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EU SOU SUA "FUGA" PREFERIDA

1.01

Yol, com seus 160 centímetros de altura, estava deitado no sofá da sala de estar, um espaço acolhedor, mas marcado por uma certa frieza causada pela ausência frequente dos pais. A decoração era moderna, com tons neutros, estantes de madeira escura e uma lareira apagada que parecia mais ornamental do que funcional. Almofadas macias em tons de vermelho e cinza estavam espalhadas pelo sofá onde ele repousava, tentando encontrar conforto em meio a seus pensamentos. A sala era banhada por uma luz dourada que entrava pelas janelas amplas, anunciando o fim da tarde.

Ele ergueu os olhos, mas sua visão limitada o obrigava a se esforçar para distinguir os objetos ao seu redor. Desde que nasceu ômega, Yol carregava uma condição rara: seu alto nível de feromônios havia afetado seu desenvolvimento ocular, restringindo sua visão a apenas 30%. Isso fazia com que o mundo à sua volta fosse uma mistura de formas nebulosas e contornos vagos. Era frustrante, mas ele já havia se acostumado a navegar por aquele emaranhado de sombras e luzes.

De repente, o som de uma chave girando na porta ecoou pela sala. Era Ju, a empregada da casa, voltando do mercado. Ela entrou com sacolas nas mãos, um leve sorriso no rosto cansado, e colocou os legumes sobre o balcão da cozinha americana.

— Yol, você está bem? — perguntou ela, sua voz carregando uma preocupação genuína. — Fui rapidinho no mercadinho buscar algumas coisas. Não demorei.

Yol se sentou lentamente no sofá, ajustando-se com cuidado.

— Cadê meus pais? — perguntou, a voz baixa, mas carregada de uma ponta de decepção. — Amanhã é meu aniversário, e eles ainda não voltaram de viagem. Nem sequer ligaram.

Ju suspirou, aproximando-se do jovem com um olhar compreensivo.

— Eles pediram desculpas, Yol. Surgiu uma reunião urgente. Seu pai Gusta e o Niel disseram que não conseguirão voltar hoje.

Antes que ela pudesse continuar, Yol a interrompeu com um tom de ironia:

— Já sei, Gusta não vem porque está tentando ser embaixador do país. E o Niel está com um caso que pode fazer ele virar promotor. Certo?

Ju assentiu com um leve pesar, sem saber como aliviar o sentimento de abandono que ele sentia. Yol se levantou lentamente, passando as mãos pelos móveis próximos para se orientar. Ele começou a caminhar em direção às escadas, tocando levemente as paredes para guiar seus passos.

— Deixa eu te ajudar a subir, Yol — ofereceu Ju, ao vê-lo se esforçando.

— Não precisa — respondeu firme, embora seu tom não fosse rude. — Amanhã eu faço 18 anos. Preciso aprender a me virar sozinho, já que meus pais nunca estão aqui para isso.

Ju ficou parada por um instante, observando o garoto. Ele parecia mais adulto do que deveria, carregando um peso que não combinava com a idade. Yol começou a subir os degraus, cada passo cuidadoso, até que o som da campainha quebrou o silêncio da casa. Ele parou no meio da escada, voltando-se parcialmente para Ju.

— Vai ver quem é — disse ele, enquanto se apoiava no corrimão.

Ju caminhou até a porta e olhou pelo olho mágico. Quando abriu, um ar de surpresa passou por seu rosto.

— É Fery — disse, voltando-se para Yol.

Fery era impressionante. Com 19 anos, 1,85m de altura e um físico impecável, ele carregava uma beleza que beirava o irreal. Seus cabelos eram perfeitamente alinhados, os olhos intensos e penetrantes pareciam refletir cada emoção que ele sentia. Ele não era apenas um alfa, mas um alfa recessivo — um nível acima de todos os outros alfas, uma raridade única no mundo. Sua genética perfeita, resultado direto dos pais igualmente extraordinários, havia criado alguém que era, literalmente, perfeito em tudo: aparência, intelecto, habilidades físicas e até mesmo seu DNA. Fery era famoso, conhecido em todo o mundo, e sua popularidade só crescia.

