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Sob O Jugo Da Coroa

O Nascimento De Uma Rainha

A sala estava tão silenciosa que eu podia ouvir minha própria respiração, entrecortada e hesitante. Minhas mãos estavam apoiadas no colo, tentando disfarçar o tremor que subia pelos meus dedos. Sentada na cadeira alta, com os pés balançando no ar, eu mal conseguia manter as costas retas. O vestido roxo de veludo coçava minha pele, e a coroa em minhas mãos parecia pesar mais do que eu podia carregar.

À minha frente, dezenas de olhos me encaravam. Homens e mulheres de rostos graves, alguns com expressões que mal consegui decifrar. Outros, como o duque de Fairmont, olhavam para mim com algo que parecia ser um misto de piedade e expectativa. Ele era um velho amigo de meu pai, ou pelo menos era o que diziam.

Meu pai... Ele estava morto.

Os últimos dias tinham sido um borrão. Primeiro, as portas trancadas em meus aposentos enquanto os gritos de minha mãe ecoavam pelo castelo. Depois, os olhares sombrios das criadas, que mal conseguiam me encarar. Alguém havia dito que ele fora envenenado, mas não houve tempo para explicações ou lágrimas. Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, fui arrastada para essa sala, cercada por conselheiros que falavam em sussurros, como se eu fosse invisível.

— Majestade — a voz grave do bispo me arrancou de meus pensamentos. Ele estava ao meu lado, segurando a pesada coroa de ouro que havia pertencido ao meu pai. — É hora de assumir seu lugar.

Senti meu estômago revirar. Assumir meu lugar? Eu era apenas uma menina, com dezassete anos, e eles queriam que eu governasse um reino inteiro.

Ergui os olhos para minha mãe, que estava sentada em uma cadeira próxima. Ela parecia mais pálida do que nunca, o rosto marcado por noites sem dormir. Ainda assim, seus olhos encontraram os meus com uma força que me fez querer chorar.

— Você não pode chorar, Eleanor — ela havia dito naquela manhã. — Não importa o que aconteça, não mostre fraqueza.

Eu não chorei. Mesmo quando o bispo colocou a coroa em minha cabeça, e o peso dela quase fez meu pescoço ceder, mantive o rosto erguido. O metal frio pressionava minha testa, como um lembrete constante de que minha vida nunca mais seria a mesma.

— Que Deus abençoe seu reinado, Vossa Majestade — disse o bispo, sua voz ecoando pela sala.

Houve um momento de silêncio, seguido por aplausos contidos. Não eram aplausos de celebração, mas de obrigação. Eu podia sentir isso.

Foi então que o vi.

No fundo da sala, sob a sombra de uma coluna, estava um homem que eu nunca havia visto antes. Ele era alto e magro, vestido com um manto preto que parecia absorver a luz ao seu redor. Seus olhos, escuros e penetrantes, estavam fixos em mim. Quando nossos olhares se encontraram, ele sorriu.

— Majestade — disse ele, sua voz baixa e melodiosa, cortando o silêncio. Ele inclinou a cabeça em uma reverência que parecia ao mesmo tempo sincera e calculada. — Sou lorde Alaric, e juro minha lealdade à vossa graça.

Havia algo nele que me fazia estremecer, mas eu apenas assenti, incapaz de desviar o olhar.

Quando a cerimônia finalmente terminou, fui conduzida de volta aos meus aposentos. As portas se fecharam atrás de mim com um som pesado, e o silêncio que se seguiu era ensurdecedor.

Sentei-me na beira da cama, ainda com a coroa na cabeça. Não queria tirá-la, mesmo que ela pesasse mais do que eu podia suportar. Havia algo simbólico nisso, como se tirá-la fosse admitir que não estava pronta para ser rainha.

Puxei minha boneca de pano do travesseiro e a segurei contra o peito. Ela era velha e desbotada, mas ainda tinha o cheiro de lavanda que minha mãe colocava nela quando eu era pequena.

— Eu sou uma rainha agora — sussurrei para a boneca, como se ela pudesse me responder.

As palavras soaram vazias. Eu era apenas uma menina, e o mundo ao meu redor era frio e cruel.

Naquela noite, deitada na cama com a coroa ao meu lado, fiz uma promessa a mim mesma. Não importava o quão difícil fosse, eu encontraria uma maneira de sobreviver. Porque, no fundo, sabia que ninguém faria isso por mim.

Rosa Em Meio a espinhos

A primeira manhã após minha coroação trouxe uma estranha mistura de silêncio e caos. Enquanto os corredores do castelo estavam quietos, como se a tragédia recente ainda pairasse no ar, o mundo político ao meu redor já fervilhava. Descobri isso quando fui chamada ao conselho real, antes mesmo de o sol se erguer completamente no horizonte.

Fui acordada por Clara, minha criada mais antiga. Ela tinha cabelos grisalhos presos em um coque apertado e mãos ágeis que pareciam saber o que eu precisava antes mesmo de eu pedir.

