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Vingança Silênciosa

Capítulo 1 – Uma Prisão de Luxo!

...— 2015 —...

Mina...

As horas pareciam congeladas dentro do meu quarto. O único som era o das páginas sendo viradas pela Evelyn, a tutora que meu pai contratara a mais de oitos anos, Evelyn Carter é uma mulher de meia idade, ela tem uma postura reservada e inabalável e, como sempre, se recusava a me olhar nos olhos.

— Mina, pode começar a ler. — A voz dela cortou o ar como uma lâmina.

Eu respirei fundo, encarando o livro à minha frente. A narrativa era sobre reis e rainhas, pessoas que controlavam seus destinos. Tão diferente da minha realidade.

— “O rei ergueu a espada…” — comecei, mas minha voz falhou. Fechei o livro, abrupta. — Por que tenho que ler isso? Não faz sentido.

Evelyn ergueu os olhos, finalmente. Seus óculos repousavam na ponta do nariz, e o olhar afiado por trás deles me fez recuar, mas só um pouco.

— Não é para fazer sentido, Mina. É para você aprender. Não tem que gostar.

— Então por que você me ensina? — perguntei, cruzando os braços. — Você não gosta de estar aqui também.

Houve uma pausa. Evelyn ajustou os óculos com um dedo, mantendo a compostura que parecia enraizada nela.

— Meu trabalho não é gostar, Mina. É preparar você para ser alguém...

Ri, amarga.

— Alguém? Como o quê? Como meu pai? Um monstro que só pensa em poder?

O silêncio ficou pesado. Evelyn fechou o livro com calma exagerada e o colocou na mesa.

— Cuidado com as palavras, Mina. Seu pai faz o que é necessário para esta família.

Eu senti o estômago revirar. A palavra “família” parecia uma piada cruel.

— Ele faz o necessário para ele. E você, Evelyn? Faz o necessário para quem?

Por um momento, pensei ter visto algo diferente nos olhos dela — um lampejo de desconforto, talvez. Mas logo desapareceu. Ela levantou-se, ajeitou a saia e pegou o livro.

— Voltaremos a isso amanhã. Não desperdice meu tempo com suas birras, Mina.

Ela caminhou até a porta, mas antes de sair, virou-se brevemente.

— E lembre-se, sua vida fora deste quarto não será mais fácil. Aproveite o que tem.

A porta se fechou com um clique, deixando-me sozinha outra vez. Olhei para o lugar onde o livro estava, mas a única coisa que restava era o vazio que Evelyn deixava para trás.

Apenas o som do ponteiro do relógio, constante e irritante, me fazia companhia. Enquanto minha mente vagava pelo mesmo labirinto de pensamentos que me perseguia há anos.

Oito anos. Oito anos desde que minha mãe morreu, e desde então, a porta deste quarto se tornou a minha maior inimiga. Aparentemente, meu pai acha que paredes bem decoradas e móveis caros compensam a liberdade que ele me tirou.

Levantei-me da cama e caminhei até a sala de estudos. O brilho do abajur iluminava os livros perfeitamente organizados, como se Evelyn fosse surgir a qualquer momento para me repreender por algo. Suspirei, passando os dedos por uma das prateleiras.

— Um castelo dourado ainda é uma prisão, não é, mãe? — minha voz quebrou o silêncio. Não esperava resposta, claro.

Dei alguns passos até a sala de exercícios. O saco de pancadas pendia no centro, como um adversário imaginário que nunca cansava. Eu o encarei, as mãos coçando para liberar a frustração que queimava em mim. Depois de alguns segundos, desferi um soco com força, sem técnica. Outro. E mais outro.

— Ele me prendeu aqui como se eu fosse... uma maldita ameaça! — gritei, cada palavra acompanhada por um golpe. — Oito anos, mãe. Oito anos sem liberdade, sem escolha. Até Marco... ele não se importa.

Meu irmão. O herdeiro perfeito. O soldado do nosso pai. A imagem dele me fez apertar os punhos com força. Ele sequer vinha me ver, e quando o fazia, parecia que estava diante de um estranho.

Sentei no chão, ofegante. Minhas mãos tremiam. Olhei ao redor: o closet repleto de roupas que eu nunca usava, a cama enorme que não trazia conforto, os livros, as máquinas de exercícios. Tudo tão perfeito, tão inútil.

— Isso não é vida. — Minha voz era um sussurro agora. — Eu sou um fantasma que respira.

