Jasmim
Acordo aos poucos, ouvindo os suaves cânticos dos pássaros que parecem preencher o ar fresco da manhã. O som delicado me envolve, como um sussurro da natureza, e é um privilégio que só quem mora em um cantinho isolado, rodeado por verdes campos e árvores, conhece.
Vivo em uma pequena cidadezinha do interior, e a paz que emana de tudo ao meu redor é como um abraço acolhedor. Me espreguiço, esticando os braços com preguiça, e quando abro os olhos, o sorriso nasce involuntário. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma pontada no peito, uma sensação estranha e contraditória.
O sorriso não consegue esconder a emoção, que logo transborda em lágrimas, e meu coração começa a disparar, como se uma conexão profunda com tudo ao meu redor estivesse prestes a se romper ou se intensificar.
A cada amanhecer, é sempre assim, esse turbilhão de sentimentos misturados, uma necessidade de sorrir e chorar ao mesmo tempo. É como se, por um breve instante, eu me sentisse parte de algo maior, como se o universo inteiro estivesse, dentro de mim.
Às vezes, me pergunto por que sou tão diferente, tão estranha dentro da minha própria família. Sou a única que sente essas coisas, a única que parece se perder nas pequenas maravilhas do mundo. As expressões fechadas de meu pai e de minha mãe, sempre distantes, só reforçam essa sensação de que, talvez, eu pertença a outro lugar.
Com um suspiro, deixo essas questões para trás, pelo menos por enquanto. Levanto-me rapidamente, sentindo os pés frios no chão e me dirijo à mesa de cabeceira, onde deixo uma jarra de água que sempre preparo antes de dormir.
Pego-a com cuidado, e me aproximo da janela, onde há uma pequena plantinha. Com as mãos um pouco trêmulas pela emoção que ainda carrego, rego a flor delicadamente, observando-a crescer, ainda que lentamente, como a vida que insiste em florescer em meio a tudo.
Digo, quase em um sussurro, mas com carinho:
— Bom dia, plantinha.
É um momento simples, mas que traz uma sensação de serenidade. Neste pequeno gesto, encontro algo que me conecta ao mundo, algo que não exige palavras ou expectativas.
Logo, ouço as conversas lá de baixo. As vozes, me lembram que a manhã está começando com a mesma rotina de sempre. Meus pais já estão de pé, e sei que, em breve, teremos mais um dia comum pela frente. Com uma leve hesitação, decido não me demorar mais e sigo para o banheiro.
Enquanto o chuveiro quente me envolve, começo a me despir das preocupações, dos sentimentos solitários e da tristeza que às vezes parece me acompanhar sem querer ir embora. A água corre pelo meu corpo, e consigo, por alguns minutos, relaxar, deixando que a rotina me conduza.
Após o banho, saio do banheiro com os cabelos ainda molhados, e me encaminho até o guarda-roupa. Escolho um vestido simples, de tecido leve, e um casaco de tricô, pois o tempo lá fora está frio, com nuvens pesadas e um vento que já anuncia a chegada de uma chuva fina. Visto a roupa com um gesto automático, como se meu corpo já soubesse o que fazer.
Com as mãos ainda um pouco úmidas, faço uma trança no meu cabelo e o prendo ao lado, deixando algumas mechas soltas, como sempre faço. Me olho no espelho por um momento. O reflexo me parece familiar, mas ao mesmo tempo distante, como se a imagem ali não fosse totalmente minha. Coloco uma sandália simples, sem adornos, e me preparo para o dia.
Respiro fundo, sorrindo para mim mesma no espelho, sentindo uma leve satisfação. Digo baixinho:
— Pronta.
Com isso, saio do quarto e desço as escadas lentamente, o som dos meus passos ecoando pela casa vazia. Ao chegar à cozinha, vejo todos já sentados à mesa.
Minha avó Nena, sempre a pessoa mais acolhedora e amorosa, sorri para mim, enquanto meu pai Carlos e minha mãe Lúcia estão absortos, com os olhos vazios, parecendo ausentes, cada um em seu próprio mundo silencioso.