Quando Fery chegou à porta, ele sorriu com suavidade ao ver Ju. Ele era sempre muito educado e cavalheiro, tratando a todos com a maior consideração.

— Boa tarde, Ju — cumprimentou ele, com um sorriso caloroso. — Como você está? Como estão as coisas por aqui?

Ju sorriu, um pouco surpresa com a gentileza de Fery, e respondeu de forma tranquila.

— Ah, tudo bem, Fery. Estou só tentando dar conta de tudo, sabe? Mas não me queixo. Como você está? E o que trouxe para Yol?

Fery olhou brevemente para Yol, que estava parado no alto das escadas, tentando, mas sem sucesso, distinguir a imagem à sua frente.

— Estou bem, obrigado — respondeu ele, mantendo seu tom educado. — Eu vim só para ver como ele está esses dias. Yol, como você está? — Fery perguntou, subindo as escadas com passos elegantes. — Está tudo bem por aqui?

Yol, embora não conseguisse vê-lo claramente, reconheceu aquela presença inconfundível.

— O que você veio fazer aqui? — perguntou, tentando esconder o tom de surpresa misturado com satisfação.

Fery subiu mais um degrau, parando bem à sua frente.

— Eu vim ver você. Esqueceu que eu sou seu único amigo desde que você nasceu?

Yol sorriu levemente, balançando a cabeça.

— Verdade... E o que vamos fazer hoje?

Fery estendeu a mão para ele, um gesto cheio de carinho e lealdade.

— Vou ler aquele livro que você queria escutar. Você sempre diz que gosta da minha voz, então... Vamos?

Yol hesitou por um momento, mas logo assentiu.

— Vamos!

Fery subiu as escadas ao lado de Yol, guiando-o com cuidado até o quarto. Ele abriu a porta e a fechou suavemente atrás deles, trancando-a para que pudessem ter privacidade.

— Venha, Yol — disse Fery, com um tom calmo e reconfortante, enquanto se sentava na cama.

Yol hesitou por um momento, mas confiava em Fery mais do que em qualquer outra pessoa. Ele caminhou até a cama e sentou-se à frente dele, encostando suas costas contra o peito de Fery. Era um gesto de conforto e segurança, algo que os dois haviam feito muitas vezes antes.

Fery abriu o livro que havia trazido e começou a ler, sua voz suave preenchendo o quarto com as palavras da história. Yol fechou os olhos, permitindo-se ser envolvido por aquela sensação de tranquilidade que Fery proporcionava. Mas então, algo o deixou desconfortável. Ele se mexeu levemente, tentando entender o que estava acontecendo. Algum crescendo entre as pernas de fery.

Yol sentiu o rosto esquentar e tentou se levantar.

— Fery, eu acho melhor... acho melhor a gente parar por aqui — disse ele, desviando o olhar. — Eu não me sinto bem com isso.

Fery fechou o livro, surpreso, e inclinou-se para frente, colocando a mão gentilmente no ombro de Yol.

— Por que, Yol? O que aconteceu? — perguntou ele, com uma preocupação genuína.

Yol suspirou, lutando para encontrar as palavras certas.

— É que seu.. começou a crescer e sinto que isso é errado. Essa proximidade. Parece que está ultrapassando um limite.

Fery refletiu por um momento antes de responder.

— Não tem nada de errado, Yol. Somos amigos. E amigos também compartilham momentos próximos como esses. Se não quiser, eu entendo.

Yol hesitou, olhando para Fery, que mantinha uma expressão serena. Ele percebeu que Fery sempre respeitava os limites e que nunca forçaria nada. Isso trouxe um pouco de alívio.

— Está bem. Acho que só fiquei confuso por um momento — disse Yol, voltando a sentar-se, mas dessa vez fery puxou ele colocando para sentar no seu colo. Ele sentia aquele negócio crescendo deixando da sua...

Fery assentiu com um leve sorriso e reabriu o livro.

— Então, que tal continuarmos daqui? — sugeriu ele, voltando a ler.

Enquanto Fery lia calmamente para Yol, o som de batidas na porta ecoou pelo quarto.

