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A Farsa Perfeita

O Amanhecer

Jessie...

Jessie mal podia respirar enquanto se mantinha escondida atrás do balcão dentro da enorme boate. O seu coração pulsava num ritmo descontrolado, e a música ecoava nos seus ouvidos. Ela observou com olhos atentos quando a sua mãe entrou na sala, equilibrando uma bandeja cheia de garrafas.

O brilho fraco da luz do corredor refletia nas bebidas, mas Jessie notou outra coisa. Antes de sua mãe, cinco homens haviam entrado. Eles não disseram nada, apenas desapareceram atrás da porta pesada.

O tempo parecia congelar. Jessie não ousava se mexer, temendo que qualquer som a entregasse. Mas sua mente não parava de trabalhar. Por que sua mãe demorava tanto? O que aqueles homens faziam lá dentro? Dois minutos se transformaram em dez, depois de uma hora. Jessie começou a roer as unhas sem perceber sua ansiedade aumentando.

Após quase duas horas, a porta da sala se abriu abruptamente, e os homens saíram correndo. Jessie levantou rapidamente, o medo e a curiosidade consumindo. Dois deles estavam ao telefone, falando de maneira frenética. Os últimos dois, ao passarem por ela, olharam diretamente nos seus olhos. O brilho assustado nos rostos deles fez um calafrio percorrer sua espinha.

Jessie correu para a sala antes que pudesse pensar duas vezes. O cheiro de bebida forte e algo mais — algo metálico — atingiu seu nariz. Ela parou no instante em que viu sua mãe.

Sua mãe estava deitada num sofá redondo, o cabelo desgrenhado caindo pelo rosto. O vestido, rasgado em vários lugares, mostrava marcas pelo corpo que Jessie não conseguia entender. Espuma branca escorria de sua boca, e seu corpo estava imóvel. Era uma cena terrível, que Jessie sabia que jamais esqueceria.

Os olhos dela vagaram pelo ambiente, tentando processar o que via. No chão, perto do sofá, havia um pequeno caderno. Ela o pegou, suas mãos tremendo. Ao folhear rapidamente, viu alguns nomes rabiscados. Não entendeu o significado, mas instintivamente enfiou o caderno no bolso do vestido.

Foi quando ouviu vozes. O barulho crescente de passos e sirenes quebrava o silêncio assustador. Pessoas começaram a entrar na sala, falando com ela, mas Jessie não conseguia ouvir nada. Era como se estivesse presa em um pesadelo, os sons abafados, as imagens distorcidas.

Tudo girou ao seu redor. Ela tentou falar, mas nenhuma palavra saiu. O peso do horror finalmente a alcançou, e tudo ficou escuro.

Acordei!

Com a respiração descontrolada. Minhas mãos estavam suadas, sentada na cama, levei as mãos ao peito, tentando acalmar o caos interno. Fechei os olhos, forçando meu foco para o som da minha respiração. Contava mentalmente, um, dois... três...

Dois minutos se passaram até que o pânico recuasse. Meu coração ainda batia rápido, mas agora parecia mais controlado. Suspirei profundamente, o som ecoando no quarto silencioso. Por que isso continuava acontecendo? Não havia noite em que eu não fosse arrastada para o mesmo tormento, pesadelos que deixavam marcas invisíveis. Pensei.

Colocando as pernas para fora da cama, coloquei os pés descalços no chão frio e me levantei. Fui até a janela e afastei a cortina. O céu começava a mudar de tom, do preto profundo da noite para os primeiros tons alaranjados do amanhecer. Os raios de luz pintavam o horizonte com um toque suave.

Resolvi correr. Com o corpo em movimento, sempre consegue afastar o peso dos sonhos ruins. Caminhei até o closet, escolhendo uma roupa leve para a corrida. Vesti-me rapidamente, ajustei o relógio digital no pulso e calcei meus tênis. Cada gesto era automático, uma rotina que já fazia parte de mim.

Quando saí do apartamento, o ar fresco da manhã me envolveu, e comecei a correr. A cidade ainda estava adormecida, o sol nascente espalhava seus raios à frente. Continuei correndo, deixando para trás a sombra dos meus sonhos enquanto cada passo me fazia sobreviver.

Depois da corrida, fui direto para a academia de boxe que fica a algumas quadras do meu apartamento. Já faz seis meses que eu estava fazendo aulas de defesa pessoal ali.

