- Uau, não acredito, ele venceu um campeão mundial de xadrez! - diz uma mulher impressionada.
- Ele é realmente um gênio!
- Ouvi dizer que ele se formou na escola com 10 anos.
- Ele é o futuro do país!
- Gravem bem o rosto dele com a câmera, ele vai ser o futuro desse mundo!
Bem no meio de uma multidão de adultos histéricos, se encontra um garoto, parado de frente para um tabuleiro de xadrez, do outro lado do tabuleiro, está um velho, encarando o tabuleiro com um olhar de espanto e medo. Perder para uma criança deve ser um choque muito grande.
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- Você não pode sair, fique aí e estude! - grita um homem irritado, fechando a porta na cara do rapaz.
Esse homem que acabou de gritar com ele é o pai do rapaz, mas não o de verdade. Quando ele era criança, morava em um orfanato, até que um dia ele chegou e o adotou, mas não antes de fazer um teste de QI com ele, o que mostrou que ele tem um Qi de 154.
O sonho dele é ser o pai de um gênio, isso se deve ao fato dele próprio pai não ter sido capaz de ser um gênio, então ele transferiu o sonho dele para o garoto. Meio idiota, mas fazer o que?
Com a porta fechada, e ele fica ali, parado sem saber bem o que fazer. Ele se vira e volta para a cama, como ele não tem celular, acredita que a melhor coisa a se fazer é ler algum livro.
Enquanto caminha até a cama, ele acaba passando em frente a um espelho e vê seu reflexo nele. Ele se olha com desgosto, afinal, não gosta muito da própria aparência. Não exatamente do rosto, mas do cabelo, ele é todo branco. Alguns acham bonito, mas ele sente que esse cabelo só o faz parecer um velho prestes a morrer.
“A Jornada do Rei”, ele adora esse livro, embora antes o odiasse.
Conta a história de um rapaz jovem da floresta que acabou descobrindo que era filho de um rei, e que partiu em uma jornada de aventura para recuperar o seu reino. Ele o adora porque o livro fala de uma grande aventura, mas antes eu o odiava, porque fazia ele perceber o quanto sua vida é deprimente.
Ser trancado em um quarto dia e noite, com o argumento de que tem que estudar para entrar na melhor faculdade, mesmo que no momento ele só tenha 12 anos. O pai também nunca age como um pai, ele no máximo age como instrutor linha dura que bate na mão do aluno se ele responder errado.
O garoto também nunca teve permissão de ir para a escola, afinal o pai dizia que todos lá não estão no nível dele. A única vez que ele teve contato com uma escola, foi quando foi fazer um teste de aptidão para poder se formar direto.
Ele também não tem livre acesso à internet, porque o pai se certifica que única que ele possa fazer nela é estudar.
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Enquanto lê, ele acaba vendo um tabuleiro de xadrez na escrivaninha ao lado da cama. Xadrez é a coisa que mais o diverte. O rapaz aprendeu como jogar em um livro e depois começou a fazer batalhas simuladas contra si mesmo.
Depois, sempre que tinha oportunidade, entrava no computador do pai e jogava mundo a fora na internet, claro, isso até o pai descobrir, mas no final, o pai reconheceu isso como uma atividade de alto valor e o obrigou a praticar e a competir. Desde então, não tem sido mais tão divertido.
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Uma vida bem triste, e ele tem plena consciência disso, mas aprendeu a lidar com isso, ele não sabe quando, mas em algum momento, ele só parou de se importar, só isso. Isso se expressa em outra coisa que ele não gosta em seu rosto, o fato de que ele nunca sorri, chora, nem mesmo fica irritado, só fica com uma expressão neutra.
O rapaz aprendeu a deixar a vida apenas o levar, simplesmente desistiu dessa vida.
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- Escute com atenção, esse campeonato de xadrez vai receber atenção da mídia, você será visto e reconhecido como um gênio e futuro da nação até mesmo pelas massas comuns, não se atreva a falhar. Ouviu bem? - o pai pergunta isso com a expressão habitual dele, olhos sérios e sem empatia.
- Sim – ele responde sem expressão.
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- Incrível! Um rapaz de apenas 12 anos acaba de vencer o campeão mundial!
- Owwwooooo!
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Os gritos das pessoas, as comemorações, até mesmo o pai dele fingindo um sorriso enquanto apertava a mão de pessoas importantes na plateia, nada disso comovia o garoto, ele apenas ficou ali, olhando o tabuleiro, sentindo vontade de jogar mais um pouco, mas sabendo que não vai poder:
- Hum, que tédio... - ele diz olhando para o teto.
- (...)
- Hum, o que?