— Yol, está tudo bem aí? — a voz de Ju chamou do outro lado. — Por que a porta está trancada?

Yol olhou para Fery, confuso.

— Vamos parar por aqui, Fery. Você trancou a porta? — perguntou ele, franzindo o cenho.

Fery parou de ler e inclinou a cabeça, como se só agora percebesse o que havia feito.

— Acho que sim. É um hábito meu, lá de casa. Desculpe, não pensei que fosse um problema — disse ele, levantando-se para destrancar a porta.

Quando Fery abriu, Ju entrou, cruzando os braços e lançando um olhar firme para os dois.

— Por que a porta estava trancada? — perguntou ela, com uma expressão severa. — Seus pais já disseram, Yol, que não querem portas trancadas nessa casa. Não importa o motivo.

Antes que Yol pudesse responder, Fery interveio, mantendo o tom calmo e educado de sempre.

— Desculpe, tia Ju. É realmente um hábito meu. Em casa, sempre tranco a porta por costume, e acabei esquecendo. Não quis causar nenhum problema.

Ju respirou fundo, balançando a cabeça.

— Tá ok, Fery. Mas, por favor, não faça isso de novo. Vamos lá para baixo agora, está na hora do jantar. Pode ir na frente. Tenho que conversar com Yol antes.

Fery assentiu e, com um sorriso gentil, desceu as escadas, deixando Ju e Yol sozinhos no quarto. Assim que ele saiu de vista, Ju se aproximou de Yol, abaixando-se para ficar na altura dele.

— Yol, já conversamos sobre isso antes. Seus pais não querem você passando tanto tempo com alfas, principalmente sozinho. E ainda mais com ele — disse Ju, num tom que misturava preocupação e advertência.

Yol franziu a testa, sentindo-se desconfortável com a conversa.

— Mas ele é meu amigo, Ju. O único que eu tenho — respondeu ele, a voz carregada de frustração.

Ju suspirou, colocando a mão no ombro dele.

— Eu entendo que você veja ele como um amigo, mas, escute bem: não existe amizade verdadeira entre um ômega e um alfa. Os instintos acabam sempre falando mais alto. E seus pais têm medo disso. Eles só querem proteger você.

Yol abaixou a cabeça, refletindo sobre o que Ju dizia, mas, no fundo, não queria acreditar. Fery era diferente, ele tinha certeza disso. Ele nunca o tratara como menos, nem aproveitara de sua condição de ômega.

— Eu sei que meus pais se preocupam, mas eu confio no Fery. Ele nunca faria nada para me machucar — insistiu Yol, com firmeza.

Ju suspirou novamente, mas decidiu não pressioná-lo mais naquele momento.

— Tudo bem, Yol. Só prometa que vai ter cuidado. Agora, vamos descer para o jantar. Fery deve estar nos esperando.

Yol assentiu e seguiu Ju escada abaixo, mas suas palavras ficaram martelando na mente dele. Será que Ju estava certa? Ou será que Fery era realmente a exceção?

CONTINUA....

1.02

Yol desceu as escadas junto com Ju, seus passos cuidadosos guiados pela mão que deslizava ao longo do corrimão. Quando chegaram à sala de jantar, Fery já estava lá, sentado à mesa, com a postura impecável e um sorriso tranquilo no rosto.

A mesa estava arrumada com simplicidade, mas tinha um toque de aconchego: um vaso de flores no centro e pratos fumegantes servidos com legumes e carne assada que Ju havia preparado. Fery, sempre atencioso, levantou-se ao ver Yol entrar e foi até ele.

— Precisa de ajuda? — perguntou Fery, mas Yol apenas balançou a cabeça com um pequeno sorriso.

— Estou bem, obrigada — respondeu ele, dirigindo-se à cadeira com cuidado.

Ju colocou a travessa principal no centro da mesa e limpou as mãos no avental antes de sentar-se também. Ela olhou para Fery, como sempre, analisando-o de forma cuidadosa.

— Espero que goste do jantar, Fery — disse Ju, com um sorriso profissional. — Fizemos algo simples, mas acho que está bom.

