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Reencarnada: Domando Um Cavaleiro

O Cavaleiro Amaldiçoado

Cabelos longos e negros como a noite. Olhos castanhos-mel, brilhando em fúria em um rosto belo. Essa era a visão diante de Elena. Um homem tão lindo, acorrentado e ajoelhado no meio do salão, à mercê de seus caprichos. Aguardando com impaciência sua reação diante da visão inusitada, que mais parecia sair de um conto de fadas.

Ou seria um conto de horror?

— Esse homem será seu cavaleiro a partir de hoje, Elena. Eduque ele bem.

A voz de Magnus, pai da garota, ecoou como um trovão pelo grande salão. Ela piscou algumas vezes, aterrorizada com as palavras dele. Não pode ser! Isso não está acontecendo!

Ela não queria acreditar no que estava diante dela. Aquela cena, ela a conhecia bem. Era o início de seu livro favorito. O momento onde o vilão trouxera a ruína de sua família para dentro da própria mansão em forma de cavaleiro. Um homem tão belo quanto letal.

Elena, na verdade, não era Elena. Seu verdadeiro nome era Isadora, uma brasileira que morreu atropelada enquanto retornava para casa. Não tinha família, tão pouco amigos. Sua única ambição era ter estabilidade financeira, enquanto seu passatempo favorito era ler.

Foi assim que conheceu o livro “A Vingança do Cavaleiro Amaldiçoado”. Uma história aparentemente boba sobre um homem que se infiltra no covil inimigo para os destruir por dentro. Todos eles.

E Elena, a mulher que Isadora era agora, era a filha do vilão principal, Magnus Ilhéus, um duque influente no reino de Farnóia. Uma vilã de baixo nível, destinada a ter sua cabeça cortada pela espada de Alec, o protagonista, assim que ele conseguisse recuperar a relíquia de sua família e quebrar a maldição que o atormentava, conquistando assim parte de sua tão esperada vingança.

Felizmente ou não, ela possuía as memórias da verdadeira Elena. Desde seus trejeitos aos seus traumas; tudo era de seu conhecimento, o que a fazia temer ainda mais Magnus e sua infeliz situação. Isso tudo só podia ser sacanagem do destino. Por que, de tantos personagens, tinha que reencarnar como a filha do vilão? Uma mulher tão vil quanto o próprio pai?

Talvez tivesse feito mais ruindades do que pensava em sua vida anterior. Embora não se lembrasse de nada que exigisse um castigo tão grande, não sabia se poderia ser chamada de santa. Quantas vezes amaldiçoou várias pessoas aleatórias só por elas terem uma vida melhor do que a dela?

Talvez por isso estava ali. Ah, se pudesse voltar no tempo e se impedir de pensar assim… Mas já não tinha como chorar o leite derramado. Só podia seguir em frente como Elena, e pensar numa forma de sobreviver. A qualquer custo.

— Não dirá nada? — Magnus perguntou à filha, as sobrancelhas franzidas em sinal de impaciência.

— Vou aceitar — ela apressou-se em dizer.

Elena mordeu o interior da bochecha. Seus olhos percorreram os grandes quadros de Magnus espalhados pelo salão vazio, até pararem na figura imponente de seu pai, com os braços para trás e olhar sombrio.

Mesmo que quisesse dizer não a ele, ela não podia. Se o fizesse, seria castigada por Magnus por demonstrar fraqueza ao não aceitar Alec como seu mais novo brinquedo. Porque, para ele, era isso que Alec era: nada mais que um brinquedo descartável e irrelevante.

— Ótimo. — Magnus aproximou de Alec e o puxou para cima através das correntes que prendiam seus braços. No pescoço do cavaleiro reluziu uma marca de posse que fez o estômago de Elena revirar. — Leve ele para seu quarto. Eu já o adestrei o suficiente para ele não tentar te morder, mas você precisa dar os últimos retoques. Faça-o bem.

— Como quiser, pai.

Elena fez uma mesura e um sinal para Alec a seguir. Com uma expressão impassível, ele a obedeceu. Os dois cruzaram vários corredores e lances de escadas, repletos de quadros dos antigos duques e duquesas — apesar da mãe de Elena não estar retratada em nenhum deles.