— Bom dia! — digo, tentando quebrar o gelo.
Meus pais respondem, mas sem muito entusiasmo, como se minha presença fosse apenas uma formalidade. A rotina de sempre, sem muita diferença. Já minha avó me olha com aquele sorriso carinhoso que sempre me faz sentir amada, e, com um tom doce e suave, diz:
— Bom dia, minha doce Jasmim. Dormiu bem?
Sento ao seu lado, sentindo o calor e o carinho que emana dela. Ao lado de Nena, tudo parece mais calmo, mais seguro. Sorrio e digo, com sinceridade:
— Dormi sim, vozinha. E a senhora, como está?
Começamos a conversar, e logo o ambiente se enche de uma leveza que só a presença dela pode trazer. Enquanto isso, meus pais permanecem em silêncio, como se nossa conversa fosse uma música distante, que não se encaixa no ritmo deles.
Eles, tão fechados e distraídos, parecem sempre alheios ao que está acontecendo ao nosso redor, e isso, de alguma forma, me deixa desconfortável, como se eu estivesse num lugar entre mundos diferentes.
E, assim, logo minha irmã Cassandra entra na cozinha, com aquele ar de superioridade que me faz querer desaparecer em algum canto. Ela está impecável, como sempre, vestida de forma elegante e com um sorriso que parece ter sido planejado.
O tipo de sorriso que ela sabe que encanta, que atrai todos os olhares, que faz com que todos ao seu redor se sintam pequenos.
— Bom dia, família! — diz ela, com a voz suave e firme.
Imediatamente, os olhos de meus pais se iluminam, e eles a cumprimentam com entusiasmo, como se fossem crianças recebendo um presente de Natal.
— Bom dia, filha! — dizem os dois em uníssono, e a sintonia deles me faz sentir ainda mais à margem, como uma espectadora de uma peça na qual eu não fui convidada.
Cassandra é a mais velha, a que mora em uma grande cidade, a que trabalha em um banco, a que conquistou tudo aquilo que meus pais sempre sonharam para mim. Ela é o orgulho deles, a filha perfeita.
E eu? Bem, eu sou apenas a Jasmim, sem rumo, sem emprego, sem propósito. Tenho vinte e um anos e, ao que parece, não consigo fazer nada de "grande" acontecer em minha vida.
Enquanto os vejo trocando palavras, minha mente vagueia para um lugar sombrio. Talvez eles estejam certos em me rejeitar. Olho para mim mesma, para a minha vida estagnada, e me sinto patética. Por que será que sempre parece que nada do que eu faço é suficiente? Talvez eu realmente não seja boa o suficiente.
Nesse momento, sinto a mão da minha vó sobre a minha, como sempre, trazendo-me de volta ao presente. Sua voz, suave como uma brisa, me tira dos pensamentos que me aprisionam.
— Ei, minha querida, vamos levar essas louças para a pia? Eu já terminei aqui.
Assinto em silêncio, pegando as louças e começando a empilhá-las com cuidado. Meus pais e minha irmã continuam em sua conversa, como se eu não estivesse aqui, como se eu fosse uma sombra no ambiente.
Sinto um aperto no peito, mas tento não pensar muito nisso. Com um pequeno gesto, minha vó aperta o botão na cadeira de rodas, e a vejo se movendo em direção à pia. Eu, com as mãos ocupadas, sigo atrás dela.
É então que vejo minha vó parar a cadeira abruptamente, os olhos fixos em algo fora da janela. Algo chama sua atenção, e eu sigo seu olhar.
— Ei, o que foi, vó? — pergunto, me aproximando dela, curiosa.
Ela vira os olhos para mim, e seu sorriso, apesar de ser discreto, é como uma faísca de alegria.
— Vem ver, Jasmim.
Me aproximo mais dela e, ao olhar pela janela, vejo o que ela estava observando. Um caminhão de mudança está estacionado na casa ao lado.
— Nossa, pelo visto teremos vizinhos, vózinha — digo, tentando trazer algum ânimo para o momento.
