Miku Arata vivia uma vida simples no Japão, dedicando-se completamente ao seu único filho, Ken. Ela era uma mulher de beleza serena, com cabelos castanhos escuros cortados na altura dos ombros e olhos castanhos que refletiam uma determinação tranquila. Miku sempre valorizou a estabilidade e fazia questão de garantir que Ken tivesse uma infância tranquila, mesmo após o tumultuado divórcio de William Diller, o pai de seus filhos.
Ken Arata, com 14 anos, era um garoto tímido e introspectivo. Seus cabelos negros caiam de forma desalinhada, cobrindo parte de sua testa, e seus olhos vermelhos brilhavam como rubis, uma característica única que o tornava alvo de olhares curiosos, mas também de comentários maldosos na escola. Apesar de ser reservado, Ken era um jovem gentil e sensível, com um amor profundo por livros de fantasia e um talento nato para desenhar. Ele preferia passar seu tempo sozinho, geralmente no pequeno jardim de sua casa, rabiscando histórias e paisagens em seu caderno de desenhos.
A vida de Ken e Miku seguiu um ritmo tranquilo desde que William havia partido para os Estados Unidos com Sho, o irmão gêmeo mais velho de Ken. Embora fossem gêmeos, Ken e Sho eram tão diferentes quanto o dia e a noite. Enquanto Ken herdara os traços de Miku, Sho puxara completamente o lado paterno da família. Sho era albino, com cabelos platinados quase brancos que reluziam à luz e olhos de um azul claro e penetrante. Sua aparência distinta, combinada com sua personalidade séria e confiante, fazia dele o oposto de Ken.
Sho tinha apenas 3 anos quando o divórcio aconteceu, e embora a separação tenha sido difícil para ambos os meninos, o fato de viverem em lados opostos do mundo significava que eles praticamente não se conheciam. Para Ken, Sho era quase como um personagem de uma história – alguém com quem ele compartilhava um vínculo inquebrável, mas cuja presença era apenas uma lembrança distante.
Do outro lado do oceano, Sho cresceu em um ambiente muito diferente. William Diller, um homem alto e imponente, com cabelos loiros quase brancos e uma atitude rígida, criava Sho com disciplina militar. William era um soldado de carreira e dedicava sua vida ao exército, o que significava que Sho cresceu com regras claras e uma rotina rigorosa. Isso moldou Sho em um garoto resiliente e independente, mas também o tornou desconfiado em relação a laços emocionais.
Agora, com a notícia da morte de William, Sho se via diante de uma mudança drástica. Aos 14 anos, ele seria enviado de volta ao Japão para viver com sua mãe e o irmão que ele mal conhecia. Essa transição, no entanto, ainda era um segredo para Ken e Miku, embora Miku tivesse recebido os documentos necessários e estivesse se preparando para a chegada de Sho.
Ken, alheio a tudo isso, continuava sua rotina tranquila. Em um fim de tarde, sentado sob a cerejeira no quintal, ele rabiscava no caderno enquanto refletia sobre como seria ter um irmão ao seu lado. Ele sempre sentiu um vazio, um espaço que nunca foi preenchido completamente. Por mais que amasse sua mãe, havia algo dentro dele que ansiava por uma conexão perdida – um desejo inexplicável de encontrar algo ou alguém que ele não conseguia definir.
Enquanto isso, Miku, na cozinha, olhava pela janela, observando Ken com uma expressão suave, mas preocupada. Sabia que a chegada de Sho seria um desafio. Como explicar a Ken que o irmão dele, cuja existência parecia tão distante, agora faria parte de suas vidas novamente? Como equilibrar as personalidades opostas de seus dois filhos e ajudar Sho a se ajustar a uma cultura que ele mal conhecia?
A resposta para essas perguntas ainda era incerta, mas uma coisa Miku sabia: o reencontro dos gêmeos mudaria para sempre a dinâmica da sua pequena família. E, no fundo, ela torcia para que, apesar das diferenças, os dois pudessem construir um vínculo que transcenderia os anos de separação.
Dois dias se passaram desde que Miku contou a Ken sobre a chegada de Sho. Desde então, Ken estava inquieto, imaginando como seria encontrar o irmão que ele mal conhecia. Ele passara horas revisando o que diria quando Sho chegasse, ensaiando em frente ao espelho frases simples como "Seja bem-vindo" e "É um prazer te conhecer". Ele queria que tudo fosse perfeito.
Naquela tarde, enquanto Miku arrumava a sala para receber Sho, Ken não conseguia esconder sua ansiedade.
— Mãe, você acha que ele vai gostar de mim? — perguntou Ken, sentado no sofá com as mãos inquietas no colo.
Miku, que colocava flores frescas em um vaso, sorriu para o filho.
— Claro que vai, Ken. Vocês são irmãos. Ele pode parecer distante no começo, mas lembre-se de que ele está lidando com muitas coisas agora. Seja compreensivo, está bem?
Ken assentiu, embora ainda estivesse nervoso. Ele tinha certeza de que Sho seria totalmente diferente dele, mas isso não o impedia de querer se dar bem com o irmão.
Finalmente, o som de um carro parando do lado de fora da casa fez o coração de Ken acelerar. Ele correu para a porta, seguido por Miku, que tentou manter a calma, apesar de sua própria ansiedade em rever o filho que não via há tantos anos.
