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A Elfa Branca

O encontro na floresta

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O vento soprava suavemente entre as copas das árvores antigas, carregando consigo o perfume da terra úmida e das flores silvestres.

A elfa caminhava com passos leves sobre o tapete de musgo, os pés quase não fazendo barulho contra o solo macio. Ela fechou os olhos por um breve instante, inalando o ar fresco da floresta.

Estava tão longe de casa... e ainda assim, nunca se sentira tão livre.

Aery sempre fora considerada rara, não apenas por ser uma elfa branca diferente, mas por seus longos cabelos ruivos, uma cor quase inexistente em sua raça.

Sua pele branca refletia a luz do sol filtrada pelas copas das árvores, e seus olhos azuis esverdeados eram brilhantes e expressivos, refletindo a pureza e a curiosidade de alguém que ansiava por mais do mundo.

Seu corpo, de curvas e graciosidade, andava com a leveza característica das elfas, mas seu espírito? Ah, esse era uma tempestade, repleto de curiosidade e um toque de travessura.

Ela tocava delicadamente as pétalas de uma flor branca luminescente, admirando sua suavidade.

Mas seu sorriso vacilou.

Algo estava errado.

O ar ficou denso, carregado com uma energia estranha.

Um arrepio subiu por sua espinha, e, sem hesitar, ela ergueu a mão, murmurando palavras mágicas. Seus olhos brilharam com uma energia suave enquanto invocava sua magia.

Então, entre as sombras das árvores, avistou uma figura.

Um elfo negro.

E que elfo negro.

Ele estava parado ali, imóvel como uma estátua.

Ele era grande. De presença imponente, os cabelos negros como obsidiana caindo sobre os ombros largos. Seu olhar dourado brilhava mais que sua armadura, como brasas sob a luz filtrada da floresta.

Ele a observava com uma expressão indecifrável — um misto de desconfiança e desdém.

Aery ergueu as sobrancelhas, mais curiosa do que assustada.

— Você... — Os olhos dourados se estreitaram, analisando-a. — Está sozinha na floresta, elfa branca? Não percebe o perigo que corre?

Aery inclinou a cabeça, avaliando-o sem pressa. A maioria dos elfos negros que já ouvira falar eram descritos como selvagens, brutais... mas este à sua frente exalava algo diferente.

Controle. Um guerreiro disciplinado.

E, acima de tudo, ele não parecia nada feliz em vê-la.

Aery não recuou. Em vez disso, ergueu o queixo e sorriu, desafiadora.

— Ah, que charme. Um elfo negro tão perto do território dos elfos brancos... Isso não é exatamente uma boa escolha, não é?

O olhar dele se tornou ainda mais afiado.

— Você parece esquecer sua posição, branquinha. — O apelido escorregou de seus lábios com uma ironia afiada.

— Branquinha? — Ela arqueou a sobrancelha, rindo. — Se acha que pode me intimidar, talvez precise tentar um pouco mais.

Os olhos dourados brilharam com algo perigoso.

Essa elfa era imprudente. Ele podia sentir a energia mágica vibrando ao redor dela, mas aquilo não mudava nada. Ele já enfrentara criaturas muito mais ameaçadoras.

Antes que qualquer um pudesse dizer mais alguma coisa, um rugido ecoou pela floresta.

Aery se virou a tempo de ver as sombras se contorcendo entre as árvores. Criaturas emergiam da escuridão, suas formas distorcidas, corrompidas por alguma força maligna.

O elfo negro já estava com a mão na empunhadura da espada, puxando a lâmina imensa das costas.

— Não atrapalhe. — Ele rosnou, avançando como um raio.

Aery não precisou de mais aviso. Sua magia se acendeu em reflexo, chamas azuladas dançando entre seus dedos enquanto ela preparava seu feitiço.

O primeiro monstro investiu contra ela, e Aery lançou uma rajada de energia, o impacto fazendo a criatura recuar com um grito.

Mas havia mais delas, muitas.