Ao entrar, o aroma do café fresco me recebeu antes mesmo de avistar Chase, meu instrutor, que estava na pequena copa. Ele estava encostado na bancada, mexendo em uma cafeteira. Caminhei até ele, e sentei no balcão.

— Bom dia! — cumprimentei, cruzando os braços sobre a bancada. Chase ergueu os olhos e sorriu levemente.

— Bom dia! Chegou cedo hoje. Algum motivo especial? — perguntou ele, estreitando os olhos como se tentasse ler minha mente.

— Acordei cedo, porque tenho um dia cheio pela frente. — respondi, apoiando o queixo na mão, tentando não parecer tão cansada quanto me sentia.

— Entendi. Café? — perguntou ele, já pegando uma xícara.

— Com certeza! — disse com um sorriso, que ele prontamente retribuiu. Ele me entregou uma xícara e se sentou ao meu lado. Tomei um gole, sentindo a bebida quente me despertar ainda mais.

— Então, vamos começar? — perguntei depois de terminar meu café, já me levantando.

— Claro.— Chase assentiu.— Hoje vou pegar leve com você... ou talvez não. — Ele riu enquanto me seguia até o ringue.

A sessão de treino foi intensa, como sempre.

Minhas mãos tremiam levemente enquanto tirava as luvas, mas era aquela tremedeira boa, de esforço. Chase me observava de perto, sua expressão mais séria do que o normal. Ele parecia estar lutando consigo mesmo, como se quisesse dizer algo. Enquanto bebia água, senti sua presença se aproximar. Ele parou ao meu lado, cruzando os braços.

— Você pode ser uma boxeadora e tanto se quiser. Não é fácil alguém me impressionar assim. — comentou ele, com um sorriso hesitante.

— Obrigada. Mas só estou tentando me manter em forma.— falei. Sorri de volta, ainda sem fôlego.

— É mais do que isso, Jessie. Você tem uma determinação rara. — disse ele, rindo baixo, mas nervoso.

— Determinação ou teimosia?— suspirei, limpando o suor com a toalha.

— Talvez os dois. — Ele deu um passo à frente, sua expressão mudando para algo mais intenso. — E é uma das coisas que me fazem querer te conhecer melhor.

Meu sorriso desapareceu. Olhei para ele, incrédula, e depois desviei o olhar, tentando processar suas palavras.

— Chase... você sabe que eu não estou interessada nesse tipo de relacionamento. — disse com firmeza, minha voz carregada de desconforto.

— Eu sei o que você diz. Mas, honestamente, Jessie, você nunca me deu uma chance. Nem pra saber quem eu realmente sou.— afirmou ele, e não recuou.

— E eu não preciso. Você é meu instrutor. Não quero complicar as coisas.— Respirei fundo, irritada.

— E se não for complicado? — Ele se inclinou levemente, sua voz ficando mais baixa. — E se tudo que eu quero for te fazer sorrir? Mostrar que eu vejo você... de verdade.

Senti o coração acelerar, não pelo que ele dizia, mas pela tensão no ar. Quando ele se aproximou mais, instintivamente coloquei a mão em seu peito, interrompendo o movimento.

— Não. — disse, firme.

— Não? — retrucou ele, surpreso, mas ainda esperançoso. Olhei diretamente para ele, tentando ser o mais claro possível.

— Não, Chase. Você é ótimo, mas... eu não sinto o mesmo. Não quero te dar esperanças, porque isso não vai acontecer.

Ele ficou parado, o silêncio entre nós carregado. Por fim, deu um passo para trás, sua expressão desmoronando lentamente.

— Tudo bem. Eu precisava tentar.

— E eu respeito isso. Mas... por favor, vamos manter isso profissional. É o melhor para nós dois.— Assenti, suavizando o tom da minha voz.

— Profissional. Entendido.— comentou Chase forçou um sorriso, claramente lutando contra a decepção.

Sem dizer mais nada, saí rapidamente, o ar da academia de repente se tornando sufocante. Não olhei para trás, mas podia sentir o peso do olhar dele enquanto eu deixava a sala.

Uma Intensidade Rara!

Jessie...