Mas minha atenção logo é desviada para algo muito mais chamativo. Ali, ao lado do caminhão, está ele. Não um homem qualquer, mas o homem. Ele caminha com uma caixa nas mãos, seus passos firmes e decididos.
Seus cabelos ondulados caem até a nuca, e ele usa uma jaqueta de couro preta que, sem dúvida, veste seu corpo de maneira impecável, como se cada movimento fosse pensado para causar uma impressão.
Não posso evitar, meus olhos seguem os dele. Ele me encara com uma intensidade que me faz engolir em seco. O olhar dele é como um raio, atravessando a distância entre nós, e, por um segundo, parece que o tempo pára.
Eu fico, imóvel, observando-o. Ele está tão perto, mas ao mesmo tempo tão distante, como se fosse uma visão irreal, algo que eu jamais poderia alcançar. Minha mente está em um turbilhão de sensações, mas eu não consigo desviar os olhos dele.
— Nossa, e que vizinho... Que menino bonito! — diz minha vó, quebrando o silêncio com sua observação, como se estivesse comentando sobre algo tão simples quanto o clima.
Eu não consigo desviar o olhar. É como se ele estivesse me puxando de alguma forma, como se, de alguma maneira, esse momento inesperado fosse o começo de algo que eu ainda não entendo. Mas que quero muito descobrir.
Azrael
Enquanto caminho, a caixa pesada em minhas mãos parece ser a única âncora que ainda me mantém distante de tudo o que está por vir. Mas, a cada passo, a conexão magnética com ela, se torna mais forte, mais insustentável.
Eu sabia, sabia que esta missão seria a mais difícil de todas, e que nossa conexão tornaria tudo ainda mais complicado. Mas, ao mesmo tempo, é como se o destino tivesse me traído. Eu sabia que ela estaria aqui, e a missão... bem, ela envolve justamente Jasmim.
É uma contradição dolorosa. Tudo em mim grita para não continuar, para virar as costas e sair dessa dimensão, mas o vínculo, essa força invisível e implacável, me puxa cada vez mais em sua direção. É a maldição do meu trabalho, de quem eu sou, de quem preciso ser.
Eu interrompo o olhar que se conecta involuntariamente ao dela e foco meus olhos à frente, tentando bloquear qualquer resquício de pensamento sobre ela. Não tenho tempo para isso.
A missão é mais importante, sempre foi. Mas, de algum modo, o peso disso tudo me faz sentir como se estivesse atravessando uma linha tênue, um limiar que não posso voltar atrás.
Ouço o barulho apressado de passos atrás de mim, a voz irritante e estridente de Gabriel se aproximando com sua energia juvenil, como sempre fazendo mais barulho do que o necessário.
— Espera, Azrael! Me espera, cara!
Reviro os olhos sem sequer diminuir o ritmo, seguindo em frente com passos firme. Não tenho tempo para discussões, e ele sabe disso.
— Ande mais rápido, seu lerdo. Não tenho culpa se você é devagar — respondo com um tom indiferente, sem olhar para trás.
Sigo em frente e entro na casa. Coloco a caixa no chão com um movimento rápido, como se este pequeno gesto fosse a única coisa capaz de manter minha mente longe do tumulto de emoções conflitantes que ameaçam me dominar.
Me aproximo da janela, me forçando a focar. A cortina está apenas levemente afastada, e por uma fresta pequena, observo a casa dela. A localização é boa, posso vê-la claramente, mas ela não me vê.
— Caraca, maluco, você não me esperou mesmo, não é? Sua frieza é admirável, maninho — diz Gabriel, entrando na sala e colocando sua própria caixa no chão.
Eu o encaro por um breve momento. Gabriel, meu fiel escudeiro, meu irmão de jornada. Às vezes, ele me perturba mais do que deveria, mas eu sei o que ele representa, o que ele é para mim. Ele está comigo há mais tempo do que eu gostaria de admitir.