Fechei os olhos, tentando afastar as lágrimas que insistiam em aparecer. Eu não queria chorar. Não mereciam minhas lágrimas. Nem meu pai, nem Marco, nem o mundo além desta porta, que parecia ter me esquecido.

— Um dia, mãe... — murmurei, encarando o teto. — Um dia eu vou sair daqui. Não importa como. Eu vou encontrar um jeito.

O silêncio voltou, mas desta vez foi mais pesado. Mais insuportável.

......................

Estava sentada no chão, ainda encostada na parede da sala de exercícios. Meus pensamentos giravam como uma tempestade, uma confusão de frustração e solidão. Eu sabia que o dia seria longo, como todos os outros.

O som da maçaneta girando quebrou o silêncio. Levantei os olhos na direção da porta enquanto Clara entrava, equilibrando uma bandeja com frutas e um copo de suco. Ela sempre tinha o mesmo olhar: uma mistura de preocupação e medo.

— Trouxe seu lanche, senhorita Mina. — Sua voz era baixa, quase hesitante, como se tivesse medo de incomodar até o ar ao meu redor.

— Clara. — Falei seu nome com um tom que talvez soasse mais amargo do que eu pretendia. — Sabe, você não precisa me chamar de "senhorita".

Ela colocou a bandeja em uma mesa perto da janela e se virou para mim, com as mãos entrelaçadas na frente do corpo.

— É o jeito que seu pai prefere...

— Claro que é. — Bufei, cruzando os braços. — Ele prefere tudo, não é? Ele decide tudo. O que eu como, onde fico, como vivo.

Clara desviou o olhar, desconfortável. Seus dedos brincavam nervosamente com o avental. Ela não ia responder, eu sabia disso. Nunca respondia.

— Clara, você acha isso certo? — perguntei, minha voz carregada de algo entre raiva e desespero. — Acha certo me deixar apodrecer nesse quarto enquanto ele... — Minha voz falhou, e eu suspirei. — Ele me trata como uma prisioneira.

— Eu... — Ela hesitou, seus olhos se enchendo de algo que parecia ser tristeza. — Eu não posso dizer nada, senhorita.

— Não pode ou não quer? — A pergunta saiu mais dura do que eu pretendia, mas eu não me importava.

Clara deu um passo para trás, como se minhas palavras fossem um golpe físico.

— Eu... Me preocupo com você, Mina. Mais do que deveria. Mas o que posso fazer? Seu pai... não tolera opiniões.

Fiquei em silêncio por um momento, observando-a. Ela parecia tão frágil, quase tanto quanto eu me sentia. E talvez fosse isso que me irritava. Clara era a única pessoa que demonstrava algo parecido com carinho, mas até ela tinha medo de fazer mais.

— Eu não quero seu medo, Clara. — Minha voz soava cansada agora. — Só quero alguém que me veja como uma pessoa, não como... Uma obrigação.

Clara apertou os lábios, olhando para mim como se quisesse dizer algo, mas as palavras morreram antes de nascer. Em vez disso, ela pegou a bandeja novamente, ajeitou a posição dela na mesa e deu um passo em direção à porta.

— Se precisar de alguma coisa, eu estarei por perto. — Foi tudo o que ela disse antes de sair, fechando a porta com um clique suave.

Fiquei olhando para a bandeja. As frutas estavam perfeitas, o suco tinha a cor laranja vibrante de algo recém-feito, mas tudo parecia sem sabor. Suspirei e me sentei à mesa.

— É, mãe... mesmo quem se importa não pode me salvar daqui. — Murmurei para ninguém em particular, antes de pegar um pedaço de maçã e voltar ao meu silêncio familiar.

Capítulo 2 – Reflexos Indesejados!

Mina...

Eu estava correndo. Meus pés descalços batiam contra o chão úmido da floresta, enquanto galhos secos se quebravam sob meu peso. O ar estava gelado, cortante, mas meu corpo queimava. A respiração ofegante e desesperada, e meu coração martelava no peito como se quisesse escapar antes de mim.

Atrás de mim, o som de passos pesados e ramos se partindo parecia cada vez mais próximo. Eu não sabia quem ou o que estava me seguindo, mas sentia o perigo, quase podia tocá-lo.

"Não olhe para trás", dizia uma voz na minha mente, mas era impossível obedecer. Virei o rosto e vi... nada. Apenas sombras densas e intermináveis, como se a floresta fosse feita de escuridão viva. Mesmo assim, a sensação de ser observada me fazia acelerar ainda mais, tropeçando e quase caindo.