Depois do que pareceu ser uma eternidade, Elena parou diante de uma grande porta de mogno, a entrada de um luxuoso aposento. Esse era o quarto dela.

— Saiba que eu estou disposto a me curvar a você — avisou Alec, assim que as portas duplas foram fechadas atrás deles.

Elena o observou. Os cabelos negros estavam caídos sobre o rosto, enquanto o olhar permanecia afiado. A fúria contida naquelas íris castanhas pareciam querer engoli-la, e não de um jeito bom.

Era meio óbvio que ele estava mentindo. Como a verdadeira Elena, na história, não percebeu isso? Acreditar nele, enquanto tudo gritava o contrário, era tolice. Talvez a vilã fosse mais inocente do que parecia. Ou ela estava vendo coisas demais. Não podia crer na segunda opção.

— Você será meu cavaleiro pessoal. É o mínimo — retrucou ela, aproximando-se dele para tocar as algemas. Elas caíram no chão em um baque surdo assim que seus dedos delicados encostaram no metal gelado.

A cabeça dele pendeu para o lado.

— O mínimo… Não sei se é realmente isso.

— Acha que é muito? — Ela sorriu, tentando ser simpática. Precisava, em um primeiro momento, demonstrar não ser uma ameaça a ele. E sabia que Alec estava tentando fazer o mesmo.

— Como um mero cavaleiro pensaria isso? — replicou. Com uma das mãos, apontou para o pescoço. — Eu devo servir e proteger meu senhor. É por isso que carrego essa marca, não é?

Elena observou a marca em formato de espinhos no pescoço de Alec. Parecia uma tatuagem comum feita por uma pessoa aleatória de seu mundo, mas ela sabia que não era tão simples assim. Aquela marca era feita de magia, uma magia que tornava os cavaleiros a serviço de Magnus peões e marionetes descartáveis. Nada além disso.

— E pensar que você aceitou tal juramento — murmurou ela, tão baixo que ele sequer ouviu. Alec ergueu uma sobrancelha, e se aproximou dela tão rápido que a assustou.

— Algum problema?

— Hum? Não, nenhum. — Ela desviou os olhos. Incapaz de permanecer quieta, começou andar ao redor dele. — Você é só bonito demais. Isso deveria ser crime.

— Não acha que deveria dizer o mesmo para você?

Ela parou e pensou por alguns instantes, seus olhos indo de encontro com o espelho na penteadeira mais próxima. Ali viu como Elena era bonita. Uma mulher de cabelos loiros acinzentados e olhos azuis-claros, quase brancos. Sua pele era alva; o corpo, delicado. O retrato de uma nobre perfeita, com certeza.

— Beleza não deveria ser relativa?

Alec ergueu uma sobrancelha.

— Deveria?

Os dois se encaram por alguns instantes. O rosto dele estava impassível, a fazendo se perguntar o quanto aquele diálogo influenciara na impressão dele sobre ela. Como não via mais tanta hostilidade, a princípio, talvez tenha sido de forma positiva? Não custava acreditar.

— Que tal mudar de assunto? — sugeriu ela, desviando os olhos.

Uma lembrança aleatória sobre o livro voltou à sua mente. Algo sobre o que a verdadeira Elena fizera para tentar adestrar Alec na obra original. Era algo que ela não poderia fazer se quisesse sobreviver. Estava fora de cogitação.

Elena voltou a andar, e ele a seguiu com os olhos.

— O que quer conversar?

— Vamos falar sobre limites. Até onde você está disposto a ir? — sugeriu, pensando qual era a maneira mais efetiva para sobreviver.

Parecia haver apenas uma forma de evitar a morte certa nas mãos de Alec. Um jeito que envolvia conquistar o coração dele, mudando seu papel na história: de vilã para protagonista feminina.

Se isso era possível, no entanto, ela desconhecia. Na obra original, não havia um par romântico; a história não era sobre isso. Era uma narrativa de vingança, onde tudo terminava com a destruição do ducado de Ilhéus. Nada mais que isso.

Por que raios meu livro favorito não foi um romance fofinho e bobo?, se questionou,  sentindo um gosto amargo ao perceber que suas escolhas de leitura a tinham levado para aquela situação difícil.

