Meu nome é Kira Hendricks, tenho 19 anos e sou órfã. Meu pai morreu quando eu tinha apenas oito anos, e minha mãe... bom, ela me abandonou logo depois. Não sei se está viva ou morta, mas a verdade é que nunca mais me procurou. Fui deixada sob os cuidados dos meus tios, parentes do meu pai, mas dizer que eles me "criaram" seria exagero. Eles me maltrataram, me diminuíram e fizeram questão de me lembrar todos os dias que eu era um fardo.

Meu único porto seguro sempre foi Benjamin. Ben e eu, somos amigos desde crianças e estamos namorando há quatro anos, mas há dois ele deixou nossa pequena cidade para estudar em uma faculdade. Mantivemos contato, ele vinha me visitar de vez em quando, mas a distância nunca deixou de ser um fantasma entre nós. Enquanto ele construía uma nova vida, eu ficava para trás, trabalhando escondida dos meus tios desde os 14 anos, economizando cada centavo e estudando sem descanso. Tudo para alcançar um único objetivo: sair daquela cidade pacata e insignificante.

E então aconteceu. A carta de aceitação chegou. Consegui uma bolsa de estudos, com direito a moradia, em uma das melhores faculdades do estado da Geórgia. Agora, aqui estou eu, parada em frente à imponente fachada da universidade, ainda incrédula de tudo o que deixei para trás.

A construção era gigantesca, com tijolos avermelhados e janelas enormes que refletiam a luz do sol. Árvores bem cuidadas cercavam o campus, criando um contraste perfeito com a arquitetura clássica do prédio principal. Estudantes andavam de um lado para o outro, carregando livros, mochilas e copos de café. Alguns conversavam animadamente, enquanto outros pareciam mergulhados em seus próprios pensamentos. Eu não conhecia ninguém aqui, e a sensação de solidão pesava em meus ombros como uma mala cheia de incertezas.

Respirei fundo, ajustando a alça da minha mochila surrada e tentando reunir coragem para dar o próximo passo. Foi nesse momento que senti um toque leve no meu ombro.

— Kira? — A voz familiar me fez virar depressa.

Lá estava ele. Benjamin Lancaster. Alto, cabelos castanhos levemente bagunçados, olhos castanho-claros e aquele sorriso de lado que me fazia sentir que tudo ficaria bem. Ele parecia mais maduro do que da última vez que nos vimos, com a pele levemente bronzeada e um ar confiante que eu não me lembrava de ele ter antes.

— Ben! — Meu coração deu um salto, e, antes que eu pudesse pensar, ele me puxou para um abraço apertado.

— Você realmente veio. — Ele murmurou contra meus cabelos, e eu senti minha tensão aliviar um pouco.

— Eu vim. — Respondi, rindo nervosa. — Você achou que eu ia desistir?

Ele se afastou, me olhando com um brilho divertido nos olhos.

— Nunca duvidei de você, mas sabe... É diferente quando a gente realmente vê acontecer. — Ele passou a mão pelos cabelos, parecendo um pouco sem jeito. — E aí, como foi a viagem?

— Longa. E cansativa. — Suspirei, ajustando a mochila nas costas. — Mas valeu a pena.

Ele sorriu, mas havia algo na expressão dele que me incomodava. Era como se estivesse tentando esconder alguma coisa. Eu conhecia Ben bem o suficiente para saber que ele estava hesitante.

— O que foi? — Perguntei, estreitando os olhos.

Ele abriu a boca, mas fechou logo em seguida, desviando o olhar para os alunos que passavam por nós. Foi então que percebi. Alguns deles olhavam para ele com familiaridade, cumprimentando-o com acenos de cabeça e sorrisos. Um grupo de garotas cochichava enquanto passava, e eu não pude deixar de notar que, aqui, ele parecia alguém diferente.

— Eu... — Ele começou, coçando a nuca. — A gente pode conversar mais tarde? Tenho que te apresentar algumas pessoas.

— Claro. — Falei, tentando não parecer decepcionada.

Ele pegou minha mala e começou a caminhar, e eu o segui, observando ao redor enquanto me sentia uma completa estranha naquele mundo novo.

Depois de me instalar no dormitório, que era pequeno, mas aconchegante, Ben me chamou para almoçar com ele e alguns amigos. Eu aceitei, querendo conhecer melhor a vida que ele havia construído aqui. O refeitório era enorme, com mesas longas e cheias de estudantes conversando alto e rindo. As paredes eram decoradas com fotos de times esportivos e cartazes de eventos da faculdade.

— Essa é a Kira. — Ben disse, me apresentando ao grupo que já estava sentado.

