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O Clube das Solteiras e Traídas

1. A carta de Carmem ( Helena )

( Helena )

Sete anos. Era surreal perceber que tanto tempo tinha se passado desde a última vez que todos nós estivemos juntos. É claro, o destino só poderia nos reunir novamente por um motivo trágico: o velório de Carmem.

Chovia naquele dia, porque é claro que tinha que chover. O clima parecia refletir exatamente como me sentia. A água pingava incessantemente sobre os guarda-chuvas, manchando o gramado em torno do cemitério. Estávamos todos ali: eu, Letícia, Rafael, Sofia, Gabriel, Marina, Toninho e até Cíntia. Todos, menos ele.

Leonardo.

Não consegui evitar pensar nele enquanto ouvia as palavras do padre. Cada gota de chuva me parecia uma lágrima que eu não conseguia mais chorar.

— Ela era rígida, mas tinha um bom coração — murmurou Sofia ao meu lado.

Eu apenas assenti, sem forças para acrescentar algo. O padre finalizou, e, um a um, dissemos nosso último adeus.

Depois do velório, fomos surpreendidos pela advogada de Carmem. Ao contrário do esperado, soubemos que Carmem tinha deixado um testamento para ser lido na presença de todos nós. Nos reunimos na salão de festas, do prédio que não pisávamos há anos.

— Ela sempre foi metódica, mas isso? — sussurrou Letícia, cutucando Rafael.

— Parece coisa dela — respondeu Marina, ajeitando o vestido preto.

A advogada começou a ler a carta de Carmem, e logo as palavras dela ecoaram pela sala:

"Se você está lendo isso, significa que finalmente consegui reunir todo o clube novamente, mesmo que eu mesma não esteja presente. Confesso que, nos últimos anos, me senti mais sozinha do que gostaria de admitir. A verdade é que, por mais que reclamasse, eu adorava a energia de vocês. Cada confusão, cada briga, cada barulho... Tudo fazia parte da vida do prédio, e minha vida ficou um pouco mais triste sem vocês."

Um silêncio desconfortável caiu sobre nós.

"Por isso, deixo como herança meu apartamento para todos vocês, os membros do clube. Pode parecer exagero, mas quero que ele seja um símbolo da amizade que criaram aqui. Espero que usem este lugar para rir, lembrar e, quem sabe, voltar a serem quem vocês eram quando tudo começou."

Ninguém sabia o que dizer. Rafael foi o primeiro a quebrar o silêncio:

— Então agora somos co-proprietários de um apartamento? Interessante.

— É mais que isso, Rafa — murmurei. — É um pedido de Carmem para que não nos esqueçamos.

Naquela mesma noite, voltamos ao apartamento de Carmem para uma última homenagem. Era estranho como aquele lugar ainda cheirava a sua lavanda favorita. O sofá, as poltronas, tudo permanecia igual.

Toninho trouxe um vinho — claro, do estoque que ele e Marina tinham no litoral — e começamos a relembrar histórias.

— Lembram da noite em que o gato da Marina engoliu um anel e tivemos que chamar o Gabriel às pressas? — perguntou Sofia, gargalhando.

— Não me façam lembrar! — exclamou Marina, entre risos. — Toninho quase teve um ataque porque achou que o gato tinha virado um cofre ambulante!

Rimos até as lágrimas, compartilhando histórias que não ouvíamos há anos. Mas, mesmo em meio a tanto calor humano, não pude evitar olhar para a cadeira vazia no canto. Uma parte de mim queria imaginar que Leonardo estaria ali, rindo conosco, fazendo piadas sarcásticas e segurando uma xícara de café.

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Personagem:

Helena ( Psicóloga )

"Minha vida não é perfeita, mas é uma história que eu escreveria de novo, do mesmo jeito."

2. Mentiras convenientes( Helena )

( Helena )

7 anos atrás...

Interior de São Paulo...

Meu nome é Helena Martins, tenho 31 anos e trabalho como psicóloga online.

Helena:

Dizem que o passado é uma sombra, sempre nos seguindo, mas, naquele momento, eu só precisava de algo convincente o suficiente para escapar de uma entrevista. Porque quem diria que, ao me mudar para o prédio, o maior desafio não seria desempacotar as caixas, mas passar no teste de admissão de um clube secreto de mulheres traídas?

Tudo começou quando eu quis refazer minha vida, indo para uma nova cidade e me mudando para o condomínio "Novo Amanhecer". Agora meu novo lar era o 304, um apartamento aconchegante com vista para... outro prédio. No condomínio havia piscina, um salão de festas, uma cafeteria e espaços públicos. Era mais do que eu precisava.

Eu estava tentando organizar minha vida, ou pelo menos o que sobrou dela, depois de... bem, coisas que prefiro não detalhar. Meu plano era simples: silêncio, anonimato e talvez fazer amizade com um ou dois vizinhos. Mas não. Em questão de dias, fui convocada para "uma reunião essencial para o convívio comunitário". Curiosa, fui.

