Moro em San Diego, Estados Unidos. A vida me ensinou desde cedo que a felicidade pode ser efêmera. Perdi meus pais aos 7 anos, e embora a dor da perda tenha se suavizado, suas memórias continuam vivas em mim. Eles adoravam viajar e me levar a todos os lugares. Eu me lembro da empolgação das partidas, mas também da tristeza das despedidas.
Hoje, vivo no orfanato Lúpus. Nunca quis ser adotada. A conexão que criei com as crianças e com a diretora Mina é mais forte do que qualquer laço sanguíneo. Mina é uma mulher de coração generoso, sempre me tratando como uma filha. Com o tempo, assumi o papel de cuidadora, cuidando dos pequenos como se fossem meus irmãos.
Apesar do salário modesto, consigo juntar um dinheirinho para comprar pequenas coisas que tornam meu dia a dia mais alegre. Um novo livro, um doce, ou até mesmo uma roupinha nova. Esses pequenos luxos são meus refúgios.
Hoje, acordei mais cedo do que o normal. Uma criança nova vai chegar ao orfanato, e as outras estão radiantes de expectativa. Para deixá-las dormir um pouco mais, aproveitei para cochilar em um canto da sala. Agora, ouço as vozes animadas das crianças enquanto se arrumam para a escola.
— Titia, não quero ir pra escola! — Milena diz, com um bico adorável nos lábios, enquanto eu penteio seus cabelos.
— Por que, Mi? — pergunto, refletindo sobre a expressão de cansaço que a pequena exibe.
— Tô cansada.
Sorrio e aperto suas bochechas, provocando um risinho.
— Quer faltar? — sussurro, como se fosse um segredo.
— Xiiim! — Ela pula de alegria, os olhos brilhando.
— Tá bom, vou falar com a diretora. — Milena assente, radiante.
Com cuidado, prendo seu cabelo em um coque bagunçado e saio do quarto. O corredor do orfanato é longo, suas paredes decoradas com quadros de crianças que já passaram por aqui. Cada imagem traz à tona memórias, algumas felizes, outras dolorosas. O ar é acolhedor, mas sinto uma pitada de nostalgia.
Chego à sala da diretora e bato na porta, aguardando a resposta.
— Bom dia, querida! — Mina me recebe com um sorriso caloroso, seu olhar cheio de bondade.
— Bom dia, senhora Mina. A Milena disse que está cansada e não quer ir à escola.
— Tudo bem. Ela não falta muito, então não tem problema. — Assinto, aliviada, mas sabendo que é importante para as crianças manterem a rotina.
— Na verdade, eu preciso que você prepare as crianças. Não é só uma que vai vir, são duas. — Levanto uma sobrancelha, confusa.
Mina me mostra uma foto das gêmeas.
— Gêmeas siamesas.
— Que lindas! — exclamo, admirando as pequenas, com rostinhos curiosos.
— O que aconteceu com elas? — pergunto, preocupada.
— Elas foram abandonadas no hospital ainda recém-nascidas. Estavam em um orfanato muito ruim, e eu não consegui ficar parada. Fiz questão de pegar a guarda delas.
— Que bom que a senhora fez isso. Elas merecem um lar amoroso. Vou explicar às crianças. — Mina assente, seu olhar orgulhoso.
Saio da sala, meu coração aquecido pela esperança que essas novas chegadas podem trazer.
— Crianças, estão prontas? — chamo.
— SIM! — gritam, pulando de excitação. Milena me pisca, cheia de energia.
— Hoje teremos duas novas crianças!
— Livia: DUAS? Que legal, cadê?
— Quando vocês voltarem da escola, elas já estarão aqui. Elas são gêmeas siamesas, e quero que saibam que nasceram assim.
— Tina: Como assim? — pergunta, intrigada.
Sorrio e pego meu celular, mostrando fotos de outras crianças que nasceram com essa condição.
— Apesar de dividirem o mesmo corpo, elas conseguem brincar, correr e pular, assim como vocês. Quero que brinquem muito com elas, está bem?
— Crianças: SIM! — respondem em uníssono, cheias de entusiasmo.