Ao voltar seu olhar de volta para a plateia ao redor, ele percebe que todos agora estão em silêncio, parados de forma estática e olhando para o teto:
- Isso... é algo combinado? – pergunta o pequeno garoto.
(Tum).
O som o assusta e ele se vira, vendo que o cameraman deixou a câmera dele cair no chão, mas ninguém reagiu, apenas continuaram a olhar para cima:
- O que... Pai!
Ele só volta para seu pai, mas para seu espanto, o pai dele também está apenas encarando o teto. O rapaz, de forma pragmática começou a olhar os arredores, tentando não perder a compostura:
- Várias pessoas olhando para cima, se isso não uma pegadinha... Talvez seja um tipo de surto coletivo, ou hipnose...
Com a mão no queixo, ele tenta pensar, isso enquanto aproveita os espaços entre as pessoas para sair da roda de gente o mais rápido possível, afinal, ele sabe que aquilo não é normal e que tudo pode acontecer.
Assim ele sai do meio da multidão, indo em direção da saída:
- Será que é uma doença... Não, isso perece ainda menos provável, sem falar que todas as hipóteses levam a mesma pergunta. Por que eu sou o único não afetado?
- Porque eu estou aqui por você!
- (...)
Uma voz surge, uma grave e estranha, como aqueles com efeito que você coloca no computador. O rapaz, inicialmente pasmo, se vira. Bem cento da multidão de pessoas, onde fica o tabuleiro, uma criatura humanoide gigante, com o corpo feito a algo semelhante a um monte de gosma preta, o encara, com um rosto que tem apenas uma boca grande e dentes afiados.
A visão deixa o rapaz travado, substituindo sua expressão neutra por uma de completa surpresa:
- Você disse... que veio até aqui por mim? - ele pergunta.
- Sim.
- Você que fez isso com todos aqui?
- Eu só estou fazendo isso com você.
- Apenas comigo?... Isso aqui... está acontecendo na minha cabeça?
- Passou perto, é em um lugar mais profundo do que na sua mente.
- (...) Você diz isso literalmente ou figurativamente?
- Faz diferença?
- Hum... Tuchê.
Por algum motivo, mesmo diante da fera, o rapaz continua com a mão em seu queixo enquanto tenta achar uma resposta plausível para essa situação, já a criatura, vendo o desdenho que o rapaz tem por ela, começa a rir, assim roubando novamente a atenção do rapaz:
- Ok, melhor se fizermos um trato.
- (...) Que tipo de trato?
- Vamos jogar xadrez, afinal você estava com vontade de jogar mais, né? Se você ganhar, eu conto tudo que quiser saber, quem sou, de onde venho, porque estou aqui, porque você está aqui, e depois vai me fazer um favor.
- E se você vencer?
- Você vai só me fazer um favor, sem mais nada.
- Em resumo, a única coisa que eu ganho são respostas, e no fim vou ser obrigado a te fazer um favor independente do resultado.
- Não, você pode recusar o favor, mas vai acabar morrendo.
- Então você vai me matar?
Em resposta, a criatura apenas alarga seu grande sorriso, fazendo o rapaz ficar novamente em meio aos seus pensamentos:
- Acho que essa é uma pergunta que só vai ser respondida se eu ganhar, né?
- Precisamente.
O rapaz, agora voltado seu olhar para a criatura:
- No que me diz respeito, você pode ser o próprio demônio, me diga, o que te faz pensar que eu teria coragem ou estupidez o bastante para jogar xadrez com o demônio?
- O fato de que você nunca acreditou nesse tipo de coisa.
- Esse fato pode ser contestado baseado no princípio de que eu estou tendo a prova nesse exato momento da existência de um demônio.
A criatura, diante de tamanha perspicácia do rapaz, começa a rir novamente. Dessa vez ela alonga seu pescoço como se fosse uma gelatina, levando seu rosto para bem perto do rapaz:
- Eu não sou um demônio, mas se eu for, significa que você já deve estar no inferno, então me diga gênio de uma geração, o que você tem a perder?
- (...) Não posso contestar essa lógica.
Voltando a ter a mesma expressão inexpressiva de sempre, o rapaz começa a andar novamente para o centro da multidão, enquanto a criatura o segue de perto com o pescoço esticado.
Ao chegar no centro, ele vê a criatura diminuir seu próprio tamanho e se acomodar no acento onde estava o senhor que ele derrotou anteriormente:
- Já tomei a liberdade de arrumar o tabuleiro, e então, vamos jogar? - pergunta a criatura, fazendo um único e grande olho surgir na testa dela.
O rapaz diante disso, vai até o seu acento e se senta, olhando para o grande o olho do monstro:
- Que nojo.
Continua...