Meu peito ardia, minhas pernas tremiam, e lágrimas escorriam pelo meu rosto.

— Por favor, não... — A súplica escapou dos meus lábios em um sussurro, mas ninguém estava lá para ouvir.

De repente, tropecei em algo invisível e fui ao chão. O impacto foi duro, e a dor irradiou pelo meu corpo. Tentei me levantar, mas minhas mãos afundaram na terra molhada, e um peso invisível parecia me pressionar contra o chão.

Ouvi o som de respirações pesadas... ou era a minha própria respiração? Não sabia mais. Apenas sabia que algo estava se aproximando, e eu estava paralisada.

E então, tudo ficou quieto. A floresta, antes cheia de ruídos, mergulhou em um silêncio aterrorizante.

Eu acordei.

O som agudo do despertador arrancou-me do pesadelo, e por um momento, não sabia onde estava. A minha respiração ainda estava descontrolada, e o meu corpo estava coberto de suor. Eu estiquei a mão, desligando-o com um, tapa. Balancei a cabeça me recompondo.

Eram seis da manhã, como sempre. Mesmo trancada nesse quarto, minha rotina seguia imutável, como se minha vida ainda precisasse de algum tipo de ordem.

Levantei-me, vesti a roupa de treino que estava separada no closet — uma calça legging preta e uma camiseta básica cinza — e fui para a sala de exercícios. Pouco tempo depois, ouvi a batida firme na porta.

— Entre. — Minha voz ecoou pelo espaço vazio.

A porta se abriu, revelando Sofia Marini, minha instrutora de defesa pessoal. Ela tinha por volta de 35 anos, cabelos escuros presos em um rabo de cavalo impecável, e uma expressão que nunca deixava transparecer cansaço ou distração. Sofia era a personificação da disciplina, como meu pai gostava de dizer.

— Bom dia, Mina. Pronta? — Ela entrou com passos firmes, fechando a porta atrás de si.

— Estou sempre pronta. — Respondi com um sorriso sarcástico, mas ela não reagiu. Sofia nunca respondia a provocações, e, de certa forma, isso me irritava.

Ela deixou sua bolsa no canto da sala e começou a ajeitar o espaço. Colocou os colchonetes no chão e testou a estabilidade do saco de pancadas, enquanto eu a observava, com os braços cruzados.

— Você sabe que eu nunca vou usar isso, certo? — Comentei, tentando quebrar o gelo que parecia sempre envolver nossas aulas.

— Não estou aqui para discutir suas escolhas, Mina. Estou aqui para te ensinar a sobreviver. — Ela me olhou diretamente, sua voz firme, mas sem agressividade.

Revirei os olhos e me posicionei no centro do colchonete. Ela se aproximou, ajustando minha postura com precisão.

— Coloque os pés mais afastados. Não quero que perca o equilíbrio.

— Equilíbrio... — Ri, sem humor. — Irônico, não acha? Treinar equilíbrio enquanto minha vida está uma bagunça.

Sofia parou por um momento, me encarando como se estivesse decidindo se deveria responder.

— Se sua vida está uma bagunça, então aprenda a controlar. O controle começa com o corpo.

— Fala como se fosse tão simples... — Murmurei, mas ajustei os pés como ela pediu.

Ela começou o treino com golpes básicos: socos, bloqueios e chutes. Seus comandos eram precisos, quase mecânicos, e eu os seguia sem questionar. Apesar de não gostar dessas aulas, havia algo na repetição que me fazia esquecer, pelo menos por um momento, o vazio do quarto ao meu redor.

— Mais rápido, Mina. — A voz de Sofia cortou o ar quando meu movimento hesitou.

— Eu estou indo rápido. — Respondi, ofegante.

— Não rápido o suficiente. E, honestamente, não sei por que você não leva isso mais a sério. — Sua voz agora tinha um tom de irritação.

— Talvez porque, como tudo aqui, não faz diferença. — Respondi, soltando um soco forte no saco de pancadas. Ele balançou, mas não o suficiente para aliviar minha frustração.

Sofia cruzou os braços, me observando em silêncio por um momento. Finalmente, ela disse:

— Pode não fazer diferença agora, Mina. Mas um dia, talvez, você precise lutar de verdade. Quando esse dia chegar, você vai se lembrar dessas lições.

