Lara sempre acreditou que o tempo era precioso demais para ser desperdiçado. Desde pequena, seus pais lhe ensinaram a aproveitar cada momento com intensidade, como se cada segundo fosse uma dádiva a ser vivida, e não apenas marcada no relógio. Ela sempre foi uma pessoa de paixões avassaladoras - por livros, por viagens, por pessoas. E, claro, por Eric. O amor da sua vida.
Eles se conheceram na faculdade e, desde o primeiro momento, Lara soubera que ele era alguém especial. Eric tinha um jeito encantador, um sorriso fácil, e parecia sempre saber as palavras certas para aquecer seu coração. Com ele, Lara descobriu o que era um amor pleno, aquele que te envolve por completo e te faz acreditar que o futuro será brilhante. Era o tipo de relacionamento que ela sempre sonhou, e ela estava feliz por finalmente vivê-lo.
Aquela tarde não era diferente das outras. Lara estava sozinha em casa, esperando Eric chegar de sua sessão de treino. Ela estava ansiosa para se encontrar com ele e passar o resto da noite juntos. Já havia planejado até o que fariam: um filme, algumas risadas e talvez uma conversa sobre o futuro, como sempre faziam.
Enquanto aguardava, seu celular vibrou. Era uma mensagem de Sandra, uma amiga de longa data. Lara sorriu ao ver o nome de Sandra na tela, mas, ao abrir a mensagem, sua expressão mudou.
"Lara, eu sei que você e o Eric estão juntos há um tempo, mas preciso te contar uma coisa. Vi ele hoje com a Gabi. Não entendi muito bem, porque eles nunca se deram bem, mas achei estranho. Talvez seja melhor você saber disso."
Lara ficou paralisada por um instante, o coração batendo mais rápido. Gabi? Sua melhor amiga? Como assim? Gabi e Eric nunca foram próximos, pelo contrário. Sempre houve uma tensão entre eles, como se algo não se encaixasse. Por que ela nunca tinha percebido isso antes?
Sem saber o que fazer, Lara se levantou e começou a andar pela casa, nervosa, a mente a mil. Será que era verdade? Não, não poderia ser... Mas a dúvida começou a se espalhar como uma mancha de tinta, invadindo seus pensamentos e roubando a paz que ela tentava manter.
Ela não queria acreditar em Sandra, mas não podia ignorar a sensação de que algo estava errado. No impulso, tomou uma decisão que não pensou muito: iria até a casa de Gabi. Não sabia o que encontraria, mas algo dentro dela dizia que precisava saber a verdade. Ela pegou as chaves do carro e saiu rapidamente, o estômago apertado e a mente turva de insegurança.
O caminho até a casa de Gabi parecia interminável. Cada quilômetro a deixava mais ansiosa e inquieta, sem saber o que esperar. Quando chegou, estacionou o carro na rua e ficou alguns minutos olhando para a casa. A porta estava fechada, mas uma sensação de inquietação tomava conta dela.
Lara respirou fundo, pegou a chave do carro e caminhou até a porta da casa de Gabi. Sem pensar muito, tocou a campainha. O som ecoou, mas ninguém atendeu de imediato. Um segundo depois, a porta se abriu.
Gabi estava ali, com os cabelos soltos e uma expressão surpresa no rosto.
- Lara? O que você faz aqui? - Gabi perguntou, um pouco desconcertada.
Lara engoliu em seco, mas não conseguiu esconder a tensão. Ela não podia mais ficar quieta.
- Eu preciso saber, Gabi. - Lara disse, a voz tensa, quase quebrando. - Eu preciso saber o que está acontecendo entre você e o Eric.
Gabi franziu a testa, confusa.
- O que você está dizendo? - Ela respondeu, a voz baixa, mas com um tom de irritação.
Lara então se afastou um pouco, olhando para dentro da casa, e foi aí que o mundo dela desabou.
No sofá, estava Eric seminu. Os dois ficaram desconfortáveis ao perceber a descoberta de Lara, mas não tiveram tempo de reagir.
Lara sentiu o chão sumir sob seus pés. O ar parecia denso, pesado, e uma dor aguda se espalhou por todo o seu corpo. Era como se ela tivesse sido atingida por um golpe direto no peito.
Eric olhou para ela, os olhos cheios de culpa, mas não teve coragem de falar nada. Gabi, por sua vez, apenas olhou para ela, com um semblante de quem já sabia o que viria a seguir.