No dia marcado, subi para o apartamento de Marina (aparentemente o QG de tudo nesse prédio) com a sensação de que algo estava fora do normal. Assim que entrei, fui recebida por quatro pares de olhos desconfiados. Marina me apresentou rapidamente às outras mulheres — Sofia, uma mulher loira que parecia simpática, mas que me estudava com curiosidade e Letícia, com aquela postura de “se eu quiser, desmonto sua alma em três palavras”.

— Então, Helena, como ficou sabendo do nosso Clube Solteiras e Traídas? — Letícia disparou, sem preâmbulos.

Minha mente entrou em pane por alguns segundos. Clube Solteiras e Traídas? Não fazia ideia do que elas estavam falando.

— Ah, pela... pela vizinhança. — Disfarcei, tentando decifrar do que se tratava aquele grupo. — Parece uma ótima... iniciativa?

Letícia e Marina trocaram olhares. Um momento de avaliação silenciosa. A sala estava carregada como se eu estivesse sendo interrogada por uma unidade especial de espionagem.

— Por que quer entrar no clube? — Sofia perguntou, erguendo uma sobrancelha perfeitamente feita.

"Raciocina, Helena. Pense rápido." Meu instinto gritou. Eu precisava dizer algo convincente, e rápido. Olhei ao redor, como se buscasse inspiração. Elas claramente eram sérias sobre o clube e não me deixariam sair fácil. Foi quando me lembrei do passado que eu definitivamente queria deixar enterrado. Ou melhor, de uma versão muito editada dele.

— Bem... Fui traída — respondi, tentando adicionar uma pausa dramática.

O interesse delas cresceu. Eram como lobas sentindo o cheiro do drama.

— Por quem? E como aconteceu? — Letícia perguntou, inclinando-se para frente.

Eu precisava improvisar com precisão cirúrgica.

— Por Mauro... Meu ex-marido. Descobri que ele... hum... tinha uma amante. — Menti, pois não poderia revelar a verdade do que aconteceu para elas. — Uma prostituta. — Dei uma pausa significativa, fingindo tragar a dor do momento.

O silêncio que se seguiu era quase palpável.

— Que canalha! — Marina exclamou, batendo a mão na mesa.

— E como você lidou com isso? — Sofia perguntou, agora solidária.

Engoli em seco. Entenderam que era uma mentira, certo? Mas parecia que não. Então, continuei com convicção:

— Lidei da melhor forma possível: joguei todas as roupas dele pela janela, cortei o encosto do carro dele e... enviei flores de condolências para o trabalho dele.

Elas me encararam, impressionadas.

— Gosto dela — Letícia disse finalmente, cruzando os braços com um sorriso. — Esse clube foi feito para você. Bem-vinda ao Clube das Solteiras e Traídas!

O alívio me atingiu como uma onda, mas só consegui manter um sorriso leve, sem dar a entender o quanto eu sabia que aquilo ia complicar tudo no futuro. Fui abraçada, literalmente, e uma taça de vinho foi empurrada na minha direção.

Nota mental: mentiras vêm com juros altos e cobradores implacáveis. Mas, naquele momento, eu só precisava não parecer suspeita. Afinal, precisava desesperadamente de algo que havia faltado na minha vida: alianças. Mesmo que começassem com uma grande e atrevida mentira.

3. Como tudo começou ( Letícia )

Eu me chamo Letícia Alcântara, tenho 26 anos, sou tatuadora freelancer e tenho meu próprio Studio para tatuagem.

Letícia:

E olha, vou te dizer uma coisa: ter uma vida normal nunca foi meu forte. Desde pequena, meu pai, o todo-poderoso comandante Alcântara, achava que podia marchar sobre minha vida com a mesma disciplina com que marchava no quartel. “Letícia, sapato fechado!”, “Letícia, saia comprida!”, “Letícia, baixe essa música ou vai virar corte marcial!”. Já minha mãe, coitada, era a personificação da resignação. A mulher passava os dias limpando, cozinhando, e murmurando “Sim, senhor” com o mesmo entusiasmo de quem lê bula de remédio.

Eu? Desde cedo decidi que regras foram feitas para serem contestadas. Sapato fechado? Que tal um coturno customizado? Saia comprida? Adorei a ideia... pra fazer cortinas na sala. Música alta? Minha playlist rock dominava até os vizinhos. Minha rebeldia foi escalando conforme eu crescia, e meus pais logo perceberam que “disciplinar a menina” seria mais difícil do que uma guerra fria.