Sem se importar, o rapaz move sua mão até o temporizador, mas antes que ele possa tocá-lo, a criatura o cobre com a mão e depois empurra para fora da mesa, o que espanta o rapaz um pouco:
- Sem temporizador, assim poderemos pensar à vontade.
- Hum, então não vamos marcar o tempo.
- Para que? Temos todo o tempo do mundo.
- (...) Ok, pior pra você.
- Eu te desafiei, então pode começar.
O rapaz, seguindo a sugestão, faz sua primeira jogada, movendo um peão, logo vem a criatura que também faz sua jogada. Em poucos segundos eles já moveram algumas peças:
- Hum... O Gambito Dinamarquês, considerado por alguns a abertura mais agressiva do xadrez. Por acaso está com pressa para acabar a partida? - pergunta a criatura.
- Não, eu só gosto dele mesmo, me ajuda a ganhar.
- Hum, então você é naturalmente agressivo, que fascinante.
- Sabe o que é mais fascinante, é a sua vez.
- Oh, desculpe, então vamos lá.
A criatura move uma peça, parece ser um movimento comum, mas o rapaz acaba ficando surpreso com isso por um instante, mas então ele volta sua expressão para o inexpressivo de sempre:
- Você não é nada mal – diz o rapaz.
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Após bastante tempo, horas para ser mais específico, ambas as figuras nessa sala continuavam absolvidas em meio a uma intensa partida de xadrez.
O rapaz a cada movimento fica mais surpreso, afinal, ele sabia que deveria esperar tudo vindo dessa criatura, mas para ele, que já competiu e venceu os maiores jogadores do mundo, saber que existe alguém tão bom era uma surpresa:
- Que curioso – diz o rapaz.
- Hum, o que?
- Estamos aqui a horas, mesmo assim, pude ver nas janelas que ainda está dia. Quando começamos a jogar, era para ser 5:30 da tarde, estranho, não? Isso sem falar do fato de que eu não estou sentindo fomo, vontade de ir ao banheiro, nem mesmo câimbra por estar sentado a muito tempo, esquisito, né?
- Bom, eu disse, temos todo o tempo do mundo.
- Hum, isso se a gente ainda estiver mesmo no mundo.
A criatura volta a rir, enquanto o rapaz continua a encarar o tabuleiro em busca de seu próximo movimento:
- Me diga, como você se sente ao estar vivo? - a criatura pergunta do nada.
- Não existe um sentimento específico atribuído ao ato de viver, até porque a vida é uma mistura de todos os sentimentos que temos ao decorrer dela – diz o rapaz na lata.
- Então vou mudar a pergunta, o que você sente com relação a estar vivo? O que esse fato te faz sentir?
A pergunta é lançada bem quando ele estava movendo sua mão em direção ao tabuleiro, mas então, ele para, retraindo sua mão de volta para si:
- Viver?... Sei lá, acho que eu aprendi a não me importar com isso, até porque eu não acho que eu vivo uma vida que valha a pena ser vivida.
- Hum, então você despreza a sua vida?
- (...) Uma vez um homem chamado Schopenhauer disse que a vida é um presente que todos recusariam se pudessem olhar com atenção antes de aceitar.
- Você acredita mesmo nisso?
- Hum, um pouco, eu nunca tive muita vontade de viver, por isso eu não respondo essa pergunta, porque eu acho que são aqueles que estão realmente apegados a vida e que puderam aproveitá-la que tem o direito de responder a essa pergunta.
- Pragmático, como sempre.
- Obrigado, sua vez.
- Ah, você já moveu, eu...
A criatura move a mão em direção do tabuleiro, mas no último segundo ela trava ao olhar as peças e depois novamente seu grande olho se volta para o rapaz:
- Eu quase fiz uma jogada precipitada porque pensei que você estava um pouco desestabilizado por conta de minhas perguntas, mas o seu movimento foi perfeito, tanto que eu quase me dei mal. Me diga, foi de propósito, todo esse show de pena para tentar me distrair?
- Hum, eu coincidentemente contei uma história emotiva, e concidentemente você quase cometeu um erro. Apenas isso.
- Hihi, sua raposinha esperta.
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- Cheque mate – diz a criatura, movendo seu cavalo e tomando o rei do rapaz.
Ao perceber que acabou de perder, o garoto fica pasmo, ainda mais do que quando ele viu a criatura pela primeira vez. Ele olha o tabuleiro de ponta a ponta, se perguntando como acabou de perder, como ele deixou um movimento passar por ele:
- Caramba, você não é mesmo humano – diz o rapaz.
- Você jogou muito bem, faz tempo que eu não divirto tanto.
- E o que alguém como você faz para se divertir?
Em resposta, a criatura fica em silêncio, apenas encarando o jovem com um sorriso, ele por sua vez, apenas suspira:
- Eu perdi, logo não vou receber nenhuma resposta, é justo.