O guerreiro se movia com precisão mortal, sua espada cortando as sombras como se fossem meras folhas secas. Ele lutava sem hesitação, os olhos brilhando.

Aery ergueu as mãos e conjurou um feitiço de fogo. Chamas douradas dançaram entre seus dedos antes de serem lançadas na direção dos monstros, explodindo em um clarão ardente.

Ela sorriu, satisfeita, até olhar para o lado.

E ele era devastador.

A espada gigante cortava o ar com uma velocidade impossível para algo daquele tamanho. O primeiro golpe fez uma das criaturas ser arremessada para trás, cortada ao meio. O segundo veio antes mesmo do primeiro corpo tocar o chão.

Ele não hesitava.

Seus movimentos eram calculados, como uma dança de destruição que parecia natural. A maneira como seus músculos se moviam sob a pele bronzeada, a precisão de cada golpe, a frieza de seus olhos dourados...

Ele não estava apenas lutando. Ele estava aniquilando.

Aery ficou momentaneamente hipnotizada. Ela conhecia histórias sobre eles, mas ver um em ação era completamente diferente.

— Impressionada? — Sua voz soou próxima demais.

Ela piscou e percebeu que ele estava ao seu lado, tendo se movido rápido o suficiente para estar ali sem que ela notasse.

Ele a empurrou para o lado no momento exato em que uma garra negra passou rente ao rosto dela.

— Distraída demais, branquinha.

Aery grunhiu, sentindo a adrenalina subir novamente.

— Eu estava apenas analisando seu desempenho. — Ela ergueu a mão e lançou um raio de luz que atingiu outra criatura em cheio.

O elfo negro riu, girando a espada e cortando mais dois inimigos em um único movimento.

— Analisando? Eu chamaria isso de ficar boquiaberta.

— Você é incrivelmente arrogante, sabia?

— E você é incrivelmente lenta.

Aery estreitou os olhos.

Ela conjurou uma magia e, em um instante, flutuou levemente para o alto, liberando uma onda de energia mágica que varreu metade das criaturas restantes.

Ele apenas ergueu uma sobrancelha, não parecendo impressionado.

— Belo truque.

E então ele desapareceu.

Aery mal conseguiu acompanhar.

Ele se moveu como uma sombra, surgindo no meio dos últimos monstros e despedaçando-os com golpes tão rápidos e precisos que a batalha acabou em segundos.

Quando o silêncio caiu sobre a floresta, Aery percebeu que estava ofegante.

O elfo, por outro lado, não parecia minimamente afetado.

Ele limpou a lâmina da espada com um movimento casual e então olhou para ela, seu olhar dourado intenso.

Seu rosto permanecia impassível, mas seus olhos... eram afiados como lâminas, avaliando-a em silêncio.

— Você luta bem. — Ela sorriu, ajeitando os cabelos.

— Você também... para alguém que fala demais.

Ela riu, cruzando as mãos atrás da cintura.

— Meu nome é Aery.

Ele guardou a espada nas costas antes de finalmente responder.

— Leo D’Arkam.

Ela estreitou os olhos, repetindo mentalmente o sobrenome.

— Bem, Leo, — Aery disse, com um brilho travesso nos olhos — se vamos continuar encontrando monstros na floresta, talvez seja melhor andarmos juntos por um tempo.

Leo soltou um riso curto, descrente.

— Não somos aliados.

— Claro, claro. — Ela acenou com a mão, sem se deixar abalar. — Mas quem disse que eu preciso da sua permissão para seguir o mesmo caminho?

— Você fala demais para alguém que quase morreu.

Ela riu, jogando o cabelo para trás.

— Ah, Leo, acho que você e eu vamos nos dar muito bem.

Leo lançou-lhe um olhar exasperado, antes de seguir em frente.

Aery sorriu satisfeita. De algum jeito, sabia que aquele não seria um simples encontro passageiro.

E Leo... bem, ele podia negar o quanto quisesse, mas a partir daquele momento, suas histórias estavam entrelaçadas.