Olhei para ela, meu coração ainda batendo rápido pelo esforço. Não respondi. Eu sabia que ela tinha razão, mas admitir isso seria ceder à ideia de que meu pai estava certo ao me preparar para algum perigo que talvez ele mesmo tivesse criado.

— Por hoje é só. — Ela finalmente disse, pegando sua bolsa. — Mas amanhã vamos intensificar. Você está pronta para mais, quer queira ou não.

Assenti, observando enquanto ela saía do quarto. Assim que a porta se fechou, me sentei no chão, encarando o saco de pancadas.

— Sobreviver... — Murmurei para mim mesma. — Não sei se vale a pena lutar por algo que não é liberdade.

......................

A água quente escorria sobre meu corpo. Fechei os olhos e deixei que o calor envolvesse cada parte de mim, tentando ignorar o vazio que parecia sempre estar ali, à espreita. Era um momento de pausa no meu confinamento, mas nunca realmente de paz.

Depois de alguns minutos, desliguei o chuveiro e enrolei-me na toalha. A sensação do tecido macio contra a pele era reconfortante, mas não suficiente para acalmar o que estava aqui dentro. Andei até o espelho, ainda embaçado pelo vapor. Passei a mão na superfície de vidro, revelando meu reflexo aos poucos.

Meus olhos.

Eles eram dela. Não havia dúvida. Ligeiramente puxados, com aquele toque asiático que parecia tão distante agora. Minha mãe estava ali, naquele reflexo, escondida dentro de mim.

Apertei a toalha contra o peito, meus dedos cravando no tecido. Por um momento, quis sorrir ao reconhecer um pedaço dela em mim, mas o sentimento logo foi esmagado por algo mais pesado. Porque, ao lado dos olhos dela, estava o resto. O resto dele.

Meu rosto endureceu ao perceber a linha severa da mandíbula, o formato reto e implacável dos meus lábios. Até mesmo a maneira como meu olhar parecia julgar o mundo. Tudo aquilo era dele. Dominic Vitale. Meu pai. O homem que eu odiava com cada fibra do meu ser.

— É isso que eu sou? — Murmurei, encarando o espelho como se ele pudesse responder.

Não era apenas aparência. Era meu temperamento, o sangue que fervia rápido demais, a raiva que explodia quando eu menos esperava. Tudo isso era dele, uma herança que eu nunca quis.

— Você me roubou até isso, mãe. — Minha voz saiu quase inaudível. — Me deixou com o pior dele.

Toquei meu rosto, traçando os olhos com os dedos. Eu queria encontrar algo mais dela em mim, algo além dos olhos. Mas não havia. Não sobrava nada.

Suspirei, deixando os ombros caírem. O espelho ainda me encarava, uma mistura de quem eu era e quem eu temia me tornar.

— Talvez eu seja exatamente como ele. — Admiti para mim mesma, odiando cada palavra.

Mas então, algo em mim se recusou a aceitar isso completamente. Sim, havia algo dele em mim, mas eu também tinha uma escolha. Ainda podia ser diferente. Pelo menos, era isso que eu queria acreditar.

Virei-me para longe do espelho, sentindo o peso do meu reflexo me seguir enquanto vestia a roupa do dia. Mais um dia dentro desse quarto, mais uma luta para descobrir quem eu era, além do sangue que corria nas minhas veias.

Capítulo 3 – Silêncio Estranho!

Mina...

O dia passou como todos os outros, uma sequência interminável de atividades planejadas para preencher o vazio. Depois do banho, tomei meu café da manhã na mesa pequena ao lado da janela do quarto, observando as nuvens no céu como se fossem a coisa mais fascinante do mundo. Clara havia trazido ovos mexidos e torradas, acompanhados de um suco de laranja fresco. Não era nada extraordinário, mas eu aprendi a valorizar as pequenas consistências da minha vida.

As aulas com Evelyn começaram logo em seguida. Matemática, literatura, história — tudo pontuado pelas correções meticulosas dela e seus comentários precisos. Às vezes, eu imaginava como seria aprender essas coisas em uma sala cheia de outras pessoas, em vez de confinada aqui, com uma mulher que parecia mais um relógio do que uma pessoa.

Quando a tarde chegou, peguei um livro novo da estante que meu pai havia mandado instalar no meu quarto há alguns anos. Ele dizia que leitura era essencial para minha "formação". Mas, para mim, os livros foram uma fuga. Cada página era uma janela para um mundo onde eu não estava trancada.

