Helena
Eu nunca pensei que minha vida pudesse ser reduzida a um simples contrato. Mas ali estava eu, sentada em uma cadeira de madeira dura, em um escritório frio e luxuoso, enquanto meu pai assinava um papel que me vendia para um homem que eu mal conhecia.
"Helena, isso é o melhor para a nossa família." A voz dele, firme, cortava como uma lâmina, mas eu percebia a hesitação em seus olhos.
"Melhor para quem, pai?" Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, mas carregada de revolta.
Ele não respondeu. Apenas baixou o olhar, como se evitasse encarar a bagunça que ele mesmo havia criado. Era típico dele: um homem orgulhoso, que sempre colocava seus interesses acima de qualquer coisa, inclusive da própria filha.
Do outro lado da mesa, Sebastian Carter me observava com uma expressão indiferente. Alto, com os cabelos perfeitamente penteados para trás e um terno que parecia ter sido feito sob medida para destacar cada linha de seu corpo atlético, ele parecia a própria definição de perfeição. Mas havia algo de frio em seus olhos azuis. Ele não parecia um homem. Parecia uma máquina.
“Helena,” ele disse finalmente, sua voz grave e controlada, “eu não estou feliz com isso, e pelo que vejo, você também não está. Mas precisamos ser práticos. Um casamento entre nós é vantajoso para ambas as partes. Eu ganho minha credibilidade de volta, e você… bem, sua família ganha estabilidade.”
“Estabilidade?” Eu quase ri. “Você está me dizendo que, ao me transformar em uma peça de xadrez nesse jogo de poder, minha vida vai se estabilizar? Que piada.”
Sebastian não respondeu de imediato. Ele apenas me encarou com aquele olhar calculista, como se estivesse avaliando qual seria o próximo movimento.
"Você tem escolha," ele disse finalmente. "Você pode ir embora agora e deixar sua família à própria sorte. Mas se ficar, eu garanto que você terá tudo o que precisa para viver confortavelmente."
A raiva borbulhou dentro de mim. Ele falava como se estivesse me fazendo um favor, como se eu devesse agradecer por ele estar disposto a me "aceitar". Mas eu sabia que não era tão simples assim. Meu pai estava afundado em dívidas, e as pessoas para quem ele devia não eram exatamente conhecidas pela sua compaixão. Se eu dissesse não, minha família perderia tudo — talvez até as próprias vidas.
“E se eu ficar?” perguntei, cruzando os braços.
“Se ficar, nosso casamento será estritamente um acordo de negócios. Sem expectativas emocionais, sem envolvimento pessoal. Apenas duas pessoas cumprindo suas obrigações.”
Eu queria odiá-lo pela frieza, mas, de certa forma, aquela era a única coisa que fazia sentido. Pelo menos ele não estava tentando me enganar com falsas promessas de amor.
“Tudo bem,” eu disse, sentindo o peso da minha decisão esmagar meu peito. “Eu aceito.”
Sebastian inclinou a cabeça em um pequeno gesto de aprovação, como se estivesse satisfeito por ter fechado mais um acordo.
“Ótimo. O casamento será em duas semanas. Meu advogado cuidará de todos os detalhes.”
Eu queria gritar. Duas semanas? Eles estavam mesmo me apressando para mudar minha vida inteira em questão de dias? Mas antes que eu pudesse protestar, Sebastian já estava se levantando.
"Foi um prazer conhecê-la, Helena." Ele me ofereceu a mão, mas eu ignorei. Ele deu de ombros, como se já esperasse essa reação, e saiu do escritório sem olhar para trás.
Assim que a porta se fechou, me virei para meu pai.
"Você sabia que isso ia acontecer?" perguntei, minha voz tremendo de raiva.
"Helena, por favor, tente entender..."
"Entender o quê? Que você está me vendendo para pagar suas dívidas? Que você prefere me jogar nos braços de um estranho a enfrentar as consequências das suas escolhas?"
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo grisalho. "Eu estou tentando proteger você."
"Proteger? Você acha que me empurrar para esse casamento é proteção? Isso é covardia, pai."
Eu não esperei pela resposta. Saí do escritório pisando duro, sentindo as lágrimas ameaçarem cair. Mas eu não choraria. Não na frente deles.
No caminho para casa, minha mente girava. Como seria minha vida com Sebastian Carter? Ele claramente não queria estar nessa situação tanto quanto eu, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. Eu sabia que viver com ele seria um desafio, especialmente porque ele parecia enxergar tudo como uma transação.
