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O Patinho Feio

1

Quando cheguei a Londres naquela manhã e saí do carro que o meu pai tinha enviado para me vir buscar respirei fundo, sim, eu tinha regressado ao local onde tanta gente me tinha feito mal e onde a minha vida quase tinha terminado precocemente.

Estava a chover como seria de esperar, Londres era o país onde havia sol muito poucos dias e depois só havia um clima que deixava qualquer um deprimido. O meu motorista, barra assistente do meu pai, barra, amante da minha mãe ajudou-me com as malas. Eu não planeava ficar ali muito tempo, eu só tinha vindo para prestar homenagem ao meu avô, fazia dez anos que ele tinha falecido e por isso toda a família ia prestar-lhe homenagem e se eu não fosse eu sabia que o meu pai ia querer espancar-me até eu nem saber quem eu era.

Não fiquem chocados, eu já estava mais do que habituado a isso, era assim a minha vida. Quando fiz dezoito anos saí de casa com a desculpa de ir estudar fora do país, foi isso que me salvou.

- Vamos entrar\, ou queres ficar mais algum tempo cá fora?- perguntou-me Mike\, o motorista.

- Como estão as coisas lá dentro?

- Como sempre. - ele disse pousando a mala no degrau da entrada em frente á porta de casa\, olhou para mim e ficou á espera que eu dissesse alguma coisa. - O teu pai sabe que fizeste essas tatuagens no pescoço?

- Vai saber agora...- comentei quando passei por ele e abri a porta de casa.

Tudo permanecia igual, a decoração era como sempre digna da casa de uma pessoa da terceira idade não havia ali nada de novo. Na sala estava a minha mãe com o comando da Tv a olhar para um dos seus reality shows favoritos, ela vivia para isso ( e para ser comida por Mike).

- Cheguei.- atirei para o ar. Para quem quisesse saber\, o filho pródigo tinha chegado e podiam finalmente as víboras aparecerem para fazerem as tão esperadas críticas. Bella\, a minha mãe\, levantou-se de um pulo do sofá quando me viu aparecer\, correu até mim e depois parou olhando para o meu pescoço que estava repleto de tatuagens de dragões.

- O teu pai vai ter uma coisa…!- ela disse não deixando de me abraçar.

- Esperemos que tenha...- eu disse baixinho só para ela me ouvir.

- Onde estão os outros?- perguntei quando nos separámos.

- A cerimónia é só de tarde\, mas já devem estar a chegar\, eles sabem que tu vens\, devem querer vir fazer alguma crítica.- ela disse entrelaçando o braço dela no meu para irmos sentar-nos no sofá.

Mike passou por nós com a minha mala.

- Vou meter no teu quarto.- ele disse\, eu acenei com a cabeça e vi a minha mãe olhar para ele como se ele fosse um naco de carne á espera de ser consumido.

- Já disfarçavas...- disse-lhe muito baixo. Ela parecia ter saído de um tipo de transe quando olhou para mim.

- Ele é lindo\, queres que faça o quê?

- Poupa-me os pormenores mãe\, por favor...- disse-lhe antes que ela começasse a contar coisas que eu definitivamente não queria saber.

- Onde é que ele está?- perguntei-lhe pouco tempo depois\, na Tv estavam duas peruas a pegar-se á pancada e ela estava a torcer por uma delas.

Ela olhou para o relógio da sala:

- A esta hora deve estar a comer a nova secretária\, ele adora comê-la de manhã.

- Mãe\, até quando vais aturar isto?

- Filho\, estou bastante confortável com a vida que tenho\, e se ele me quer encornar que o faça\, eu tenho o Mike\, melhor não podia estar…

Não comentei mais, aquele assunto não me dizia respeito, eu já tinha falado com ela várias vezes e desde que eu me tinha estabelecido em Busan eu tinha pedido a ela inúmeras vezes para ela vir viver comigo, mas isso implicava deixar o Mike para trás e ela não queria isso.

- O Nani vem hoje. Ele é muito amigo da tua prima Natalie\, eu sei que tens os teus problemas com ele\, mas tenta esquecer isso em memória do teu avô.