— Oi, Kira! — uma garota loira de olhos azuis vibrantes, sorriu calorosamente. — O Ben fala bastante de você.

Luka, um rapaz alto de cabelos escuros e sorriso fácil, acenou de leve, enquanto outro amigo de Ben, apenas me encarou com expressão neutra. Ele tinha um ar reservado, com olhos cinzentos penetrantes e uma postura despreocupada, como se estivesse sempre avaliando tudo ao redor. Diferente de Luka e Ben, ele parecia não se importar em ser simpático.

— Prazer em conhecer vocês. — Murmurei, sentando-me ao lado de Ben.

Enquanto comíamos, Ben e Luka falavam animadamente sobre um jogo de futebol que teria no fim de semana. Mariana contava sobre um evento da fraternidade, e eu tentava absorver tudo aquilo, me sentindo deslocada. Liam por outro lado, permanecia em silêncio, ocasionalmente lançando olhares na minha direção.

Foi então que um grupo de alunos se aproximou, cumprimentando Ben de forma calorosa. Eles pareciam amigos de longa data, rindo e trocando piadas internas. Um deles olhou para mim com curiosidade.

— E aí, Ben? Quem é a caloura?

Antes que eu pudesse dizer algo, Ben sorriu e respondeu rapidamente:

— Ah, essa é minha amiga, Kira.

Amiga.

A palavra cortou fundo, mais do que eu queria admitir. Fiquei em silêncio, apenas forçando um sorriso. Eu sabia que, para ele, manter nosso relacionamento em segredo fazia sentido por causa da família dele, das conexões sociais, da reputação... Mas, mesmo assim, doía.

Depois do almoço, chamei Ben para conversar. Caminhamos até uma área mais tranquila do campus, longe da agitação.

— Ben, até aqui na faculdade a gente vai ter que esconder nosso relacionamento? — Perguntei, cruzando os braços.

Ele suspirou e me puxou para um abraço, sussurrando contra meus cabelos.

— Me desculpa, Kira. Por enquanto, sim. Meus pais conhecem muita gente aqui, e eu não quero que eles descubram agora.

Fechei os olhos, tentando não demonstrar minha frustração. Eu entendia, mas isso não tornava as coisas mais fáceis.

— E até quando vai ser assim? — Minha voz saiu mais baixa do que eu gostaria.

Ele não respondeu de imediato. Apenas apertou meu ombro suavemente e sussurrou:

— Eu vou dar um jeito, prometo.

Assenti, tentando acreditar nele, mas, no fundo, uma parte de mim se perguntava se algum dia seria diferente.

Voltei para meu dormitório pensativa. A conversa com Ben ainda martelava na minha mente. Eu sabia que ele tinha seus motivos, mas não podia negar o aperto no peito que senti ao ouvir a palavra “amiga”. Ainda assim, Benjamin era tudo o que eu tinha. Ele esteve comigo nos momentos mais difíceis da minha vida, e eu não queria perdê-lo agora.

Suspirei fundo e girei a maçaneta da porta do dormitório, pronta para me distrair com qualquer outra coisa. Assim que entrei, encontrei duas garotas dentro do quarto, ambas ocupadas com suas malas e pertences espalhados pelas camas.

— Oi! — Uma delas, uma morena de pele dourada e cabelos cacheados até os ombros, sorriu calorosamente. — Você deve ser a Kira, né?

— Sim, sou eu. — Respondi, forçando um sorriso e fechando a porta atrás de mim. — E vocês são...?

— Eu sou a Olivia. — Ela disse animada, vindo até mim e estendendo a mão. Seu aperto era firme, e seus olhos castanhos brilhavam de entusiasmo. — E aquela ali, tentando organizar as roupas desde que chegou, é a Carol.

Virei o olhar para a outra garota, que levantou a cabeça e sorriu timidamente. Carol era mais baixa, tinha cabelos loiros e lisos presos em um coque desajeitado, e usava óculos de armação fina. Ela parecia o tipo estudiosa e reservada, mas seu sorriso sincero me fez relaxar um pouco.

— Oi, Kira. — Ela acenou, voltando a dobrar uma pilha de camisetas. — Desculpa pela bagunça, sou péssima em organização.

— Sem problemas. — Ri levemente, sentando-me na beira da minha cama. — Ainda estou me acostumando com tudo isso.

Olivia se jogou na cama ao lado da minha e suspirou.

— Nem me fale. Eu sou de Nova York, e esse lugar parece outro mundo. Grande, mas ao mesmo tempo pequeno demais para o meu gosto.

— Eu vim de uma cidade pequena, então acho que estou no meio do caminho. — Comentei, olhando para Carol. — E você?