- Como... como vocês podem fazer isso comigo? - Lara perguntou, a voz embargada, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam cair. O que ela tinha feito para merecer isso? Sua melhor amiga, e o homem que ela amava.
Eric se levantou, mas Lara deu um passo atrás, evitando qualquer aproximação.
- Lara, não é o que você está pensando... - Eric começou, mas ela o interrompeu, a dor transbordando.
- Não é o que eu estou pensando? Eu te amava, Eric! E você... você me traiu com ela, com a minha melhor amiga! - Ela gritou, sentindo o peso da traição consumir todas as palavras que saíam de sua boca. - Como vocês puderam?
Gabi não disse uma palavra, apenas permaneceu em silêncio. Eric tentou se aproximar de Lara, mas ela o afastou com um gesto rápido, o olhar fixo nele, cheio de revolta.
- Você destruiu tudo, Eric. Tudo! Eu confiava em você! - Lara falou, a raiva misturada com a dor, as palavras afiadas saindo como uma lâmina cortante.
Quando Lara se virou para ir embora, uma onda de tontura a atingiu. Seus passos vacilaram, e antes que pudesse se apoiar em algo, o mundo ao seu redor se apagou. Ela desmaiou no meio da rua.
Eric e Gabi, atônitos, correram até ela. O pânico tomou conta de Eric, e com a ajuda de Gabi, ele a levantou e a levou até o carro. Eles dirigiram apressadamente até o hospital, o silêncio pesado dentro do carro, interrompido apenas pelo som das respiradas ofegantes de Eric.
"Ela vai ficar bem, não vai?" Gabi perguntou, a voz trêmula, mas tentando manter a compostura.
Eric não respondeu de imediato. Olhava para a estrada com um olhar distante, como se o peso de suas escolhas o estivesse consumindo. "Eu... eu não sei, Gabi. Eu só espero que sim."
Quando chegaram ao hospital, Lara foi imediatamente levada para a sala de emergência. Os médicos trabalharam rapidamente para estabilizá-la, monitorando sua pressão arterial e fazendo exames de sangue. Eric e Gabi estavam na sala de espera, sem saber o que fazer, mas a culpa de Eric estava escrita em seu rosto.
Após o que parecia uma eternidade, o médico responsável por Lara, Dr. André, apareceu na porta.
"Senhorita Lara está estável agora, mas precisamos fazer mais alguns exames para entender o que a fez desmaiar. O desmaio pode ter sido causado por várias coisas, e queremos ter certeza de que estamos tratando tudo de forma correta", ele disse, com um semblante sério, mas amigável.
"Ela vai ficar bem?" Eric perguntou, tentando esconder o nervosismo em sua voz.
"É cedo para afirmar qualquer coisa. Vamos ter que esperar pelos resultados dos exames. Estamos realizando uma série de testes, mas por enquanto, ela está apenas sedada. Fiquem tranquilos, ela está em boas mãos", respondeu o médico, antes de sair novamente para acompanhar o andamento dos exames.
O tempo passou, e a ansiedade no corredor aumentava. Eric andava de um lado para o outro, passando as mãos pelos cabelos, sem saber como lidar com a situação. Gabi estava sentada em uma cadeira, com os olhos fixos no chão, sem conseguir dizer uma palavra.
Após algumas horas, o médico retornou, desta vez acompanhado de um especialista.
"Senhorita Lara teve uma série de reações no corpo que precisamos analisar com mais profundidade", começou Dr. André. "Fizemos exames de imagem, como tomografia e ultrassom, para investigar melhor o que pode estar acontecendo."
"Exames de imagem? O que vocês viram?" Gabi perguntou, com um leve tremor na voz.
O médico fez uma pausa, antes de olhar para o especialista ao seu lado. O outro médico, Dr. Ricardo, tomou a palavra.
"Infelizmente, encontramos algumas anomalias que indicam um quadro de câncer. Estamos ainda investigando o estágio, mas o que vimos nos exames é preocupante", disse Dr. Ricardo, com uma expressão grave.
Eric paralisou. Seu corpo ficou rígido, e ele engoliu em seco, sem saber o que dizer. Gabi, por sua vez, cobriu o rosto com as mãos, tentando conter o pânico que subia pelo seu peito.
"Como assim? Câncer?" Eric perguntou, sua voz baixa, cheia de incredulidade. "Isso não pode ser verdade... Não pode!"