Quando a porta se abriu, lá estava Sho. Ele tinha uma presença marcante: cabelos platinados levemente bagunçados, olhos azuis claros que pareciam perfurar tudo o que olhavam, e um corpo atlético que parecia incomum para sua idade. Ele era alto para um garoto de 14 anos, e sua postura rígida e o olhar frio deixaram Ken e Miku momentaneamente sem palavras.
— Sho... — Miku finalmente quebrou o silêncio, sua voz tremendo de emoção.
Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, Sho abaixou a cabeça levemente, um gesto educado, mas distante.
— Obrigado por me receber, mãe.
Miku deu um passo à frente e o puxou para um abraço apertado. Sho permaneceu rígido por um momento, mas não a afastou.
— Você sempre será meu precioso filho, Sho — ela murmurou, com lágrimas nos olhos.
Depois de um instante, ela o soltou e se virou para Ken.
— Este é Ken, seu irmão.
Ken deu um passo à frente, um sorriso nervoso no rosto.
— Oi, Sho. É... um prazer finalmente te conhecer. Eu esperei muito tempo por isso.
Sho olhou para ele de cima a baixo, avaliando-o com olhos analíticos.
— Você é bem diferente de mim — ele comentou de forma direta, sem qualquer entonação amigável.
Ken piscou, surpreso com a frieza, mas tentou não se abalar.
— Bem, somos gêmeos, mas acho que é normal sermos diferentes, né? — Ele sorriu, tentando quebrar o gelo.
Sho deu de ombros e entrou na casa, carregando apenas uma mochila.
— Onde é meu quarto?
Miku, que observava atentamente, interveio.
— Vou te mostrar. Depois, podemos jantar juntos e conversar um pouco, certo?
Sho assentiu brevemente, e Miku o levou até o quarto preparado para ele.
Ken permaneceu na sala, tentando processar o encontro. Sho era muito diferente do que ele havia imaginado. Mas, apesar do frio na barriga, ele decidiu que faria de tudo para se aproximar do irmão.
Mais tarde, durante o jantar...
A mesa estava silenciosa. Miku tentava puxar conversa de tempos em tempos, mas Sho respondia com frases curtas e objetivas. Ken, por outro lado, continuava lançando olhares curiosos para o irmão.
— Então, Sho... — começou Ken, tentando soar casual. — Como era morar nos Estados Unidos?
Sho levantou os olhos do prato, mas seu tom continuou frio.
— Diferente daqui.
— Ah, entendi. Tipo... mais agitado?
— Mais organizado.
Ken riu sem jeito.
— É, as coisas aqui podem ser meio bagunçadas. Mas eu gosto disso. Faz a vida parecer mais... viva, sabe?
Sho não respondeu e voltou a comer. Miku suspirou baixinho, mas Ken não desistiu.
— Sho, eu vi que você tem um físico incrível. Você pratica esportes?
— Treinamento militar — respondeu Sho, seco.
Ken engoliu em seco, sem saber como continuar. Miku interveio.
— Sho, sei que tudo isso é novo para você, mas aqui você não precisa se sentir pressionado. Quero que veja esta casa como seu lar.
Sho pousou os talheres e olhou para Miku com um semblante sério.
— Obrigado, mãe, mas estou acostumado a cuidar de mim mesmo. Não precisam se preocupar comigo.
O silêncio que se seguiu foi desconfortável. Ken finalmente juntou coragem para tentar algo mais pessoal.
— Sho... eu sei que a gente mal se conhece, mas... quero que saiba que eu estou aqui para você. Quero ser mais do que só seu irmão de sangue. Quero ser seu amigo.
Sho ergueu as sobrancelhas, ligeiramente surpreso com a declaração. Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder.
— Você fala demais.
Ken ficou um pouco vermelho, mas decidiu encarar o comentário como um desafio.
— Talvez eu fale demais, mas acho que é porque estou animado. Vou continuar tentando até você cansar de mim, Sho!
Sho desviou o olhar, um leve indício de um sorriso malicioso brincando nos cantos de seus lábios.
— Boa sorte com isso.
Era uma resposta fria, mas para Ken, era um começo.
Depois do jantar, Sho se levantou da mesa sem dizer uma palavra, pegou sua mochila e subiu para o quarto. O som da porta se fechando ecoou pela casa, e Ken suspirou, olhando para o prato vazio de Sho.
— Ele... é tão distante. Parece que ele não quer estar aqui — murmurou Ken, apoiando o rosto nas mãos.
Miku recolheu os pratos da mesa com um semblante calmo, mas havia uma sombra de preocupação em seus olhos.
— Ken, Sho passou por muita coisa. Você precisa ser paciente com ele.
Ken franziu o cenho e cruzou os braços, encarando sua mãe.
— Eu estou tentando, mãe, mas ele é tão... fechado. Não consigo entender como ele pensa.
Miku colocou os pratos na pia e se sentou ao lado do filho, passando a mão suavemente pelos cabelos dele.
— Filho, William era um homem muito rígido. Ele tinha regras para tudo, era disciplinado ao extremo, e isso certamente afetou Sho.
Ken olhou para ela com curiosidade, embora uma leve tristeza transparecesse em seu olhar.