Em um mundo cheio de sombras e mentiras, ele é a única pessoa em quem posso confiar completamente, e ele sabe disso. Ele sabe qual é a nossa causa, o que servimos e o que temos que fazer. Mas isso não torna as coisas mais fáceis. Nunca é fácil.
Suspirando profundamente, volto a olhar pela fresta da cortina, meu olhar fixo na casa de Jasmim. Ela ainda está lá, sem saber o que a espera, sem sequer imaginar que sua vida está prestes a mudar de maneira irreversível.
— Você sabe que precisamos estar focados na missão, não é, Gabriel? — digo sem desviar os olhos da casa.
Ouço seus passos se aproximando e, em silêncio, ele para ao meu lado, também espiando pela cortina. Por um instante, a tensão entre nós aumenta. Ele respira fundo, como se estivesse medindo suas palavras.
— Relaxa, mano, eu tô ligado. — Ele faz uma pausa e, depois de uma breve risada, solta o comentário que estava segurando. — Será mesmo, Azrael, que o coração dela brilha? Bem, é o que dizem entre os mundos e os cosmos, falam que ele irradia luz...
Eu não posso evitar. Um pequeno sorriso escapa de meus lábios, um sorriso disfarçado, quase irônico, mas também cheio de um tipo de entendimento silencioso. Eu o encaro por um momento, lançando-lhe um olhar divertido.
— E o que você acha? — respondo, o tom desafiador.
A pergunta paira no ar, e por um breve segundo, a tensão cresce ainda mais.
— Eu não sei, mano... — ele começa, a voz mais baixa agora, quase como um sussurro. — Mas ela é a escolhida do cosmos, então quem sabe o coração dela brilhe mesmo. A missão diz que ela é muito importante.
O peso das palavras de Gabriel me atinge, e uma onda de frustração sobe pela minha garganta. Eu fecho os olhos por um momento, mas não posso ignorar o que ele disse. Jasmim. Ela é importante. Ela sempre foi importante, desde o momento em que nossos destinos se cruzaram. Mas eu não posso pensar nisso agora. Não posso deixar que isso me desvie do que tenho que fazer.
Eu dou um pequeno sorriso, forçando uma expressão que não corresponde à tempestade dentro de mim. Olho para a casa dela, a tensão no meu corpo aumentando à medida que a distância entre nós parece diminuir, como se eu estivesse sendo atraído para ela sem controle.
— Pois é... — digo, a voz baixa, quase amarga, enquanto fixo meus olhos na casa. — Tão frágil... mas ao mesmo tempo extremamente valiosa, não é?
Gabriel não desvia o olhar, e sei que ele está me analisando, como se estivesse esperando por uma reação, um deslize. Ele assente lentamente, e então lança um olhar mais penetrante em mim, como se estivesse vendo mais do que eu gostaria de mostrar.
— Verdade. — Ele pausa, e o tom na sua voz muda, fica mais sério, mais carregado. — Eu sei que ela é sua destinada, Azrael, sua companheira. Também sei que você abriu mão desse amor para focar nas missões que realizamos. Sei que entre as suas missões e ela, você escolheu as missões. Mas... que ironia, não é? — Ele dá uma risada baixa, quase sem humor. — Os cosmos te jogaram em uma missão na qual sua companheira, aquela que você rejeitou, é a chave central.
Eu sinto o golpe das palavras de Gabriel como um soco no estômago. Ele tem razão, mais do que eu gostaria de admitir. Eu abandonei Jasmim, joguei tudo fora por uma causa. Eu fui fiel à missão, mas em algum lugar dentro de mim, sei que também trai a mim mesmo. A escolha de seguir meu caminho, sem ela, sem o amor que ela representa... foi uma decisão que agora me aterroriza.
— Não é uma ironia, Gabriel... — respondo, a voz tensa, tentando manter a fachada de controle, mas a emoção trai minha expressão. — Eu fiz o que eu precisava fazer. O que tinha que ser feito. E se ela é a chave, então é minha obrigação lidar com isso da maneira que for necessária. Eu preciso lidar com isso.
