Maria Eduarda tentava, mais uma vez, se concentrar nas planilhas que estavam espalhadas sobre a mesa de trabalho, mas a dor em seu estômago parecia crescer a cada minuto. Era uma dor constante, não muito forte, mas sempre presente, como uma pressão que não a deixava em paz. Ela olhou para o relógio na parede. Faltavam apenas quinze minutos para o horário de almoço, mas Maria sabia que, quando o dia passasse, a dor só iria piorar. A preocupação já começava a tomar conta de seus pensamentos, mas ela tentava se afastar dela. Afinal, Luna precisava de sua mãe forte e saudável. A pequenina ainda dependia dela para tudo, e Maria não podia se dar ao luxo de sucumbir.
Levou a mão até o estômago e respirou fundo, tentando se acalmar. Ela ainda não sabia o que estava acontecendo, mas aquela sensação não parecia normal. Algo dentro dela dizia que o que quer que fosse, não passaria de um desconforto passageiro. Ela tinha que pensar assim. Luna estava em casa, a babá tinha mandado uma foto da menina sorrindo, e isso era o suficiente para fazê-la seguir em frente.
Mas, quando tentou se levantar da cadeira, a tontura foi instantânea. Ela se apoiou sobre a mesa, segurando a borda com força. Seu coração acelerou, e seus olhos se estreitaram à medida que o mundo ao seu redor parecia girar. Maria sentiu um aperto no peito e pensou, de forma repentina e irracional: não posso morrer, Luna precisa de mim. A dor no estômago agora se transformava em algo muito mais insuportável, e ela não sabia mais se poderia continuar a ignorá-la.
"Maria, você está bem?" A voz de Carla, sua colega de trabalho, cortou os pensamentos de Maria. Ela olhou para cima e viu a expressão preocupada de sua amiga. Carla se aproximou rapidamente, colocando uma das mãos sobre o braço de Maria.
"Eu… acho que não", respondeu Maria com um fio de voz, sentindo a cabeça rodar ainda mais.
"Eu vou te levar ao médico agora", disse Carla, já pegando a bolsa de Maria e ajudando-a a se levantar. "Você não parece bem. Vamos."
Maria não teve forças para argumentar. Ela sentia que seu corpo não estava mais sob seu controle. Cada movimento parecia ser um esforço além do que ela poderia suportar. Carla a guiou até a recepção, onde um dos seguranças viu o estado de Maria e se ofereceu para chamar um táxi. Em poucos minutos, elas estavam a caminho de um pronto-socorro. Maria tentou se concentrar na sensação do vento frio que batia contra seu rosto pela janela do táxi, mas as palavras que se repetiam em sua mente eram sempre as mesmas: não posso morrer, Luna precisa de mim.
Ao chegar ao pronto-socorro, Maria foi imediatamente encaminhada para uma sala de exame. O médico, um homem de meia-idade com expressão séria, logo entrou. Ele se apresentou como Dr. Alberto e pediu para que ela explicasse o que estava sentindo.
Maria contou sobre a dor no estômago, que não passava, e sobre a tontura que a havia feito perder o equilíbrio. Ela tentou esconder a ansiedade que estava começando a crescer dentro de si. O médico, então, fez algumas perguntas, examinou-a rapidamente e pediu para que ela fizesse alguns exames de sangue e uma tomografia abdominal. Durante a espera pelos resultados, Maria sentiu-se exausta. A dor ainda estava lá, mas agora acompanhada de uma sensação de angústia. O que estava acontecendo com ela?
Quando o médico retornou com os resultados, o semblante de Dr. Alberto estava ainda mais sério.
"Maria Eduarda", ele disse com uma voz grave, "os exames mostraram que você tem um tumor no pâncreas. Ele está em estágio avançado, e precisamos conversar sobre o tratamento."
Aquelas palavras caíram sobre Maria como uma sentença de morte. Tumor? Pâncreas? Ela não conseguia entender direito o que estava acontecendo. Ela balançou a cabeça, tentando negar o que estava ouvindo. O mundo ao seu redor parecia ter desacelerado, e ela se sentia como se estivesse ouvindo tudo de uma outra realidade, distante.
"Eu… estou com câncer?" Perguntou, com a voz tremendo.
Dr. Alberto fez uma pausa antes de responder, e seu olhar se suavizou, como se estivesse tocado pela gravidade da situação. "Infelizmente, sim, Maria. É um câncer terminal, e a expectativa de vida é muito curta. Precisamos iniciar o tratamento imediatamente para tentar aliviar a dor e prolongar o tempo que você tem."