- Exato\, é um dia para fazer uma homenagem ao meu avô\, ele não tem de meter aqui os pés!

- Sky\, por favor...eu sei que não o suportas\, mas o teu pai e os dele são amigos e a Nat disse logo que sem ele não vinha\, já se passaram anos…

- Mãe...- comecei\, mas nesse momento o meu pai entrou em casa muito bem disposto\, disposição essa que lhe passou mal me viu.

2

Se fosse uns anos antes eu teria tremido ao ver o meu pai entrar em casa, ainda me lembrava das surras que ele me dava só porque achava que eu merecia, eu nem tinha feito nada, mas ele achava que eu tinha de ser disciplinado, por isso, quando um dia lhe ligaram da minha escola a dizer que eu tinha sido vítima de bullying ele não teve pena nenhuma de mim, só quis depois bater-me ainda mais, porque era disso que eu precisava.

O culpado, esse, bem, esse vinha com a Nat á homenagem do meu avô, porque os pais eram amigos. Não havia qualquer respeito por mim.

- O que é isso no teu pescoço?- ele perguntou mal me viu.

- Tatuagens...assim quando me quiseres agarrar pelo pescoço não terei de me preocupar com as marcas que vais deixar...- disse sem qualquer vestígio de medo na voz. Ele ergueu o sobrolho e Bella levantou-se logo pondo-se ao meu lado para me defender como sempre.

- Ele acabou de chegar Ben! Não vão começar já!- ela gritou fazendo com que Mike aparecesse vindo da cozinha com um olhar bastante sério.

- Podes ir Mike\, a tua patroa está a delirar a esta hora!- ele disse-lhe com um sorriso\, mas para minha surpresa Mike não arredou pé. - Podes ir\, já mandei!- ele gritou com uma das veias do pescoço a latejar\, a paciência dele estava a terminar e Mike parecia não se preocupar com isso.

-  Mike, podes ir...- Bella disse sem olhar para ele, eu podia ver que ela estava a tremer: o meu pai sabia muito bem que Mike era amante da minha mãe, mas tinha escolhido á imenso tempo ignorar isso, dessa maneira tendo Mike por perto ele sabia que a podia controlar, pois ela fazia tudo por ele.

- A tua mãe tem lá em cima molhos de maquilhagem\, ela que cubra essas tatuagens com base. Não quero que os nossos amigos pensem que criei um gangster!- ele ordenou\, mas eu não tinha qualquer intenção e fazer o que ele me estava a pedir.

- Não.- respondi. Ele franziu o sobrolho\, deu um passo em frente\, mas depois parou.

- Como queiras Sky\, também só cá vais estar hoje. Amanhã tens voo a que horas?

- Não vou regressar\, tenho coisas a tratar aqui antes.

- Mas e o teu trabalho?!

Sim, era apenas isso que lhe interessava, que eu continuasse o meu trabalho como gerente num dos bancos mais conhecidos de Busan. Assim ele podia gabar-se aos amigos que eu mexia em dinheiro o dia todo, mas o que ele não sabia era que eu já tinha largado esse trabalho á algum tempo e que com o dinheiro que eu tinha conseguido juntar dali a poucas semanas eu ia inaugurar uma loja de tatuagens em Busan. Mas isso, era um segredo que eu tinha guardado e que ia ser revelado quando todos estivessem presentes. Dessa a maneira a vergonha que ele ia passar ia ser fenomenal!

- Estou de férias. Volto daqui a duas semanas\, posso tirar férias\, certo?- perguntei. Ele avaliou durante algum tempo o que eu lhe tinha dito\, estava tenso\, mas depois pareceu relaxar um pouco.

- Vou para o meu escritório\, quando os convidados começarem  chegar avisem.

Passou por nós como se fôssemos empregados dele e entrou no escritório batendo com a porta. Bella suspirou e fechou os olhos, depois olhou para mim.

- Foi por pouco...- ela disse olhando para mim. - Fizeste uma viagem longa\, tens de ir descansar\, eu depois chamo-te quando for hora.