E nada mudaria isso.

Fogueira

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O sol se pôs lentamente, mergulhando a floresta em sombras azuladas. Acima, o céu se tingia de tons violeta e dourado antes de ceder espaço às estrelas.

O ar estava carregado da eletricidade deixada pela batalha, mas a tensão entre Aery e Leo ainda parecia ser o elemento mais denso naquela clareira silenciosa.

Aery sentou-se sobre uma pedra coberta de musgo, tentando recuperar o fôlego. Seu coração ainda pulsava forte no peito, os dedos formigando com resquícios de magia.

Pequenas faíscas brilhavam entre suas mãos antes de se dissiparem no ar noturno.

O combate não tinha sido difícil para ela, mas a presença de Leo a deixava inquieta de um jeito diferente.

Do outro lado da clareira, Leo limpava sua espada com movimentos precisos. A lâmina escura refletia a luz fraca, mas seus olhos dourados eram ainda mais intensos na penumbra.

Ele a observava de soslaio, como um predador estudando uma presa, avaliando cada detalhe seu.

— Você sempre se mete em encrenca desse jeito? — sua voz cortou o silêncio, carregada de sarcasmo.

Aery ergueu o olhar e sorriu, brincalhona.

— Você tem sorte de eu me meter. Se não fosse por mim, talvez não estivesse inteiro agora.

Leo soltou um riso baixo e descrente.

— Se não fosse por você, eu nem teria perdido tempo com essa luta.

Ela estreitou os olhos, cruzando os braços.

— Então eu deveria estar te agradecendo por salvar minha pele?

— Não espero gratidão. Só estou dizendo que você é irritantemente imprudente.

Aery riu, balançando a cabeça.

— E você é irritantemente convencido. Acho que formamos uma boa dupla.

Leo bufou, mas não negou. Em vez disso, embainhou a espada e caminhou na direção dela. Aery sentiu o corpo enrijecer quando ele parou perto o suficiente para que a diferença de tamanho se tornasse ainda mais evidente.

Aery era alta, mas ele era uma sombra diante dela. Deveria ter quase 2 metros de altura, forte, com a presença esmagadora de um guerreiro que já vira batalhas demais.

— Você parece diferente das outras elfas brancas. — Ele falou, estudando-a com um olhar crítico. — Não sei dizer se isso é uma vantagem ou um problema.

Aery ergueu uma sobrancelha.

— Diferente como?

Leo inclinou a cabeça, como se estivesse tentando decidir se valia a pena responder.

— Seu cabelo. É raro. Nunca vi uma elfa branca ruiva antes.

Aery sorriu.

— Está me chamando de especial?

— Estou dizendo que você chama atenção. O que não é exatamente um ponto positivo.

Ela deu de ombros.

— Prefiro pensar que sou única.

Leo a observou por mais um momento antes de se afastar, pegando algumas pedras e galhos do chão.

— Vamos acender uma fogueira. Não gosto de ficar vulnerável no escuro.

Aery se acomodou perto do amontoado de lenha e conjurou uma pequena chama mágica em suas mãos, lançando-a sobre a madeira. O fogo se acendeu imediatamente, as chamas refletindo em seus olhos claros.

Leo arqueou uma sobrancelha.

— Prático.

Aery sorriu com orgulho.

— Vantagens de ser poderosa.

— Ou de ser mimada por nunca ter precisado usar uma lâmina de verdade.

Ela o encarou, fingindo indignação.

— Por que eu precisaria de armas se tenho magia?

— Porque, um dia, sua magia pode falhar.

Aery piscou algumas vezes, surpresa com o tom sério dele. Então, deu um sorriso travesso.

— Bem, nesse caso, ainda tenho você para me proteger.

Leo revirou os olhos, cruzando os braços.

— Eu? Proteger você? Que presunçosa.

— Ah, por favor. Você poderia ter me deixado para trás quando as criaturas atacaram. Mas não fez isso.

Leo desviou o olhar para o fogo, a mandíbula cerrada.