Dr. André assentiu com a cabeça. "Precisamos confirmar os resultados com mais exames, mas a presença de massas no sistema linfático é indicativa de uma condição grave. Vamos realizar biópsias para determinar o tipo exato do câncer e seu estágio."
"Ela vai ficar bem, doutor?" Gabi perguntou, sua voz mais firme agora, mas ainda cheia de receio.
Dr. Ricardo respirou fundo antes de responder. "Ainda não sabemos. O câncer pode ser tratado, mas depende muito do tipo e do estágio em que se encontra. O que podemos garantir agora é que estamos fazendo tudo o que podemos para encontrar o melhor caminho para o tratamento. Vamos precisar de mais alguns exames, e então poderemos discutir as opções."
Gabi e Eric ficaram atordoados com a notícia, cheios de remorso decidiram ir embora, pois não poderiam apoiar Lara nessa situação, não depois do que fizeram.
Lara acordou com uma sensação de peso no peito. A luz branca e fria do hospital entrava pela janela, iluminando o quarto com um brilho que a fazia apertar os olhos, ainda confusa. Tentou se mover, mas o corpo parecia não responder de imediato, como se estivesse adormecida em outro mundo. Foi quando a memória a atingiu com força - Eric e Gabi, juntos em um ato de traição . Ela os vira claramente, os rostos próximos, e o mundo havia desabado. A dor no peito era imensa, e o último sentimento que ela tinha antes de desmaiar era a sensação de perda e decepção.
Ela tentou se mexer, mas o corpo pesado não respondia. Uma enfermeira entrou no quarto, interrompendo seus pensamentos.
"Senhorita Lara, você está acordando. Como está se sentindo?" perguntou com uma voz calma, mas preocupada.
Lara tentou falar, mas a garganta estava seca. O que ela mais queria era se afastar daquele lugar, fugir de tudo o que acabara de descobrir, mas seu corpo não a obedecia. Tentou se sentar na cama, mas a tontura a fez cair novamente contra o travesseiro. A enfermeira rapidamente se aproximou, ajudando-a a se acomodar.
"Você teve uma queda, um desmaio. Mas está estável agora", a enfermeira explicou. "Os médicos irão te examinar novamente."
Ela assentiu lentamente, sem conseguir falar. Seu olhar vagueou pela sala, tentando encontrar algo que a ancorasse, mas sua mente estava turva, ainda lutando para processar o que havia acontecido com Eric e Gabi.
Minutos depois, o médico responsável, Dr. André, entrou na sala, trazendo com ele um semblante sério, que aumentava a ansiedade de Lara.
"Bom dia, senhorita Lara. Como está se sentindo?", ele perguntou com um tom suave, mas o olhar grave não passou despercebido por Lara.
Ela tentou responder, mas as palavras falharam. "Estou... confusa", foi tudo o que conseguiu dizer, os olhos desviando para o lado.
"Isso é natural, após o que você passou", disse Dr. André. "Ainda precisamos entender as causas do desmaio. Vamos fazer alguns exames e continuar monitorando. Não se preocupe, você está em boas mãos."
Lara não conseguiu mais se concentrar nas palavras do médico. Sua mente estava fixada em Eric e Gabi. O que ela faria agora? Como poderia olhar para eles novamente, sabendo o que sabia? Sua respiração ficou mais rápida, mas ela não sabia se era por causa da angústia ou da sensação de estar presa em um pesadelo do qual não conseguia acordar.
Antes que pudesse continuar a se perder em seus pensamentos, o médico a interrompeu. "Lara, precisamos conversar sobre os resultados dos exames. Descobrimos algo que você precisa saber."
Ela olhou para ele com uma mistura de medo e curiosidade. "O que aconteceu? Está tudo bem?"
Dr. André hesitou antes de continuar. "Fizemos uma série de exames, Lara, e encontramos alguns sinais preocupantes. Alguns resultados indicam que há algo mais sério acontecendo no seu corpo. Precisamos realizar mais testes para ter um diagnóstico definitivo, mas os sinais apontam para a possibilidade de câncer."
O impacto das palavras foi como um golpe. Lara ficou paralisada. O que ele havia acabado de dizer? Câncer? Ela mal conseguia processar.
"Não pode ser...", ela sussurrou, as palavras saindo em um fio de voz. "Isso não pode ser verdade."