— É por isso que vocês se separaram, não é? Por causa do jeito dele?
Miku suspirou, os olhos vagando como se estivesse revisitando memórias dolorosas.
— Sim. No começo, ele era um homem encantador, mas, com o tempo, o lado rígido e sistemático dele começou a tomar conta. Ele queria que tudo fosse perfeito, até mesmo eu e vocês dois. Quando ele me traiu... foi o último golpe.
Ken apertou os lábios, tentando imaginar como Sho havia lidado com tudo isso enquanto crescia.
— Então Sho cresceu com ele desse jeito... sendo pressionado o tempo todo?
Miku assentiu, olhando para a escada que levava ao quarto de Sho.
— Sim. Ele não teve a liberdade que você teve. Enquanto você pôde desenhar, sonhar e ser você mesmo, Sho provavelmente teve que seguir regras, treinar, e carregar responsabilidades que nenhuma criança deveria carregar.
Ken ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre as palavras da mãe.
— É por isso que ele é tão frio, não é? Ele não sabe como... se conectar com as pessoas.
Miku sorriu suavemente, segurando as mãos de Ken.
— Talvez seja isso. Mas ele está aqui agora, Ken. E nós podemos dar a ele algo que ele nunca teve: uma família de verdade. Vai levar tempo, e pode ser difícil, mas tenho certeza de que, aos poucos, podemos fazer isso funcionar.
Ken olhou para as mãos da mãe, depois para as escadas novamente, determinado.
— Eu vou tentar, mãe. Não importa o quanto ele me empurre para longe, eu vou continuar tentando. Ele é meu irmão.
Miku sorriu, apertando levemente as mãos dele.
— É por isso que tenho tanto orgulho de você, Ken.
Os dois ficaram ali por alguns instantes, apreciando o silêncio da casa. Porém, a mente de Ken estava cheia de ideias e planos. Ele não sabia como faria, mas estava decidido a ajudar Sho a se sentir parte daquela família.
Lá em cima, atrás da porta trancada, Sho estava sentado na beira da cama. Ele olhava para a mochila ainda cheia de coisas, mas não fazia nenhum movimento para desfazê-la. Seus olhos azuis vagavam pelo quarto simples, e ele suspirou profundamente.
— Família feliz, hein... — murmurou para si mesmo, com um toque de sarcasmo em sua voz.
Embora ele não admitisse, algo dentro dele queria acreditar que era possível.
Na manhã seguinte, Miku estava na cozinha preparando o café da manhã quando decidiu tentar algo para aproximar os dois irmãos. Após a refeição, ela se aproximou de Ken e Sho, que estavam sentados à mesa em silêncio.
— Ken, Sho, pensei que vocês poderiam sair juntos hoje. Aqui está um pouco de dinheiro para vocês irem tomar sorvete. Que tal?
Ken quase saltou da cadeira, animado.
— Sério, mãe? Que ideia ótima!
Sho, por outro lado, ergueu uma sobrancelha, claramente menos entusiasmado.
— Sorvete? — Ele disse com indiferença.
— Sim, Sho. É uma boa oportunidade para vocês passarem um tempo juntos — insistiu Miku, sorrindo gentilmente.
Ken olhou para Sho com um brilho de esperança nos olhos.
— Vamos lá, Sho. Vai ser divertido.
Sho suspirou, percebendo que não tinha escolha.
— Tudo bem.
**No caminho para a sorveteria...**
Ken caminhava à frente, apontando as direções enquanto falava sobre os sabores de sorvete que mais gostava. Sho seguia atrás, calado, observando o ambiente com seu olhar analítico de sempre.
— E você, Sho? Qual sabor de sorvete você gosta? — perguntou Ken, olhando por cima do ombro.
— Não tenho preferência — respondeu Sho sem emoção.
Ken riu sem jeito, mas continuou falando para preencher o silêncio.
Quando estavam perto da sorveteria, Sho notou um grupo de garotos do outro lado da rua. Eles eram barulhentos, rindo alto e apontando na direção de Ken. Sho franziu o cenho, concentrando-se nos gestos e nas expressões deles.
Um dos garotos sussurrou algo para os outros, que começaram a rir ainda mais alto. As palavras que Sho conseguiu captar eram ofensivas, referindo-se aos olhos vermelhos de Ken e à sua timidez.
Ken, que também notara os garotos, abaixou a cabeça e apressou o passo.
— Vamos entrar logo — disse ele, a voz tremendo levemente.
Sho permaneceu onde estava por um momento, observando os garotos com um olhar frio e penetrante. Ele entendeu imediatamente o que estava acontecendo: aqueles eram os típicos valentões que se aproveitavam da bondade e da timidez de alguém como Ken.
— Sho! — chamou Ken, já na porta da sorveteria.
Sho ignorou os garotos e entrou na sorveteria atrás do irmão.
Ken já estava na fila, tentando disfarçar sua preocupação. Sho se aproximou dele e ficou ao lado, em silêncio.
— Eles... Eles não vão entrar aqui, então estamos bem — disse Ken, como se tentasse se convencer disso.
Sho olhou para o irmão de canto de olho.
— Eles fazem isso com frequência?
Ken congelou, fingindo não entender a pergunta.