Ao chegar em casa, fui direto para o meu quarto. Fechei a porta e me joguei na cama, encarando o teto. Pela primeira vez na vida, eu me sentia completamente impotente.
Eu precisava encontrar uma forma de recuperar o controle da minha vida. Talvez, dentro desse caos, ainda houvesse uma chance de eu virar o jogo.
Mas uma coisa era certa: eu não deixaria Sebastian Carter me transformar em uma marionete. Se ele queria uma esposa por conveniência, ele teria, mas nos meus próprios termos.
Eu só não sabia ainda como faria isso.
Sebastian
Meu nome é Sebastian Carter. Tenho 33 anos, sou CEO da Carter Enterprises, um conglomerado global que controla desde tecnologia de ponta até investimentos em imóveis de luxo. Aos olhos do mundo, sou um homem que tem tudo: dinheiro, poder, e um nome que pesa mais que barras de ouro. Mas por trás das capas de revistas e dos ternos caros, há uma verdade que poucos conhecem: minha vida é uma construção meticulosa, criada com base na percepção, e não na realidade.
E a percepção, como qualquer outra coisa, é frágil.
Há três meses, essa fragilidade quase destruiu tudo o que construí.
Foi durante uma coletiva de imprensa, daquelas que eu realizo quase por reflexo. Um repórter me perguntou sobre meu envolvimento com um escândalo financeiro relacionado a um antigo sócio. Antes que eu pudesse responder, ele soltou a bomba: “Dizem que o senhor Carter está mais focado em festas e mulheres do que em administrar sua empresa. Há algum fundamento nisso?”
O murmúrio dos jornalistas foi ensurdecedor. Claro, eu sabia que o mundo dos negócios era impiedoso, mas aquilo era diferente. Meu conselho de administração, composto por homens que fariam qualquer coisa para me derrubar e assumir o controle, começou a usar essa narrativa contra mim.
Eles não se importavam com os fatos. O que importava era a imagem pública, e a minha estava arranhada.
Naquele momento, percebi que precisava de algo mais do que sucesso financeiro para proteger meu legado. Precisava de estabilidade. De respeito. E, na sociedade em que vivemos, nada é mais simbólico de estabilidade do que um casamento.
Mas casamento por amor? Vamos ser realistas. Amor é um conceito superestimado, algo que as pessoas usam para justificar suas fraquezas. O que eu precisava era de um acordo. Uma mulher que entendesse as regras do jogo e soubesse cumpri-las.
Foi aí que surgiu Helena.
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Quando entrei no escritório hoje, vi a relutância estampada no rosto dela. Não era surpresa. Quem em sã consciência gostaria de se casar com alguém que acabara de conhecer?
Ela era diferente de todas as mulheres com quem já lidei. Seu olhar tinha uma intensidade que me desconcertava, como se ela fosse capaz de ver através das minhas camadas. Eu estava acostumado a mulheres que me queriam por meu dinheiro ou pelo que eu representava, mas Helena... ela parecia me odiar no instante em que me viu.
Eu não a culpo.
Se as circunstâncias fossem outras, talvez eu me sentisse mal por forçá-la a isso. Mas o que posso fazer? Sentir pena não paga as contas, não resolve problemas e, certamente, não mantém meu império de pé.
Ainda assim, algo sobre ela me intrigava.
Depois que saí do escritório, dirigi até meu apartamento no centro da cidade. Era um dos lugares mais luxuosos que você poderia imaginar: janelas de vidro do chão ao teto, vista para o horizonte brilhante, móveis sob medida que poderiam estar em um museu. Mas, como sempre, o espaço parecia vazio.
Coloquei um copo de uísque na mesa e me joguei no sofá.
Por que Helena? Por que a filha de um homem que nem sequer conseguiu manter suas próprias finanças em ordem?
A resposta era simples: seu pai pode ter falhado, mas o nome da família dela ainda carregava peso nos círculos que importavam. E eu sabia que, para os negócios que estava negociando, essa união seria um trunfo. Casar com Helena não era só uma questão de resolver minha reputação; era um movimento estratégico para solidificar alianças.
Mas algo em mim sabia que não seria fácil. Ela não era o tipo de mulher que se dobrava facilmente, e, de certo modo, isso me incomodava e me atraía ao mesmo tempo.
A realidade é que eu precisava dela tanto quanto ela, no fundo, precisava de mim.
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Na manhã seguinte, acordei com a mente mais clara. O casamento estava marcado para daqui a duas semanas, e havia muitas coisas a resolver.