O sol da manhã atravessava as cortinas da sala de estar, espalhando feixes dourados pelo piso brilhante. Fechei a porta atrás de mim, ainda sentindo o calor residual da corrida matinal e da aula de boxe. Meus tênis deixavam marcas discretas no tapete enquanto eu cruzava a sala em direção à cozinha.

Enquanto bebia água, senti o líquido gelado percorrer meu corpo aquecido. Apoiei-me no balcão e fechei os olhos por um instante, tentando organizar os pensamentos. Na parede oposta, um quadro pequeno dizia: “Tudo o que você busca está ao seu alcance.” Soltei uma risada baixa e sem humor. Não era tão simples assim.

Com 23 anos, eu havia conquistado o que muitos sonhavam, uma carreira sólida como escritora de Livros de Thriller psicológico. Era admirada, e eu estava caminhando para um sucesso, que não foi nada fácil. Cada vitória parecia uma batalha ganha, mas sempre à custa de algo maior. Eu ainda estava fugindo de sombras do passado que se recusaram a me deixar.

Olhei para o relógio. Ainda havia muito a fazer antes do lançamento do meu novo livro. Fui para meu quarto ouvindo apenas o eco dos meus próprios passos. A casa estava silenciosa, mas meus pensamentos, não. Eles sempre voltavam para o mesmo lugar: as lembranças de minha mãe. Seus sorrisos breves, o vazio que deixou, e a sensação de que eu havia perdido mais do que um lar quando ela se foi.

No chuveiro, a água quente escorria pela minha pele, levando embora o suor. Fechei os olhos e permiti que minha mente vagasse. Por um instante, deixei as muralhas caírem. Havia sonhos, claro, mas eles pareciam tão distantes quanto estrelas em uma noite nublada.

Ao sair, ainda enrolada na toalha, encarei meu reflexo no espelho. A mulher que me olhava de volta parecia estranha em comparação com a garota que sobrevivera ao caos. Mas, de alguma forma, ambas existiam ali, compartilhando as cicatrizes invisíveis que carregavam.

— Você tem um propósito. — sussurrei para mim mesma. Era uma frase que eu repetia sempre que precisava de força, mesmo quando a solidão e as sombras tentavam me derrubar.

Fui até o closet e escolhi meu visual para o dia. Um vestido preto justo, até os joelhos, com uma fenda discreta. Por cima, um top de couro que marcava minha cintura e me fazia sentir no controle. Adorava como essa combinação transformava olhares subestimados em reconhecimento. Para completar, calcei saltos vermelhos. Vermelho sempre foi minha cor para dias de vitória.

Depois de me maquiar e ajeitar os cabelos, peguei minha bolsa. Estava tudo pronto. Hoje, eu lançaria minha nova obra, A Mente Desvendada. O livro era mais do que palavras impressas; era um pedaço de mim. Às vezes, desejava ser a protagonista de minhas histórias – tão forte, tão destemida, tão livre das correntes que ainda me prendiam.

No corredor, o som dos meus saltos ecoava enquanto eu caminhava em direção ao elevador. As portas de metal refletiam minha imagem impecável, do jeito que eu queria ser vista. Ao descer para o estacionamento, avistei meu carro e entrei.

No volante, ajustei o cinto de segurança e liguei o motor. A viagem até o shopping não era frequente. O pensamento de ver meu livro nas prateleiras, sentir o apoio dos leitores e ouvir suas impressões fazia meu coração bater levemente.

Estacionei com cuidado ao chegar, saindo do carro com determinação. Cada toque dos meus saltos contra o chão afirmava silenciosamente quem eu era, alguém que sobreviveu ao impossível e se recusava a ser definido pelo passado. Hoje, eu era invencível. Pensei.

A mesa estava posicionada estrategicamente no centro da livraria, cercada por prateleiras repletas de exemplares de A Mente Desvendada. As capas brilhavam sob a luz quente dos holofotes, e a fila de leitores parecia interminável. Sentei-me e comecei a assinar os livros, mantendo um sorriso discreto, mas genuíno, no rosto.

Cada pessoa que se aproximava trazia consigo uma energia única. Alguns seguravam o livro com reverência, enquanto outros o mantinham apertado contra o peito, como se fosse um tesouro. Quando me olhavam nos olhos e compartilhavam suas impressões ou histórias pessoais, meu coração se aquecia de forma indescritível.