— Talvez eu só precise de você viva por enquanto.

Aery inclinou-se para frente, os olhos brilhando com provocação.

— Ou talvez você goste da minha companhia tanto quanto eu gosto da sua.

Leo soltou um riso baixo e rouco, que fez um arrepio percorrer a espinha de Aery.

— Você fala demais, branquinha.

— E você não fala nada.

Os dois se encararam através das chamas, a tensão entre eles tão densa quanto o calor do fogo.

Por um instante, Aery se pegou reparando nos traços de Leo. A pele bronzeada, os cabelos lisos e negros que caíam sobre os ombros, os olhos dourados que pareciam sempre analisar tudo ao redor, as sobrancelhas grossas quase sempre franzidas.

Ele era intimidador, mas não da forma como sempre lhe ensinaram que os elfos negros seriam.

— O que foi? — Ele franziu o cenho, percebendo seu olhar fixo.

Aery sorriu, apoiando o queixo nas mãos.

— Você sempre parece tão sério... Nunca relaxa. Vai acabar envelhecendo antes do tempo.

Leo soltou um suspiro pesado.

— É fácil para você falar. Seu mundo é todo flores e risos. O meu é diferente.

— Diferente como?

Ele ficou em silêncio por um instante antes de responder.

— Você não entenderia.

Aery mordeu o lábio, pensativa. Então, inclinou-se para frente, os olhos encontrando os dele.

— Tente.

Leo sustentou seu olhar por um longo momento. Por alguma razão, sentiu vontade de responder. De contar alguma verdade. Mas, no último instante, desviou os olhos para o fogo.

— Não esta noite.

Aery não insistiu. Em vez disso, sorriu suavemente.

— Tudo bem. Mas, um dia, você vai me contar.

Leo não confirmou nem negou. Apenas a observou com uma expressão indecifrável, como se estivesse tentando decifrar por que ela era tão diferente das outras elfas que já conheceu.

O silêncio se instalou novamente, mas desta vez era confortável.

Aery se aconchegou perto da fogueira, o calor do fogo aquecendo sua pele. Leo permaneceu onde estava, mas seus olhos não deixaram de analisá-la, como se tentasse prever que tipo de problema ela ainda traria.

Ela era uma ameaça diferente.

E isso o incomodava mais do que qualquer batalha já enfrentada.

Leo bufou, frustrado, antes de se levantar bruscamente.

— Você fala demais, branquinha. Boa noite.

— Boa noite, Leo. Sonhe comigo! — Aery provocou, rindo enquanto ele se afastava.

Leo apenas balançou a cabeça, ignorando a última farpa dela. Sentou-se ao lado de sua espada, os olhos fixos na fogueira.

Aery o irritava de um jeito que ele não entendia. Ela não tinha medo dele, não se importava com sua origem, e isso o deixava inquieto.

— Você fala demais. — Resmungou, mais para si do que para ela.

Aery, já deitada, apenas sorriu de olhos fechados.

Leo sempre tomava precauções. Cada som na floresta podia ser uma ameaça, cada sombra, um possível inimigo.

Mas Aery parecia à vontade, como se aquele mundo hostil fosse apenas um grande cenário para sua próxima aventura.

Ela estava deitada do outro lado da fogueira, enrolada na capa, os cabelos espalhados ao redor como um rio flamejante sob as estrelas.

— Vai ficar aí a noite toda vigiando? — murmurou, virando-se para ele. Seus olhos brilhavam como duas jóias à luz das chamas.

— Alguém precisa garantir que nenhuma criatura esfomeada resolva te devorar enquanto você dorme tranquila.

Aery riu baixinho.

— Acha que eu não sei me defender? Não precisa se preocupar. Sou uma elfa branca poderosa, lembra?

Leo arqueou uma sobrancelha. Poderosa? Talvez. Mas ele já havia percebido que ela era ingênua.

E isso o incomodava.