— O quê?
Sho cruzou os braços, mantendo seu tom direto e firme.
— Aqueles garotos. Eles fazem isso com você com frequência?
Ken hesitou, desviando o olhar.
— Não é nada demais. Eles só... fazem umas piadinhas às vezes. Eu estou acostumado.
— Não deveria estar.
Ken ficou surpreso com o tom de Sho. Ele parecia quase irritado, mas não com Ken, e sim com a situação.
— Não precisa se preocupar com isso, Sho. Eu lido com eles sozinho.
Sho o encarou por um momento, os olhos azuis brilhando com algo que Ken não conseguia decifrar.
— Não é assim que uma família funciona.
Ken sentiu um calor no peito ao ouvir aquelas palavras, mas antes que pudesse responder, chegou a vez deles na fila.
— Que sabores vocês vão querer? — perguntou o atendente, com um sorriso amigável.
Ken rapidamente pediu chocolate com baunilha, enquanto Sho olhava para os sabores sem muito interesse.
— Só baunilha — disse ele, direto.
Os dois pegaram os sorvetes e se sentaram em uma mesa próxima à janela. Ken tentou puxar assunto, falando sobre como aquele lugar era um dos seus favoritos, mas Sho parecia distraído, olhando pela janela.
Do lado de fora, os garotos que zombavam de Ken estavam passando, ainda rindo e fazendo gestos na direção da sorveteria. Sho fixou o olhar neles por alguns segundos antes de voltar sua atenção para Ken.
— Se eles aparecerem de novo, você me avisa — disse Sho, sua voz firme, quase como uma ordem.
Ken olhou para ele, surpreso.
— Sho, você não precisa se envolver nisso. Eu não quero que você tenha problemas por minha causa.
Sho estreitou os olhos, mordendo um pedaço de sua casquinha de sorvete antes de responder.
— Não são problemas. Eu cuido disso se precisar.
Ken ficou em silêncio, encarando o irmão. Havia algo no jeito de Sho que era assustador, mas, ao mesmo tempo, reconfortante. Pela primeira vez, ele sentiu que tinha alguém ao seu lado, disposto a protegê-lo.
Embora Sho ainda fosse frio e distante, aquele momento mostrou a Ken que, no fundo, havia um laço entre eles que estava a começar a se formar.
Depois de terminarem os sorvetes, Sho se levantou, dizendo de forma casual:
— Vou ao banheiro. Não demoro.
Ken assentiu, terminando de lamber a casquinha do sorvete, enquanto Sho caminhava em direção ao banheiro da sorveteria. Ele ficou sozinho na mesa, mexendo no celular, tentando se distrair, quando ouviu risadas familiares vindas da entrada. Ao levantar o olhar, sentiu seu coração afundar.
Os mesmos garotos que estavam do lado de fora haviam entrado, e um deles, o líder, um rapaz alto de cabelos bagunçados chamado Takashi, sorriu de forma debochada ao ver Ken.
— Olha só quem está aqui! O nosso amiguinho de olhos esquisitos — zombou Takashi, com os outros rindo atrás dele.
Ken imediatamente desviou o olhar, tentando parecer invisível.
— Ei, Ken. Não vai nos cumprimentar? Que falta de educação! — provocou outro garoto, empurrando levemente a mesa onde Ken estava sentado.
Ken tentou responder, mas sua voz falhou. Ele estava paralisado, como sempre acontecia quando aqueles garotos apareciam.
— Vamos dar uma volta, Ken? — disse Takashi, puxando o braço de Ken, que tentou resistir.
— Eu... eu não quero... — murmurou Ken, mas sua timidez e medo tornavam sua voz quase inaudível.
— Não foi uma pergunta — respondeu Takashi, com um sorriso cruel.
Antes que Ken pudesse reagir, eles o levantaram à força e o arrastaram para fora da sorveteria.
Os garotos levaram Ken até um terreno vazio e cercado por muros baixos, a poucos quarteirões da sorveteria. O lugar estava sujo, com restos de entulho espalhados pelo chão. Eles o empurraram para o centro, e Ken tropeçou, caindo de joelhos.
— E aí, Ken, quem era aquele contigo na sorveteria? — perguntou Takashi, inclinando-se com as mãos nos bolsos.
Ken ficou em silêncio, apertando os punhos enquanto olhava para o chão.
— Vamos, responde, esquisitão. Era seu namorado? — provocou outro garoto, arrancando risadas dos demais.
— Aposto que era. Branca de Neve e o príncipe encantado, que fofo! — gritou um deles, empurrando Ken de leve com o pé.
Ken tentou se levantar, mas Takashi o empurrou de novo, fazendo-o cair de costas no chão.
— Qual é o problema, Ken? Não vai defender o namoradinho? — disse Takashi, agora mais agressivo.
Ken estava tremendo. Ele já havia passado por isso antes, mas sempre na escola, onde os professores fingiam não ver, e seus colegas apenas olhavam de longe, sem nunca ajudar. Ele sempre teve medo de contar para sua mãe. Não queria preocupá-la e, no fundo, temia que isso piorasse sua situação.
— Por que você sempre fica quieto? Não tem nada pra dizer, Ken? — continuou Takashi, chutando levemente a lateral de Ken, que gemeu baixo.