Mas, ao dizer isso, percebo que a palavra precisar nunca foi tão vazia para mim. Eu preciso dela, mas também sei que não posso ceder a isso. Eu a afastei, mas agora, o destino está me forçando a enfrentá-la de novo. Só que dessa vez, a missão é maior do que qualquer sentimento pessoal que eu possa ter.
Gabriel não diz mais nada por um momento. Ele apenas me observa com aqueles olhos que veem mais do que qualquer um deveria. Ele sabe o que está se passando na minha cabeça, sabe o que eu estou evitando. Ele não precisa mais de palavras para me confrontar.
E eu sei, mais do que nunca, que essa missão vai me exigir mais do que eu estava preparado para dar. Não se trata apenas de Jasmim. Se trata de mim. Se trata de um destino que nunca pensei que enfrentaria, de uma decisão que fiz no passado, mas que agora está me devorando, me consumindo.
Eu volto a olhar para a casa dela, e algo dentro de mim, algo que tentei esconder, começa a se mover. A tensão se torna mais insuportável, e a única coisa que eu sei com certeza é que não importa o quanto eu tente me afastar, Jasmim estará sempre no centro disso tudo. Ela não sabe ainda. Mas em breve, ela saberá. E quando isso acontecer, nada será o mesmo.
Jasmim
A noite chegou, suave e tranquila, mas dentro de mim uma inquietação cresce como uma onda prestes a quebrar. Estamos todos na pequena igreja da cidade, a luz cintilando suavemente, refletindo a paz que a maioria parece sentir, mas que, ultimamente, tem me escapado.
O pastor Rodrigo conduziu um culto belo, cheio de palavras reconfortantes, mas algo dentro de mim não se aquieta. Eu ouvi a pregação, observei os rostos ao meu redor, mas não consegui me livrar dessa sensação crescente de vazio. Algo está faltando, algo que não sei exatamente como descrever.
Enquanto as pessoas ao redor começam a se dispersar, conversando animadas, meu olhar se fixa no pastor, que está indo em direção ao seu carro. Ele parece alheio à movimentação, calmamente guardando a Bíblia no banco do motorista, já prestes a entrar no carro e ir para casa.
Não sei o que me impulsiona, mas algo me força a me levantar de onde estou, e caminhar até ele, sem saber muito bem o que vou dizer, mas sentindo que não posso ir embora sem ter essa conversa.
— Pastor Rodrigo! Pastor Rodrigo, será que podemos conversar? — minha voz soa mais alta do que eu queria, carregada de uma urgência que eu não consigo controlar.
Ele interrompe seu movimento, a chave na mão, e se vira para mim com um sorriso gentil, como se já soubesse que algo estava pesando no meu coração. Seus olhos são tranquilos, serenos, como se ele fosse uma rocha diante de uma tempestade interna que parece estar se formando em mim.
— Jasmim, mas é claro, minha filha, o que quer compartilhar? — ele diz, a voz calma, acolhedora, sem pressa.
Ele se aproxima um pouco mais, colocando a chave no bolso e me dando total atenção. Eu paro na frente dele, o estômago apertado, e a sensação de estar prestes a me desnudar emocionalmente me deixa nervosa. Não sou dada a falar abertamente sobre o que sinto, principalmente sobre minhas dúvidas espirituais, mas sinto que preciso disso, mais do que nunca.
— É que, pastor... — começo, a voz falhando um pouco. Engulo em seco, tentando encontrar as palavras certas. — Ultimamente, tenho enfrentado dias difíceis. Não de uma forma física, mas mais emocional mesmo. Eu... eu não sei, pastor. Por mais que eu acredite em Deus, eu não estou conseguindo mais vê-lo aqui, sabe? Na igreja. Eu ouço as palavras, vejo as orações, mas não sinto mais a presença dele, entende?
Minhas mãos tremem ligeiramente, e eu as aperto com força contra o vestido, tentando me controlar. Olho para o pastor, procurando por alguma resposta, mas também me sinto vulnerável, como se tudo o que eu fosse estivesse à mostra.