O telefone tocou enquanto eu terminava meu café. Era Nathan, meu advogado e amigo de longa data.
"Sebastian, já redigi o contrato pré-nupcial. Quer que eu envie para a Helena revisar?"
"Sim, envie. Mas certifique-se de que ela entenda cada cláusula. Não quero problemas no futuro."
Nathan riu do outro lado da linha. "Você acha mesmo que ela vai aceitar isso sem contestar?"
"Ela não tem escolha, Nathan. Nenhum de nós tem."
Depois de desligar, fui até o escritório. Meu dia estava cheio de reuniões, mas minha mente continuava vagando de volta para Helena. Não era só sua aparência que me chamava a atenção — embora eu não pudesse negar que ela era linda. Era sua força, sua resistência. Eu sabia que ela seria um desafio, mas desafios nunca me intimidaram.
Por volta do meio-dia, enquanto revisava relatórios financeiros, recebi uma mensagem de Nathan.
Contrato entregue. Ela não ficou exatamente feliz. Está disposta a negociar algumas coisas.
Eu sorri, apesar de mim mesmo. Claro que ela queria negociar.
Peguei o telefone e liguei para ela diretamente.
"Helena."
"Sebastian." Sua voz era tão afiada quanto uma faca.
"Recebi sua resposta sobre o contrato. O que exatamente você quer mudar?"
"Se vamos fazer isso, eu quero manter minha liberdade. Quero poder trabalhar, estudar, e não quero que você interfira na minha vida pessoal mais do que o necessário."
"Justo. Mas lembre-se, enquanto formos casados, haverá expectativas. Eventos sociais, jantares, aparições públicas. Preciso de você ao meu lado quando for necessário."
"Eu entendi as regras, Sebastian. Mas não vou me transformar em uma boneca de luxo para você exibir."
Sua resposta me fez rir, algo que eu não fazia há muito tempo. "Você é mesmo diferente, Helena. Acho que isso pode ser interessante."
"Interessante não é bem a palavra que eu usaria."
"Seja como for, concordo com suas condições. Vou pedir ao Nathan para ajustar o contrato."
Depois que desliguei, me peguei pensando no que ela havia dito. Helena não era apenas diferente. Ela era um lembrete de que, mesmo no meio de um jogo tão frio quanto o que estávamos jogando, ainda havia pessoas que se recusavam a ser moldadas pelas circunstâncias.
E, de algum jeito, isso me fazia querer conhecê-la melhor.
Mas eu não podia me dar ao luxo de deixar sentimentos nublarem meu julgamento. Esse casamento era um contrato, e contratos devem ser cumpridos.
Era só isso.
Pelo menos, era o que eu dizia a mim mesmo.
Helena
Meu nome é Helena Rossi. Tenho 25 anos e já aprendi que a vida raramente se preocupa com o que você quer. Meus sonhos nunca foram extravagantes: eu queria abrir minha própria livraria, um espaço pequeno e acolhedor, onde pudesse cercar-me de histórias que me inspirassem a escrever as minhas. Sempre achei que tinha tempo, que poderia alcançar isso com esforço e paciência.
Mas a vida decidiu me ensinar uma lição dura. Meu futuro não estava nas minhas mãos.
Cresci em uma família que já foi respeitada e influente. Meu pai, Alessandro Rossi, costumava ser um homem admirado, tanto pela sua habilidade nos negócios quanto pelo seu carisma. Minha mãe, Serena, era a alma da nossa família, forte e sábia. Ela era quem mantinha tudo no lugar. Quando ela morreu, cinco anos atrás, meu pai desmoronou.
Foi doloroso ver o homem que antes era meu herói se transformar em alguém incapaz de lidar com a realidade. Ele se perdeu em dívidas e más decisões, vendendo pedaços do que restava de nossa vida, até que, finalmente, não havia mais nada a oferecer.
A não ser eu.
Três dias atrás, meu pai me chamou para uma conversa “urgente”. Quando entrei no escritório, percebi sua postura nervosa. Ele não conseguia me encarar. Na mesa, havia um envelope grosso com o nome Sebastian Carter gravado no topo.
“Helena, eu preciso que você entenda algo,” ele começou, sem me olhar.
“Seja direto, pai. O que está acontecendo?”
Ele respirou fundo e empurrou o envelope em minha direção. “É um contrato… de casamento.”
Eu ri. Era uma reação automática, mais de incredulidade do que de humor. “Você está brincando comigo, certo? Um contrato de casamento? Isso é coisa de filme, pai.”