Maria sentiu o estômago virar. A dor já não parecia tão importante. Agora, a única coisa que ela conseguia pensar era em Luna. Sua pequena. A imagem de sua filha, com apenas quatro meses, tão frágil e dependente dela, tomou conta de sua mente. Ela não teria tempo para vê-la crescer. Ela não teria tempo para protegê-la, para ensiná-la a andar, a falar, a enfrentar os desafios da vida.
A angústia tomou conta do seu peito, e Maria sentiu as lágrimas invadirem seus olhos. "Eu… eu não posso… não posso morrer agora, doutor. Eu tenho minha filha. Ela precisa de mim. Eu não posso…" Sua voz quebrou, e ela não conseguiu terminar a frase.
Dr. Alberto a olhou com um misto de compaixão e tristeza. "Eu entendo, Maria. Eu sei que isso é um choque. Mas, o que precisamos agora é começar o tratamento paliativo. Vou encaminhá-la para um centro oncológico especializado, onde poderão avaliar a melhor maneira de lidar com a sua condição. Não há muito o que fazer em termos de cura, mas podemos tentar minimizar a dor e dar a você mais algum tempo."
Maria apenas assentiu, sentindo-se paralisada. O médico fez os encaminhamentos necessários e, antes de sair, colocou a mão sobre seu ombro de forma reconfortante.
"Eu sei que isso é muito difícil, mas saiba que você não está sozinha. Vamos ajudá-la a enfrentar o que vem pela frente."
Ela queria acreditar, mas, naquele momento, o único pensamento que ela conseguia ter era que o tempo lhe escapava, e ela mal podia imaginar como seria a vida de Luna sem ela.
Maria Eduarda mal conseguia levantar os pés do chão enquanto atravessava o corredor do seu apartamento. As palavras do médico ainda ecoavam em sua mente, fazendo seu corpo fraquejar a cada passo. Câncer terminal. Ela tentava se convencer de que não era real, de que aquilo era apenas um pesadelo do qual logo acordaria, mas a dor no peito e a sensação de perda iminente não eram sonhos. Quando entrou na porta de casa, o silêncio de sua moradia foi como um golpe. Não havia o barulho da televisão, nem a risada de Luna. A casa estava tranquila, mas para Maria, parecia um cenário congelado no tempo.
Ela encontrou Luna em seu quarto, deitada em seu berço, com a babá, Cleide, ajeitando as cobertas. Quando Luna viu sua mãe, abriu os olhos grandes e sorriu, o sorriso inocente de uma criança que ainda não entendia a fragilidade da vida. Maria Eduarda se aproximou devagar, as pernas tremendo, e, ao alcançar o berço, estendeu os braços e pegou a filha no colo. Luna, com seus 4 meses, parecia tão frágil e tão dependente dela, como se sua existência fosse feita de pequenas necessidades, de um amor que Maria sentia que, naquele momento, não poderia dar-lhe por muito mais tempo.
"Minha filhinha...", murmurou Maria, quase em um sussurro. Ela fechou os olhos e, antes que pudesse perceber, as lágrimas começaram a cair. Era uma dor intensa, uma dor que não podia ser expressa apenas em palavras. A mãe que sempre pensou que protegeria a filha do mundo, agora sabia que não teria tempo para fazer isso. Não teria tempo para ser a mãe que Luna precisava.
Ela se ajoelhou com Luna nos braços e a abraçou com força, como se quisesse fazer o amor que sentia por ela se transformar em algo tangível, algo que resistisse ao tempo. A filha estava tranquila, inocente, enquanto a mãe desabava em lágrimas silenciosas. Ela se afundava na dor daquilo que não podia mudar, e, por mais que tentasse, não conseguia ver uma saída. Luna não entenderia o que estava acontecendo, mas Maria sabia que, de alguma forma, teria que se despedir. Ela teria que aprender a deixá-la ir para o mundo, sozinha.
Cleide, com a preocupação estampada no rosto, se aproximou e colocou uma mão suave sobre o ombro de Maria, mas a ela não reagiu. Ela não conseguia mais fingir que tudo estava bem. Seu mundo, de alguma forma, havia se despedaçado.
No dia seguinte, Maria estava se arrumando, ainda com os olhos vermelhos, quando lembrou da orientação do médico: o centro oncológico. Ela precisava ir. Precisava entender o que estava por vir, o que poderia fazer para, ao menos, dar a Luna o máximo de sua presença antes que o tempo a separasse dela.
A sensação de caminhar pelas ruas de Nova York, como se tudo fosse normal, contrastava com o turbilhão de emoções dentro de Maria. A cada passo, o peso do diagnóstico parecia crescer mais e mais. O que farei agora? Quem vai contar a Luna sobre mim se eu morrer ? As perguntas a atormentavam, e ela não tinha respostas.