As risadas ecoavam pelo terreno, enquanto os garotos se aproximavam mais, formando um círculo ao redor de Ken. Ele sentia as lágrimas se acumulando nos olhos, mas não queria chorar. Não na frente deles.
— Talvez devêssemos ensinar uma lição a ele. Assim ele aprende a nos respeitar de verdade — sugeriu um dos garotos.
— Boa ideia. Afinal, ele nunca aprende, né? — Takashi deu um sorriso cruel, levantando o punho como se fosse começar algo pior.
Ken fechou os olhos, esperando o pior, o medo tomando conta de todo o seu corpo. Ele se sentia completamente sozinho.
Enquanto Ken estava no chão, ainda tremendo e prestes a ser atacado, uma voz fria e firme ecoou pelo terreno:
— Se encostarem um dedo nele, eu vou espancar cada um de vocês.
Ken abriu os olhos, virando a cabeça em direção à entrada do terreno. Sho estava ali, parado, com as mãos nos bolsos e um olhar tão frio quanto o gelo. Ele avançava lentamente em direção ao círculo que os garotos formavam ao redor de Ken. Seu corpo atlético e sua altura de 1,80m faziam com que os garotos parecessem ainda menores.
Os valentões se entreolharam, claramente desconfortáveis, mas não dispostos a demonstrar medo. Takashi, o líder, forçou uma risada e disse:
— Olha só, o "príncipe encantado" apareceu pra salvar a aberração. Que cena de filme.
Outro garoto riu e apontou para Sho.
— E quem é você, hein? Esse cabelo branco e esses olhos azuis... Você parece mais bizarro do que o Ken. Será que a aberração veio acompanhado de um palhaço?
Sho não reagiu de imediato. Ele apenas continuou andando, seus passos ecoando no terreno, parando alguns metros na frente deles. Então, respondeu com uma voz seca e cortante:
— A mãe de vocês não achou tão bizarro ontem à noite.
A provocação foi o suficiente para que a tensão no ar explodisse. Os garotos ficaram vermelhos de raiva, especialmente Takashi, que deu um passo à frente, cerrando os punhos.
— O que você disse? — rosnou Takashi.
Sho não recuou. Pelo contrário, ele deu um meio sorriso provocador, inclinando a cabeça levemente.
— Vocês ouviram. Agora, por que não saem do meu caminho antes que eu tenha que ensinar umas boas maneiras?
Os garotos, já irritados e agora tentando salvar o próprio orgulho, não recuaram. Takashi gritou:
— Vamos pegar ele!
Os garotos correram em direção a Sho, mas ele permaneceu parado, esperando. Quando o primeiro garoto tentou acertar um soco, Sho desviou facilmente e acertou um direto no estômago do agressor, que caiu no chão arfando. Outro tentou agarrá-lo por trás, mas Sho girou o corpo e desferiu um soco no rosto dele, derrubando-o com um único golpe.
Ken, ainda no chão, observava a cena com olhos arregalados. Sho era assustadoramente habilidoso. Sua postura, precisão e força não eram nada naturais para alguém de sua idade.
Os valentões restantes hesitaram, mas Takashi gritou:
— Não parem, idiotas! Ele não é invencível!
Os garotos tentaram cercar Sho, mas ele continuou a enfrentá-los com calma e eficiência. A cada movimento, ele derrubava um após o outro, como se fosse um jogo. Quando o último caiu, gemendo de dor, Takashi tentou fugir, mas Sho foi mais rápido.
Ele agarrou Takashi pela gola da camisa, levantando-o do chão como se fosse um brinquedo, e o derrubou com força no chão, subindo sobre ele. Takashi tentou lutar, mas Sho segurou seus braços com uma das mãos e começou a desferir socos fortes e precisos em seu rosto com a outra.
— Gostou de brincar com meu irmão? — perguntou Sho, a cada palavra acompanhada de um soco.
Os garotos que ainda estavam conscientes observavam a cena, apavorados. A violência de Sho era fria, metódica, e assustadoramente eficiente. Ken, ainda no chão, assistia à cena sem saber o que fazer. Seu coração estava acelerado, mas não era apenas medo. Era uma mistura de choque e preocupação.
Ele se perguntava o que Sho havia vivido para ser assim. Que tipo de vida ele teve com o pai, William, para desenvolver uma brutalidade tão impiedosa?
Takashi gritou algumas vezes, tentando implorar para que Sho parasse, mas seus gritos se tornaram fracos até cessarem completamente. Quando Sho finalmente parou, Takashi estava desmaiado, o rosto coberto de sangue e inchaços.
Sho levantou-se, limpando o sangue de seus punhos na própria camisa, e olhou para os outros garotos.
— Se eu vir algum de vocês perto do meu irmão de novo, eu não vou ser tão "gentil".
Os garotos assentiram rapidamente, ajudando uns aos outros a se levantarem e fugindo o mais rápido que puderam.
Sho então virou-se para Ken, que ainda estava sentado no chão, tremendo. Ele estendeu a mão para o irmão.
— Vamos embora.
Ken hesitou por um momento, olhando para o rosto inexpressivo de Sho, antes de pegar sua mão. Quando se levantou, Sho olhou para ele com uma expressão que parecia ser um misto de frustração e preocupação.