— Sou de Atlanta. — Ela respondeu com um sorriso tímido. — Não tão longe daqui, mas é minha primeira vez longe de casa.

— Eu sei como é. — Murmurei, mexendo distraidamente na barra da minha blusa.

Olivia se levantou de repente e bateu palmas, chamando nossa atenção.

— Ok, meninas, agora que estamos oficialmente morando juntas, acho que devemos comemorar!

— Comemorar como? — Perguntei, arqueando uma sobrancelha.

— Sei lá, podemos sair para explorar o campus, dar uma volta na cidade ou, no mínimo, pedir uma pizza e fofocar. — Olivia sugeriu animada, jogando-se de novo na cama.

Carol sorriu de leve.

— Pizza parece uma boa ideia.

Dei de ombros, sentindo-me pela primeira vez um pouco mais leve desde que cheguei.

— Pizza, então.

Enquanto Carol pegava o telefone para fazer o pedido, Olivia puxou conversa sobre os professores, as matérias que estávamos ansiosas para cursar e, claro, os rumores sobre os alunos mais populares do campus. Eu ri algumas vezes, me sentindo grata por, pelo menos naquele momento, poder esquecer um pouco os problemas e apenas aproveitar essa nova fase.

Talvez esse novo começo não fosse tão ruim assim.

Na manhã seguinte, acordei com o som do meu celular vibrando na mesa ao lado da cama. Pisquei algumas vezes, tentando afastar o sono, e peguei o aparelho. Era uma mensagem de Ben.

Ben: “Bom dia, linda. Vamos tomar café juntos? Quero te mostrar mais da faculdade.”

Um pequeno sorriso surgiu nos meus lábios. Apesar da conversa de ontem ainda pesar na minha mente, eu não conseguia ficar chateada por muito tempo. Ele sempre sabia como me fazer sentir melhor.

Levantei rapidamente, tomei banho e me arrumei o mais rápido possível e me despedi das meninas. Olivia ainda estava deitada, mexendo no celular, enquanto Carol lia um livro sentada na escrivaninha.

— Vou tomar café com o Ben. Vejo vocês depois?

— Claro! — Olivia disse, sem tirar os olhos da tela. — Me conta se o refeitório daqui é realmente tão ruim quanto dizem.

— Boa sorte. — Carol brincou, dando um sorriso discreto.

Ri de leve e saí do dormitório, caminhando pelo corredor movimentado. O campus pela manhã era cheio de estudantes indo e vindo com pressa, alguns ainda com cara de sono, outros animados com a rotina.

Assim que cheguei na entrada do refeitório, avistei Ben encostado na parede, com seu sorriso fácil de sempre. Ele usava uma camiseta azul clara e jeans escuros, os cabelos castanhos bagunçados de um jeito que parecia proposital.

— Oi, dorminhoca. — Ele brincou, me puxando para um abraço rápido. — Pronta para conhecer mais desse lugar?

— Claro. — Sorri, sentindo meu coração aquecer com o gesto.

Entramos juntos no refeitório, pegamos nossas bandejas e nos dirigimos a uma mesa onde já estavam Luka, Mariana e... Liam.

Liam estava sentado com sua típica expressão fechada, revirando o garfo sobre a bandeja de comida sem muito interesse. Seu olhar de poucos amigos varria o ambiente ocasionalmente, como se nada ali fosse bom o suficiente para chamar sua atenção.

Luka, por outro lado, era o completo oposto. Assim que nos viu, abriu um largo sorriso e acenou energicamente.

— Aí está você! — Ele brincou, batendo na cadeira ao lado para que nos sentássemos. — Kira, está gostando da faculdade?

— Sim, é... diferente. — Respondi, ainda um pouco tímida ao redor deles.

— Luka, você fala demais. — Mariana revirou os olhos, mas sorriu.

— Eu sou um ótimo anfitrião, Mariana! — Luka rebateu com uma piscadela. — Aliás, Kira, se precisar de um guia melhor do que o Ben, sabe onde me encontrar.

— Nem pense nisso. — Ben retrucou, rindo e passando o braço pelo encosto da minha cadeira.

Observei Liam de canto de olho. Ele parecia alheio à conversa, apenas empurrando a comida no prato e soltando suspiros entediados de tempos em tempos.

— Você não fala muito, né? — Perguntei, sem conseguir evitar.

Liam levantou o olhar lentamente, seus olhos castanho com de mel me avaliando de maneira intensa por alguns segundos antes de responder.

— Só quando tem algo interessante pra falar.

Fiquei sem saber se aquilo era uma provocação ou apenas uma resposta direta. Luka riu, cutucando Liam no ombro.

— Relaxa, ele é assim com todo mundo. Não leva para o lado pessoal.