Comecei a leitura cheia de entusiasmo, mas, em algum momento, meus olhos começaram a pesar. A voz narrando as palavras na minha mente foi ficando mais lenta até que desapareceu completamente.

Quando acordei, o quarto estava mergulhado em sombras. A luz fraca do abajur ao lado da cama era a única coisa que iluminava o ambiente. Pisquei algumas vezes, ainda tentando me situar, quando ouvi uma batida suave na porta.

— Mina? — Era a voz de Clara. — Trouxe o jantar.

— Pode entrar. — Minha voz saiu rouca, ainda marcada pelo sono.

A porta se abriu, e Clara entrou com a bandeja nas mãos. Ela era a única pessoa que conseguia trazer um pouco de suavidade para essa prisão, mesmo que fosse com gestos pequenos como esse. Seus passos eram silenciosos, e seus olhos sempre pareciam preocupados, como se cada interação comigo fosse um risco calculado.

— Dormiu, não foi? — Ela perguntou com um leve sorriso, enquanto colocava a bandeja na mesa.

— Talvez. — Respondi, passando a mão pelos cabelos bagunçados. — Mas eu precisava.

Ela me olhou por um momento, como se quisesse dizer algo mais, mas acabou desviando o olhar.

— Fiz uma sopa de legumes. Achei que seria bom para hoje. — Sua voz era baixa, quase um sussurro, como sempre.

— Obrigada, Clara. — Peguei a colher e mexi na sopa, observando o vapor subir.

Ela hesitou, ainda perto da porta.

— Se precisar de mais alguma coisa, estarei lá embaixo.

Assenti, e ela saiu sem esperar resposta, fechando a porta atrás de si. Fiquei olhando para a sopa por alguns segundos, o aroma quente me puxando de volta para a realidade. Peguei a colher e dei uma primeira prova, mas meu pensamento já estava em outro lugar.

......................

Oito horas da noite, e eu sentia como se o dia não tivesse sido vivido. Uma rotina sem propósito, um relógio que girava apenas para marcar o tempo perdido. E o pior era saber que o próximo dia seria exatamente igual a este.

O silêncio estava mais pesado do que o normal. Estava deitada na cama, encarando o teto, quando percebi que algo estava... diferente. Não havia o som de passos no corredor, nem o murmúrio distante das conversas dos guardas. Nada além do zumbido fraco do relógio sobre a mesa de cabeceira.

Levantei-me lentamente, o piso gelado contra os meus pés descalços me puxando ainda mais para a realidade. Fui até a janela e puxei a cortina com cuidado. Lá fora, a escuridão engolia o jardim, e as luzes que geralmente iluminavam o caminho principal estavam apagadas. Nem sinal dos guardas que normalmente circulavam pelo perímetro.

Meu coração começou a acelerar. Era estranho demais.

Caminhei até a porta do quarto e a abri devagar, com medo de que qualquer som ecoasse naquele vazio. Espiei para o corredor. Ele estava vazio, as luzes fracas pareciam mais sombrias do que de costume, lançando sombras que dançavam nas paredes.

Não havia ninguém.

Respirei fundo, hesitando por um momento. Era perigoso sair, mas a curiosidade foi mais forte. Dei o primeiro passo para fora do quarto, e o chão sob meus pés pareceu mais frio do que o habitual.

Os corredores estavam vazios, e cada passo meu parecia alto demais. Minha respiração era lenta, mas meu coração batia rápido. Eu olhava para trás a cada segundo, como se alguém pudesse surgir a qualquer momento e me encontrar ali, fora do meu espaço permitido.

Quando cheguei ao topo da escada, parei. Apoiei as mãos no corrimão e olhei para baixo. Era como se a casa inteira estivesse adormecida, mas eu sabia que era mais do que isso.

Fiquei ali, parada, tentando me lembrar de qual era a última vez que andei livremente por aquela casa. Fazia quanto tempo? Meses? Anos? Tentei buscar na memória. Talvez tenha sido antes de minha mãe morrer, quando ainda havia risos nos corredores e a casa parecia viva.

Agora, parecia um mausoléu.

Dei um passo à frente. Olhei ao redor, com o coração na garganta, mas não havia ninguém. Apenas o vazio.

Engoli em seco e continuei descendo, cada passo me aproximando mais de algo que eu não conseguia definir. A liberdade, talvez. Ou o perigo. Eu não sabia.

Tudo o que eu sabia era que o silêncio daquela casa parecia mais ameaçador do que reconfortante, e que, por alguma razão, eu não conseguia parar.

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