— Jessie, você não imagina o quanto seu livro mudou minha vida! — disse uma mulher de meia-idade, com os olhos marejados.

— Fico muito feliz em ouvir isso. Obrigada por compartilhar isso comigo. — respondi, assinando seu exemplar com uma dedicatória especial.

Alguns pediam fotos, outros compartilhavam suas partes favoritas, citando trechos inteiros de memória. Cada interação me deixava mais ciente do impacto que minhas palavras, escritas em noites solitárias e cheias de dúvida, haviam causado no mundo lá fora.

Após horas, com a pilha de livros quase esgotada, me despedi da última pessoa da fila e caminhei até a cafeteria no mesmo shopping. Ali aconteceria minha entrevista. Estava ansiosa, mas também curiosa para conhecer o entrevistador.

Assim que entrei, um homem alto e de cabelos levemente desalinhados levantou-se de uma das mesas. Ele vestia uma camisa azul-clara bem passada, e o sorriso que estampava o rosto era tão caloroso quanto as luzes da livraria.

— Olá, senhorita Jessie. Sou Spencer Wright. — disse ele, estendendo a mão para mim.

— É um prazer conhecê-lo! — respondi, apertando sua mão com firmeza.

— O prazer é todo meu! Confesso que estava ansioso para essa entrevista. Sou um grande admirador do seu trabalho. — Spencer parecia genuinamente entusiasmado, e seus olhos brilhavam de um jeito que me fez relaxar um pouco.

Uma equipe de gravação ajustava as câmeras e a iluminação ao fundo. Um dos assistentes trouxe duas xícaras de café e fatias de bolo de chocolate, colocando-as delicadamente sobre a mesa.

— Espero que você goste de café! — brincou Spencer, apontando para a xícara com um gesto simpático.

— Não vivo sem ele. — retruquei com um sorriso, sentando-me enquanto ajustava o microfone preso à minha roupa.

A conversa começou de forma simples, mas logo ganhou ritmo. Spencer tinha um jeito fácil de conduzir a entrevista, e suas perguntas mostravam que ele realmente havia lido meus livros.

— Em A Mente Desvendada, você explora os segredos mais sombrios da mente humana. De onde veio a inspiração para escrever algo tão profundo e, ao mesmo tempo, tão perturbador? — perguntou ele, inclinando-se levemente para frente, genuinamente interessado. Respirei fundo antes de responder, escolhendo minhas palavras com cuidado.

— A inspiração veio da vida real. Sempre fui fascinada por como as pessoas lidam com traumas, especialmente as coisas que tentam esconder de si mesmas. A mente humana é um labirinto. Escrever é minha forma de explorar esse labirinto sem me perder completamente.

— É fascinante. Você escreve com uma intensidade rara. Parece que suas palavras vêm de um lugar muito pessoal — disse Spencer e sorriu, satisfeito com a resposta.

A entrevista continuou por quase uma hora. Ele conseguiu me surpreender com algumas perguntas que desafiaram meu próprio entendimento sobre o que eu havia escrito. Era revigorante falar com alguém que realmente entendia o peso e a profundidade do meu trabalho. Quando terminamos, ele estendeu a mão mais uma vez.

— Jessie, foi uma honra. Você tem um talento incrível, e acredito que ainda vamos ouvir muito sobre você nos próximos anos.

— Obrigada, Spencer. Foi uma entrevista muito interessante, pela minha primeira entrevista.— eu disse, com um sorriso genuíno.

Despedimos, e ele entrou no elevador com sua equipe. Permaneci ali por alguns instantes, observando as portas se fecharem. Havia algo reconfortante naquela interação. Não era apenas sobre o sucesso ou o reconhecimento. Era sobre a conexão que minhas palavras criavam com as pessoas, até mesmo com alguém como Spencer.

Exausta, mas com o coração leve, saí da cafetaria. Pela primeira vez em muito tempo, senti que não estava apenas sobrevivendo. Será que estou realmente vivendo?

Olivia me encontrou no elevador. Andámos pelo estacionamento em direção ao meu carro. Olivia, sempre animada, tagarelava sobre a entrevista e as próximas etapas do meu contrato. Ela é minha agente na editora, a pessoa que escolhi para cuidar de tudo relacionado aos meus livros. Parecia uma boa ideia na época, mas, honestamente, estava começando a me arrepender. Olivia falava demais, sempre me ligava e insistia que éramos amigas. Mas eu não queria amigos, nunca quis. Estar sozinha era mais confortável.