Ben apertou minha mão sob a mesa e sussurrou:

— Ignore ele, Kira. Liam gosta de bancar o durão.

Apesar do clima descontraído, eu ainda sentia uma pontada de incômodo. Sentia como se ainda estivesse deslocada naquele ambiente, como se precisasse me esforçar para me encaixar.

Talvez eu só precisasse de mais tempo.

Depois do café da manhã, Ben se levantou da mesa com um sorriso animado.

— Vamos conhecer a faculdade? — Ele sugeriu, olhando para mim.

Fiquei feliz, pensando que finalmente teríamos um tempo a sós, apenas nós dois. Mas minha expectativa desmoronou quando Luka e Mariana se prontificaram imediatamente.

— Ótima ideia! Vamos juntos. — Luka disse animado, já se levantando.

— É, quero conhecer cada cantinho desse lugar. — Mariana concordou, pegando sua bolsa.

Olhei para Ben, esperando que ele dissesse algo, mas ele apenas sorriu e deu de ombros, como se não se importasse. Suspirei, guardando minha decepção para mim mesma.

Enquanto saíamos do refeitório, Luka e Mariana resolveram puxar Liam para ir junto. Ele estava encostado em uma parede próxima, mexendo no celular, e claramente não parecia interessado.

— Vamos, Liam! — Luka insistiu, puxando seu braço.

— Não. — Ele respondeu seco, sem sequer olhar para cima.

— Ah, qual é! Vai ficar aqui parado sem fazer nada?

Liam suspirou, visivelmente irritado, mas acabou cedendo à pressão.

— Tá bom, tanto faz. — Disse com a voz arrastada, guardando o celular no bolso e nos acompanhando.

Caminhamos pelo campus enquanto Ben me mostrava os prédios das aulas, as áreas comuns e os melhores lugares para estudar. Ele parecia muito à vontade ali, cumprimentando várias pessoas pelo caminho. Por onde passávamos, alunos cochichavam, olhavam de canto de olho e, às vezes, até apontavam discretamente.

Eu tentava ignorar, mas era impossível não notar os olhares curiosos. Luka, sempre inocente e sem filtro, foi o primeiro a reparar e comentar em voz alta.

— Gente, o que tá acontecendo? Por que todo mundo tá cochichando? — Ele perguntou, olhando ao redor com uma expressão confusa.

Tentei fingir que não era comigo, que tudo não passava de paranoia minha, mas então veio a resposta que eu não queria ouvir.

Liam, com sua habitual arrogância, revirou os olhos e respondeu sem rodeios, a voz carregada de desdém:

— Sério que você ainda pergunta, Luka? Eles estão cochichando por causa dela. — Ele apontou levemente para mim com o queixo. — Olha só os trapos que ela tá vestindo. Parece uma mendiga.

Fiquei completamente paralisada. A humilhação queimava no meu rosto, e por um momento eu desejei desaparecer.

— Cala a boca, Liam! — Mariana rebateu imediatamente, o rosto indignado.

— Qual é o seu problema, cara? — Luka acrescentou, olhando furioso para Liam.

Mas Liam apenas deu de ombros, como se não se importasse nem um pouco com o que acabara de dizer.

Ben, por sua vez, não demonstrou nenhuma reação. Apenas colocou a mão no meu ombro e disse com indiferença:

— Não liga para ele, Kira.

Mas era tarde demais. Eu sabia que Liam estava apenas verbalizando o que todos ali pensavam. Minhas roupas eram simples, velhas e gastas. Eu não tinha dinheiro para comprar peças novas e da moda como as outras garotas. Tudo o que eu tinha, cada peça de roupa que vestia, era fruto de doações.

Olhei para baixo, sentindo um nó apertado na garganta. Eu sabia que não tinha o mesmo padrão de vida que as pessoas ali, mas ouvir isso em voz alta, jogado com tanto desprezo, era doloroso demais.

— Kira... — Mariana se aproximou, tocando meu braço de maneira gentil.

— Tá tudo bem. — Menti, forçando um sorriso que não chegou aos meus olhos. — Acho que vou voltar para o dormitório.

— Eu vou com você. — Mariana se ofereceu, mas eu neguei rapidamente.

— Prefiro ficar sozinha.

Ben não disse nada para me impedir. Apenas me lançou um olhar preocupado, mas não fez nenhum esforço para me confortar.

Dei meia-volta e caminhei pelo campus com passos apressados, sentindo os olhos de todos sobre mim como facas cortantes.

No fundo, eu já sabia que não pertencia àquele mundo. Mas, até hoje, consegui me convencer de que isso não importava. Agora, com as palavras de Liam ecoando na minha cabeça, eu não tinha mais certeza.