— Até onde estou disposto a ir? — Alec franziu a testa. — Não é meio óbvio que irei até onde você me ordenar?

Ela o olhou, indignada. Deu um passo para mais perto de Alec, deslizando o pé suavemente, quase sem fazer barulho. Seu andar parecia uma dança, a postura ereta e os movimentos suaves; elegante e cheia de um magnético difícil de se ignorar.

— Você seria meu amante? Dormiria comigo contra sua vontade? Ou pior, morreria se eu mandasse?

A primeira e a segunda coisa era o que a verdadeira Elena tinha ordenado a ele quando se viram pela primeira vez. Que ele a servisse como sua “vadia particular”. Ela não queria pensar nos traumas que isso causara nele. O quanto isso o mudara para sempre.

Surpresa brilhou nos olhos de Alec por alguns segundos. Mas logo uma expressão desinteressada apoderou de seu rosto, fazendo sua voz soar indiferente quando respondeu:

— É óbvio que sim. E, mesmo que não quisesse, a marca me obrigaria. É um fato.

Elena se aproximou mais dele, a indignação pairando cada vez mais forte em seu belo rosto.

— E isso não o irrita?

Alec umedeceu os lábios, os olhos castanhos fixos no rosto dela.

— Por que deveria?

— Você não tem um pingo de autopreservação — constatou, indignada. 

As coisas seriam mais difíceis assim.

Enquanto ele estivesse disposto a tudo, mais difícil seria obter o coração dele. Uma vez que suas atitudes seriam apenas meras ilusões para esconder seus verdadeiros objetivos e só.

Alec balançou a cabeça, um suspiro baixo deixou seus lábios junto do movimento.

— Sou uma ferramenta nas mãos do meu senhor. Autopreservação não existe para mim, e nem irá.

— Com esse tipo de pensamento, você não poderá ser meu cavaleiro — avisou, frustrada.

— Você está brincando, não é?

Ela sorriu, percebendo certa descrença na voz dele.

— Não, não estou.

Finalmente, a expressão impassível dele vacilou, uma vez que era primordial para seu plano continuar como cavaleiro pessoal de Elena. Era a única forma dele conseguir a relíquia de sua família de volta, que estava em posse da garota, em um lugar que só ela sabia.

— Isso é loucura.

— Você ainda não viu nada. — Os olhos dela brilharam. — Fique ciente disso, senhor cavaleiro sem autopreservação.

Uma Promessa Inesperada

Elena Ilhéus era louca.

Foi esse o pensamento que passou pela mente de Alec assim que aquelas palavras saíram dos delicados lábios dela.

Como uma dama tão bonita tinha a capacidade de dizer tais absurdos?

Ele sacudiu a cabeça. Não deveria pensar em como ela era linda, ou como seus olhos estavam insistindo em seguir cada passo dado por ela desde que a vira pela primeira vez.

Na real, ele deveria se manter mais preocupado na ameaça descarada dela. Se ela o descartasse, tudo o que ele fizera teria sido em vão. Todos os dias dedicados a se infiltrar no ducado, enquanto fazia o possível para não manchar seu rosto com nenhuma cicatriz que pudesse tirar a chance de ser escolhido como cavaleiro da senhorita do ducado de Ilhéus.

Tinha que ser forte, belo, indomável. Tudo para se tornar o brinquedo perfeito, o mais difícil de quebrar. Como seu falecido irmão fora, antes de cair em desespero e levar toda a família junto.

Ele fechou os olhos com força. Além disso tudo, sabe-se lá o que Magnus faria com ele ao perceber que não cumprira seu objetivo de entreter. Talvez um destino bem pior o aguardaria. Ou seu fim viesse antes de sua vingança ter início, e isso ele não poderia deixar acontecer.

Frustrado, Alec cerrou os punhos.

— O que você quer de mim, afinal?

Ao ouvi-lo, Elena abriu um sorriso radiante, pois era óbvio que ela vencera. Isso só o deixou irritado, porém ele não demonstrou.

— Preciso de um limite. Qualquer coisa bastará.

Um riso nervoso escapou dos lábios dele.