— Eu sinto um desejo forte dentro de mim... — continuo, agora com mais firmeza, como se tivesse encontrado a chave para o que estou sentindo. — Um desejo não de crer nele, mas de sentir ele, sabe? Quando a brisa me acaricia, quando o sol me ilumina, quando os passarinhos cantam, quando a chuva cai molhando a grama, quando olho para uma criança, quando um idoso me traz sua paz... É em tudo isso que eu vejo Ele, pastor. Deus está em tudo para mim, em cada átomo, em cada partícula, por menor que seja. No grande, no pequeno, é ali que eu o encontro.
Enquanto as palavras saem, um peso parece se dissipar do meu peito. Eu nunca tinha falado assim, nunca tinha compartilhado com ninguém essa sensação de estar conectada a algo maior, a uma presença que não se manifesta em sermões ou rituais, mas na essência das coisas simples da vida.
E, à medida que falo, percebo que esse sentimento de busca, esse vazio que me consome, não é algo isolado. Talvez seja uma busca por algo que não se encontra nas paredes da igreja, mas em algo mais vasto, mais imersivo.
O pastor me observa em silêncio, o rosto sereno, mas com os olhos atentos, como se estivesse absorvendo tudo o que eu disse, compreendendo cada palavra sem pressa de oferecer uma resposta imediata. Ele é paciente, e isso me acalma.
Por um momento, nenhum de nós diz nada. O som da noite ao fundo, o canto suave de alguns grilos e o sussurrar da brisa nas árvores preenchem o silêncio, criando um espaço sagrado entre nós dois.
— Jasmim... — diz ele, por fim, com uma suavidade que me faz relaxar. — O que você descreveu, minha filha, é uma forma muito bonita de se conectar com Deus. Às vezes, a presença d'Ele não se manifesta da maneira que esperamos ou desejamos, mas isso não significa que Ele não esteja conosco. Ele está em cada pedacinho de criação, como você tão bem percebeu. Deus não está apenas nas palavras, nos templos ou nas cerimônias... Ele está na vida que pulsa ao nosso redor, na beleza dos momentos simples que você mencionou.
Eu o escuto atentamente, sentindo uma sensação de alívio, como se ele estivesse tocando algo profundo dentro de mim, algo que eu mesma não conseguia nomear. Então, ele continua:
— Talvez o que você esteja buscando, Jasmim, não seja uma resposta pronta ou uma sensação de segurança imediata. Mas talvez seja uma nova forma de se abrir para o que Ele está mostrando. Às vezes, a presença de Deus se revela na quietude, na simplicidade, no que não pedimos ou esperamos. Quando você percebe o divino no que está ao seu redor, você não está apenas crendo. Você está vivendo a fé.
Eu fecho os olhos por um momento, absorvendo as palavras do pastor. Elas ecoam dentro de mim, e algo se acende. Eu sempre pensei que minha fé dependia de respostas claras, de certezas inabaláveis, mas talvez a verdadeira fé esteja mesmo na busca incessante, na abertura para sentir, para ver Deus em cada parte do mundo.
Quando abro os olhos novamente, vejo o pastor me observando com um sorriso tranquilo, um sorriso de quem sabe que a jornada de fé é feita de altos e baixos, mas que cada passo dado na busca é valioso. E, ele prossegue:
— Você não está sozinha nessa jornada, Jasmim. A busca por Deus é algo pessoal, mas você nunca está distante d'Ele, mesmo quando parece não encontrá-lo. Ele está em você, na sua busca, na sua honestidade.
Eu dou um pequeno sorriso, aliviada, grata. Não é uma resposta definitiva, mas é exatamente o que eu precisava ouvir. Às vezes, o que nos falta não é a resposta, mas a coragem de perguntar e de continuar buscando.
— Obrigada, pastor. — Minha voz sai suave, mas com um toque de gratidão genuína. — Eu precisava ouvir isso.
Ele coloca a mão sobre meu ombro com um gesto paternal, e eu sinto um calor reconfortante.
— Deus te abençoe, Jasmim. E lembre-se: você já está no caminho.
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