo, o que eu mais admirava nela.
Peguei o celular e deslizei até o histórico de mensagens. Minha última interação com ela. Ela não havia respondido.
Teimosa. — murmurei para mim mesmo, deixando escapar um sorriso involuntário.
Essa mulher tinha uma maneira irritante de me desafiar, mesmo sem dizer uma palavra. Não era apenas a determinação dela, mas a maneira como parecia ser imune à minha autoridade, algo raro nesse meio.
Levantei-me e caminhei até a janela, observando as luzes da cidade abaixo. Cannes estava viva, vibrante, mas minha vida estava longe disso. Era um ciclo constante de decisões, reuniões e manipulações. Nada era o que parecia ser, e confiar em alguém era um luxo que eu não podia me permitir.
Camila era uma exceção perigosa.
O som do celular vibrando interrompeu meus pensamentos. Peguei o aparelho e vi o nome de Julian, meu advogado e braço direito, brilhando na tela.
Nicolas: O que foi?
Julian: Estou acompanhando a situação que mencionamos. Mas você sabe que ela é perspicaz, não sabe? Camila está chegando perto demais.
Suspirei, apertando o copo em minha mão.
Nicolas: Ela não vai passar dos limites.
Julian: Não tenho tanta certeza. Ela não é como os outros. Não está motivada por dinheiro ou ascensão. Ela está atrás da verdade, Nicolas. Isso a torna imprevisível.
Nicolas: E é exatamente por isso que preciso mantê-la por perto.
Julian: Ou afastá-la, antes que ela cruze uma linha da qual não possa voltar.
Desliguei sem responder. Julian tinha razão, mas a ideia de afastá-la não me agradava. Não era apenas a eficiência dela no trabalho, mas algo mais. Algo que eu me recusava a nomear.
Deixei o celular de lado e voltei para a poltrona. Olhei para o copo vazio na minha mão, antes de colocá-lo na mesa ao lado.
Camila era um desafio. Um risco. Uma complicação que eu não havia pedido, mas que agora não conseguia ignorar.
E, no entanto, eu sabia que esse jogo estava apenas começando. O tabuleiro estava montado, as peças posicionadas.
O problema era que, com Camila, eu não tinha certeza de quem estava realmente no controle.
Sentei-me novamente na poltrona, passando a mão pelo queixo enquanto a tensão voltava a apertar meus ombros. A ideia de Camila se aprofundando nos números, levantando questões sobre as movimentações financeiras, me incomodava mais do que eu gostaria de admitir.
Ela era inteligente demais para o próprio bem. Cada detalhe que ela juntava a levava para mais perto de algo que ninguém, nem mesmo eu, estava pronto para que fosse descoberto.
A Stark Motors não era apenas um império automotivo. Era uma rede complexa de interesses, acordos e... segredos. Alguns necessários para manter tudo funcionando. Outros, simplesmente inevitáveis no mundo onde eu operava.
E aquele aumento de dinheiro nas movimentações? Havia uma explicação para isso, mas era uma que Camila jamais poderia conhecer.
Fechei os olhos, tentando organizar meus pensamentos. Ela não fazia ideia do que estava se envolvendo. Havia forças em jogo muito maiores do que ela podia imaginar. Forças que não hesitariam em eliminá-la se ela chegasse perto demais.
Mas eu sabia que ela não recuaria. Camila tinha aquele tipo de determinação cega que só traz problemas. E isso, no fim, a tornava perigosa.
Não devia ter deixado ela assumir aquele relatório. — murmurei para mim mesmo, a voz carregada de frustração.
Quando coloquei Camila na Stark Motors, achei que ela seria apenas mais uma engrenagem no sistema. Mas não. Ela decidiu ser o elemento imprevisível, o tipo de peça que poderia derrubar todo o tabuleiro.
Levantei-me e caminhei até a sacada, deixando o vento da noite esfriar meus pensamentos. Eu precisava encontrar uma maneira de desviar a atenção dela. Fazer com que parasse de cavar onde não devia.
Mas como? — murmurei novamente, olhando para as luzes brilhantes de Cannes.
A solução parecia óbvia: afastá-la. Transferi-la para outro departamento, cortar seu acesso aos números. Isso seria suficiente para parar sua curiosidade.
Mas algo dentro de mim hesitava. Camila não era apenas uma subordinada. Ela era mais que isso. Havia algo em sua presença, em sua maneira de falar, de questionar tudo, que me desarmava.
E eu odiava isso.
Voltei para dentro e peguei meu celular novamente. Digitei uma mensagem curta para Julian:
"Garanta que ela não tenha acesso aos relatórios das movimentações financeiras por enquanto. Quero tudo restrito."
Enviei e larguei o aparelho na mesa.
Era uma medida temporária. Mas eu sabia que isso não resolveria o problema por completo. Camila era o tipo de pessoa que, uma vez colocada em movimento, não parava até alcançar o que queria.
E o problema era que, se ela continuasse, acabaria descobrindo algo que não poderia ser ignorado. Algo que colocaria em risco tudo o que eu construí.
Por um instante, pensei em como seria mais fácil se ela não estivesse lá. Se fosse alguém menos... Camila.
Mas afastá-la não era uma opção. Não ainda.
Se ela queria jogar, eu jogaria.
O tabuleiro estava montado, mas eu ainda controlava as peças.
Ou, pelo menos, era isso que eu precisava acreditar.
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