— É um dia importante, Majestade — disse ela, ajustando meu vestido com dedos experientes. Era um traje de veludo azul profundo, com bordados dourados nos punhos e na cintura. Apesar da beleza, ele parecia pesado, como se o tecido carregasse o peso do reino junto comigo.

— O que eles querem discutir? — perguntei, minha voz ainda rouca de sono, enquanto ela colocava um broche em meu ombro.

— Questões do reino, creio eu. Não é meu lugar saber.

Havia um nervosismo contido em sua resposta, como se ela soubesse mais do que dizia. Aquele nervosismo logo se transferiu para mim.

Ao chegar à sala do conselho, fui recebida por uma visão intimidante. A mesa longa estava ocupada por homens mais velhos, rostos sérios e expressões que misturavam cautela e desafio. Eles se levantaram, em reverência formal, mas sem calor.

— Majestade — lorde Fairmont se aproximou, inclinando-se com respeito. Ele era um homem alto e magro, com cabelos grisalhos cuidadosamente penteados. Apesar da postura rígida, havia algo paternal em seu tom. — Hoje é o primeiro de muitos conselhos. Estamos aqui para auxiliá-la em todas as decisões importantes.

"Auxiliar" parecia ser uma palavra gentil para o que realmente acontecia ali. Desde o momento em que me sentei na cadeira do trono, no final da mesa, percebi que eles não estavam interessados em ouvir minha opinião.

— A questão mais urgente é o déficit do tesouro — começou Fairmont, colocando um pergaminho sobre a mesa. — As campanhas militares esgotaram nossos cofres. Precisamos de medidas imediatas para estabilizar as finanças.

— Aumentar impostos seria imprudente — interveio lorde Alaric, recostando-se em sua cadeira com uma confiança irritante. — O povo já está inquieto. Reduzir os gastos da corte seria uma solução mais aceitável.

Alaric era diferente dos outros conselheiros. Ele era mais jovem, com cabelos pretos bem penteados e olhos que pareciam enxergar além das palavras. Havia algo nele que me deixava desconfortável, mas ao mesmo tempo intrigada.

Enquanto os dois discutiam, tentei acompanhar. Eles falavam com tanta segurança, usando termos que eu mal entendia, que me senti uma intrusa em minha própria reunião.

— E o que Vossa Majestade pensa sobre isso? — Alaric se dirigiu a mim, virando o olhar penetrante em minha direção.

Fiquei sem palavras por um momento, sentindo o peso de todos os olhares. Engoli em seco, tentando lembrar das lições de meu pai sobre liderança.

— Talvez devêssemos considerar o impacto em nosso povo antes de decidir qualquer coisa — respondi, minha voz firme apesar da incerteza em meu coração.

Um silêncio pairou por um momento, até que Fairmont assentiu lentamente.

— Uma perspectiva justa, Majestade. Concordo que precisamos de mais informações antes de tomar decisões precipitadas.

O resto da reunião foi um borrão de discussões e anotações. Quando finalmente fui dispensada, senti como se tivesse corrido uma maratona. Minha cabeça latejava, e o peso simbólico da coroa parecia maior do que nunca.

Busquei refúgio nos jardins do castelo, o único lugar onde conseguia respirar livremente. As roseiras estavam em plena floração, espalhando um perfume doce pelo ar. Caminhei entre elas, tentando organizar meus pensamentos.

Era estranho. Apenas algumas semanas antes, minha maior preocupação era se conseguiria memorizar um poema que meu tutor havia me pedido para recitar. Agora, o destino de todo um reino estava em minhas mãos.

— Pensativa como sempre, Eleanor.

Virei-me ao som da voz familiar de minha mãe. Ela estava parada perto da fonte, seu manto azul claro contrastando com os cabelos escuros presos em uma trança elaborada. Mesmo abatida, ela mantinha a elegância que sempre admirei.

— Não sei se estou pronta para isso — confessei, minha voz quase um sussurro.

Ela caminhou até mim, colocando uma mão leve em meu ombro.

— Ninguém está. Nem mesmo seu pai estava quando assumiu o trono.

— Ele parecia saber o que fazer... Eu não sei.

— Seu pai tinha muitos conselheiros, mas também muitos inimigos — ela disse, com um tom que carregava tanto tristeza quanto sabedoria. — Você aprenderá que ser rainha não é sobre certezas. É sobre escolhas.

Antes que eu pudesse responder, Clara surgiu correndo pelo jardim, segurando uma carta lacrada.

— Majestade, uma mensagem urgente chegou.

Peguei a carta e rasguei o lacre com dedos trêmulos. Era de um barão da fronteira sul do reino, relatando que os camponeses estavam se revoltando contra os impostos.

— Eles se recusam a pagar — li em voz alta. — E o exército local foi enviado para conter os tumultos.