Ela não parecia entender o que o mundo fazia com pessoas como ela. Com aqueles que não tinham medo, que acreditavam no melhor. O mundo esmagava esse tipo de gente.

Leo cerrou os dentes, desviando o olhar.

Ela não era sua responsabilidade. Não deveria ser.

Mas, de alguma forma, ele não conseguia ignorar aquela sensação incômoda dentro dele.

Algo nele dizia que, se ele desviasse os olhos por tempo demais, Aery poderia simplesmente desaparecer.

Como tudo o que ele já perdeu.

Suspirou, exausto, e se encostou contra uma árvore, mas não dormiu de imediato. Ficou ali, ouvindo a respiração tranquila dela, observando a maneira como se encolhia no próprio calor.

Só fechou os olhos quando teve certeza de que, pelo menos por aquela noite, nada chegaria perto dela.

  ⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O amanhecer pintava a floresta com tons dourados quando Leo sentiu um leve incômodo nos olhos e despertou.

Aery já estava acordada, observando os pássaros coloridos saltarem de galho em galho.

— Está cedo demais para tanto entusiasmo. — murmurou, a voz ainda rouca de sono.

— Bom dia pra você também, mal-humorado. — Aery riu.

Ele se levantou, pegou sua espada e a prendeu nas costas sem dar resposta.

— Precisamos comer. Vamos procurar algo.

— Eu conheço algumas plantas comestíveis. — sugeriu Aery, se espreguiçando.

Leo arqueou uma sobrancelha.

— Plantas? Você acha que vou sobreviver com folhas?

— Ah, claro. O grande guerreiro precisa de carne. — Aery revirou os olhos, divertida. — Então vá caçar e eu busco frutas e raízes. Dividimos o que encontrarmos.

Leo deu de ombros e desapareceu entre as árvores.

Enquanto ele caçava, Aery recolhia frutas e ervas que conhecia. Gostava do silêncio tranquilo da floresta pela manhã. Bem, quase silêncio...

Ela não conseguiu conter um sorriso ao ouvir o barulho de passos pesados se aproximando.

Leo surgiu da mata com um coelho selvagem pendurado na mão, os olhos dourados avaliando sua colheita.

Aery ergueu as frutas, orgulhosa.

— Eu disse que daríamos um bom time.

Leo olhou para as frutas na mão dela e depois para o coelho ensanguentado.

— Sim. Um equilíbrio perfeito entre "comida de verdade" e "passar fome".

Aery soltou uma risadinha, e Leo se sentou ao lado dela, começando a preparar a fogueira.

— Ainda acho que você fala demais.

— E você fala de menos. Mas já estou acostumada.

Ela estendeu algumas frutas para ele. Leo as pegou sem protestar, mas lançou um olhar desconfiado.

— Por que está tão feliz?

Aery deu de ombros.

— Porque, por mais que sejamos diferentes, estamos aqui. Juntos. E… o lugar é lindo.

Leo desviou o olhar para as chamas.

— Você é irritantemente otimista.

— E você, irritantemente adorável.

Ele bufou, mas Aery percebeu um pequeno sorriso de canto.

Enquanto o fogo crepitava, Leo trabalhou em silêncio, assando o coelho. Aery comia algumas frutas, observando-o de soslaio.

Ela se perguntou há quanto tempo ele vivia sozinho. A forma como se fechava, a maneira como evitava contato... Tudo nele parecia gritar que não estava acostumado com companhia.

— Você sempre foi tão carrancudo? — perguntou, casualmente.

Leo lançou-lhe um olhar preguiçoso.

— Sempre fui realista.

— Realista ou pessimista? Há uma diferença.

— Realista. O mundo é duro, branquinha. Quanto mais cedo você entender isso, melhor.

Aery cruzou os braços, desafiadora.

— O mundo pode ser duro, mas também pode ser bonito. Você só precisa saber onde olhar.

Leo suspirou.

— Bonito como?

Aery olhou ao redor, como se procurasse as palavras certas.