— Por que você deixa eles fazerem isso com você?
Ken desviou o olhar, segurando as lágrimas.
— Eu... eu não sei.
Sho suspirou, passando a mão pelos cabelos brancos.
— Não importa. Da próxima vez, me avise antes que chegue a esse ponto.
Eles começaram a caminhar de volta para casa em silêncio, mas Ken não conseguia tirar da cabeça o que havia acabado de acontecer. Algo dentro dele dizia que Sho havia vivido coisas terríveis, e isso o preocupava ainda mais.
Enquanto caminhavam de volta para casa, o silêncio entre os irmãos era preenchido pelos pensamentos conflitantes de Ken. Ele ainda estava assustado com a brutalidade de Sho, mas também sentia uma felicidade calorosa pelo fato de seu irmão ter se importado o suficiente para defendê-lo.
Ken olhou de relance para Sho, que caminhava com as mãos nos bolsos e o olhar distante. Ele não parecia arrependido ou sequer incomodado com o que tinha acontecido no terreno abandonado. Talvez, pensou Ken, essa frieza fosse resultado do tipo de vida que Sho havia levado com o pai.
De repente, Ken teve uma ideia. Talvez ele pudesse fazer algo para mostrar sua gratidão e tentar se aproximar mais de Sho. Ele sorriu internamente, decidido a colocar seu plano em prática.
— Sho... — começou Ken, tentando parecer casual.
— Hm? — Sho respondeu, sem virar o rosto.
— O que você mais gosta de ver no mundo? Tipo, o que te deixa feliz?
Sho parou por um momento, surpreso pela pergunta. Ele franziu o cenho, como se estivesse realmente pensando, antes de responder.
— Gosto de armas brancas. Katanas, principalmente.
Ken arregalou os olhos, surpreso.
— Katanas?
Sho deu de ombros.
— É. São bonitas. Elegantes. E eficientes. Tenho algumas facas e adagas que coleciono também.
Ken tentou esconder seu espanto, mas rapidamente transformou a surpresa em entusiasmo.
— Isso é... interessante. Eu não sabia que você colecionava coisas assim.
Sho não respondeu, apenas continuou caminhando. Para ele, o assunto parecia encerrado. Mas para Ken, a ideia de criar algo especial para seu irmão agora estava mais forte do que nunca.
Assim que chegaram em casa, Sho foi direto para o banheiro, avisando que ia tomar um banho. Ken aproveitou o momento e correu para seu quarto, animado.
Ele pegou seu caderno de desenhos, sentou-se à mesa e começou a esboçar. A ideia era criar uma katana única, algo que representasse Sho de alguma forma. Ele começou com o formato tradicional da lâmina, mas adicionou detalhes especiais: uma guarda em forma de dragão e uma empunhadura com textura de escamas.
Enquanto desenhava, Ken imaginava Sho segurando a katana. Ela parecia combinar perfeitamente com a aura fria e imponente do irmão.
— Espero que ele goste... — murmurou Ken para si mesmo, determinado a fazer o melhor desenho que já tinha feito.
A cada traço, Ken sentia estar se conectando mais a Sho, tentando entender quem ele realmente era através da sua arte.
Ken mergulhou em seu trabalho, ajustando cada detalhe com cuidado. Ele usou sombras e traços para dar profundidade à lâmina e ao cabo, criando uma ilustração que parecia quase real. Queria que o desenho transmitisse a força e a intensidade de Sho, mas também algo mais sutil: um desejo de conexão, de união entre irmãos.
Depois de cerca de uma hora, ele se afastou para observar o que tinha feito. A katana no papel era impressionante, com um design que exalava poder e elegância. Mas ainda faltava algo. Inspirado, Ken adicionou ao fundo uma paisagem: uma noite estrelada com montanhas ao longe e uma lua cheia brilhando intensamente.
Ele segurou o caderno com um sorriso satisfeito.
— Perfeito.
Assim que Ken terminou, ouviu a porta do banheiro se abrir. Sho saiu com o cabelo molhado e uma expressão relaxada pela primeira vez desde que chegara.
— Sho, posso te mostrar uma coisa? — Ken perguntou, hesitante, mas com um brilho nos olhos.
Sho olhou para ele, levantando uma sobrancelha.
— O quê?
Ken pegou o caderno, nervoso, e caminhou até o irmão. Ele hesitou por um momento antes de mostrar o desenho.
— Eu fiz isso pra você.
Sho olhou para o desenho sem dizer nada, seu olhar frio agora focado nos detalhes da katana e na paisagem ao fundo. Ken sentiu o coração acelerar; e se Sho não gostasse?
Após alguns segundos de silêncio, Sho finalmente falou:
— Foi você que fez isso?
— Sim... eu sei que não é grande coisa, mas... eu queria te agradecer por hoje. Você me protegeu, e... bom, é só um presente.
Sho ficou em silêncio novamente, mas algo em sua expressão mudou. Ele pegou o caderno, segurando-o com mais cuidado do que Ken esperava, e olhou o desenho mais de perto.
— É bom. Muito bom. — Sua voz era firme, mas havia um tom de admiração.
Ken sentiu uma onda de alívio e felicidade.
— Você... gostou mesmo?
Sho devolveu o caderno e olhou para o irmão.