Ao chegar ao centro oncológico, ela foi recebida por uma recepcionista atenciosa, que a encaminhou para uma sala de espera. O ambiente estava cheio de pessoas com rostos marcados pela dor, como se cada um carregasse seu próprio fardo invisível. Maria se sentou, observando os outros pacientes, tentando esconder sua aflição. A sala de espera parecia um reflexo de sua própria vida agora: um lugar entre o desconhecido e o medo.
O tempo pareceu se arrastar até que o nome "Maria Eduarda" foi chamado. Ela se levantou, com o coração batendo forte no peito, e foi conduzida até uma sala onde um homem jovem, com uma expressão calma, aguardava por ela. O Dr. Lucas, médico oncológico, era alto, com cabelos castanhos e olhos que, embora sérios, transmitiam uma sensação de confiança. Ele estendeu a mão para cumprimentá-la, e Maria, ainda um pouco atordoada, apertou-a com um gesto mecânico.
"Maria Eduarda, eu sou o Dr. Lucas. Eu estive analisando os seus exames e, como discutido com o Dr. Alberto, precisamos conversar sobre o tratamento", ele disse, com uma voz suave, mas direta.
Maria respirou fundo, tentando se concentrar, mas sua mente estava um turbilhão. "Eu… eu não sei como vou lidar com isso, doutor", ela começou, com a voz embargada. "Eu tenho uma filha pequena. Ela precisa de mim. Não posso… não posso simplesmente começar um tratamento e… e não ver ela crescer."
Dr. Lucas a olhou por um momento, notando a dor em seus olhos, e, em seguida, falou com calma: "Maria, entendo sua preocupação. A primeira coisa que quero que você saiba é que você não está sozinha nesse processo. Vamos fazer tudo o que for possível para garantir que você tenha qualidade de vida durante o tratamento."
Ela olhou para ele, desconfiada, como se fosse difícil acreditar que existia uma forma de alívio, dado o diagnóstico que lhe fora dado. "E… quanto tempo eu tenho?" Ela hesitou, antes de perguntar. "Eu… eu não posso morrer agora. Tenho que ver minha filha crescer."
O Dr. Lucas balançou a cabeça, com um olhar compreensivo. "Nós não podemos prever com exatidão o tempo que você tem, mas o que podemos fazer é cuidar de você, controlar os sintomas e tentar, com todos os recursos que temos, prolongar sua vida da melhor forma possível. Eu sei que isso não responde todas as suas perguntas, mas a verdade é que, por agora, precisamos iniciar o tratamento paliativo. Ele vai ajudar a aliviar as dores e, com sorte, permitirá que você tenha mais tempo."
Maria olhou para ele, com os olhos lacrimejando. "Eu não estou pronta para começar isso agora. Preciso de um tempo, doutor. Preciso passar mais um pouco de tempo com minha filha. Ela ainda é muito pequena."
Dr. Lucas a olhou com um olhar firme, mas gentil. "Eu entendo perfeitamente, Maria. O tempo é precioso, e eu não vou apressá-la. O que vamos fazer é refazer alguns exames para termos certeza do diagnóstico e da melhor forma de tratar você. Quando estiver pronta, vamos iniciar o tratamento. Não precisa tomar decisões precipitadas agora."
Ela respirou aliviada, como se, ao menos por um momento, tivesse encontrado uma margem de esperança. Maria sabia que, apesar da gravidade da situação, ainda havia tempo para fazer o que mais amava: estar com Luna.
"Obrigada", ela disse, com a voz mais calma. "Eu só… eu só preciso de mais tempo."
"Você terá o tempo que precisar", respondeu Dr. Lucas, com um sorriso tranquilo, antes de a acompanhar até a saída.
O escritório de Dr. Lucas era pequeno, mas organizado. Na parede, um quadro com fotos de seus pacientes sorrindo o lembrava do porquê de ter escolhido a profissão. A luz do sol entrava suavemente pela janela, iluminando os livros e papéis sobre sua mesa. Ele estava sentado em sua cadeira, revisando os exames de Maria Eduarda. Seu olhar sério contrastava com o calor humano que transmitia ao falar com os pacientes.
Lucas Nogueira tinha 35 anos. Ele sempre acreditou que, de alguma forma, sua missão era estar ali, no centro oncológico, lutando contra o que muitos chamavam de "inimigo invisível". Não era apenas um trabalho para ele; era um propósito de vida. E esse propósito tinha nome: Carolina.