- Haha, você é realmente entende as coisas bem rápido.
- Bom, agora seguindo os termos de nosso acordo. Vamos, me diga o grande favor que quer que faça, mas leve em conta que eu sou só uma criança frágil.
- Isso não vai ser relevante, tenho certeza de que você será capaz, você tem todas as qualidades que eu julguei necessárias.
- Se importa em responder quais são elas?
- Bom, por ter relação com o meu pedido, acho que não faz mal. As qualidades que eu busco e encontrei em você são o pensamento frio e calculado, controle mental, você é jovem, por isso se adapta rápido, uma grande inteligência, mas por fim, o ponto mais crucial, um desapego para com a própria vida, você deseja viver, mas não gosta da sua vida, isso me diz que você poderia ser feliz em outra vida.
- Feliz em outra vida? Bom, se a outra vida for boa, por que não? Mas eu ainda estou curioso, que tipo de tarefa é essa em que “não gostar da própria vida” ajuda?
A criatura agora se levanta da cadeira e anda até o lado do garoto, ficando bem próxima dele. O olho gigantesco dela parece começar a ficar maior, e o rapaz apenas assiste essa cena com frieza:
- Vou te responder depois... hihi.
- (...) O que?
- Para fazer o que quero você faça, você vai ter um período de preparação/teste, através disso você vai adquirir a capacidade para realizar o meu desejo, e também vai poder obter muitos lucros nesse meio tempo, tanto físicos como emocionais.
- Em resumo, eu vou ter que me preparar sozinho as escuras, sem ter ideia do que vou ser obrigado a fazer, que saco. E seu falhar ou desistir?
- Se falhar, você pode morrer, ou não, vai depender de você, mas em todos os resultados onde você não realiza a tarefa que eu pedi, você vai ser penalizado por mim.
- Penalizado? Tipo, morrer?
- Provavelmente, entenda que por mais que eu tenha chamado de favor, está mais para um presente, ou melhor, uma troca, em troca do que eu quero, eu vou te dar uma oportunidade.
- Que tipo de oportunidade?
- Você vai entender na hora certa.
- Ok, você está me oferecendo um presente que eu não posso saber o que é, logo nem posso saber se eu quero ou não.
- Digamos que eu estou usando as palavras do Schopenhauer contra você.
A criatura, após essa breve conversa, retorna para o acento dela, encarando o rapaz em busca de sua resposta. O jovem fica parado enquanto pensa em suas opções.
No momento, ele tem duas opções a vista, a morte ou um presente misterioso, dada as palavras da criatura, o presente parece ser bom, mas ele não pode garantir. Sem falar que mesmo que seja um presente incrível, ele ainda corre o risco de perdê-lo futuramente.
Claro que ainda existe a possibilidade de tudo isso ser algum tipo de piada de mal gosto divina feita para zombar dele, embora ele acredite que não tenha sido tão ruim em vida a ponto de deus o esnobar desse jeito:
- Hum, ei, se importa de me dar uma coisa como forma de garantia pra eu ter certeza de que não está me passando a perna? Já aviso que isso vai influenciar e muito na minha decisão - pergunta o rapaz.
- Claro.
- Eu quero saber como te matar.
Em resposta a essa pergunta, a criatura se silencia, mas o rapaz não desiste e continua a encará-la em busca de sua resposta:
- Me matar? E por que você quer algo assim? Logo eu, o seu grande benfeitor.
- É apenas um jeito de me prevenir posteriormente, leve em conta de que você tem a minha vida em suas mãos, acho que é justo nós igualarmos isso, nem que seja um pouco.
- Sinto muito, essa pergunta está fora de questão.
- Olha, se não desse pra te matar, você diria logo de cara, mas você só desviou da pergunta, então tem mesmo um jeito de te matar.
- Hum, há, você e bem ardiloso.
- Ok, saber que você pode morrer já me dá uma certa segurança, acho que vou usar esse tempo de preparação para descobrir com te matar então.
- Então isso significa que...
- Eu aceito.
- BELEZA!!!!!!!!!!!!
A criatura se levanta e grita de forma espontânea, o grito repentino de criatura assustou o rapaz a ponto de ele cair com a cadeira para trás:
- Ops, foi mal, eu me empolguei.
- De boa... Olha, parece ser uma tarefa importante já que você ficou tão animado, tem certeza de que não tem pessoas mais qualificadas por aí não?
- Hum, é difícil dizer, podemos dizer que seus talentos e capacidades de agora serão irrelevantes para realizar a minha tarefa, exceto por aqueles dentro do seu celebro, logo, sua inteligência.
- Ok então.
- Bem, vamos fechar um acordo.