— Sim. É impressionante. Você tem talento.
Ken abriu um sorriso enorme, algo que raramente fazia. Sho notou, mas não comentou.
— Talvez... um dia eu faça uma katana assim. — Sho acrescentou, olhando para o desenho com um brilho discreto nos olhos.
— Sério? Você faria isso?
— Por que não? Eu gosto de coisas bem feitas.
Ken riu, ainda radiante.
— Se você fizer, me avisa! Quero ver como fica na vida real.
Sho deu de ombros, mas Ken percebeu um quase sorriso nos lábios dele.
— Vamos ver.
Naquele momento, Ken sentiu que, mesmo com todas as barreiras que Sho parecia ter, havia uma possibilidade de se conectarem. Talvez fossem mais diferentes do que iguais, mas ainda assim, eram irmãos. E isso, para Ken, era o suficiente para continuar a tentar.
Sho fechou a porta de seu quarto e se jogou na cama com um suspiro. O desenho ainda estava em suas mãos, e ele o ergueu para observá-lo sob a luz do abajur. Cada detalhe parecia cuidadosamente pensado, desde as escamas na empunhadura até a lua cheia no fundo. Era algo feito com carinho, algo que ele não estava acostumado a receber.
Ele tirou a toalha dos ombros e vestiu um pijama preto com pequenas katanas brancas estampadas. Enquanto se ajeitava na cama, olhou para o desenho novamente, desta vez com um sorriso discreto no rosto, algo quase imperceptível.
— Então... é assim que é ter uma família amorosa? — murmurou baixinho para si mesmo, ainda encarando o papel.
Sho deixou o desenho no criado-mudo ao lado da cama e ficou em silêncio, olhando para o teto. Pensamentos conflitantes o assaltaram. Ele havia crescido ouvindo de seu pai que sentimentos como amor e carinho eram fraquezas, distrações para quem queria ser forte. Mas agora, com sua mãe e Ken, ele estava experimentando algo diferente, algo que não parecia enfraquecê-lo, mas sim preenchê-lo de um jeito estranho.
Ele olhou para o chão, como se estivesse falando diretamente com o espírito de William.
— Pai... obrigado por tudo o que me ensinou. — A voz de Sho era grave, mas havia uma leve hesitação nela. — Por me preparar, por me mostrar como sobreviver neste mundo. Eu sei que você fez o que achava certo.
Houve uma pausa, enquanto Sho tentava encontrar as palavras certas.
— Mas... isso aqui. Isso que minha mãe e o Ken estão me mostrando... é diferente. — Ele fechou os olhos por um momento. — Não é fraqueza. Acho que pode ser... força também.
Sho balançou a cabeça, como se estivesse tentando afastar a vulnerabilidade que sentia ao dizer aquilo em voz alta.
— Enfim... espero que você esteja em paz, onde quer que esteja.
Ele deu um último olhar para o desenho no criado-mudo antes de apagar a luz. Apesar dos seus pensamentos pesados, havia algo de reconfortante naquela noite. Sho sentiu que, pela primeira vez em muito tempo, ele não estava sozinho. E isso, mesmo que fosse um sentimento novo e estranho, o fazia sentir-se um pouco mais humano.
Ken desceu as escadas correndo, com um sorriso de orelha a orelha. Ele encontrou Miku sentada no sofá, com uma xícara de chá em mãos, assistindo a um programa na TV. Ao ouvir os passos apressados, ela virou o rosto com curiosidade.
— O que foi, Ken? — perguntou ela, sorrindo ao ver o entusiasmo do filho.
— Mãe! — ele começou, quase sem fôlego. — Eu fiz um desenho para o Sho, e ele disse que gostou!
Miku arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— É mesmo? Sho disse isso?
Ken assentiu vigorosamente, sentando-se ao lado dela.
— Sim! Ele disse que foi bom e até pareceu... sei lá, impressionado! Eu acho que ele gostou de verdade!
Miku riu suavemente, sentindo o entusiasmo contagiante de Ken.
— Isso é ótimo, querido. Eu sabia que você encontraria uma maneira de se aproximar dele.
Ken inclinou a cabeça, pensativo.
— Sabe, mãe, ele é tão... sério e fechado. Mas quando ele olhou para o desenho, parecia diferente, como se estivesse realmente... feliz, mesmo que ele não tenha sorrido muito.
Miku pousou a xícara na mesa e colocou uma mão no ombro de Ken.
— Sho passou por muitas coisas difíceis, Ken. Ele teve que crescer rápido com o seu pai sendo tão rígido e disciplinado. Talvez ele nunca tenha tido a chance de ser um garoto normal, de aproveitar as coisas simples da vida, como... um desenho feito por um irmão mais novo.
Ken abaixou os olhos, refletindo sobre as palavras da mãe.
— Eu quero fazer mais por ele, mãe. Quero que ele se sinta em casa, que ele saiba que pode contar comigo.
Miku sorriu, sentindo-se orgulhosa do filho.
— Você já está fazendo isso, Ken. Só o fato de se preocupar com ele já significa muito. Continue sendo você mesmo, mostrando sua bondade. Sho vai perceber, mesmo que demore um pouco.
Ken assentiu, determinado.