— Certo, agora vamos à escola. — Ando até a porta de saída e a abro.
As crianças formam uma fila animada enquanto as acompanho até a van. Ajeito todas no banco e coloco o cinto de segurança, certificando-me de que estão confortáveis. Fecho a porta e dou a volta, entrando no banco do motorista. Coloco o cinto e ligo o carro, sentindo a energia das crianças atrás de mim.
— QUE MÚSICA VAMOS COLOCAR HOJE? — grito, tentando animar o clima.
— CRIANÇAS: BABY SHARK DURURURURU! — gritam, contagiadas pela empolgação.
Não consigo evitar uma risada, mesmo revirando os olhos por dentro, exausta da mesma canção. Mas, já que elas adoram, coloco a música e seguimos o caminho inteiro, deixando a melodia ecoar pelo ar.
Rio•
Após chegar da escola, vou ao meu quarto. Pego uma toalha e uma troca de roupa, e entro no banheiro, aproveitando alguns minutos de tranquilidade. O som da água caindo parece um alívio para a mente agitada.
Quando me olho no espelho, é como se visse minha mãe ali, refletida em meu rosto. Sou incrivelmente parecida com ela, e isso é bom, mas também doloroso. Sinto falta do calor do seu abraço e da sabedoria em sua voz.
De repente, ouço meu celular tocar no quarto, interrompendo meu devaneio. Visto minha blusa e saio do banheiro, olhando para o celular na cama. É uma ligação da Keneka.
Keneka: Oi, boa tarde, raposinha!
-Boa tarde, neném!
Respondo, sorrindo e sento no banquinho da penteadeira.
Keneka: Tenho uma notícia, mas estou esperando a Kel entrar na ligação.
Rio: Humm, tá. Como foi seu dia?
Keneka: Foi ótimo! Dormi o dia inteiro de ressaca.
Ela ri, e eu nego com a cabeça, rindo junto.
Rio: Tomou remédio?
Keneka: Uur, odeio remédio! Tomei um chá...
Sua voz fica maliciosa.
Fico em silêncio racionando.
Keneka: É isso que você pensou!- Ela ri
- Você levou um estranho aí?
Pergunto, fazendo careta.
Keneka: Lógico que não, né? É estranha. E que estranha maravilhosa...
eu a interrompo,antes que ela de detalhes do que aconteceu.
Rio: Tá, já entendi.
Falo, ainda rindo enquanto penteio meu cabelo.
Keneka: E a criança nova?
-Acho que a diretora vai pegar elas a qualquer momento.
Termino de me arrumar e levanto.
Keneka: Já almoçou?
- Não, vou agora ver o que tenho pra comer.
Sorrio e vou para a cozinha.
Apoio o celular em um armário enquanto me movo pela cozinha.
Keneka: Vou cozinhar nada, quero delivery!
-Vou fazer lasanha!
Falo, mostrando a caixa da lasanha congelada.
Keneka: Humm, vou pedir lasanha também!
Ela ri, enquanto coloco a comida no microondas.
Passo a tarde conversando com Keneka, tentando distrair a ansiedade que sinto para ver as gêmeas. O tempo parece passar lentamente, enquanto a expectativa cresce.
▪Kel▪
Saio da escola mais cedo, cansada da rotina. Odeio estudar à noite. Pego meu celular e vejo uma solicitação para entrar na chamada de vídeo. Clico em "PARTICIPAR".
- Oi, migs!
Digo, caminhando pela rua da escola.
Keneka: Oi, nega! Demorou pra atender.
Rio: Não era pra estar no recreio?
Rio, lembrando do tempo que passei.
- Decidi sair mais cedo. Vou trabalhar em uma loja aqui perto.
Rio: Ah, tá. Cuidado, depois te ligamos.
Keneka: Tá bom, beijos.
Rio: Beijos!
Digo, desligando e guardando o celular.
Chego à loja, que fica a nove quarteirões da escola. Ao entrar, encontro uma funcionária saindo.
Funcionária: Aí, finalmente! Você está atrasada!
Ela me entrega o avental e sai apressada, sem me deixar responder.