— Tenho certeza de que está ótimo. Obrigado por sempre cuidar tão bem de nós — respondeu Fery, com seu tom educado, enquanto se servia. — E como está sendo o dia para você, Yol?

Yol hesitou por um momento, mexendo com o garfo no prato, antes de responder.

— Normal. Sem muita coisa para fazer... até você aparecer.

Fery riu suavemente.

— Então fico feliz por ter vindo. Não quero que você se sinta sozinho.

Ju, que observava a interação, aproveitou para intervir.

— Yol, você sabe que seus pais gostam de saber com quem você está. Especialmente... alfas. Eu já disse isso antes, e eles reforçaram antes de viajar.

Mas Fery permaneceu calmo, apoiando os cotovelos levemente na mesa.

— Entendo a preocupação deles, tia Ju — disse Fery, de forma cortês. — Mas garanto que minha intenção é apenas ser um amigo para Yol. Eu só quero que ele se sinta confortável e seguro.

Ju suspirou, mas não respondeu. Ela sabia que Fery era educado, mas isso não apagava a preocupação de seus patrões. Ainda assim, o silêncio deu lugar a um clima mais leve, e eles começaram a comer.

Enquanto o jantar prosseguia, Yol observava Fery pelo canto do olho. Mesmo com sua visão limitada, ele podia sentir a presença marcante do amigo, e isso o deixava dividido. Ele sabia que Fery o tratava como igual, mas as palavras de Ju ecoavam em sua mente: "Não existe amizade verdadeira entre ômegas e alfas."

Depois do jantar, Ju começou a recolher os pratos, mas Fery levantou-se rapidamente.

— Deixe que eu ajudo, Ju. É o mínimo que posso fazer depois de um jantar tão bom.

Ju pareceu surpresa, mas aceitou a ajuda. Enquanto eles levavam os pratos para a cozinha, Yol ficou sozinho à mesa, pensativo. Ele não sabia como lidar com as preocupações de Ju, nem com o fato de que, sempre que estava perto de Fery, algo em seu peito parecia confuso e fora de controle.

De volta à mesa, Fery limpou as mãos e olhou para Yol.

— Então, o que acha de lermos mais um pouco? Ou prefere fazer outra coisa? — perguntou ele, com um sorriso tranquilo.

Yol respirou fundo, tentando empurrar as dúvidas para o fundo da mente.

— Ler parece uma boa ideia. Mas desta vez... na sala, onde Ju pode nos ver.

Fery riu levemente, entendendo o recado.

— Claro, sem portas trancadas desta vez.

Depois de se acomodarem na sala, Fery sentou-se no sofá com o livro nas mãos, enquanto Yol ocupava um canto próximo, abraçando os joelhos. O ambiente estava tranquilo, mas Fery parecia distraído, observando Yol antes de finalmente quebrar o silêncio.

— E então, Yol... amanhã é um dia especial, não é? Seu aniversário de 18 anos. O que você planeja fazer?

Yol ergueu o olhar lentamente, mas havia uma tristeza evidente em seus olhos, mesmo com a visão limitada.

— Não sei, Fery. Não há muito o que planejar... Meus pais não vão estar aqui. Como sempre.

Fery franziu o cenho, fechando o livro que tinha nas mãos.

— Eles não vão estar? — perguntou, surpreso.

— Não. Eles nunca estão — respondeu Yol, com um suspiro pesado. — É sempre assim. Momentos importantes, dias comemorativos... Eles sempre têm algo mais importante para fazer. Acho que já me acostumei.

Fery inclinou-se para frente, os olhos fixos em Yol.

— Mas isso não é justo com você. É seu aniversário. Você deveria estar cercado de pessoas que ama, que fazem questão de estar ao seu lado.

Yol deu um sorriso amargo, desviando o olhar.

— Eu já entendi, Fery. Não sou prioridade para eles. Nunca fui. Mas eu... eu não os culpo. Acho que vim com defeito. Talvez seja isso.

Fery arregalou os olhos, chocado com as palavras de Yol.

— Defeito? Yol, como pode dizer uma coisa dessas? — perguntou ele, a voz carregada de indignação.