Lara estava sentada na sala fria do hospital, as mãos entrelaçadas sobre o colo, o olhar fixo na porta pela qual o médico entraria a qualquer momento. A ansiedade apertava seu peito, mas algo dentro dela dizia que as notícias não seriam boas.
Finalmente, Dr. André entrou, com uma expressão séria e pesarosa. Ele puxou uma cadeira e se sentou à sua frente, respirando fundo antes de começar a falar.
"Lara, os resultados chegaram", ele disse, pausadamente. "Infelizmente, o diagnóstico é mais grave do que esperávamos. Seu câncer está em estágio avançado. Vamos precisar iniciar o tratamento o quanto antes."
Ela o encarou, tentando entender o que aquelas palavras significavam. "Quanto... quanto tempo eu tenho?" perguntou, com a voz fraca.
Dr. André baixou os olhos antes de responder. "Seis meses, talvez um pouco mais. Até setembro, no início da primavera, mas não podemos garantir. Estamos falando de um tratamento agressivo, Lara. A quimioterapia poderá prolongar sua vida e dar-lhe uma chance, mas o caminho será difícil."
O mundo ao redor dela pareceu desmoronar. Primeiro, a traição de Eric com Gabi, e agora isso. A sensação de que tudo estava se desfazendo era esmagadora. As lágrimas começaram a cair, silenciosas, enquanto ela tentava absorver a realidade que lhe fora imposta.
Ela agradeceu ao médico, se levantou em um gesto automático, e caminhou em direção à saída do hospital, como se estivesse flutuando. Lá fora, o céu estava nublado, refletindo o que ela sentia por dentro. Lara encostou-se em uma parede, o rosto molhado de lágrimas, e olhou para o céu.
"Por que... por que comigo?" murmurou para si mesma, tentando entender.
Um misto de raiva e tristeza tomou conta dela, mas logo veio uma decisão. Se aqueles eram seus últimos meses, então ela não os passaria se lamentando. Haveria lágrimas, sim, mas também haveria vida. Uma vida pela qual ela lutaria com todas as forças, mesmo que o tempo fosse curto. Era isso que ela precisava decidir ali, naquele momento.
Pouco tempo depois, ela pegou o celular e ligou para sua mãe.
"Alô? Mãe?" Sua voz saiu fraca, mas ela tentou soar firme. "Eu... estou pensando em ir para casa. Para Ennis."
"Lara?" Sua mãe respondeu, com um tom preocupado. "Querida, você está bem? Por que essa decisão de repente?"
Lara hesitou, mas sabia que precisava contar a verdade. "Eu... preciso de vocês, mãe. As coisas aqui não estão fáceis. Recebi um diagnóstico... grave."
A voz do outro lado ficou silenciosa, como se sua mãe estivesse processando a notícia.
"Querida... vamos passar por isso juntas, Lara. Venha para casa. Estaremos todos aqui para você."
As palavras de sua mãe trouxeram um conforto que ela não sentia há muito tempo. Lara decidiu que iria para Ennis, sua cidade natal na Irlanda. Lá, ela teria a chance de recomeçar, de viver seus últimos meses ao lado de sua família, sentindo o calor do lar, o amor de sua mãe, e a paz que tanto precisava.
Duas semanas depois, Lara desceu do avião em Shannon, o aeroporto mais próximo de Ennis. O vento irlandês bateu em seu rosto, frio e reconfortante, trazendo uma sensação de familiaridade que ela havia esquecido. Lá estava sua mãe, esperando-a com um sorriso melancólico e um abraço apertado que lhe tirou o fôlego.
"Oh, minha filha..." a mãe sussurrou enquanto a abraçava. "Vamos enfrentar isso juntas, não importa o que aconteça."
Lara assentiu, deixando-se envolver pelo carinho da mãe. Aquelas palavras, simples, traziam um alívio que ela tanto precisava.
Ao chegar em Ennis, Lara redescobriu a cidade com novos olhos. O verde das colinas, o barulho suave do rio Fergus, e o cheiro da grama molhada. Ela prometeu a si mesma que viveria intensamente cada dia. Os sorrisos, as risadas, os abraços - tudo isso agora tinha um valor que ela nunca havia compreendido antes.
Naquela mesma noite, ao olhar para o céu estrelado do lado de fora, Lara murmurou para si mesma. "Não vou desistir, nem de viver, nem de lutar. A primavera ainda vai chegar, e eu quero estar aqui para ver."