Respiro fundo e entro na loja. Espera, estou sozinha? Pego meu celular e ligo para a mulher que me contratou.
- Oi, é... vai chegar mais algum funcionário pra ficar comigo?
Funcionária: Não consegui achar alguém. Você não se importa de ficar sozinha, né? Tem câmeras de segurança, fica tranquila.
- Tá, vou tentar.
Desligo e visto o avental.
A loja é pequena, com prateleiras cheias de produtos variados, desde lanches rápidos até bebidas. O aroma de café fresco permeia o ambiente, enquanto a luz amarelada cria uma atmosfera aconchegante. Há uma música suave tocando ao fundo, ajudando a aliviar a tensão.
Começo a organizar as coisas deixadas pelos clientes. Assim que termino de limpar, pego uma lista dos produtos que estão perto de vencer:
Refrigerante Jaboti
Bolacha Niki
Leite de soja
Pego uma caixa maior, tiro primeiro os refrigerantes e coloco na mesa lá fora, para quem quiser pegar. Temos esse costume quando faltam quatro semanas para o vencimento.
Coloco as bolachas que irei levar pra casa e deixo o leite de soja na mesa também.
Ouvindo a campainha, vou para trás do balcão. Um grupo de meninos entra, e meu coração acelera.
"Calma, respira, não vai acontecer nada," penso, tentando me tranquilizar.
Logo eles se aproximam do caixa.
Rio: Boa noite! Vai ser só isso?
Pergunto, passando os produtos.
Menino: Sim.
Olho o total.
Rio: Deu 7 dólares.
Coloco os produtos na sacola.
Menino: Vou pagar no cartão.
Assinto e pego a máquina; ele aproxima o cartão.
Entrego as sacolas.
Menino: Boa noite, bom trabalho!
Ele diz, e eu sorrio.
Rio: Obrigada, volte sempre!
Vejo o grupo sair e respiro fundo, aliviada.
"Viu? É só coisa da minha cabeça."
Volto a organizar os produtos nas prateleiras. De repente, um cliente se aproxima, com uma expressão séria.
Cliente: Com licença, você poderia me ajudar? O leite de soja que comprei ontem está vencido.
Fico um pouco nervosa, mas tento manter a calma.
Rio: Desculpe! Vou pegar outro para você.
Entro no armazenamento e volto com a caixa.
Cliente: Vou querer mais dois.
Ela diz, sorrindo, e eu pego mais dois e passo no caixa.
Rio: 2 dólares.
Ela me entrega o dinheiro, e eu devolvo o troco junto com a sacola.
Cliente: Obrigada!
Ela sai e eu continuo arrumando os produtos, checando se mais algum está perto da validade.
°Keneka°
Keneka: Aff, até agora ela não me mandou mensagem.
Digo, olhando as mensagens no WhatsApp.
- Quem?
Pergunta, comendo lasanha.
Keneka: A mulher com quem fiquei ontem.
Bufo e dou de ombros.
Keneka: Ainda bem que tenho várias.
Falo, rindo.
Rio:Você não presta, Kene!
Diz, rindo.
Keneka: Presto sim, tá? Só não achei ninguém que me fizesse mostrar esse meu lado.
Jogo meu cabelo para trás, e ela ri.
Rio: Claro, claro.
Responde, cortando um pedaço da lasanha e apreciando o sabor do molho de tomate com carne moída e queijo.
Rio:Não vai contar a novidade?
- Vou! Eu encontrei uma mulher que está alugando quartos para pessoas que querem fazer intercâmbio na Tailândia!
Digo,animada.
Rio: Isso seria maravilhoso. Mas vamos ver com a Kel depois.
Ela assente, entusiasmada.
Ouço passos de alguém entrando na cozinha.
Diretora Mina: Rio, você quer vir comigo buscar as meninas?
Rio: Vou sim!
Responde, olhando rapidamente para ela.
Rio: Vou desligar, a gente conversa por mensagem.
- Tá bom, cuidado. Eu amo você.
Rio: Eu também amo você!
Ela manda beijos e eu também, desligando.
Envio uma mensagem para Kel.