— Como o céu pela manhã. Como as flores que brotam mesmo em solo seco. Como... — Ela hesitou por um instante e depois sorriu. — Como encontrar alguém inesperado que faz você querer ver o mundo de um jeito diferente.

Leo ficou em silêncio, os olhos fixos nela.

Ele sabia o que ela queria dizer. E não gostava disso.

Não gostava do jeito fácil com ela falava sobre sentimentos. Como se isso não fosse um problema. Como se não fosse perigoso.

— Você fala de mim? — Ele perguntou, num tom seco, tentando disfarçar a sensação incômoda que as palavras dela lhe causavam.

— Talvez.

Leo soltou uma risada baixa, quase inaudível, enquanto virava o coelho na fogueira.

— Você é uma encrenca, sabia?

— Você já disse isso. Mas eu acho que você gosta de encrenca.

— Não gosto.

— Tem certeza?

Dessa vez, ele não desviou o olhar.

— Tenho certeza de que você me irrita.

Aery riu.

— Mas continua aqui. E isso diz muito, Leo.

Leo a fitou novamente, e dessa vez não desviou. Aery o encarava com um brilho provocador nos olhos, desafiadora e serena ao mesmo tempo.

E ele se perguntou o que exatamente estava fazendo ali.

Se soubesse a resposta, talvez tivesse ido embora naquela manhã.

Mas ele ficou.

E isso dizia tudo.

Nem tudo são flores

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

A brisa fresca da floresta agitava os fios ruivos de Aery enquanto ela se movimentava ao redor da clareira, inspecionando suas ervas e frutas. O aroma defumado da carne assada preenchia o ar, misturando-se ao cheiro terroso das folhas secas ao redor.

Do outro lado do fogo, Leo girava um coelho no espeto improvisado, a expressão fechada e atenta. Seus olhos dourados refletiam as chamas, e Aery se pegou encarando-o por tempo demais.

Ele parecia sempre tão distante, tão intocável… e, ao mesmo tempo, ali estava ele, dividindo uma fogueira com ela.

— O que foi? — A voz dele cortou o silêncio, sem tirar os olhos da carne assando.

Aery piscou, surpresa por ter sido pega.

— Nada. — Sorriu, tentando soar casual. — Só estava pensando que talvez você não seja tão ruim quanto tenta parecer.

Leo bufou, girando o espeto novamente.

— Você sempre encontra algo para falar, não é?

— E você sempre encontra algo para ignorar. — Ela retrucou, cruzando os braços. — Vamos chamar isso de equilíbrio.

Por um momento, Leo apenas a observou, a chama do fogo tremulando entre eles.

— Como consegue ser tão irritante e intrigante ao mesmo tempo?

— É um talento natural! — Aery ergueu o queixo, satisfeita consigo mesma.

Leo balançou a cabeça, exalando um riso baixo, sem humor.

O silêncio voltou enquanto a carne terminava de assar, e, quando finalmente ficou pronta, Leo cortou alguns pedaços e os entregou a Aery.

Ela aceitou com um pequeno sorriso e estendeu algumas frutas para ele.

— Admito, você não é tão inútil. — Leo murmurou, mordendo uma das frutas.

Aery arregalou os olhos, teatralmente surpresa.

— Uau! Isso foi quase um elogio! Estou impressionada.

Leo revirou os olhos, mas ela percebeu que, por um breve instante, um canto da boca dele se ergueu.

O calor do fogo os envolvia, e Aery sentiu-se… confortável. O silêncio entre eles não era desagradável como antes. Algo estava mudando, e, por mais que Leo tentasse se esconder atrás de sua frieza, Aery sabia que ele também sentia.

Ela só precisava de tempo para fazê-lo admitir.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

A estrada de terra se estendia diante deles, ladeada por árvores densas cujas copas filtravam a luz do sol, criando sombras oscilantes sobre o chão. O clima estava agradável, e Aery, em sua empolgação habitual, tagarelava sobre as diferenças entre as florestas de Elinel e aquele novo ambiente.