Antes que Yol pudesse responder, Ju entrou na sala, com um olhar preocupado ao ouvir o final da conversa.

— Agora chega, Yol! — disse ela, com firmeza, aproximando-se do garoto. — Você não é uma pessoa com defeito, e seus pais te amam. Pode não parecer, mas eles se preocupam com você. Eles trabalham duro justamente para garantir que você tenha tudo o que precisa.

Yol olhou para ela, os olhos começando a encher de lágrimas.

— Se eles me amam, então por que nunca estão aqui? Por que nunca passam tempo comigo? Não é isso que famílias deveriam fazer? — Ele fungou, tentando segurar as lágrimas. — Eu me sinto tão sozinho... Parece que eu nem faço parte dessa família.

Ju suspirou, ajoelhando-se ao lado dele e segurando suavemente suas mãos.

— Eu sei que dói, meu querido. Mas isso não significa que você não seja amado. Você tem o Fery, tem a mim, e, mesmo de longe, seus pais estão pensando em você. Você não está sozinho.

Mas as palavras de Ju não pareciam alcançar Yol. Ele enxugou rapidamente o rosto, as lágrimas agora escorrendo livremente.

— Por favor... eu só quero ir para o meu quarto. Não quero mais falar sobre isso.

Fery se levantou, visivelmente preocupado, mas Ju fez um gesto para que ele esperasse.

— Eu levo você, Yol — disse ela, enquanto o ajudava a levantar-se.

Yol entrou no quarto em silêncio, fechando a porta atrás de si. Antes que pudesse trancá-la, Ju chamou do corredor.

— Não esqueça do seu remédio, Yol.

— Tá bom, Ju — respondeu ele, sem muita convicção, enquanto girava a chave na fechadura.

O quarto estava mergulhado em uma penumbra acolhedora, com a única luz vindo do abajur ao lado da cama. Yol caminhou até o banheiro, abriu a gaveta do box e pegou o frasco de comprimidos. Seus dedos tremiam levemente enquanto ele encarava os remédios na palma da mão.

Ele deixou escapar um soluço, as lágrimas já rolando pelo rosto. Sentou-se no chão frio do banheiro, encostando-se na parede, e sua mente começou a girar em torno das mesmas perguntas que o atormentavam há anos.

— Por que eles são assim? — sussurrou para si mesmo, a voz quebrada pelo choro. — Por que no meu aniversário... no meu aniversário, eles não podem estar aqui?

Ele apertou o frasco contra o peito, como se pudesse conter a dor. Então, num impulso, levantou-se, abriu a pia e despejou todos os comprimidos nela, vendo-os desaparecer pelo ralo. Com as mãos trêmulas, ele voltou a se sentar no chão, abraçando os joelhos.

Sua mente, antes tão cheia de mágoa e abandono, o levou de volta a um tempo mais simples. Ele se lembrou da voz suave de Niel, seu pai, cantando uma canção de ninar enquanto o chamava de "meu príncipe". A melodia, ainda viva em sua memória, trouxe uma onda de saudade tão forte que seu peito parecia se apertar.

Depois, veio a lembrança do dia em que Gusta, seu outro pai, o levou a um parque de diversões. Yol pôde quase sentir o vento no rosto, ouvir as risadas e o som das rodas-gigantes girando ao fundo. Eles tinham comido algodão-doce até ficarem com as mãos grudentas, e ele havia sentido, por um breve momento, como era ser o centro do mundo para alguém.

Mas a lembrança que o fez desabar foi o dia em que brincou na chuva sem a permissão de Niel. Ele se lembrou de como tinha rido e pulado nas poças d'água, até ser levado para dentro por seu pai, que estava furioso. Depois de repreendê-lo, Niel havia secado seus cabelos com uma toalha, murmurando com uma ternura que Yol quase havia esquecido: "Eu só quero cuidar de você, meu pequeno."

— Por que tudo isso acabou tão rápido? — perguntou Yol para o vazio, a voz embargada. — Por que eles pararam de se importar?

