O Retorno
O cheiro de terra molhada tomava o ar enquanto Rafael observava a pequena estação de trem se aproximar pela janela. Era estranho estar de volta à cidade que jurou nunca mais pisar. A última vez que estivera ali, seu coração estava em pedaços, e a dor da traição ainda era fresca. Agora, anos depois, ele retornava para o funeral de sua mãe, uma mulher que, apesar de tudo, sempre o apoiou.
Rafael ajeitou a gola do casaco, respirando fundo. A plataforma estava quase vazia, exceto por algumas pessoas que pareciam tão deslocadas quanto ele. A paisagem ao redor não havia mudado muito. As ruas estreitas, as casas simples e o horizonte cercado por colinas verdes pareciam congelados no tempo.
— Lá vamos nós… — murmurou para si mesmo, descendo do trem com a mala em mãos.
Ele sabia que sua presença não passaria despercebida. A cidade era pequena demais para segredos, e o retorno de Rafael com certeza seria o assunto da semana. Enquanto caminhava pelas ruas em direção à casa de sua infância, os olhares curiosos começaram a surgir. Eram os mesmos rostos, mas agora com marcas do tempo, tão familiares quanto desconfortáveis.
Ao chegar em casa, encontrou tudo como se sua mãe ainda estivesse ali: os vasos de flores na varanda, o cheiro de café impregnado nas paredes, a sensação de aconchego. Ele fechou os olhos por um instante, tentando controlar a emoção. A saudade apertava, mas ele sabia que não podia se perder naquele momento. Havia muito a resolver.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, Miguel estava no pequeno centro comunitário que havia ajudado a construir. Ele passava as tardes ali, organizando palestras, dando suporte a jovens LGBTQIA+ e ajudando famílias a entenderem seus filhos. Era sua forma de se redimir, de compensar os erros que tanto o assombravam.
Naquela tarde, ele foi surpreendido por um aviso.
— Miguel, você soube? O Rafael está de volta — disse Clara, sua amiga e voluntária.
Ele congelou. O nome de Rafael ainda carregava um peso imenso. Era a única pessoa que ele não havia conseguido enfrentar desde aquele dia fatídico.
— Rafael? Aqui? — Ele mal conseguiu esconder o nervosismo.
— Sim. Parece que é por causa do funeral da mãe dele.
Miguel assentiu, sentindo o peito apertar. Era como se uma tempestade que ele havia temido por anos finalmente estivesse prestes a chegar.
Naquela noite, enquanto o sol se escondia por trás das colinas, Miguel decidiu que não poderia deixar a oportunidade passar. Ele precisava vê-lo. Precisava dizer tudo o que não teve coragem na época.
Mesmo que Rafael nunca o perdoase
então ele decidiu ir ao funeral da mãe de Rafael, e tentar conversar com ele, mais o que Miguel não sabia era que Rafael ainda carregava as mágoas do passado e não conseguiria perdoar ele tão fácil assim, mais Miguel estava disposto a tentar de tudo para que Rafael o perdoase, não seria uma tarefa fácil, mais estaria disposto a tudo para conseguir seu amor de volta, nem que tenha que dedicar sua vida Inteira pra isso
Ecos do Passado
A noite caiu rapidamente, cobrindo a cidade com um manto silencioso. Rafael se sentou na sala da casa onde cresceu, encarando um álbum de fotos antigas. As imagens de sua mãe sorridente, dele quando criança, e até de momentos ao lado de Miguel, pareciam um cruel lembrete de tudo que ele havia perdido.
Ele folheava as páginas com cuidado até que uma fotografia específica chamou sua atenção. Era de um dia no lago, os dois abraçados, sorrindo como se o mundo fosse deles. Rafael sentiu o peso da saudade e da mágoa ao mesmo tempo. Ele fechou o álbum com força, como se quisesse enterrar aquelas memórias.
Um som repentino na varanda o tirou de seus pensamentos. Passos. Ele se levantou, o coração acelerado, e foi até a porta. Ao abri-la, lá estava Miguel.