A criatura se debruça sobre a mesa e estende a mão para o rapaz, uma mão de aspecto lamacento. O jovem inicialmente reluta, não por estar com dúvidas, mas simplesmente por não se sentir confortável em tocar essa coisa, mas:
- Ah, que se dane, eu já tô com o pé na bosta mesmo.
Ele estende a mão e a cumprimenta, sentindo todo o aspecto cremoso e gelado da mão dela, uma sensação que o fez sentir um arrepio na espinha:
- Nosso acordo está feito, não tem como voltar atrás... Ah, mas só mais um aviso.
- O que?
- Não se preocupe com a dor, não vai durar muito.
- Hã?
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O rapaz abre os olhos, por algum motivo, ele sente como se tivesse caído no sono de repente, como se tivesse desmaiado:
- O que?... Aquele bicho, eu... Arrgggghhhh, dor, tá doendo!
Ao recuperar o seu foco, o rapaz sente algo quente escorrendo pelo rosto dele, á sangue, o sangue dele, mas ele está indo da barriga dele para rosto, como se estivesse subindo, mas logo ele percebe:
- Eu tô de ponta cabeça?... Espera, esse é... o carro do pai? Eu tô no carro do pai....
Ele olha ao redor e percebe que está dentro do carro de seu pai, que está capotado no meio da rua, ele está de ponta cabeça, sendo segurado pelo cinto de segurança. Ele vê todas as janelas destruídas, a latarias do carro toda amassada, e ao olhar para fora outro carro destruído ao longe:
- Um acidente? Sofremos um acidente?... Arrrrgghhh, mas o que...
Uma dor toma conta do corpo dele, vinda da barriga dele. Ao olhar, ele percebe um grande estilhaço de metal fincado em seu corpo, o fazendo sangrar em um ritmo preocupante:
- O que? Isso... Ah, tá doendo! Mas onde ele...
O rapaz olha para a frente do carro e vê o pai dele, apagado na parte da frente e com alguns hematomas e cortes. Assim como ele, o pai está sendo segurado pelo cinto de segurança:
- Ele não parece estar muito ferido... Vai sobreviver... Já eu...
Mais uma vez, ele olha para sua barriga, enquanto sente o sangue da ferida descer e passar pelo seu rosto. Nesse momento ele escolhe apenas parar, e ficar ali, sentindo tudo, sabendo que não importa o que ele faça, só vai piorar, o único jeito de se salvar, seria recebendo ajuda externa, mas ele sabe que ninguém virá a tempo.
Nesse momento, ele apenas se acalma, aceitando que vai morrer, mas ao mesmo tempo, a lembrança da criatura vem a sua mente:
- Aquela coisa... Talvez... Talvez... Não, aquilo deve ter sido um delírio da minha cabeça, eu só desmaiei na hora do acidente, só isso...
“Não se preocupe com a dor, não vai durar muito” a frase da criatura vem a mente dele:
- Não vai durar? Vai se... ferrar...
De repente, em um passe de mágica, o corpo dele para de se mexer, ficando imóvel, a respiração para e olhos perdem o brilho.
Os últimos segundos agonizantes dele, uma notícia que reverberou por tudo o mundo. A morte de uma das mentes mais promissoras da história, tudo em um simples acidente de carro que aconteceu por causa de um motorista bêbado enquanto o gênio voltava para casa após vencer um campeonato de xadrez.
O fim da história de um gênio, bom, ao menos, nesse mundo.
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- (Hum, quentinho... Está bem quentinho aqui... Espera... acho que eu... O que eu tava...)
As lembranças dos últimos minutos tomam conta da mente dele:
- Hoooorrrrrrr!
Por conta do choque inicial, ele gritou, mas então ele tem mais um segundo choque por causa da estranheza com a qual o grito dele saiu, um som completamente esquisito para ele, pareceu mais o grito de um animal ferido:
- (O que foi isso? Eu fiquei com problema de garganta agora?... Espera!)
- Harr.... Horrr... Uhhhh...
Novamente, esses sons o fazem travar:
- (Porque eu não tô conseguindo falar?... Talvez eu tenha perdido as cordas vocais no acidente... Acidente? Verdade, eu sofri um acidente, mas tô vivo).
Ele olha ao redor, mas então ele se vê em lugar escuros e úmido, com chão paredes e teto de pedras e terra. Tal visão o faz ficar confuso, afinal, esse lugar não tem cara de hospital
Sutilmente, ele leva sua mão até o queixo, um hábito de quando ele está pensando, mas ao sentir sua mão em seu rosto, a forma dela parece diferente, mais áspera e com unhas grandes como garras.
Instintivamente, ele olha para sua mão, mas por algum motivo, tudo que ele vê é uma pata que parece ser de um cachorro:
- (Hum, cadê? Onde tá a minha mão?)