Foi assim que eu conheci o Pedro. Pedro era aquele tipo de cara que sabia como esconder defeitos atrás de um sorriso branco e uma barba bem feita. Parecia encantador, moderno, um pouco contestador, igualzinho a mim. E por algum tempo eu acreditei que tinha encontrado meu par perfeito. Até descobrir que o meu “relacionamento exclusivo” era, na verdade, um teste beta de poliamor. Pedro era casado. Quer dizer, quase. Ele tinha uma noiva e, aparentemente, mais uma ou duas “namoradinhas casuais”.

A descoberta veio durante um jantar de negócios. Pedro achou que era esperto o bastante para manter todas nós separadas e desinformadas, mas subestimou a habilidade de uma mulher desconfiada e determinada a invadir celulares alheios. Eu descobri a traição, claro. E o que eu fiz? Exposei o canalha no meio do jantar, com direito a projeção PowerPoint. Isso mesmo, eu montei uma apresentação. “Traições do Pedro: Uma Timeline” ainda é meu maior projeto criativo.

Resultado: fui chamada de vingativa e, claro, Pedro ficou com a reputação arranhada. Fui cancelada pelo círculo social dele, mas sinceramente? Não perdi nada. Foi aí que decidi mudar minha vida. Parei de buscar validação dos outros e foquei no que realmente fazia sentido para mim: minha arte.

Ser tatuadora freelancer nunca foi um sonho “aceitável” na visão militar do meu pai, mas eu amava transformar ideias em arte permanente. Cada cliente que chegava com sua história me inspirava a seguir em frente. Só que a vida de freelancer tem desafios, né? Entre tentar viver de um trabalho que muita gente desvaloriza e ainda encarar o preconceito de “moça rebelde que não arranja emprego sério”, meu cotidiano se tornou uma jornada de desafios... mas também de conquistas.

Foi durante esse período que conheci Marina, ela era minha vizinha do condomínio "Novo Amanhecer" onde eu morava, que por coincidência veio até mim para fazer uma tatuagem. Ela queria escrever “Resiliência” no braço. Na hora que perguntei o motivo, ela suspirou e disse: “Pra nunca esquecer que eu sobrevivi ao Rodrigo.”

Sabe aquela sensação de “Achei minha tribo”? Eu senti ali. Passei a noite ouvindo a história dela sobre o Rodrigo (outro espécime do Clube dos Cafajestes Internacionais) e, no final, não só fiz a tatuagem, como sugeri criarmos algo juntas: um espaço onde mulheres poderiam rir, chorar e gritar juntas.

Nasceu o Clube das Solteiras e Traídas, um nome que começou de brincadeira. Eu e Marina nos dedicamos a torná-lo real, porque precisávamos de um lugar onde não houvesse “regras” — pelo menos não do tipo que sufoca. No começo, éramos só nós duas, reunidas no apartamento de Marina, bebendo vinho barato e rindo de histórias trágicas. Mas a coisa cresceu.

A divulgação online foi a ideia mais louca e mais genial que já tive. Fiz posts no Instagram e reels com frases do tipo: “Traída? Bem-vinda ao clube!”, ou “Não procure vingança. Faça amigas (ou faça as duas coisas).” Bombou. Mulheres começaram a aparecer, e assim o Clube deixou de ser só um consolo pós-relacionamento para se tornar uma força de transformação.

No entanto, com o tempo muitas mulheres começaram a faltar nas reuniões do clube devido a vários motivos, mas principalmente devido ao lugar de encontro ser longe de onde moravam. Então eu e Marina decidimos restringir os membros, aceitando somente mulheres que moravam no nosso condomínio.

Marina queria mais regras, e eu ficava preocupada. Não queria transformar isso no tipo de coisa de onde as pessoas precisassem fugir — como eu fugi da disciplina do meu pai ou da manipulação do Pedro. Foi por isso que brigamos algumas vezes: Marina achava que precisávamos de um regulamento mais claro, enquanto eu preferia a “liberdade organizada” que a gente já tinha. Mas chegamos na conclusão de que o clube deveria ter restrições e que para mostrar que podemos ser melhores sem homens traíras, resolvemos colocar uma regra especial: Nada de namoros ou paixonites sem a devida superação do passado!

Hoje, ao olhar pra trás, entendo que não era só medo das regras. Era medo de me machucar de novo, de acabar sendo dominada por uma força maior. Criar o clube foi, na verdade, a minha maneira de dizer ao mundo — e a mim mesma — que não existe sistema, homem ou regra capaz de me prender.

O que eu não contava era que essa ideia acabaria me colocando no meio das melhores amizades — e dos desafios mais caóticos — da minha vida. O Clube não é perfeito, assim como eu não sou. Mas entre sessões de vinho, estratégias contra Carmem e os dramas delas, percebi algo importante: não é preciso seguir regras para construir algo incrível, mas é preciso algo ainda mais raro — coragem pra tentar.

E sim, eu tenho coragem de sobra. Só não me peça pra fazer um PowerPoint sobre isso de novo.

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