O vento frio varria as colinas de Avonlea naquela tarde, fazendo as folhas secas rodopiarem pelas estradas de terra. O sol poente lançava sombras alongadas sobre as casas de madeira, e o céu, tingido de laranja e lilás, parecia esconder segredos antigos entre suas cores. Laura Fitzgerald caminhava devagar pela estrada principal da pequena cidade, sentindo o cheiro adocicado das macieiras misturado com a umidade do rio que cortava a região. Havia algo diferente no ar. Uma sensação quase palpável de que algo estava observando.
Avonlea era um lugar encantador à primeira vista. Suas ruas tranquilas, as cercas brancas que delimitavam os quintais floridos, e a igreja de pedra com seu sino imponente compunham um cenário digno dos romances que Laura tanto adorava ler. Mas, por trás da aparência bucólica, a cidade guardava segredos que poucos ousavam mencionar.
Laura sempre teve uma ligação especial com Avonlea. Sua família morava ali há gerações, e desde pequena ela escutava histórias sobre os primeiros colonos que haviam desbravado aquelas terras. Seu avô, um homem reservado e de poucas palavras, costumava contar sobre tempos antigos, quando a cidade passava por períodos de estranhos infortúnios, sempre seguidos por prosperidade inexplicável. “As terras de Avonlea sempre exigiram um preço”, ele dissera uma vez. Quando ela perguntara o que aquilo significava, ele apenas desviara o olhar para a lareira e ficara em silêncio.
Agora, com dezessete anos, Laura não conseguia afastar a sensação de que algo a chamava. Algo que sempre esteve ali, sussurrando entre as árvores do bosque ao sul, espreitando entre as pedras do velho cemitério da cidade.
Naquela noite, ao atravessar a praça principal, sentiu um calafrio percorrer sua espinha. As luzes dos lampiões iluminavam fracamente a neblina que começava a subir do rio, criando sombras inquietantes entre as construções. O velho relógio da torre da igreja badalou oito vezes, e o som ecoou pela cidade vazia.
Ela apressou o passo. Queria chegar logo eM casa.
A Casa Fitzgerald
A casa de Laura era uma das mais antigas da cidade, construída de pedra e madeira escura, com janelas grandes que refletiam a luz da lua como olhos atentos. Sua mãe, a senhora Fitzgerald, estava na cozinha quando Laura entrou. O cheiro de pão recém-saído do forno se misturava com o aroma do chá de camomila que fumegava em uma xícara sobre a mesa.
— Está frio lá fora? — a mãe perguntou, sem tirar os olhos do bordado que costurava.
— Bastante — Laura respondeu, pendurando seu casaco no cabide ao lado da porta.
Ela pegou uma fatia do pão quente e se sentou. O silêncio da casa era confortável, mas aquela noite trazia algo diferente. Uma inquietação que parecia se prender em sua pele como a umidade da névoa lá fora.
— Você está pálida, querida. Algo aconteceu? — A mãe ergueu os olhos para Laura, franzindo levemente as sobrancelhas.
— Nada... só um pressentimento — Laura murmurou.
A mãe suspirou e voltou a costurar, como se compreendesse exatamente do que a filha falava, mas preferisse não aprofundar o assunto.
A Noite e a Sombra
Mais tarde, já em seu quarto, Laura sentou-se à escrivaninha e abriu o diário. Sempre escrevera sobre suas impressões do dia, mas, naquela noite, as palavras pareciam lhe escapar. Tudo o que conseguia colocar no papel era um único pensamento:
"Há algo em Avonlea que não quer ser visto."
Ela suspirou, fechando o caderno e caminhando até a janela. O luar iluminava o quintal dos Fitzgerald, onde uma macieira solitária erguia seus galhos retorcidos contra o céu escuro. Tudo parecia calmo... até que ela viu.
Uma sombra se movia na borda do bosque.
Laura ficou imóvel. Seu coração começou a bater mais rápido. Era apenas um animal? Talvez um galho se movendo ao vento?
Mas não. A sombra tinha forma. Uma silhueta alta e indistinta, parada entre as árvores, como se a observasse.
Ela piscou, e a sombra se foi.
Um arrepio percorreu sua pele. Algo dentro dela dizia que aquilo não era imaginação. E, pela primeira vez, Laura teve certeza de que sua família escondia mais do que velhas histórias.
E que, de alguma forma, o mistério de Avonlea estava apenas começando.
A manhã nasceu envolta em uma névoa densa, espalhando um véu prateado sobre Avonlea. Laura acordou com a mente pesada, ainda assombrada pelo que vira na noite anterior. A sombra entre as árvores não era um devaneio. Não podia ser.