Em sua mente, ele dá o comando para a mão se mexer, mas então o que se mexe é a pata:
- (... Isso...)
Ele mexe novamente a pata. Depois, sem parecer se importar, ele olha para sua outra “mão”, que ele está usando para se apoiar no chão, mas novamente vê uma pata, ele olha cuidadosa e atentamente todo o seu corpo, percebendo que todo o corpo dele agora mudou, se tornando partes de um animal, no caso, de uma raposa albina, afinal tem uma pelagem toda branca:
- (.......... Acho que eu tô vendo coisas).
Continua...
Embaixo da terra, em uma grande caverna com muitos caminhos ramificados, como um grande formigueiro, um pequeno ser se destaca em meio ao cenário de rochas e terra.
Uma pequena raposa, cujo os pelos da cauda até as orelhas são completamente brancos, se encontra em frente a um pequeno lago dentro da caverna, uma grande possa formada pela água que respinga.
A raposa fica ali, parada de forma estática olhando para o seu próprio reflexo. Em certo momento, ela começa a se mover lentamente, enquanto continua a encarar a si mesma na água, ela anda para um lado e depois para outro, para no fim, apenas se jogar no chão do nada:
- (Ok, vamos rever os fatos. Eu tive um sonho misterioso com uma mostro esquisito, sofri um acidente de carro e provavelmente morri, e agora estou no meio de uma caverna escura na forma de uma raposa... Eu ainda não consigo acreditar).
Após alguns segundos jogado no chão, a raposa se levanta, bebe um pouco de água e depois começa a andar calmamente a beira do lago:
- (Supondo que nada daquilo foi um sonho, eu posso supor que isso aqui tem relação com a tarefa que aquela coisa me deu, ao menos é a conclusão mais lógica nessa situação).
Nesse instante, a mente dele se preenche com lembranças da criatura estranha que ele conheceu:
- (Aquela coisa falou sobre a dor do acidente, ela sabia que aquilo ia acontecer, então foi ela que causou aquilo?... Eu não me lembro de ter entrado no carro, ela também disse que aquilo estava acontecendo dentro de mim, mas não na minha mente... Na alma? Talvez).
De repente, um som vindo ao fundo da caverna chama a atenção a raposa. Ele olha ao redor, mesmo no escuro, ele percebe que sua visão é muito boa, mas nem tanto. Ao focar um pouco, ele vê uma coisa se mexer em uma passagem na parede, um vulto.
Instintivamente, ele começa a correr em direção a uma outra passagem estreita na parede. Um som de algo se movendo vem do fundo da caverna, como se algo tivesse começado a correr também. A raposa acelera seu passo, enquanto o som logo atrás vai ficando cada vez mais intenso:
- (Mais rápido! Vamos!)
O som já está quase em cima dele, mas então ele salta e entra direto na passagem. Ele se vira e olha para trás, logo um focinho de um animal entra dentro da estreita passagem, rugindo mordendo para todos os lados tentando pegá-lo, mas ele apenas vai um pouco mais para trás para sair do alcance da fera:
- (Essa foi por pouco. Caramba, essa coisa enorme, ele só consegue colocar o focinho aqui... Agora eu vou ver se encontro uma saída que não seja essa aí) - ele diz em sua mente, se virando e andando para mais fundo na passagem.
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- (Parando pra pensar, essa passagem é bem estreita, mas eu consigo andar normalmente com uma raposa aqui, ou seja, eu sou uma raposa muito pequena...).
Esse pensamento faz com que ele se sinta instantaneamente desmotivado, ele decide descansar um pouco, afinal ele já estava caminhando a alguns minutos. Ele se encolhe e se deita, deixando apenas a sua mente trabalhar agora:
- (Por que eu estou aqui?... Claramente foi aquela coisa, mas não acho que foi ela que me matou. Baseado nos meus últimos segundos, sofremos um acidente de carro, mas eu não me lembro de entrar no carro. Talvez enquanto estava jogando com ela, o meu corpo deve ter se movido sozinho, ou ela deve ter o controlado, aí me fez assumir o corpo nos últimos segundos, mas isso foi de propósito, afinal o tempo não parecia passar quando eu estava com ela, então ela controlou isso também).
Os pensamentos do rapaz continuam a voar, até que ele ouve um som bem baixo a sua frente. Imediatamente ele se levanta e assume uma postura defensiva, ao menos é o que ele tenta, afinal esse corpo ainda é estranho para ele.
Com a sua visão aguçada, ele acaba vendo que são apenas insetos, formigas, besouros, baratas. Ele as encara com seriedade, enquanto elas vão até ele, mas então, em um ato completamente inesperado, ele se abaixa e come uma formiga.