Ele abraçou os joelhos com mais força, deixando o choro sair sem controle. As memórias eram como facas afiadas, cortando através de sua solidão, mas também traziam um calor fugaz, lembrando-o de que, por mais ausentes que fossem, seus pais haviam sido, em algum momento, sua fonte de amor e segurança.

Yol ficou ali por um longo tempo, perdido em seus pensamentos e no peso da saudade. O som da pia pingando lentamente era a única coisa que preenchia o silêncio do quarto.

CONTINUA....

1.03

Na manhã seguinte, Yol acordou tarde, com uma leve dor de cabeça e desconforto nos olhos. Ele piscou algumas vezes, tentando se ajustar à luz que entrava pelas cortinas entreabertas, e levantou-se devagar. Caminhou lentamente até o banheiro, abriu a gaveta no box e procurou o frasco de comprimidos. Quando percebeu que havia acabado, soltou um suspiro frustrado.

— Ótimo... — murmurou para si mesmo, esfregando os olhos. — Vou ter que descer.

Com passos lentos e cuidadosos, Yol começou a descer as escadas, segurando-se no corrimão para manter o equilíbrio. Ao chegar no meio do caminho, ouviu a voz de Niel vindo da sala, falando ao telefone. Ele hesitou, mas chamou suavemente.

— Papai?

Niel virou-se rapidamente, colocando um dedo sobre os lábios e apontando para o telefone, pedindo silêncio.

— Só um minuto, Yol. Estou no telefone — disse ele, voltando a se concentrar na ligação.

Yol mordeu o lábio, frustrado, mas continuou descendo até o sofá, onde se sentou em silêncio. Enquanto esperava, ouviu passos descendo a escada. Era Gusta, ajustando o terno com cuidado. Ele viu Yol e abriu um sorriso caloroso, caminhando em sua direção.

— Ei, meu garotão! — exclamou Gusta, inclinando-se para dar um beijo na testa de Yol. — Como você está hoje?

Yol abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Niel desligou o telefone e chamou a atenção de Gusta.

— Amor — disse Niel, com um tom sério e uma expressão ansiosa.

Gusta virou-se para ele, curioso.

— O que foi, querido? Aconteceu alguma coisa?

Niel respirou fundo, como se estivesse reunindo coragem.

— Tenho algo para lhe contar.

Yol, sentado no sofá, sentiu o coração acelerar. Finalmente, pensou, eles vão lembrar do meu aniversário. Talvez até tenham um presente para mim. Ele esperou ansiosamente pelas próximas palavras de Niel.

Mas, em vez disso, o que ouviu o deixou completamente sem chão.

— Eu estou grávido — anunciou Niel, com um leve sorriso.

Gusta arregalou os olhos, completamente surpreso.

— Sério mesmo? — perguntou, a voz repleta de entusiasmo.

— Sim! — respondeu Niel, sorrindo um pouco mais. — Eu estava me sentindo mal ultimamente, então fui ao médico. Fizeram alguns exames, e descobriram que estou grávido.

Gusta ficou imóvel por um segundo antes de correr até Niel e envolvê-lo em um abraço apertado.

— Isso é incrível! — exclamou Gusta, rindo. — Eu não acredito. Vamos ter outro filho!

Niel retribuiu o abraço, emocionado.

Para Yol, porém, aquilo foi um choque. Ele sentiu um nó se formar em sua garganta e tentou falar, mas sua voz saiu baixa e fraca.

— Papai... hoje é... — começou ele, mas a frase ficou no ar.

O celular de Gusta começou a tocar, interrompendo qualquer chance de conversa. Ele olhou para a tela e franziu o cenho.

— Yol, depois você me conta, tá bom? Estou atrasado para uma reunião importante — disse Gusta, já atendendo o telefone.

Niel pegou sua pasta e chamou Gusta.

— Espera, amor! Me dá uma carona. Vai ser mais rápido assim.

— Claro, querido. Vamos — respondeu Gusta, segurando a porta para Niel.

Os dois saíram apressados, deixando Yol sozinho na sala. Ele ficou parado no sofá, sem saber como reagir. O aperto em seu peito era insuportável, e seus olhos começaram a se encher de lágrimas.