Depois de murmurar suas palavras de determinação, Lara decidiu que não estava pronta para voltar para dentro de casa. Ainda era cedo, e o céu estrelado de Ennis parecia lhe chamar. Ela precisava de um momento para processar tudo o que sentia, e o som suave do rio Fergus a atraía como um convite para uma noite de paz.
Caminhando ao longo das margens do rio, Lara se sentia mais leve, quase em paz, como se o vento frio e a paisagem tranquila lavassem um pouco do peso que carregava. Aproximou-se da água, hipnotizada pelo reflexo da lua nas ondas, e se inclinou um pouco mais para ver o brilho nas pedras do fundo.
De repente, o solo molhado deslizou debaixo de seus pés, e antes que pudesse reagir, ela perdeu o equilíbrio, os braços agitando no ar em uma tentativa desesperada de se segurar em algo. Com um grito abafado, ela caiu direto na água gelada, que a envolveu rapidamente, tirando seu fôlego.
Enquanto tentava se recompor na água, ouviu uma voz surpresa, porém divertida, vindo da margem.
"Precisa de ajuda ou está apenas se refrescando?"
Lara, encharcada e sem fôlego, levantou o rosto e viu um homem parado na margem, rindo, mas claramente preocupado. Ele estendeu a mão para ela, com um sorriso brincalhão nos lábios.
"Bem... eu estava só... verificando a temperatura da água!" Ela respondeu, tentando manter alguma dignidade. "Mas acho que uma mão amiga seria bem-vinda."
Ele se inclinou e segurou a mão dela, puxando-a para fora do rio com um puxão firme. Lara escorregou um pouco mais, fazendo com que ele precisasse segurá-la pela cintura para evitar outra queda.
"Sou Rafael," ele disse, ainda rindo, enquanto a ajudava a se equilibrar.
Lara levantou o olhar e se deparou com o rosto dele sob a luz suave da lua. Rafael era alto, com um porte firme e seguro, o tipo de presença que não passava despercebida. Seus cabelos escuros caíam de maneira ligeiramente desordenada, como se o vento tivesse se encarregado de desalinhar cada fio, mas o efeito era charmoso, quase casual. Seus olhos, de um tom profundo de mel, refletiam uma suavidade acolhedora, algo que parecia confortá-la de imediato, apesar do jeito brincalhão.
"Lara," respondeu, constrangida, enquanto tentava espremer a água do seu casaco. "E... obrigada. Eu estava apenas tentando aproveitar a noite. Não sabia que o rio teria outros planos."
"Bom, o Fergus gosta de surpreender os visitantes. É como uma tradição por aqui!" Rafael disse, piscando para ela. "Você está bem? Quer dar mais um mergulho ou prefere uma caminhada em terra firme desta vez?"
Ela riu, um riso sincero que parecia lavar um pouco da angústia que carregava. "Acho que prefiro o chão firme, obrigada. Mas que recepção, hein?"
Os dois começaram a caminhar lado a lado ao longo da margem, conversando sobre a cidade, o rio e a vida em Ennis. Rafael, com seu jeito descontraído e sorriso caloroso, parecia despertar em Lara algo que ela pensava ter perdido: uma sensação de leveza, de estar presente e, acima de tudo, viva.
Rafael a acompanhou até sua casa, caminhando ao lado dela enquanto a noite caía suavemente sobre Ennis. A lua, cheia e luminosa, iluminava as ruas tranquilas, banhando tudo com uma luz prata que parecia mágica. O som do Fergus ao longe era como uma música suave, completando o cenário sereno da noite.
Quando chegaram à porta, Lara viu sua mãe, Mary, à janela, com um olhar preocupado. Ao perceber a filha, o semblante de Mary suavizou, mas logo se transformou em uma expressão de alívio.
"Minha filha, você está bem?" Mary perguntou, a voz trêmula, vindo rapidamente ao encontro de Lara.
"Sim, mãe, tudo bem. Só... um pequeno acidente." Lara sorriu, tentando amenizar a situação, mas não pôde deixar de notar o olhar atento e cauteloso da mãe.
Rafael, que até então permanecera em silêncio ao fundo, sorriu suavemente. "Foi um prazer te conhecer, Lara. Espero que o Fergus seja mais educado na próxima vez."