Ele passou os dedos pelos cabelos enquanto lembrava da noiva, como fazia em momentos de reflexão. Carolina era tudo para ele: sua parceira, sua melhor amiga e a razão pela qual ele havia escolhido a oncologia. Eles estavam noivos quando ela recebeu o diagnóstico de câncer no ovário. A notícia foi como um terremoto que abalou o mundo perfeito que eles haviam planejado juntos. Lucas acompanhou cada passo da luta dela: as sessões de quimioterapia, as cirurgias, as esperanças renovadas e depois destruídas. Carolina lutou como uma guerreira, mas perdeu a batalha dois anos depois.
"Foi naquele momento que decidi que faria tudo o que pudesse para suavizar a dor de outros que enfrentassem isso", ele murmurou para si mesmo, enquanto olhava para a ficha de Maria Eduarda. "Carolina não teve escolha, mas talvez eu possa dar escolhas para outros."
Depois da morte de Carolina, Lucas nunca mais teve um relacionamento sério. Não era apenas o medo de perder outra pessoa para o câncer – embora esse temor o consumisse –, mas também o desejo de dedicar todo o seu tempo e energia para cuidar dos doentes. Ele acreditava que o câncer era uma guerra, mas não como as pessoas imaginavam. "É uma batalha que a pessoa trava contra si mesma", ele costumava dizer. "O corpo se volta contra você, e muitas vezes a luta termina em derrota. Meu papel é suavizar essa guerra, dar aos meus pacientes a chance de lutar, e, quem sabe, vencer."
Enquanto analisava os exames de Maria Eduarda, Lucas sentia um peso no peito. Ela era tão jovem, apenas 22 anos, com uma vida inteira pela frente. O que tornava tudo ainda mais doloroso era saber que ela tinha uma filha pequena. Uma criança de 4 meses que, se o diagnóstico estivesse correto, poderia perder a mãe antes mesmo de dizer suas primeiras palavras.
Ele se inclinou na cadeira, refletindo. Câncer terminal. A palavra "terminal" nunca vinha sozinha; carregava consigo uma sentença, uma ideia de fim. Para alguns, significava meses ou anos. Para outros, semanas. Era cruel, injusto, e Lucas sabia que cada paciente reagia de forma única.
“Eu preciso ter certeza,” ele sussurrou, pensando em Maria. “Não posso simplesmente aceitar isso sem revisar. Não é comum errar um diagnóstico, mas acontece. E se há uma chance, mesmo que mínima, de que ela possa ver a filha crescer, eu preciso dar isso a ela. Nem que seja só esperança.”
Ele lembrou de Carolina. Quando o oncologista dela deu o diagnóstico, não houve esperança. A sentença foi clara, e não havia nada que pudesse ser feito. Lucas sentiu que o chão havia se aberto sob seus pés naquele dia. "Eu nunca vou esquecer o olhar dela", pensou. "Ela precisava de um fio de esperança, algo que a fizesse acreditar que não era o fim, mas nem isso ela teve."
Foi por isso que ele decidiu, desde o início de sua carreira, que nunca deixaria um paciente sair de seu consultório sem algum tipo de esperança. Mesmo quando a situação era desesperadora, Lucas acreditava que as pessoas mereciam uma razão para continuar, por mais pequena que fosse.
Maria Eduarda era esse caso. Jovem, uma filha pequena, um futuro que poderia ser destruído antes mesmo de começar. Ele sabia que precisaria abordar tudo com muito cuidado. Na próxima consulta, ele explicaria tudo novamente: a gravidade da situação, as possibilidades do tratamento e a necessidade de refazer os exames. Não porque ele duvidasse da equipe que havia feito o diagnóstico inicial – eles eram bons, assertivos –, mas porque ele precisava ter certeza.
“Se for verdade, que seja confirmado”, pensou ele. “Mas se houver qualquer chance de erro, quero ser o primeiro a dar a ela uma notícia diferente.”
Lucas respirou fundo, tentando afastar o peso emocional que sempre carregava ao lidar com casos assim. Ele sabia que, para Maria Eduarda, essa era uma batalha que ela nunca escolheu lutar. Como todas as outras mães que conhecera, ela provavelmente estava mais preocupada com o bem-estar da filha do que com a própria vida.
“Ela precisa de tempo”, ele disse para si mesmo, levantando-se da cadeira. “E se eu puder dar a ela um pouco mais, nem que seja para segurar a filha por mais alguns meses ou anos, farei tudo o que estiver ao meu alcance.”
Quando Maria Eduarda retornasse ao consultório, ele a ouviria, explicaria tudo com cuidado novamente e deixaria claro que ele estava ao lado dela. Porque, no fundo, ele sabia que esperança, por menor que fosse, podia mudar tudo. E talvez, dessa vez, ele pudesse oferecer a alguém o que não conseguiu oferecer a Carolina: a chance de acreditar no amanhã.
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