Ele a mastiga sem ter nojo, parecendo não se importar com nada. Depois ele a engole e olha para os outros insetos:
- (Hum, é amargo, muito amargo, mas não é ruim, eu também sou uma raposa agora, acho que não vou ter problemas de saúde por isso).
A raposa se abaixa novamente e come mais uma:
- (Isso pode ser nojento, mas na minha situação atual, recusar comida tá fora de questão).
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Passados alguns minutos, ele já avia acabado com todos os insetos que tinha visto em sua frente, agora ele volta a se deitar enquanto usava suas garras para tentar tirar algumas pernas de barata do dente:
- (Curioso, o gosto é péssimo, mesmo assim eu comi com bastante gosto, em uma situação normal, acho que eu vomitaria. Talvez isso tenha a ver com esse corpo e como ele sente o sabor. Eu já percebi as diferenças, minha visão, audição, tudo tá diferente, melhor na verdade, embora que parece váriar um pouco, tem horas que melhora e outras que piora).
A pequena raposa se encolhe novamente, cobrindo seu corpo com sua calda:
- (Estamos no fundo da terra, mesmo assim eu não sinto frio, provavelmente é outro benefício desse corpo).
Ele para e começa a olhar para o nada em silêncio:
- (Eu fui reencarnado... Por isso aquela coisa disse que se eu recusasse o favor ia morrer, porque eu já tava morrendo no mundo real, essa outra vida é só um jeito de continuar vivo dentro dos limites do acordo).
- “Hum, é difícil dizer, podemos dizer que seus talentos e capacidades de agora serão irrelevantes para realizar a minha tarefa, exceto por aquele dentro do seu celebro, logo, sua inteligência, somado com mais alguns fatores” - outra das falas da criatura que vem à mente dele.
- (Todos os talentos não relacionados a minha mente não importam? Isso porque eu ia acabar perdendo todos ao trocar de corpo, agora faz sentido... Que droga, o pior é que eu nem tenho tempo pra pensar nesse tipo de coisa, tenho que começar a me mexer se quiser sobreviver).
Logo ele se levanta e volta a caminhar para mais fundo no túnel, seguindo sem parar dessa vez.
Em mais alguns minutos, ele consegue literalmente ver o fim do túnel. Ele segue em direção e depara com uma saída de túnel, embora ele ainda esteja dentro da caverna, mas o importante é que ele conseguiu sair:
- (Hum, e agora... Bom, essa é uma caverna, não sei ao certo se é uma abaixo da terra ou dentro de uma montanha, mas seguindo a lógica, o melhor jeito de sair é subindo).
(Sons vindos da caverna) - alguns barulhos como sons de asas, passos e goteiras podem ser ouvidos pela raposa:
- (Mesmo assim, eu sou só um filhotinho abandonado, como que eu vou sair andando por aí sem acabar sendo morto, isso se eu não morrer de fome ou desidratação antes) - a cada pensamento, ele começa a ficar ainda mais pessimista.
De repente, ele ouve um som perto dele. Novamente ele fica em uma posição armada, mas assim que a criatura chega mais perto, ele repara que é apenas um tipo rato. Ele encara o animal passando, movendo uma ideia perigosa em sua mente:
- (Bem, eu já comi barata, não é um rato que vai fazer eu voltar atrás agora. Estamos no fundo de uma caverna, então ele não deve ter nenhuma doença).
Ele pensa em sair do buraco enquanto continua a olhar para a criatura, mas de repente a vista dele fica esquisita, como se um brilho estivesse saindo do rato. Logo ele recua um pouco e esfrega seus olhos com as patas:
- (Os meus estão estranhos, parecia um borrado, ou eu tô imaginando coisas).
Agora ele olha para o rato de novo e mais uma vez ele vê uma luz na pequena criatura, mas não como se fosse um tipo de vaga lume, é como se fosse uma espécie de energia dentro do animal. Tal visão o deixa pasmo:
- (Que coisa é essa? São como veias, mas...de luz? É assim que as raposas veem o mundo, ou isso é algo que só eu tenho?... Não, foco, eu não posso me atrasar, tenho que matá-lo antes que...)
Em um instante, uma criatura surge das sombras e abocanha o rato, o matando instantaneamente. Essa visão deixa o rapaz parado com uma cara de taxo:
- (Dei mole...).
Ele fica ali parado vendo a cena, mas algo acaba chamando a atenção dele. O rato, que agora está morto e sendo comido pela criatura não tem mais aquele brilho de antes:
- (Assim que ele morreu, a luz dele sumiu, talvez esteja ligado com a vida dos seres. Já aquela coisa comendo-o, tem uma luz muito forte, não sei o porquê, mas chega a dar medo, mas que animal é esse?)