De longe, Ju, que observava tudo, aproximou-se lentamente, sentando-se ao lado dele. Ela colocou a mão gentilmente em seu ombro.

— Feliz aniversário, meu querido — disse Ju, com um tom suave.

Yol levantou o olhar para ela, e as lágrimas começaram a rolar por seu rosto.

— Eles... eles nem lembraram, Ju. — Sua voz saiu tremida. — Nem um "feliz aniversário". Nem um abraço. Nada...

Ju suspirou, puxando Yol para um abraço reconfortante.

— Eu sei, meu menino. Eu sei que dói. Mas escute... você é especial. Não é porque eles estão distraídos que você não é importante. Eles só não sabem demonstrar, mas eu sei que te amam.

Yol balançou a cabeça, chorando no ombro de Ju.

— Não parece, Ju... Não parece. Eles têm mais um bebê agora. Mais uma razão para me esquecerem.

Ju apertou o abraço, tentando conter as próprias lágrimas ao ver o sofrimento de Yol.

— Você nunca será esquecido, Yol. Eu estou aqui, sempre estarei. Você não está sozinho, meu querido.

Yol soluçou, deixando todo o peso da dor e da solidão sair em lágrimas. O abraço de Ju era tudo o que ele precisava naquele momento, enquanto o vazio deixado por seus pais parecia maior do que nunca.

Yol enxugou os olhos após chorar no ombro de Ju. Ele respirou fundo, tentando recuperar alguma força, mas ainda se sentia perdido. Olhou para Ju, hesitante, e disse com a voz baixa:

— Ju, será que você pode ligar para o Fery? Eu... eu só queria falar com ele.

Ju franziu o cenho, parecendo incerta. Ela sabia que Fery era importante para Yol, mas hesitava em intervir, principalmente por não querer que o garoto se machucasse ainda mais.

— Tem certeza, Yol? — perguntou ela, suavemente. — Você está se sentindo bem para falar com ele?

Yol assentiu, forçando um sorriso fraco.

— Eu só... só quero ouvir a voz dele. Por favor.

Com um suspiro, Ju pegou o telefone e discou o número de Fery. Ela esperou alguns segundos enquanto o celular chamava, antes de entregá-lo para Yol. Ele colocou o aparelho no ouvido, ansioso, enquanto o som do toque continuava. Finalmente, a voz familiar de Fery atendeu.

— Sim, Yol? Aconteceu alguma coisa? — perguntou Fery, com um tom de preocupação.

Yol tentou soar casual, apesar do nó em sua garganta.

— Não, nada aconteceu... Eu só queria saber se você está livre hoje. Pensei em fazer algo diferente. Tipo... cantar, contar histórias, ler livros, sabe?

Houve um breve silêncio do outro lado da linha antes de Fery responder.

— Ah, Yol... Me desculpa, mas não posso hoje. Minha namorada quer ir ao cinema assistir a um filme que acabou de lançar, e eu também estou louco para ver.

Yol sentiu um aperto no peito, mas tentou disfarçar.

— Tá bom, então — respondeu ele, com um tom quase neutro.

— Sério, me desculpa mesmo — insistiu Fery, parecendo desconfortável.

Yol franziu levemente o cenho, intrigado.

— Por que você está pedindo desculpas, Fery?

Fery hesitou antes de responder.

— É que, você sabe... Você tem problema de vista, e... é meio estranho eu falar sobre assistir a um filme bom para você. Você não deve saber como é, né? Mas não tem problema! Depois eu te levo ao cinema comigo. Assim, você deve saber como é massa.

Yol ficou em silêncio por alguns segundos, sentindo as palavras de Fery ecoarem dolorosamente. Ele mordeu o lábio para conter as lágrimas.

— Tá bom, Fery. Eu... preciso desligar agora. — E, sem esperar uma resposta, Yol encerrou a ligação.

Ele ficou parado, segurando o celular, enquanto um silêncio desconfortável tomava conta da sala. Ju, que havia observado de longe, aproximou-se e colocou a mão suavemente em seu ombro.

— Yol, vamos para minha casa. Você sempre quis ir, não é? — perguntou ela, com um sorriso reconfortante.