— E a cor das folhas? Percebeu como são mais escuras? Acho que isso acontece porque—

— Você está muito relaxada. — Leo a cortou, sem olhá-la.

Aery estreitou os olhos.

— E você está sempre tenso.

— Porque sei que o mundo não é feito de flores e borboletas.

— Você não sabe apreciar nada, não é?

Antes que Leo pudesse responder, vozes se ergueram mais à frente.

Ele imediatamente ergueu o braço, parando Aery com um gesto.

— Fique atrás de mim.

Três elfos negros estavam no caminho, conversando entre si. Ao avistarem Leo e Aery, seus olhares se estreitaram, e o ambiente pareceu mudar de temperatura.

O ar ficou mais pesado.

Um deles, de cabelos longos e postura rígida, deu um passo à frente.

— Bem, bem… O que temos aqui?

Os olhos dos três se fixaram em Aery.

Ela sentiu os olhares deslizando por ela, analisando-a como se fosse um animal exótico perdido.

— O que uma elfa branca está fazendo aqui? Se perdeu do seu precioso povo?

Aery franziu o cenho.

— E se eu estiver aqui porque quero?

Os elfos negros riram, mas não havia humor em seus risos.

— Então é ingênua.

Os cochichos entre eles eram carregados de desdém, e Aery sentiu uma pontada de desconforto. Sabia que os elfos negros e brancos não se davam bem, mas nunca se acostumara a ser olhada daquela forma.

Como se não fosse bem-vinda.

Como se fosse inferior.

Leo, até então observando em silêncio, deu um passo à frente.

— Cuidem da própria vida.

Os três hesitaram. Seus olhos se arregalaram por um instante ao reconhecer Leo melhor.

— Você… — Um deles estreitou o olhar. — Não pode ser…

Leo nada disse, apenas os encarou de maneira intimidadora. Seus olhos dourados brilharam como os de um predador.

Aery observou a troca silenciosa, sentindo a tensão aumentar.

Os elfos negros pareciam nervosos, e então, com olhares de desprezo para ela, decidiram seguir caminho.

Aery cruzou os braços.

— Idiotas.

Leo virou-se para ela, irritado.

— Agora você entendeu?

— O quê?

— O mundo não é um campo florido, Aery. Você acha que pode ir onde quiser, falar o que quiser, e tudo vai ficar bem? Não vai. Pessoas como eles não vão te aceitar.

Ela estreitou os olhos.

— E você acha que os elfos brancos aceitariam você?

Leo riu, sem humor.

— Claro que não. Mas eu sei disso. Você, por outro lado, continua achando que pode mudar o mundo com sua teimosia e sorriso bobo.

Ela sentiu uma pontada de irritação.

— E qual é a alternativa, então? Viver como você? Frio, distante, esperando sempre o pior de todo mundo?

Leo não respondeu de imediato. Apenas a encarou, e, por um momento, Aery pensou ver algo diferente em seu olhar. Algo além da irritação.

Mas então ele virou as costas.

— Vamos. O vilarejo ainda está longe.

Aery respirou fundo, segurando a vontade de discutir mais.

Ainda assim, algo na maneira como ele a protegeu — como tomou sua defesa sem hesitar — a fez sorrir um pouco.

Ela apertou o passo para alcançá-lo.

— Ei, Leo.

Ele não respondeu, apenas lançou-lhe um olhar de canto.

— Obrigada.

Leo franziu o cenho, confuso.

— Pelo quê?

— Por não deixar que me tratassem como lixo.

Ele soltou um suspiro exasperado.

— Não foi por você, branquinha. Foi porque não tenho paciência para idiotas.

Aery sorriu, sabendo que era mentira.

E então os dois seguiram em frente, lado a lado, sem perceber que, passo a passo, algo entre eles mudava.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O céu começava a tingir-se de laranja quando Aery e Leo chegaram à ponte suspensa que atravessava um estreito desfiladeiro.

A estrutura parecia antiga, com tábuas gastas pelo tempo e cordas desgastadas pelo clima. O vento assobiava entre as frestas, criando um ranger ameaçador.