— Você luta mesmo boxe? — perguntou ela, com um olhar curioso e uma sobrancelha arqueada. A pergunta pegou-me de surpresa. Eu havia mencionado na entrevista que fazia aulas de boxe, mais por impulso do que por estratégia.

— Você não precisa se preocupar com isso. Preciso me exercitar. — respondi, com um sorriso de canto.

—Pensei que você só ficasse em casa escrevendo. — disse ela, rindo de leve, como se a ideia de eu fazer algo além de trabalhar fosse quase cómica. Hesitou por um instante antes de perguntar.

Por que não vi Perigo!

Jessie...

— Você não faz isso por segurança, faz? — perguntou Olivia, baixando a voz e olhando ao redor, como se esperasse que alguém saísse das sombras do estacionamento.

Parei de andar e virei para encarar ela. Seus olhos estavam fixos nos meus, esperando uma resposta que não sabia se queria ouvir.

— Segurança? Por quê? Está preocupada com algo? — perguntei, arqueando uma sobrancelha. Meu tom era casual, mas meu coração começou a bater um pouco mais rápido.

— Não exatamente. É só que, você sabe... seus livros são bem... intensos. E o tipo de pessoas que lê algumas dessas histórias... Bom, não me leve a mal, Jessie, mas eles podem ser um pouco... obsessivos. — disse ela, encolhendo os ombros e tentando minimizar o peso das próprias palavras. Suspirei, soltando um riso curto e seco.

— Olivia, você tem assistido a muitos filmes. Ninguém está me perseguindo. E, mesmo que estivesse, eu sei cuidar de mim. O boxe é só uma forma de liberar o estresse. — menti, voltando a caminhar.

— Certo, mas... você nunca recebeu algo estranho? Uma carta esquisita? Uma mensagem? — insistiu, agora praticamente correndo para me acompanhar.

Hesitei por um momento. É claro que eu havia recebido coisas estranhas. Cartas sem remetente, e-mails criptografados, até uma ou duas mensagens estranhas. Mas nunca contei para ninguém. Por que não vi perigo.

— Olivia, a vida não é um thriller psicológico. As pessoas só querem se conectar com as histórias. É isso. — cortei, sem olhar para ela.

Chegamos ao meu carro, e eu destravei as portas com o controle. Olivia parecia querer dizer mais alguma coisa.

— Ah, você quer almoçar comigo?— perguntou Olivia. Eu ri, balançando a cabeça.

— Ia recusar, pra ser sincera. — admiti. — Mas vou aceitar. Aonde vamos? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.

— Pensei que você não fosse aceitar! — disse ela, animada, quase pulando de empolgação enquanto caminhávamos até meu carro. — Mas conheço um lugar bem agradável.

— Mas... você vai comigo no meu carro?— perguntei, sem olhar para ela.

— Sim! — respondeu ela prontamente, abrindo a porta do passageiro antes mesmo de eu terminar a frase.

Ri e balancei a cabeça, achando engraçado como Olivia parecia sempre estar no controle, mesmo quando não estava. Ela é mais velha que eu, mas se comporta como se tivéssemos a mesma idade. Mais do que isso, me trata como se fosse sua amiga íntima. Às vezes aparece na minha casa do nada, dizendo que estava preocupada comigo. Apesar de me sentir acolhida por ela, às vezes tenho a sensação de que Olivia senti pena de mim. Talvez por eu estar quase sempre sozinha.

Ainda assim, ela tinha conquistado o crédito de um almoço comigo. Era o mínimo que eu podia fazer por alguém que me apoiava tanto nos lançamentos dos meus livros. Enquanto dirigia, Olivia descrevia o restaurante chamado Bloom, exaltando as qualidades do lugar como se fosse a coisa mais incrível do mundo.

— É um ambiente acolhedor, mas sofisticado. Você vai amar! — disse ela, enquanto eu abaixava o vidro da janela para deixar o vento fresco invadir o carro. Estava exausta e não havia dormido bem na noite anterior, então o ar leve me ajudava a despertar.