"Obrigada, Rafael." Lara agradeceu, ainda com um sorriso sincero, embora sentisse uma leve desconforto por ter que se despedir tão rapidamente.
Rafael fez um leve aceno de cabeça e, antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, se virou e seguiu seu caminho pelas ruas iluminadas pela lua. Lara o observou até ele desaparecer na esquina, um fio de curiosidade despertando dentro dela.
Quando finalmente entrou em casa, Mary a abraçou com alívio. "Lara, você estava tão distante hoje. Mas que bom que voltou bem. E aquele rapaz, quem é ele? Parece ser bem educado."
Lara hesitou por um momento, refletindo sobre o encontro inesperado. "Ele é... Rafael. Acabamos de nos conhecer. Estava por aí, passeando."
Mary, com um sorriso compreensivo, continuou: "Ele é muito bem visto aqui em Ennis. Todo mundo fala bem dele. Um bom rapaz. Você deveria tentar se aproximar de pessoas assim, minha filha."
Lara, ainda imersa na noite tranquila e no estranho conforto que Rafael havia proporcionado, ficou pensativa. "Sim, talvez..."
Subiu para o quarto, suas palavras flutuando na mente. Algo sobre Rafael a intrigava. Ele era novo em sua vida, mas parecia ter deixado uma marca. Não sabia ainda o que isso significava, mas a curiosidade estava ali, crescente, como uma semente plantada em solo fértil.
Ela se deitou, olhando pela janela. A lua ainda brilhava intensamente, e Lara se perguntava o que mais essa nova fase em Ennis poderia trazer para ela, e se Rafael teria algum papel nisso.
No terceiro dia após seu retorno à Irlanda, Lara e sua mãe foram ao hospital. As paredes brancas e o ambiente estéril faziam Lara se sentir um pouco desconfortável, mas ela sabia que era o primeiro passo para seu tratamento. A mãe, ao seu lado, oferecia palavras de conforto a cada instante, segurando sua mão durante os exames e tentando aliviar um pouco da ansiedade que pairava no ar.
Depois das consultas e dos primeiros preparativos para o tratamento, Mary sugeriu algo para animá-las. "Filha, por que não aproveitamos para dar uma volta? Ouvi dizer que está tendo uma feirinha aqui perto. Vamos lá?"
Lara assentiu, tentando ignorar o peso da última hora. Caminhar pela cidade, como antigamente, poderia ser exatamente o que ela precisava para arejar a mente.
As duas saíram do hospital e seguiram pelas ruas que começavam a ganhar vida com as barracas coloridas da feirinha. O aroma de pães frescos e o som de risadas enchiam o ar, e Lara se sentia momentaneamente leve, como se o peso de sua condição desaparecesse por um instante.
Mas, enquanto passeava, algo mais chamou sua atenção: uma área mais afastada, cheia de adereços em formato de corações, com luzes penduradas entre as ruas e guirlandas delicadas adornando as fachadas. As decorações vibravam com tons de vermelho e rosa, contrastando com o verde das plantas que cresciam nas paredes antigas.
"Por que aqui?" ela murmurou, fascinada pela beleza inesperada daquela parte da cidade.
"Está curiosa, peixinho?" Rafael apareceu por trás dela, dando um leve susto, mas com um sorriso brincalhão. Lara deu um pequeno salto, mas riu, surpresa e um pouco aliviada ao ver um rosto conhecido.
"Rafael! Você me assustou! E... 'peixinho'?" Lara riu, tentando disfarçar o leve rubor que subia às bochechas.
Ele piscou para ela com um sorriso descontraído. "Ora, nunca viu a preparação para a Festa do Amor Irlandês, não é? Está quase na época. É uma celebração antiga aqui em Ennis. Todas as pessoas da vila se juntam para decorar as ruas."
"Festa do Amor Irlandês... Interessante," Lara murmurou, absorvendo a ideia. "Mas você trabalha aqui? Está ajudando a decorar?"
Rafael riu, já pegando uma caixa cheia de pequenos corações para pendurar em uma das árvores. "Sim, digamos que sou o faz-tudo por aqui. Onde precisa de ajuda, lá estou eu. Decorar, pintar, consertar... O pessoal da vila sempre me chama."
Ela observou enquanto ele pendurava os corações com uma precisão cuidadosa, sem perder o sorriso no rosto. Havia algo fascinante na forma como ele se envolvia no trabalho, sempre com bom humor e sem parecer que era uma obrigação.