“Não estou brincando.” Sua voz saiu firme, mas havia algo implorando por compreensão em seus olhos. “É um acordo com Sebastian Carter. Ele é um dos homens mais poderosos do país. Concordar com isso significa que nossas dívidas desaparecerão. Você terá uma vida estável. E eu… eu poderei respirar de novo.”
Peguei o envelope com mãos trêmulas e o abri, minhas emoções oscilando entre raiva e choque.
As cláusulas eram claras e objetivas, como se a ideia de unir duas vidas fosse apenas um acordo de negócios. Eu seria obrigada a comparecer a eventos ao lado dele, manter as aparências de um casamento feliz, mas sem expectativas emocionais ou físicas. Era tudo tão frio, tão impessoal.
“Sério, pai? Ele quer comprar uma esposa? E você acha que eu deveria concordar com isso?”
“Não é assim, Helena. Você não está entendendo. Eu fiz isso por você, para garantir que você tenha um futuro.”
“Um futuro? Você acha que ser vendida como um objeto vai me garantir um futuro?” Meu rosto queimava de raiva enquanto eu me levantava, empurrando o contrato de volta para ele.
“Se você não fizer isso, as consequências serão muito piores,” ele disse, com a voz baixa. “As pessoas para quem devo dinheiro não são o tipo que aceita desculpas, Helena. Isso não é só sobre mim. É sobre nós dois.”
Por mais que eu quisesse gritar com ele, sabia que ele estava certo. Eu podia não gostar, mas a alternativa era inimaginável. Ainda assim, não consegui esconder a sensação de traição.
Dois dias depois, um advogado apareceu na porta da minha casa. Nathan, o advogado de Sebastian, era tão frio e impassível quanto o contrato que trazia. Ele parecia desconfortável, como se também soubesse que o que estava fazendo era errado, mas que não tinha escolha.
“Senhorita Rossi,” ele começou, enquanto tirava os papéis de sua pasta. “Este é o contrato atualizado, com algumas condições que o senhor Carter pediu para reforçar. Ele quer ter certeza de que você está confortável antes de assinar.”
Eu ri sem humor. “Confortável? É sério?”
Nathan não respondeu, apenas empurrou o contrato na minha direção. Eu li cada palavra com cuidado. Lá estava tudo de novo: um casamento de fachada, um acordo impessoal, regras e mais regras.
Mas o que me deixou mais irritada foi o tom do documento. Ele falava de mim como se eu fosse uma peça de propriedade, algo que precisava ser regulamentado.
“Eu não vou assinar isso,” disse, cruzando os braços.
“É sua escolha,” Nathan respondeu calmamente. “Mas sugiro que pense bem nas consequências.”
Ele me deixou sozinha com o contrato. Passei horas encarando aquelas palavras, sentindo a raiva crescer dentro de mim.
No fundo, eu sabia que não tinha escolha. O peso da dívida do meu pai era uma corrente em volta do meu pescoço, e esse contrato era a única chave para me libertar.
Quando Sebastian ligou mais tarde naquele dia, a raiva ainda estava fresca em minha mente.
“Helena,” ele começou, com a voz controlada. “Quero ter certeza de que você entende os termos antes de prosseguirmos.”
“Entender?” Minha voz saiu carregada de sarcasmo. “Entender que estou sendo tratada como um item de uma transação? Acho que entendi perfeitamente, Sebastian.”
“Isso não é pessoal,” ele disse, como se isso devesse me confortar. “É um acordo que beneficia ambos. Você resolve os problemas de sua família, e eu resolvo os meus.”
“E quais são os seus problemas?” perguntei, sem conseguir esconder a curiosidade.
Ele hesitou por um momento antes de responder. “Minha imagem. Preciso de estabilidade, de uma parceira que compreenda o que está em jogo. Não estou pedindo amor, Helena. Só honestidade e comprometimento com o que acordarmos.”
Eu bufei. “E você acha que isso é suficiente para me convencer?”
“Não espero que você goste disso. Mas espero que entenda.”
Desliguei o telefone sem dizer mais nada.
Naquela noite, li o contrato mais uma vez e, com lágrimas nos olhos, assinei. Não por mim, mas porque sabia que, sem isso, meu pai perderia mais do que seu orgulho.
Eu ainda tinha meus sonhos, mas sabia que eles precisariam esperar. Por enquanto, eu precisava me preparar para enfrentar Sebastian Carter e descobrir como sobreviver ao que estava por vir.
Porque, mesmo nesse casamento arranjado, eu não deixaria de ser quem sou.
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