Ao chegarmos ao Bloom, fui imediatamente conquistada pelo lugar. O ambiente era acolhedor, com um toque de elegância que não intimidava. Uma música instrumental suave preenchia o espaço, e o aroma era uma mistura de ervas frescas, lavanda e flores. Fomos conduzidas a uma mesa perto de grandes janelas, em um canto mais afastado das outras mesas. Perfeito.

— Você tinha razão, Olivia. Este lugar é incrível. — confessei, deixando-me relaxar pela primeira vez no dia. Ela sorriu, satisfeita, e começamos a olhar o menu. Apesar de tudo, fiquei grata por Olivia. E, talvez, estar ali com ela fosse mais confortável do que eu imaginava.

Ao chegar em casa, senti o peso do dia inteiro se acumulando em meus ombros. Deixei a bolsa e as chaves em cima da mesa, chutei os sapatos para um canto e me joguei no sofá, exausta. Nem percebi quando fechei os olhos, mas, quando acordei, o relógio já marcava sete da noite.

A fome me atingiu como um soco no estômago.

Levantei-me preguiçosamente e fui até a cozinha, abrindo os armários e a geladeira. Não havia muita coisa ali – a verdade era que eu raramente fazia compras ou cozinhava. Depois de revirar um pouco, encontrei ovos, pão e uma garrafa de vinho aberta. Isso vai ter que servir. Suspirei

Quebrei os ovos em uma tigela e os mexi rapidamente antes de jogar na frigideira quente. Enquanto os ovos cozinhavam, cortei algumas fatias de pão e as coloquei para aquecer levemente. Não era exatamente um banquete, mas era o suficiente para matar a fome. Peguei uma taça e servi o vinho, sentando-me à mesa com o prato simples à minha frente.

Enquanto comia, minha mente vagava. Eu sabia que precisava ajustar meu sono. Essa rotina de dormir em horários errados estava começando a pesar. Talvez fosse hora de voltar com os remédios para regular meu sono novamente. Amanhã precisaria acordar cedo – não havia outra escolha.

Depois de comer, lavei rapidamente os pratos, mais por obrigação do que por vontade. Não gostava de tarefas domésticas, mas também odiava bagunça. Mantinha tudo limpo durante dias até que, inevitavelmente, acabava pedindo comida para evitar passar mais tempo na cozinha. Ir ao mercado? Só em último caso.

Com tudo arrumado, sentei-me à escrivaninha com o meu portátil. Precisava começar a organizar e planejar o documentário. Cada detalhe precisava ser perfeito, sem margem para erros. Acendi uma vela para dar um pouco de conforto ao ambiente e mergulhei nas anotações, o cansaço dando lugar à concentração. Vamos lá, Jessie... murmurei, determinada. A noite já começava a avançar novamente, mas desta vez, eu sabia que precisava parar antes de perder a noção do tempo outra vez.

A insônia venceu mais uma vez. Já passava da meia-noite, e virar de um lado para o outro na cama não estava ajudando. Decidi subir até o terraço do prédio. Peguei um casaco leve, calcei os chinelos e caminhei até lá em silêncio, como se o barulho pudesse acordar as sombras do passado que sempre me assombram.

No terraço, a brisa da noite tocava meu rosto com suavidade, trazendo um alívio momentâneo. Sentei-me perto da borda, olhando para o céu. Ele sempre me dava esperança, mesmo nos momentos em que parecia não haver mais nada a que me agarrar. As estrelas me lembravam da minha mãe. Perder ela foi a maior tragédia da minha vida, uma ferida que nunca cicatrizou.

Suspirei, tentando afastar os pensamentos. Mas era impossível. As memórias daquela noite voltaram como um soco. O cheiro do hospital, o vazio sufocante que veio depois. Eu ainda tinha tantos pesadelos com isso que às vezes parecia que nunca acordava de verdade.

Fechei os olhos por um instante, deixando a brisa levar as lágrimas que ameaçavam cair. Ficar ali, sozinha, era reconfortante. Não precisava fingir que estava bem.

Depois de algum tempo, desci novamente para o apartamento. O silêncio do lugar parecia me envolver como um cobertor frio. Deitei-me na cama e, finalmente, o cansaço me venceu.

Consegui dormir, mas o descanso foi breve. Acordei cedo, com o coração disparado e a respiração pesada, mas um pesadelo me puxando para fora do sono. Permaneci sentada na cama por alguns minutos tentando recompor, antes de decidir a hora de enfrentar o dia.

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