Um limite? Sério? Que senhor pede para seu servo — para não dizer escravo ou brinquedo — determinar um limite na relação deles? Isso era totalmente estranho na perspectiva daqueles que conheciam os infames Ilhéus. Que maneira mais esquisita de “domar” seus cavaleiros. Isso só demonstrava fraqueza, um lado que ninguém deveria nunca ver — e isso estava incluso até às pessoas mais próximas.

E ele não era próximo dela. Tinham se visto e estávamos conversando pela primeira vez hoje. Então, exceto se ela quisesse a todo custo conquistar a confiança dele para depois traí-lo, não tinha o porquê expor isso.

Não tinha. Seria esse o plano dela?

Alec encarou a jovem à sua frente. Os olhos azuis claríssimos pareciam brilhar em expectativa. Suas mãos se esfregavam uma na outra, enquanto os lábios permaneciam mordidos. Tinha um ar estranho à sua volta, quase como se o que ele dissesse fosse decidir seu futuro. Se ela viveria ou morreria. Talvez os dois.

Não era possível. Ela era transparente demais. Se conquistar a confiança dele para depois traí-lo era seu objetivo, ela estava falhando miseravelmente. Não tinha como enganá-lo quando se era tão transparente quanto um rio de águas cristalinas.

E, exceto se essa era a intenção desde o início, não tinha o porquê ir contra o desejo dela de impor um limite. Só ele se beneficiava disso, e não tinha motivo para perder tudo que conquistara até ali por desconfiança — por mais justificada que essa fosse.

— Isso sequer faz sentido, mas vou aceitar — disse, por fim, dando um passo para ficar mais próxima dela.

Elena piscou. Depressa, colocou as mãos para trás e ergueu o queixo, o encarando. Alec quis rir de tal demonstração simbólica de coragem, mas não o fez. Demonstrar qualquer sentimento além de indiferença, poderia pôr em risco seu plano — como acontecera instantes antes. Ele não podia permitir que isso acontecesse outra vez.

— Então o que será?

— A senhorita não deve, nunca, tocar em mim — jogou, numa tentativa de avaliar até onde ela iria com esse joguinho tolo. — Que tal isso? 

Elena levou uma mão até o queixo, parecendo considerar por alguns instantes. Alec conhecia muito bem os boatos sobre o que acontecia com os cavaleiros pessoais dela. Muitos serviam em sua cama, enquanto outros eram vestidos e tocados ao seu bel-prazer, como bonecas, até quebrarem.

Não tinha como alguém assim aceitar não tocar nele. Era uma das suas poucas certezas, e isso demonstraria o quão honesto aquele teatrinho estava sendo até ali.

— Justo — concordou, para a surpresa dele. — Se é o que quer, não vou pôr um dedo em você. Jamais.

Alec a encarou. O rosto de Elena estava relaxado, liberto de qualquer receio ou medo. Era como se ela tivesse conquistado o que queria. O quê, ele não soube dizer.

— Quero muito ver até quando você vai continuar com isso — sussurrou para si. Baixo o suficiente para ela não ouvir.

Elena, alheia, deu um passo para ficar mais próxima dele. Inclinou o corpo, o sorriso e o olhar ficando mais suave a cada movimento. Alec a observou com cautela. Ela era, ao menos, um palmo mais baixa que ele. Naquela posição, porém, parecia ainda mais pequena.

— Estou ansiosa para trabalhar com você a partir de hoje, senhor cavaleiro sem autopreservação.

— Alec. — Ele escondeu um sorriso. — Me chame de Alec, senhorita Elena Ilhéus.

A Primeira Jogada

O sol já surgia no horizonte quando a criada pessoal de Elena, Merilda, entrou no quarto da garota e abriu as grossas cortinas de veludo que cobriam as amplas janelas.

Elena esfregou os olhos, ainda sonolenta, tentando se acostumar com a luz vinda do lado de fora e da vela presa no castiçal trazido pela criada. Pouco a pouco móveis de mogno e carvalho ficavam mais nítidos, como um grande armário no canto esquerdo — perto da porta —, e uma penteadeira próxima à cama de dossel.

O ambiente era amplo. O chão era feito de madeira polida, coberto por tapetes luxuosos vindos dos mais vários reinos vizinhos à Farnóia. Um lustre de cristal pendia do teto, talhado com detalhes em ouro — tal qual a colcha bordada à mão revirada  sobre a cama e as cortinas nas janelas.