Seus olhos se encontraram, e o tempo pareceu congelar. Miguel estava diferente. Os anos haviam deixado marcas suaves em seu rosto, mas seus olhos tinham a mesma intensidade de antes. Ele parecia nervoso, as mãos tremendo levemente enquanto segurava o chapéu que costumava usar.
— Rafael… — começou Miguel, a voz baixa, quase um sussurro.
Rafael cruzou os braços, tentando manter a compostura.
— O que você quer, Miguel? — perguntou, direto, sem esconder o tom de cansaço.
Miguel respirou fundo, buscando coragem.
— Eu soube que você voltou... Quis vir falar com você.
— Falar? Agora? Depois de todos esses anos? — Rafael soltou uma risada amarga. — Acho que é um pouco tarde pra isso, não acha?
— Eu sei — admitiu Miguel, abaixando o olhar. — Mas eu não podia deixar passar essa chance. Eu… eu só quero pedir desculpas. Por tudo.
Rafael deu um passo para trás, como se as palavras o tivessem atingido. Ele esperava muitas coisas de Miguel, mas um pedido de desculpas sincero não era uma delas.
— Desculpas? É isso? Você acha que um pedido de desculpas vai apagar o que aconteceu? — A voz de Rafael ficou mais firme, carregada de dor.
— Não, eu sei que não. Eu não estou aqui pra apagar nada. Estou aqui porque precisava dizer isso. Eu estraguei tudo, Rafael. Machuquei você, machuquei a nós dois. Passei anos tentando entender como fui tão estúpido.
Rafael o encarou por um longo momento, lutando contra as emoções que surgiam. Ele queria gritar, mandá-lo embora, mas também queria ouvir mais. Uma parte de si ainda se importava, e isso o enfurecia.
— Você acabou comigo, Miguel — disse, finalmente, com a voz tremendo. — Eu confiei em você mais do que em qualquer pessoa. E você destruiu isso.
Miguel deu um passo à frente, a dor em seus olhos evidente.
— Eu sei. E eu me odeio por isso todos os dias. Eu não espero que você me perdoe, Rafael, mas precisava dizer que eu nunca parei de pensar em você. Nunca parei de te amar.
O silêncio que se seguiu foi quase insuportável. Rafael desviou o olhar, sentindo lágrimas ameaçarem cair.
— Você não pode simplesmente aparecer aqui e dizer essas coisas, Miguel. Não é justo.
— Eu sei que não é justo. — Miguel deu um passo para trás, respeitando o espaço de Rafael. — Mas eu precisava tentar. Só queria que você soubesse…
Ele hesitou, como se houvesse mais a dizer, mas decidiu não forçar.
— Boa noite, Rafael. — Miguel virou-se e começou a descer os degraus da varanda.
Rafael ficou parado ali, observando-o ir embora. Sua mente estava uma confusão, o coração dividido entre a dor do passado e um resquício de esperança que ele tentava desesperadamente ignorar
O Peso da Escolha
Miguel caminhava lentamente pela rua escura, sentindo cada passo como um peso sobre os ombros. O encontro com Rafael não havia sido como ele esperava. Na verdade, ele não sabia o que esperava, mas a dor que viu nos olhos de Rafael o havia atingido com a mesma força de uma tempestade. Ele já havia feito o pedido de desculpas, mas sabia que isso não era o suficiente. Ele ainda tinha muito a fazer para provar que havia mudado, se é que Rafael estaria disposto a ouvir.
Enquanto se afastava, Miguel olhou para o céu estrelado. A noite estava silenciosa, mas em sua mente, os ecos das palavras de Rafael continuavam a martelar. Ele sabia que havia cometido erros que não podiam ser apagados, mas a esperança de uma reconciliação, mesmo que distante, ainda o mantinha em movimento. Ele se questionava, no entanto, se realmente teria alguma chance de redenção.