— Eu acho que vou desenhar mais coisas pra ele. Ele disse que gosta de armas brancas, principalmente katanas. Talvez eu desenhe um conjunto completo ou algo assim!
Miku riu novamente, acariciando o cabelo de Ken.
— Tenho certeza de que ele vai adorar. E Ken... obrigada por ser tão amoroso. Vocês dois são tão diferentes, mas isso é o que torna tudo mais especial.
Ken abriu um sorriso tímido, mas brilhante, antes de se levantar.
— Obrigado, mãe. Eu vou pro meu quarto pensar no próximo desenho!
— Boa ideia, querido. E lembre-se: você está fazendo um ótimo trabalho.
Ken correu para as escadas, animado, enquanto Miku suspirava, olhando para a xícara nas suas mãos. Ela sentia que, apesar dos desafios, os dois irmãos estavam começando a construir algo precioso. E isso era tudo o que ela queria.
A madrugada estava silenciosa, mas na mente de Sho, o silêncio era quebrado pelos gritos e pela figura imponente de seu pai. A memória veio como uma tempestade: William exigindo que ele refizesse um movimento de combate com a espada de madeira.
— Mais uma vez, Sho! — a voz grave ecoava. — Não é assim que se segura uma lâmina!
Sho, pequeno e tremendo, repetiu o movimento inúmeras vezes. Quando finalmente parou, pensando ter acertado, sentiu o impacto da mão de William em seu rosto.
— Fraqueza não é tolerada aqui! Se falhar, será inútil!
O sonho terminou abruptamente com Sho acordando ofegante. Seu peito subia e descia rapidamente, o suor escorrendo de sua testa. Ele levou as mãos ao rosto, tentando afastar a memória, mas o eco das palavras ainda estava lá. Ele olhou ao redor, o quarto silencioso, mas apertado, como se as paredes o sufocassem.
— Droga... — ele murmurou, passando a mão pelo cabelo bagunçado.
Sho decidiu sair dali. Ele precisava de algo para acalmar os nervos, então desceu até a cozinha, descalço, com o piso frio o ajudando a se ancorar na realidade. Ele abriu a geladeira para pegar água, mas antes de encher o copo, percebeu uma luz acesa.
Miku estava na cozinha, mexendo uma panela no fogão. O aroma doce de chocolate quente preenchia o ar. Ao notar Sho parado na entrada, ela ergueu o olhar e o observou com preocupação.
— Sho? O que faz acordado a essa hora?
Sho hesitou, tentando compor sua expressão fria, mas seu rosto ainda carregava o vestígio do pesadelo.
— Só vim pegar água. Não consigo dormir.
Miku franziu o cenho levemente, mas não comentou sobre seu estado. Em vez disso, ela abriu um sorriso suave.
— Está com sorte. Estou fazendo chocolate quente. Que tal tomar um comigo?
Sho, desconfortável, balançou a cabeça, mas Miku já estava pegando outra xícara.
— Vai te ajudar a relaxar. Sente-se, querido.
Sem jeito, ele obedeceu, sentando-se à mesa enquanto ela colocava o leite e o chocolate em pó na xícara extra. O silêncio entre eles era pesado, mas Miku não parecia apressada em quebrá-lo. Ela se virou para ele enquanto o chocolate fervia, analisando seu rosto com um olhar compreensivo.
— Sho... você parece preocupado.
Ele desviou o olhar, cruzando os braços.
— Não é nada.
Miku se aproximou, colocando a mão em seu ombro.
— Sho, eu sou sua mãe. Eu consigo perceber quando algo está errado.
Sho hesitou novamente, seu olhar fixo na mesa. Por fim, ele soltou um suspiro pesado.
— Eu só... — Ele pausou, tentando encontrar as palavras. — Eu não quero falhar.
Miku franziu a testa, confusa.
— Falhar em quê, querido?
Ele apertou os punhos, os nós dos dedos ficando brancos.
— Em... atender às suas expectativas.
Miku ficou em silêncio por um momento, processando o que ele acabara de dizer. Sho olhou para ela rapidamente, tentando decifrar sua reação, mas sua mãe apenas suspirou e pegou a xícara de chocolate quente, entregando-a a ele.
— Sho, querido... você acha que eu espero perfeição de você?
Sho pegou a xícara, mas não respondeu. Ele deu um pequeno gole, sentindo o calor do líquido descendo por sua garganta. Finalmente, ele respondeu em voz baixa:
— Meu pai esperava.
Miku sentiu seu coração apertar. Ela se sentou ao lado dele, colocando sua própria xícara na mesa.
— William... ele era um homem complicado. Mas, Sho, eu não sou ele. E não espero que você seja perfeito.
Sho manteve os olhos na xícara, sem saber o que dizer.
— Eu só quero que você seja feliz. É só isso que importa para mim.
Ele olhou para ela finalmente, seus olhos azul-claros brilhando com um misto de confusão e alívio.
— Felicidade?
Miku sorriu.
— Sim, Sho. Felicidade. Não força, não perfeição, não nada disso. Apenas você, feliz.
Sho ficou em silêncio, mas algo em sua expressão suavizou. Ele abaixou a cabeça, refletindo sobre as palavras dela. O silêncio foi interrompido apenas pelo som do chocolate sendo bebido lentamente.
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