Não precisei que ela me dissesse duas vezes e fui para o meu quarto. Quando entrei, vi que tudo estava como eu tinha deixado: em cima da minha cama estava caixas de ténis que e a minha mãe ali deixava todos os Natais, roupa nova que os meus parentes ia deixando, enfim, presentes que nunca tinha recebido, mas que ali estavam. Tirei as caixas de cima da cama de meti-as debaixo da minha secretária. Guadalupe, a nossa empregada tinha trocado os lençóis da cama, por isso, quando tomei um banho e troquei de roupa deitei-me adormecendo quase de imediato.

Eu tinha regressado á escola. Sim, o meu pior pesadelo tinha regressado e eu como sempre não ia conseguir acordar tão cedo.

Nani estava com os amigos dele, tinham um balde de tinta verde e eu estava a ser agarrado por dois dos melhores amigos dele, debati-me, deu pontapés para o ar em vão, gritei, várias pessoas passavam por mim, mas nenhuma delas me ajudou. Sim, eu não podia contar com ninguém, já devia saber isso.

- Vamos ver como ficas coberto de verde!- ele disse quando tirou a tampa da lata de tinta com a ajuda de uma chave de fendas. Era um verde néon\, todos á nossa volta riam ás gargalhadas com o meu desespero em tentar soltar-me. Nani agarrou o meu queixo\, parei quieto com a cabeça e encarei-o com um ódio enorme a crescer dentro de mim.

- Um dia...- rosnei-lhe\, ele fez de conta que não me tinha ouvido e encostou quase o nariz dele ao meu.

- Repete…- aproveitei o momento e dei-lhe uma cabeçada no nariz fazendo ele gemer de dor agarrado ao nariz que ficou a deitar sangue\, os amigos dele finalmente largaram-me e nesse momento fui acordado pela minha mãe: estava na hora da "festa".

3

Com o meu melhor fato preto desci as escadas preparado para o que ia encontrar: a primeira pessoa que vi foi Nat que andava pela casa como se fosse dela, ao lado dela estava Nani. O meu sangue ferveu mal o vi, as lembranças do passado, do que ele me tinha feito vieram á minha mente. Nat olhou para mim e franziu o sobrolho e depois soltou um grito de pura felicidade.

- Sky! Chegaste! Bem\, mas estás muito diferente!- ela disse quando me abraçou.

Sim, realmente quem me visse agora e me visse á alguns anos atrás ia dizer o mesmo. Antes eu tinha um cabelo todo desgrenhado pelos ombros, óculos com uma graduação que os faziam parecer o fundo de uma garrafa e usava aparelho nos dentes...Sim, eu era aquele patinho feito que na realidade se tinha tornado num cisne. Nani estava a tirar um canapé quando me viu pela primeira vez, esperei que ele viesse fazer algum comentário, mas ele apenas apareceu ao lado de Nat, sem dizer uma única palavra.

- Vá lá rapazes! Já se passou imenso tempo desde que vocês tiveram os vossos problemas!- ela disse na esperança de aliviar os ânimos\, mas eu mantive-me quieto no meu canto.

- Não tive problemas com ele\, apenas brinquei com ele...- Nani falou pela primeira vez.

- Pois brincaste...- respondi tentando controlar a minha respiração sem sucesso\, a minha vontade era saltar-lhe para o pescoço\, mas se eu o fizesse o meu plano ia acabar por falhar sem mesmo o ter começado.

- Pessoal\, vamos lá\, estamos num evento de família...

- Nat disse em tom já com um ligeiro desespero na voz\, mas depois calou-se quando me viu estender a mão para o cumprimentar. Nani ficou admirado\, ela ficou admirada.Desconfiado\, Nani cumprimentou-me de volta apertando a minha mão\, eu sorri para ele. O meu plano tinha tudo para correr bem e eu em breve ia poder vingar-me de todos os que tinham assistido sem fazerem nada para me ajudar. Para Nat tudo tinha passado\, mas eu conhecia bem demais Nani\, ele ainda estava desconfiado com aquela minha atitude\, eu sabia que tinha de lhe mostrar que podia confiar em mim\, dessa maneira o sentimento de traição que ele ia sentir ia ser uma cereja no topo do bolo.