Ela se vestiu rapidamente, jogando um xale sobre os ombros antes de descer para o café. A casa estava silenciosa, exceto pelo leve crepitar do fogo na lareira. Sua mãe já havia saído para cuidar do jardim, e a ausência do barulho das agulhas de tricô fazia o ambiente parecer incompleto.
O aroma do chá quente confortava Laura, mas não o suficiente para afastar aquela inquietação que se agarrava a ela desde a noite anterior. Algo estava diferente, e seu coração lhe dizia que não demoraria a descobrir o quê.
Foi só ao sair para a rua que percebeu que não era a única a sentir que algo pairava sobre Avonlea. Os vizinhos cochichavam nas portas de suas casas, e as expressões carregadas de preocupação deixavam claro que algo estranho havia acontecido.
Ela ouviu trechos soltos das conversas ao passar pela praça.
— ...vi algo perto do bosque ontem à noite...
— ...uma sombra, ou talvez alguém espreitando...
— ...não pode ser coincidência...
O frio em sua espinha aumentou. Ela não tinha sido a única a ver.
O Encontro com Emily
Laura seguiu até a casa de Emily, sua melhor amiga desde a infância. Emily vivia perto do rio, em uma casa pequena e aconchegante, onde sempre havia o cheiro de pão assando e ervas secas penduradas nas janelas.
Quando Laura bateu à porta, Emily não demorou a abrir. Mas ao vê-la, seus olhos se arregalaram, como se já soubesse o motivo de sua visita.
— Precisamos conversar — Emily disse antes que Laura pudesse dizer qualquer coisa.
As duas se sentaram à mesa da cozinha, onde um bule de chá de hortelã já as esperava. Emily serviu uma xícara para Laura, mas suas mãos tremiam levemente.
— Eu tive outro sonho — ela começou, a voz baixa e hesitante.
Laura a encarou, sentindo um aperto no peito. Emily sempre teve sonhos estranhos. Desde crianças, ela falava de coisas antes que elas acontecessem, como se enxergasse algo que os outros não viam. Mas, nas últimas semanas, seus sonhos vinham se tornando cada vez mais perturbadores.
— O que você viu? — Laura perguntou, segurando firme a xícara entre as mãos.
Emily respirou fundo antes de continuar.
— Eu vi você, Laura. Você estava no bosque, cercada por sombras. Algo falava com você, mas eu não conseguia ouvir o que dizia. Então, de repente, tudo ficou escuro, e eu senti que algo... algo estava se aproximando. — Ela parou, engolindo em seco. — Quando acordei, eu soube que precisava te procurar.
Laura sentiu um arrepio percorrer seus braços.
— Eu vi algo ontem à noite — disse, sua voz quase um sussurro. — Do meu quarto, vi uma sombra no bosque. Achei que fosse imaginação, mas agora...
Emily segurou sua mão, os olhos azuis arregalados de preocupação.
— Não é imaginação. E tem mais uma coisa. — Ela hesitou, como se tivesse medo de dizer em voz alta. — Nos meus sonhos, há sempre um nome que ecoa.
— Qual nome?
Emily respirou fundo antes de responder.
— Fitzgerald.
O sangue de Laura gelou.
— Minha família?
Emily assentiu.
— Acho que tudo isso está ligado à sua linhagem, Laura. Acho que Avonlea guarda segredos sobre você.
O Começo da Investigação
A conversa com Emily perturbou Laura mais do que queria admitir. Se antes sua intuição lhe dizia que havia algo errado, agora isso parecia uma certeza.
Decididas a entender o que estava acontecendo, as duas começaram a buscar pistas. Foram até a biblioteca da cidade, um prédio antigo com estantes empoeiradas que guardavam documentos tão velhos quanto Avonlea.
Enquanto reviravam arquivos esquecidos, Laura encontrou um registro de 1803. O documento falava sobre os primeiros colonos da cidade e mencionava um nome que fez seu coração acelerar.
Elias Fitzgerald.
Seu ancestral.
O texto descrevia Elias como um dos fundadores de Avonlea, um homem respeitado e admirado. Mas uma anotação no final do registro chamou sua atenção:
"Elias Fitzgerald selou o destino da cidade com um acordo que garantirá nossa prosperidade... mas, a que custo?"
Laura trocou um olhar tenso com Emily.
— Um acordo? O que isso significa?
Emily apertou os lábios.
— Não sei, mas acho que acabamos de encontrar o primeiro fio desse mistério.
Laura fechou o livro devagar, sentindo um arrepio na nuca.
Se sua família estava envolvida com algo tão antigo, ela precisava descobrir a verdade. E, pela primeira vez, sentiu que a sombra que espreitava Avonlea podia estar muito mais perto do que imaginava.