Com curiosidade, ele começa a focar sua visão na criatura devorando o rato, ele ainda não se acostumou bem com essa coisa de enxergar no escuro, por isso não consegue ver tão bem, mas assim que ele finalmente consegue ver, ele fica duas vezes mais pasmo do que antes:
- (Aquilo... é uma aranha gigante!... Ela é duas ou três vezes maior que eu... Mesmo que eu seja um filhote, não faz sentido uma coisa dessas!).
Ele assiste com atenção aquela aranha de talvez um metro e meio devorar de forma frenética o animal, até não restar nada, além do sangue do rato que respingou no chão. O jovem assistia isso com uma expressão de surpresa:
- (Mais que lugar é esse onde vim parar?)
(Som).
Um pequeno barulho de cascalho faz a aranha voltar sua atenção para os lados, fazendo com que o rapaz ficasse parado para não fazer barulho. A aranha parece olhar ao redor por tempo, mas em pouco tempo, ela volta a andar lentamente com suas oito patas enormes cobertas de sangue de rato.
A raposa assistia essa cena segurando até mesmo a respiração, mas assim que ele viu que a criatura tinha sumido, ele voltou a respirar normalmente:
- (Acho melhor eu procurar outra passagem, tinha algumas ramificações dentro do túnel, vou procurar uma que de em um lugar mais seguro).
Sem nem mesmo ter saído do túnel, ele se vira e volta a andar por dentro dele, seguindo a fundo novamente, mas dessa vez, ele não anda com calma, o rapaz anda de forma apressada, parecendo inquieto.
.
- (Fala sério! Fala sério! Aranhas daquele tamanho não existem! É simplesmente absurdo, não importa onde no mundo, é impossível um inseto daquele tamanho existir, a menos que estivéssemos na pré-história, mas isso também não faria sentindo, visto que eu sou uma raposa comum da atualidade).
Conforme os pensamentos passam pela mente dele, de certa forma, ele sente que está recuperando o controle da situação através de sua compreensão, mas isso ainda não muda o sentimento de incerteza que está o corroendo nesse momento:
- (Hum, eu estou em um lugar hostil, aparentemente sem nenhum tipo de intervenção humana. Posso supor que os animais daqui são naturais, o que me leva a crer... que eu não estou na terra, talvez seja outro planeta, ou dimensão. A coisa que me trouxe aqui parece ser um tipo deus capaz de controlar o destino da minha alma, então até que faz sentindo pensar nisso).
Após sua recente conclusão, ele se retira de sua própria mente, voltando seu foco para o mundo sombrio que agora o cerca. Pensamentos podem trazer a ele conforto, mas não a sobrevivência, essa é uma verdade difícil que ele finalmente está podendo perceber:
- (Não, chega disso, chega de ficar tentando entender as coisas, agora eu sou um animal, sobreviver é tudo, o resto não importa, o importante é sobreviver! Lutar para sobreviver... Lutar? E pensar que eu dia eu realmente chegaria a esse ponto) - ao proclamar um objetivo em sua mente com confiança, ele começa a correr.
Seguindo a lógica de que mais para cima deve ter uma saída, ele começa correr pelos túneis, fazendo o possível para passar por aqueles que o levam para o mais alto.
A corrida durou muito tempo, tempo o bastante para ele começar a sentir sede, reforçando ainda mais a urgência da sobrevivência em seu coração. Quanto mais sobe, mais parece não ter fim, mas ele, sendo a pessoa lógica que é, entende que voltar não é uma opção:
- (Mais um pouco, mais um pouco...) - ele repetia para si mesmo, enquanto ficava matando constantemente a incerteza dentro dele.
.
A corrida se seguiu por muito tempo, mas logo ele viu:
- (Uma luz!) - literalmente uma luz.
A toda velocidade, ele correu na direção da luz no fim do túnel, até que, já bem cansado de sua longa corrida, ele chega perto da beira da abertura, mas ao invés de já pular para fora, ele decide ser consciente, e se espreitar um pouco, para primeiro ver o que tem ali:
- (Estranho, essa luz é intensa, muito intensa, talvez seja o lado de fora).
Com cuidado, ele se espreita até a borda da passagem, assim ficando na beira para ver o que tem ali, mas a visão acabando roubando as palavras dele por alguns instantes. O que ele vê ainda é uma caverna, mas por toda a parte dela tem minérios semelhantes a cristais, todos de tamanhos variados e que brilham como lâmpadas intensas, iluminando todo o lugar.
A pequena raposa olha para essas padras que emitem as mais diferenciadas cores, um lugar belo e iluminado, gerando um contraste enorme com aquele inferno sombrio logo abaixo:
- (Eu definitivamente não estou na terra).
Continua...
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