- Vou lá fora apanhar ar\, não quero estar aqui\, demasiados velhos.- ele comentou com Nat.

- Vamos.- eu disse olhando para eles.- Não tenho cabeça para isto.

- Mas o teu pai...- começou ele olhando para trás em tom de aviso\, mas depois olhou para mim de sobrolho franzido.

- Que tem?- perguntei.

- Ele não vai gostar Patinho.- ele disse.

Patinho...ouvi aquele nome saindo da boca dele e tive de me segurar mais uma vez para não lhe dar uma surra, respirei fundo e sorri, era o sorriso mais cínico e sem aparelho que ia ver na vida dele.

- Patinho...já não ouvia isso á imenso tempo...

- Completamente fora do contexto\, viraste uma pessoa linda!- exclamou Nat dando uma cotovelada em Nani.

- O que te aconteceu? Desde o baile de finalistas que nunca mais te vimos! O teu pai disse que foste estudar para fora!

- Sim\, eu fui...- eu ia dizer o quê? Que antes de estudar tinha estado num hospital durante semanas sob a vigilância de Mike e Bella\, por eles me terem quase morto numa brincadeira idiota?! Não\, não valia a pena dizer o que tinha acontecido.

- Naquela noite\, no baile...lá no ginásio...como é que saíste? Quando voltei não estavas lá...- Nani perguntou curioso.

- Uns conhecidos ajudaram-me a sair da piscina.- respondi sem querer alongar-me muito mais no assunto\, se ele continuasse a falar naquilo eu ia acabar por saltar no pescoço dele.

- E como estão as coisas lá no banco? O teu pai não pára de falar que o filho é uma máquina\, que passa o dia a mexer em dinheiro…

- Bem\, na realidade eu já não estou no banco a trabalhar...- comecei com a minha primeira parte do plano.

- Não?- perguntou Nani espantado.

- Não\, eu agora vou abrir uma loja de tatuagens. O meu pai ainda nem sabe\, vocês são os primeiros a saber…

- Tatuagens...acho porreiro. Por acaso andava com ideias de abrir uma loja mesmo no centro de Londres\, mas no entanto falta investimento. Uma loja dessas é um balúrdio!- ele comentou.

Sim, o isco estava lançado, em poucos minutos já ele me estava a pedir mais informações em como eu tinha conseguido aprovação para abrir a minha loja. Eu ria por dentro, tudo estava a correr como planeado e até Nat estava a achar estranho que nos estivéssemos a dar tão bem.

Passado algum tempo e de muita conversa, vi que Nani estava mais que rendido a mim e com um bocadinho de esforço ele ia cair na minha armadilha.

- Vou dar uma festa em minha casa na semana que vem \, vai o pessoal da escola\, podemos lá falar melhor sobre essa tua loja\, queres vir?- ele perguntou-me\, eu sorri\, realmente estava tudo a correr mais rápido do que eu pensava\, mas isso até podia ser uma coisa boa.

- Claro\, podes contar comigo.- Mike saiu cá para fora e chamou-nos\, estava na hora de irmos para dentro.

- Tudo a correr como planeado?- ele perguntou-me mal me viu passar. Ele tinha-se tornado com o passar dos anos no meu cúmplice mais fiel\, sem ele eu tinha continuado a andar desorientado como andei quando me apercebi do que eles me tinham feito. Depois da cerimónia\, todos viemos jantar\, a minha mãe tinha escolhido como sempre pratos luxuosos que quase ninguém tinha ouvido falar. O meu pai tinha recebido a visita da sua nova secretária\, aparentemente havia documentos que ele não tinha ainda assinado.

- Mais uma que pensa que vai ocupar o lugar da minha mãe...- comentei sem me aperceber que Nani estava ao meu lado e tinha-me ouvido.

- Gostei...-ele disse batendo palmas surpreendido com a minha frieza. A secretária do meu pai ouviu também o que eu tinha dito\, pois corou imenso quando passou novamente por mim á saída.

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