"Então, você conhece todo mundo da cidade?" Lara perguntou, cruzando os braços e observando-o com curiosidade.
"Praticamente. Desde pequeno, eu me envolvo nessas tradições. Gosto de ajudar e ver as coisas tomarem forma, sabe?" Ele a olhou, notando seu interesse. "Para mim, essas festividades fazem Ennis ser o que é: uma cidade viva, cheia de histórias e pessoas que cuidam umas das outras."
Enquanto ele amarrava mais um coração em um poste, Lara sentiu uma sensação familiar de pertencimento. Mesmo estando fora por tanto tempo, aquela tradição de Ennis a envolvia novamente, e a presença de Rafael tornava o momento ainda mais especial.
"Você já participou de alguma dessas festas?" ele perguntou, olhando-a com curiosidade.
"Não... na verdade, saí de Ennis muito cedo. Voltei só agora," Lara respondeu, um pouco constrangida. "Mas é... é reconfortante ver como a cidade mantém suas tradições. Não me lembrava que tudo isso era tão vivo."
Rafael assentiu, entendendo o que ela queria dizer. "Então, dessa vez, você tem que participar. É uma experiência que vale a pena. E tenho certeza de que os moradores adorariam te conhecer mais."
Lara sorriu, sentindo-se estranhamente à vontade. Pela primeira vez desde que voltou, a ideia de se reconectar com a cidade e suas tradições parecia menos distante e mais acolhedora. E, talvez, com Rafael ao lado, a ideia de redescobrir Ennis se tornasse ainda mais interessante.
Rafael terminou de pendurar um dos corações e se voltou para Lara, com um sorriso travesso no rosto.
"Quem sabe você não encontra o amor no festival, hein?" provocou ele, levantando uma sobrancelha.
Lara riu, mas deu de ombros, desviando o olhar. "Duvido muito... estou longe de querer um 'amor' agora."
Ele a observou por um instante, os olhos brilhando com uma mistura de curiosidade e humor. "Parece que esse peixinho teve o coração quebrado."
Lara parou por um momento, surpresa com a observação, sentindo um leve constrangimento. Não queria se abrir sobre suas dores com alguém que acabara de conhecer, e desviou o olhar, tentando disfarçar.
Percebendo a hesitação dela, Rafael sorriu de leve e mudou de assunto, apontando para uma pilha de enfeites ao lado. "Vamos lá, que tal me ajudar um pouco? Ainda temos muitos corações para pendurar."
Ela assentiu, aliviada pela troca de assunto, e os dois começaram a colocar mais adereços pela rua. Enquanto trabalhavam, alguns moradores mais velhos passaram por ali e acenaram para Rafael, sorrindo ao vê-lo.
"Ei, Rafael, Rebeca não vai gostar de te ver decorando a cidade com outra garota, hein?" disse um dos idosos, piscando para ele com um ar de brincadeira.
Lara sentiu um leve desconforto, não esperando aquele comentário. Ela o olhou de relance, tentando disfarçar o interesse súbito. Será que ele já tinha alguém? Embora soubesse que não deveria se importar, uma pontada de curiosidade a incomodava.
Rafael, no entanto, apenas riu e deu de ombros, sem parecer se importar com a provocação dos outros. Eles continuaram pendurando os corações, e Lara, tentando focar na tarefa, acabou se surpreendendo com o quanto estava se divertindo.
Depois de algum tempo, ela olhou o relógio e percebeu que já estava na hora de encontrar a mãe. "Eu tenho que ir. Minha mãe deve estar me esperando na feirinha."
Antes que ela pudesse se afastar, Rafael a chamou, com aquele sorriso travesso de sempre. "Ah, só pra esclarecer: Rebeca é minha irmã mais nova." Ele piscou, com um brilho divertido nos olhos.
Lara ficou vermelha, percebendo que ele tinha notado seu constrangimento. Ela riu, um pouco sem graça, e se despediu, apressando o passo pela rua enquanto tentava entender por que ele quisera compartilhar aquilo com ela.
Enquanto caminhava de volta para a feira, seu pensamento vagava entre as palavras dele e o olhar brincalhão que acompanhava cada provocação. Era só uma amizade surgindo... certo? Mas algo nela lhe dizia que esse "peixinho" ainda ia querer mergulhar de volta naquela direção.
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