Neguinha 🐻: Está tudo bem aí? Pega um táxi pra ir embora, não vai a pé, é perigoso. Me liga assim que chegar. A Kene tem novidades!
Envio a mensagem e pego meu netbook ao lado da cama para conferir os e-mails.
•Kel•
Mesmo sendo de madrugada, a loja estava bem movimentada. Tentei me distrair ao máximo, na intenção de que as horas passassem rápido.
- Não tem leite normal? - perguntou uma cliente, com um olhar impaciente.
- Não, só de soja e banana mesmo. - respondi, mantendo a simpatia.
- Tá bom. - Ela colocou as compras na esteira e eu passei tudo no caixa.
- Dez dólares. - Ela me entregou a nota, e eu peguei o troco, passando os dedos pelo papel amassado.
- Obrigada. - disse ela, enquanto guardava as compras na bolsa.
- De nada, volte sempre. - Bocejei e saí de trás do balcão. Aproveitei que não havia mais clientes e virei a placa para "Fechado". Era hora de dar uma pausa.
Pego um pacote de bolachas, o aroma doce e amanteigado chamando minha atenção, e um suco de laranja, que passei no caixa e paguei. A embalagem era vibrante, prometendo refresco.
Sentei na mesa de costas para a porta de entrada, um hábito que me fazia sentir mais confortável. Peguei meu celular no bolso e olhei as mensagens de Keneka.
Kene🐿
"Pode deixar, meu amor."
Enviei a resposta e entrei no Instagram, começando a ver reels. Alguns vídeos eram hilários, outros apenas distrações.
De repente, escutei uma batida no vidro. Olhei, mas não vi ninguém. "Deve ser só impressão", pensei, tentando afastar a inquietação.
Bebi um gole do suco de laranja, sentindo o frescor, mas a sensação estranha persistia, como se alguém estivesse me observando. Olhei novamente para a porta. Desta vez, algo me fez levantar.
Caminhei até lá, ajustando a luz da loja, que parecia mais fraca a cada momento. Quando cheguei, vi uma sombra se afastando rapidamente, desaparecendo na escuridão da rua. Meu coração disparou. "Quem seria a essa hora?"
Voltei rapidamente para o balcão, fechando a placa de "Fechado" novamente. A adrenalina pulsava em mim. Minha mente corria: "Devo chamar alguém?" Peguei meu celular e chamei um Uber.
Enquanto esperava, arrumei tudo para sair. Liguei para minha mãe, mas ela não atendeu. Minha segunda opção era Keneka.
- Oi, tá tudo bem? - atendeu Keneka, sua voz soando preocupada.
- Estou me sentindo como se alguém estivesse me vigiando. - Tranquei a porta, sentindo um frio na barriga.
- Chama a polícia! - ela exclamou.
- Eu chamei o Uber. Acho que é só impressão, não sei.
- Tá, então vou te distrair enquanto isso.
- Por favor. - Sentei na cadeira, tentando me acalmar.
Keneka começou a contar sobre a pessoa com quem ficou na noite anterior, mas logo mudou de assunto, falando sobre irmos à Tailândia.
- Não sei se vou conseguir comprar o ingresso.
- A gente te ajuda com o dinheiro.
- Tá bom, combinado então. - Sorrir aliviada e olhei a notificação do Uber, informando que o carro havia chegado.
Olhei para fora da loja pelo vidro e não vi nenhum carro.
- O Uber chegou, vou desligar.
- Tá bom, quando chegar, me avisa.
- Certo. - Levantei.
Peguei minha bolsa e a caixa de bolachas, apagando a luz da loja. Destranquei a porta, abri e fechei em seguida, trancando-a.
Olhei o carro parando em frente à loja e conferi a placa. Me aproximei do veículo.
- Kel? - perguntou o motorista, um homem de aparência tranquila.
- Isso. - Entrei e fechei a porta logo em seguida. Coloquei o cinto de segurança e compartilhei a localização com keneka.
Abro a janela do carro que vira a esquina e lá eu vejo um homen estranho, de capuz branco me encarando. Não da pra ver muito seu rosto por conta da mal iluminação.Sinto meu corpo arrepiar então fecho novamente.
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