Elena sentou-se na beirada da cama, os pés descalços tocaram o tecido macio de um dos tapetes, fazendo ela arfar baixinho. Logo seus olhos vagaram para mesa de cabeceira, onde alguns livros permaneciam intocados há bastante tempo. Perto dela, Merilda segurava uma tigela de prata com pequenos bordados feitos a ouro e cheia de água límpida, exalando um frescor de rosas tão doce quanto enjoativo.

— Pensei ter pedido para trocarem a fragrância de rosas por algo mais suave — disse ela, a quiçá de um cumprimento.

Merilda estalou a língua, como quem ouve asneiras irrelevantes.

— Vossa Graça, o duque, ordenou que continuasse assim.

— Ah, claro, ele ordenou — murmurou, tentando conter a frustração crescente em seu peito.

Elena encarou Merilda, observando a mulher de não mais que vinte e cinco anos por um longo instante. Os cabelos negros dela estavam amarrados em um coque, enquanto os olhos verdes eram frios.

Merilda, apesar de ter o título de criada pessoal de Elena, era nada mais que uma fiel serva de Magnus. Estava ali apenas para servir a ele e manter a jovem na linha, vigiá-la e reportar cada passo dado por ela ao duque se assim fosse necessário.

Ela é, na verdade, uma espiã. Minha carcereira particular.

Um gosto amargo apoderou da boca de Elena. Ela tentou evitar uma careta, ao notar que Merilda se aproximava dela para colocar a tigela com água em seu colo.

Como esperado, a prata estava gelada, tal qual a água dentro dela.

— Limpe o rosto e se prepare para tomar um banho — ordenou a criada, contorcendo o nariz em desgosto. — O cheiro da senhorita está nauseante.

Elena ignorou o comentário, sorrindo de maneira inocente.

— Devo descer para tomar café com meu pai?

— Não. — Balançou a cabeça, retornando a sua expressão inexpressiva. — Hoje ele se encontrará a manhã toda no escritório. Não quer ser incomodado.

Elena franziu a testa, confusa. Por que todo esse cuidado em tê-la cheirosa se não fosse para se mostrar para os criados na frente do duque?

— Então há um evento especial?

— Para a manhã, não. Mas Sir Oscar virá hoje. Há boatos que ele deseja sua mão.

Então era isso. Mais uma tentativa falha de vendê-la para alguém de fora do ducado. Ou pensaria assim, se ela não soubesse que esse era, na verdade, um capítulo icônico do livro “A Vingança do Cavaleiro Amaldiçoado”.

Os lábios de Elena tremeram. Se não falhava sua memória, Alec daria um passo irreversível rumo à sua vingança, tornando  Sir Oscar e aqueles que ele servia em inimigos jurados de todo ducado de Ilhéus. Para sempre.

Ela não podia deixar isso acontecer. Tinha que impedir ele, para seu próprio bem. Mas como fazer isso? Como mudar algo já escrito na história daquele mundo? Ela não sabia, porém, tinha pouco tempo para pensar. Um relógio fazia “tic-tac” em sua cabeça, contando cada segundo até o momento da desgraça iminente.

Ah, como seria mais fácil se tivesse só um pouquinho mais de tempo…

— Não há como adiar esse encontro? — perguntou ela, esperançosa.

Merilda levou uma mão até a boca, quase como se segurasse o riso. Essa cena fez a garota se arrepender de perguntar.

— Nem se você estivesse à beira da morte.

Como esperado, a resposta era digna do tratamento feito a vergonha dos Ilhéus — como todos no ducado chamavam Elena. No fim, restava a ela apenas pensar em um plano absurdo e eficaz, por mais difícil que fosse.

— Que horas irei me encontrar com Sir Oscar?

— Durante o chá da tarde, no jardim.

Elena apertou os lábios. Tinha menos que a metade de um dia para se preparar.

— Tem mais alguma coisa que preciso saber?

— Não há nada.

Soltando um longo e pesado suspiro, Elena levou as mãos até a tigela de água. Merilda a observou calada, talvez um pouco curiosa, enquanto a garota lavava o rosto. O que se passava na cabeça da criada, porém, era um grande mistério.