Aery engoliu em seco.

— Você tem certeza de que essa ponte não vai desmoronar assim que eu pisar nela?

Leo, que já testava a firmeza com um pé, lançou-lhe um olhar impaciente.

— Ou você quer atravessar ou quer voltar e dar a volta no desfiladeiro.

Aery franziu os lábios.

— Atravessar, claro.

— Então pare de reclamar e venha logo.

Ele seguiu à frente, caminhando com passos firmes e confiantes. As tábuas rangiam sob seu peso, mas a ponte parecia aguentar.

Aery soltou um suspiro, tentando ignorar o fato de que estava a metros de altura sobre um abismo profundo. Com cuidado, começou a atravessar.

O vento soprou mais forte, e a ponte balançou.

— Ah, ótimo. — Ela murmurou, agarrando-se às cordas laterais.

Leo já havia avançado metade do caminho, mas parou para olhar para trás.

— Você parece um filhote de cervo tentando andar.

Aery lançou-lhe um olhar irritado.

— Isso se chama cautela. Diferente de você, eu gosto de manter meus ossos intactos.

Ele apenas bufou, continuando a atravessar.

Aery tentou se concentrar, mas então ouviu um estalo seco.

Seu coração disparou.

— O quê foi isso?

Leo parou novamente, agora mais alerta.

— Continue andando.

— Acho que algo que—

Antes que pudesse terminar a frase, um som mais alto de madeira partindo se fez ouvir, e a ponte tremeu violentamente. Uma das cordas laterais se rompeu.

Aery gritou, sentindo o chão sumir sob seus pés.

O mundo girou, e, num instante, ela estava caindo.

Mas algo quente e forte a agarrou.

Leo.

Ele a segurou com uma das mãos, seus dedos agarrando seu pulso antes que ela fosse completamente engolida pelo vazio.

Aery sentiu a respiração falhar. O vento frio batia em seu rosto, e o desfiladeiro abaixo parecia um abismo sem fim.

— Leo!

Ele rosnou, cerrando os dentes, puxando-a para cima com um único impulso.

Quando conseguiu firmá-la sobre a madeira da ponte, ela caiu sobre ele, ofegante, seus corpos colidindo.

O coração de Aery batia acelerado contra ele, e a sensação do corpo forte de Leo debaixo do seu a deixou momentaneamente sem palavras.

Ela sentiu o cheiro dele — uma mistura de terra e ferro — e percebeu o quanto estava perto.

Seu rosto pairava a poucos centímetros do dele.

Leo respirava com força, seus olhos dourados intensos cravados nos dela.

Por um longo momento, nenhum dos dois se moveu.

Aery percebeu que sua perna estava entre as coxas dele, e que suas mãos estavam apoiadas sobre o peito. A pele quente sob seus dedos era uma lembrança intensa da força dele.

E então Leo falou, a voz rouca e baixa:

— Você precisa parar de se colocar em situações idiotas, branquinha.

Aery piscou, ainda ofegante.

— Eu não fiz de propósito.

Leo segurou sua cintura com força, como se a necessidade de tê-la segura ainda estivesse queimando em seus músculos.

— Eu sei. — Ele murmurou.

Aery sentiu um arrepio percorrer seu corpo.

Por um instante, ela jurou que ele a olhava de um jeito diferente.

Mas então ele soltou sua cintura abruptamente.

— Saia de cima de mim.

O tom frio e ríspido foi um choque.

Aery se afastou de repente, sentindo o rosto quente.

— Eu... não me joguei em você de propósito!

Leo se levantou de um salto, ajeitando as roupas, claramente irritado.

— Vamos. Antes que essa ponte resolva nos derrubar de vez.

Aery sentiu uma pontada de frustração.

O que foi aquilo?

Por um momento, ela realmente achou que ele fosse fazer alguma coisa.

Ela balançou a cabeça, afastando os pensamentos.

Mas não podia negar que algo estava mudando entre eles.

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