O sol começava a se pôr quando Laura e Emily deixaram a biblioteca. O ar estava frio e úmido, e o céu, tingido de tons alaranjados, parecia esconder segredos entre as nuvens. A descoberta do nome Elias Fitzgerald e a menção a um pacto antigo deixaram Laura inquieta. Ela não conseguia afastar a sensação de que cada passo que davam as aproximava de algo que talvez não devessem encontrar.
— Precisamos ir até aquele lugar — disse Emily, com um brilho de determinação nos olhos.
Laura não precisou perguntar aonde. Ela sabia exatamente do que Emily falava.
O bosque.
O lugar onde Laura viu a sombra pela primeira vez. O mesmo que aparecia nos sonhos de Emily.
As duas caminharam em silêncio até os limites da cidade, onde o bosque começava. A névoa rastejava pelo chão como dedos fantasmagóricos, e os troncos das árvores antigas pareciam se curvar sobre elas, como se estivessem observando.
O vento sussurrava entre as folhas, trazendo consigo um cheiro de terra úmida e algo mais... algo estranho, como se o próprio ar estivesse carregado de um peso invisível.
Emily segurou o braço de Laura.
— Está sentindo isso?
Laura assentiu. Seu coração estava acelerado, como se soubesse que algo estava prestes a acontecer.
A Descoberta no Bosque
Seguindo o instinto, Laura guiou Emily por um caminho estreito entre as árvores. A trilha era pouco usada, quase escondida, e quanto mais avançavam, mais escura ficava.
Após alguns minutos de caminhada, chegaram a uma clareira. No centro dela, uma pedra alta e irregular se erguia, coberta por musgo e inscrições antigas.
— O que é isso? — sussurrou Emily.
Laura se aproximou e passou os dedos sobre as marcas na pedra. Eram símbolos que ela não conseguia decifrar, mas algo nelas parecia... familiar.
De repente, um vento frio varreu a clareira, fazendo as árvores gemerem e os cabelos de Laura se arrepiarem. O ar pareceu ficar mais denso, e então, um sussurro atravessou a brisa.
"Laura..."
O nome dela.
Laura congelou.
Emily segurou seu braço com força.
— Você ouviu isso?
Antes que Laura pudesse responder, a sombra apareceu.
Ela emergiu da escuridão entre as árvores, tomando forma aos poucos. Não era um ser sólido, mas algo que parecia feito da própria noite, se movendo como fumaça densa.
Os olhos da sombra brilharam em um tom prateado.
Laura sentiu seu corpo se enrijecer, como se uma força invisível a prendesse no lugar. Sua mente gritava para correr, mas suas pernas não obedeciam.
A voz da sombra ressoou pelo ar, profunda e ecoante.
— Você é uma Fitzgerald.
Laura arregalou os olhos.
— Quem... o que você é?
A sombra riu, um som grave que fez o vento gelado rodopiar ao redor delas.
— Eu sou o que sua família prometeu há muito tempo.
O coração de Laura martelava no peito.
— O que isso significa?
A sombra se moveu lentamente, circulando as duas como um predador avaliando sua presa.
— Há gerações, sua linhagem fez um pacto. Sua cidade prospera porque um preço foi pago. Um preço que ainda precisa ser cobrado.
Laura sentiu a garganta secar.
— Que preço?
Os olhos prateados da sombra brilharam mais intensamente.
— Você.
O Chamado do Destino
Emily puxou Laura para trás, posicionando-se entre ela e a sombra.
— Ela não pertence a você! — disse Emily, com uma firmeza que surpreendeu até Laura.
A sombra inclinou a cabeça, como se estivesse se divertindo.
— O destino de Laura já foi selado. Desde o momento em que nasceu.
Laura sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
— Eu não fiz pacto nenhum. Não devo nada a você.
A sombra se aproximou lentamente, e Laura sentiu algo dentro de si reagir. Como se um fio invisível a conectasse àquela entidade.
— O sangue dos Fitzgerald carrega a marca do acordo — a sombra murmurou. — Você pode resistir, mas isso não mudará o que está por vir.
Laura cerrou os punhos.
— Eu escolho meu próprio destino.
A sombra riu novamente, mas dessa vez o som era mais baixo, quase como um eco distante.
— Veremos.
Então, em um movimento tão rápido quanto o vento, a sombra se dissipou, desaparecendo entre as árvores, como se nunca tivesse estado ali.
O silêncio que ficou para trás era ensurdecedor.
Emily segurou o pulso de Laura.
— Precisamos descobrir o que realmente aconteceu no passado.
Laura assentiu, o coração ainda disparado.
O mistério de Avonlea estava apenas começando. E, pela primeira vez, ela temia o que encontrariam a seguir.
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