***

Após um longo e revigorante banho, Elena andava a passos lentos pelos corredores acompanhada de Merilda e Alec. O cavaleiro, para a surpresa da garota, aguardava por ela fora do quarto, quase como uma estátua. Ela não sabia se ele ouvira a conversa dela com sua criada pessoal. Muito menos se tinha vindo para escoltá-la durante o tempo em que Elena tomava banho no cômodo anexo aos seus aposentos.

Fosse qual fosse a resposta, não significava muito. No fim, Elena só poderia pensar em uma forma de impedir Alec de pôr seu plano em prática ou em um jeito de acabar com aquele encontro com Sir Oscar sem irritar Magnus no processo. Infelizmente, até aquele momento, nada surgira em sua mente.

Talvez eu não Sirva para criar planos elaborados, pensou, amarga. Eu devo, então, só seguir minha intuição mesmo jogando no modo difícil?

Claro que não. Deixar as coisas à própria sorte não poderia ser uma boa opção. Então, o que ela deveria fazer? Como deveria evitar essa crise iminente?

Uma ideia brilhou nos olhos azuis claríssimos de Elena. Graças a isso, ela parou bruscamente no meio do corredor, o que fez Merilda bater em suas costas com força. Alec, que estava logo atrás, franziu a testa diante da situação cômica.

— Algum problema, senhorita Elena? — perguntou ele, impassível.

— Pensei que seria interessante passear pelo jardim — comentou, apertando a saia do seu vestido cor de vinho.

Alec ergueu uma sobrancelha.

— Antes do desjejum? 

— Por que não? O dia está tão lindo.

— Não é uma boa ideia — alegou Merilda, bufando.

Elena olhou para ela, percebendo como a criada não poderia agir de má-fé na frente de Alec, caso contrário poderia expor sua verdadeira missão — que era vigiar Elena — a alguém que jamais deveria saber disso.

— Tenho que me encontrar com alguém importante no café da manhã?

— Não, mas… — Merilda hesitou, o que fez Elena sorrir docemente.

Mesmo que depois acabasse sofrendo uma retaliação pesada quando estivessem as duas a sós, valeria a pena se isso lhe desse uma chance de parar o plano de Alec. Com certeza.

— Então vou ir para o jardim — avisou, deixando o sorriso morrer. — Me espere no salão de banquete, Merilda.

Antes que a serva pudesse contestar, Elena partiu em direção ao jardim. Ela não olhou sequer uma vez para trás, mas sabia que Alec estava em seu encalço. A aura que saia dele, por mais que tentasse, não podia ser suprimida. Qualquer um poderia saber onde ele estava, e isso era um fato.

Alec era um ótimo espadachim, com poderes e habilidades que iam além de muitos cavaleiros presentes no ducado. Por isso se tornara o cavaleiro pessoal de Elena, tirando, é claro, sua beleza estonteante.

— Por que ir até o jardim agora? — perguntou ele, ao se aproximar dela para andarem lado a lado.

Elena virou o rosto para ele e sorriu.

— Apenas me deu vontade.

— Não parece ser verdade — apontou, observando como ela permanecia apertando a saia do vestido, tão forte que os nós dos seus dedos estavam brancos. — Queria fugir daquela criada?

Ela arregalou os olhos.

— Observador como sempre.

— Então eu acertei.

— Talvez.

Os dois pararam de andar e ele a encarou. A garota não soube dizer o que o cavaleiro estava pensando, o que estava escondido por trás dos seus lindos olhos castanhos-mel.

— Por que manter alguém assim ao seu lado? — sussurrou ele, alto o suficiente para Elena ouvir.

Ela deu de ombros, e virou a cabeça em direção ao final do corredor onde estavam parados. Dali, ela podia ver com clareza alguns criados andando, carregando roupas sujas, vasilhas com água e comidas diversas. Eles iam e viam, alheios a tudo.

— Você só faz o que não quer quando não tem poder para escolher, não é?

A pergunta soou melancólica. Elena respirou fundo e deu um passo em direção ao corredor novamente, agora com a mente mais clara do que antes. Dessa vez, porém, Alec não a seguiu. Ele permaneceu ali até a figura da senhorita sumir e se misturar com aqueles que iam e viam, como uma trágica miragem feita de papel.

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