Yol ergueu os olhos para ela, surpreso.

— Sério mesmo? — perguntou ele, com um brilho de esperança surgindo em seu rosto.

Ju assentiu, apertando o ombro dele de forma encorajadora.

— Sabe meu filho, aquele que eu te contei? Ele é muito inteligente e trabalha em uma empresa grande. Hoje ele está em casa, de folga. Ele é muito educado, tenho certeza de que você vai gostar de conhecê-lo. Vamos?

Por um momento, Yol hesitou, mas logo sentiu seu coração se aquecer com a ideia. Ele sorriu levemente.

— Vamos. Quero conhecer sua casa.

Ju retribuiu o sorriso e deu um leve tapinha no ombro dele antes de ajudá-lo a levantar. Ela sabia que, embora o dia tivesse começado difícil, essa mudança de ambiente poderia trazer um pouco de conforto para Yol.

Ju e Yol começaram a subir as escadas da favela, os passos cuidadosos devido ao terreno irregular. Yol segurava no corrimão enferrujado, sentindo o cheiro característico do lugar — uma mistura de comida, poeira e fumaça. Ele ouvia vozes ao longe, música alta e risadas ocasionais, mas mantinha-se próximo de Ju, confiando nela para guiá-lo.

Quando chegaram a um trecho mais estreito da escadaria, três homens apareceram na frente deles. Um deles, com um boné virado para trás e tatuagens pelo braço, olhou diretamente para Yol, arqueando as sobrancelhas.

— E aí, tia? Quem é esse playboy aí? — perguntou o homem, com um tom desafiador. Ele deu um passo para mais perto, analisando Yol dos pés à cabeça. — Tem cara de quem tem grana.

Antes que Yol pudesse reagir, o homem estendeu a mão, tocando o rosto dele com um dedo.

— Qual foi? — disse Yol, tentando recuar, mas visivelmente desconfortável.

Ju, que mantinha um olhar firme, rapidamente interveio.

— Não coloca a mão nele, não! — disse ela, com uma autoridade que fez o homem pausar.

O bandido riu, levantando as mãos como se estivesse se defendendo.

— Calma, tia! Qual foi a ideia? Quem é você, hein? Qual seu nome? — perguntou ele, com um tom mais leve, mas ainda provocativo.

Ju respirou fundo, mantendo a postura firme.

— Eu sou a Ju. Mãe do Kai.

O nome parecia ter um efeito imediato. O homem deu um passo para trás, olhando para ela com surpresa.

— O quê? Kai? O filho da Ju? — Ele riu, balançando a cabeça. — Pô, tia, não sabia que era você! Seu filho é muito gente boa, sabia? Ajuda muita gente aqui. Pode passar, tá tranquilo. Mas ó... — Ele olhou para Yol novamente. — Cuidado na subida. Aqui não é lugar pra playboy, hein?

— Obrigada — respondeu Ju, com um tom firme, segurando o braço de Yol e continuando a subida.

Yol, ainda assustado, murmurou para Ju enquanto subiam.

— Quem é esse Kai? E por que ele te respeita tanto?

Ju sorriu levemente, sem olhar para ele.

— Meu filho conhece muita gente por aqui. Ele é respeitado porque ajuda as pessoas. E, graças a ele, conseguimos passar por situações assim. Mas você está comigo, então não precisa se preocupar.

Enquanto continuavam subindo, Yol começou a perceber que o ambiente, embora hostil em aparência, era vivo e cheio de energia. As crianças brincavam ao longe, e as conversas animadas ecoavam pelas vielas. Ele sentia que estava entrando em um mundo completamente diferente do que conhecia.

Quando chegaram ao topo, Ju parou diante de uma casa simples, mas bem cuidada, com um portão de madeira pintado de azul. Ela olhou para Yol com um sorriso caloroso.

— Bem-vindo à minha casa, Yol. Vamos entrar. Meu filho Kai está lá dentro. Tenho certeza de que vocês vão se dar bem.

Yol assentiu, sentindo um misto de curiosidade e alívio por finalmente chegar ao destino.

CONTINUA....

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