No outro lado da cidade, Rafael não conseguia parar de pensar no encontro. Ele tinha se preparado para esse momento, mas agora que o havia vivido, não sabia como processá-lo. Suas emoções estavam à flor da pele. Ele se sentou no sofá da sala, o silêncio pesado em torno dele, e refletiu sobre tudo o que havia acontecido nos últimos anos.
Ele havia se fechado tanto para a ideia de Miguel, para o amor que ainda carregava, que agora se sentia perdido. O ressentimento ainda era forte, mas a confissão de Miguel mexeu com algo dentro dele, algo que Rafael já havia enterrado há muito tempo. Ele se levantou de repente, como se a decisão tivesse que ser tomada naquele momento. Ele precisava falar com alguém, mas não sabia a quem recorrer. Não queria se abrir com os velhos amigos da cidade, pois sabia que a história deles já estava escrita na memória de todos. Então, decidiu ligar para Clara, a amiga de Miguel, que sabia mais do que qualquer outra pessoa sobre o que tinha acontecido entre eles.
O telefone tocou algumas vezes antes que Clara atendesse, com uma voz calma e acolhedora.
— Rafael? Que bom ouvir sua voz. Como você está?
Rafael respirou fundo antes de responder.
— Eu não sei como estou, Clara. Eu… Eu o vi. Eu vi o Miguel.
Houve uma pausa do outro lado da linha. Clara sabia o quão difícil aquele momento seria para ambos.
— Eu imagino como deve estar sendo para você, Rafael. Mas… o que você achou?
— Eu não sei, Clara. Ele… ele parecia tão diferente. Mas eu ainda não sei o que fazer com isso. As palavras dele… não sei se posso acreditar. Eu não sei se posso confiar nele de novo.
Clara suspirou suavemente.
— Eu entendo, mas você sabe que ele mudou, não sabe? Eu vi o quanto ele se arrepende. Não é fácil para ele também. A vida de Miguel não foi a mesma sem você, Rafael. Mas eu sei que a escolha é sua. Ninguém pode decidir por você.
Rafael se encostou na parede, sentindo o peso das palavras de Clara. Ele sabia que ela estava certa. A escolha era dele. Mas, ainda assim, ele não sabia se estava pronto para abrir seu coração novamente para alguém que o havia ferido tão profundamente.
— Eu ainda estou com medo, Clara. O medo de me entregar de novo, só para ser machucado. Eu não sei se posso viver com isso outra vez.
Clara, com a sabedoria de quem tinha visto muitos amores se perderem, respondeu com suavidade.
— O medo faz parte, Rafael. Ele não vai desaparecer, mas você não pode deixar que ele dite suas escolhas. Só você sabe o que sente. Eu só espero que, no final, você não se arrependa de não ter dado uma chance ao que poderia ser.
A ligação terminou, mas as palavras de Clara ficaram com Rafael. Ele sabia que ainda tinha uma escolha a fazer. Mas o que ele não sabia era se teria coragem de dar o próximo passo.
Nos dias seguintes, Rafael se viu preso entre o que sentia e o que achava que deveria sentir. Ele sabia que Miguel o amava, mas isso não apagava a dor da traição, o vazio que havia preenchido seu coração por tanto tempo. Ele tentava seguir em frente, como se nada tivesse mudado, mas tudo estava diferente agora. O passado não podia ser apagado, mas talvez ele pudesse aprender a viver com ele.
Foi então que, enquanto caminhava pela cidade, Rafael se deparou com algo inesperado: uma pequena manifestação de apoio à comunidade LGBTQIA+. Era um evento simples, mas aquilo o fez parar por um momento. Ele se aproximou, observando os jovens que estavam ali, lutando para serem aceitos, para viverem suas vidas sem medo. E entre eles, estava Miguel, participando ativamente, ajudando a organizar tudo.
Rafael hesitou, mas algo dentro dele o impulsionou a se aproximar. Ele não sabia o que faria, mas sentia que precisava saber mais. O encontro deles parecia inevitável.
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