Minha mãe permaneceu em silêncio, esperando que eu reagisse.

— O que devo fazer? — perguntei, minha voz carregada de desespero.

— Isso é algo que você deve decidir sozinha — ela respondeu, firme. — É o seu reinado agora.

Voltei para meus aposentos, levando a carta comigo. Passei horas analisando cada palavra, tentando entender o que aquilo significava para mim e para o reino. Minha mente estava uma confusão de cenários: se eu permitisse que o exército reprimisse os camponeses, isso poderia garantir a ordem, mas também aumentar o descontentamento. Se ordenasse que recuassem, poderia parecer fraca diante de meu povo.

A coroa sobre a mesa parecia me observar, como um lembrete de que eu não podia escapar dessa responsabilidade.

Naquela noite, decidi que não poderia me limitar ao papel de uma rainha passiva, manipulada por conselheiros. Eu precisaria aprender a jogar o jogo do poder, mesmo que isso significasse me tornar algo que nunca imaginei ser.

Vozes Na Escuridão

Quando a noite caiu, o castelo parecia respirar em um ritmo diferente. Os corredores que durante o dia estavam repletos de criados e cortesãos agora estavam silenciosos, ocupados apenas por sombras e o som suave de passos distantes. Em meu quarto, o cansaço pesava em meu corpo, mas minha mente se recusava a descansar. A carta do barão ainda estava sobre a mesa, o selo quebrado como um símbolo de algo maior: minha autoridade estava sendo testada.

Eu não estava sozinha. Clara estava ao meu lado, ajustando as cortinas e arrumando as velas que iluminavam o aposento. Ela me lançou um olhar rápido, como se soubesse que algo estava errado, mas não ousasse perguntar.

— Clara, você acha que sou uma boa rainha? — Minha voz cortou o silêncio, surpreendendo até a mim mesma.

Ela parou o que estava fazendo e virou-se lentamente.

— Majestade, é muito cedo para saber. Mas acredito que as escolhas que faz agora definirão seu reinado.

— E se eu cometer erros?

— Todos cometem. A diferença é que os erros de uma rainha afetam muitos.

Suas palavras eram francas, mas não cruéis. Havia uma verdade nelas que não podia ignorar. Antes que eu pudesse responder, ouvimos uma batida suave na porta.

— Entre — ordenei, ajustando minha postura.

Um mensageiro entrou, segurando outro pergaminho. Ele parecia hesitante, como se não quisesse perturbar minha paz, mas também sabia que sua tarefa era importante demais para ser adiada.

— Majestade, um relatório do capitão da guarda na fronteira sul.

Peguei o pergaminho e o abri. As palavras eram diretas e preocupantes: "A situação está se agravando. Os camponeses aumentaram em número e agora ocupam o mercado central. Pedimos permissão para usar força total para dispersá-los."

— Clara, deixe-me sozinha.

Ela hesitou por um momento antes de curvar-se e sair em silêncio. Fiquei sentada, encarando o pergaminho como se ele fosse explodir em chamas. “Força total” significava sangue. Eu sabia disso. Mas qual era a alternativa? Deixar a rebelião crescer era arriscar a estabilidade de todo o reino.

Decidi que precisava de conselhos, mas não dos conselheiros formais que haviam preenchido minha manhã com suas discussões intermináveis. Precisava de alguém que conhecesse o povo, que soubesse o que realmente se passava além dos muros do castelo.

Com um impulso súbito, coloquei uma capa sobre os ombros e deixei o quarto. As tochas iluminavam os corredores do castelo, mas fora disso, a noite era escura. As estrelas estavam escondidas atrás de nuvens pesadas, e o vento carregava um frio que parecia atravessar minha pele.

Dirigi-me às cozinhas, onde sabia que encontraria Matilde, a governanta do castelo. Ela era uma mulher robusta, com cabelos grisalhos sempre presos em um lenço e um olhar que parecia enxergar além das aparências. Ela estava supervisionando os criados que preparavam pão para o dia seguinte, mas quando me viu, fez uma reverência profunda.

— Majestade, o que a traz aqui a esta hora?

— Preciso de sua ajuda, Matilde — respondi, aproximando-me. — Quero saber o que o povo pensa de mim.

Ela ergueu uma sobrancelha, claramente surpresa pela pergunta.

— É muito cedo para que haja uma opinião formada, mas... o povo está desconfiado. Eles sofreram muito nos últimos anos e não têm certeza se uma jovem rainha pode lidar com as dificuldades.

Suas palavras eram duras, mas não havia malícia nelas. Ela estava sendo honesta, algo raro em minha posição.

— E quanto à revolta no sul? — perguntei, minha voz hesitante.

Matilde suspirou, enxugando as mãos no avental.

— Quando as pessoas se revoltam, Majestade, é porque perderam tudo o que tinham. Se elas acharem que não há esperança, lutarão até o fim, mesmo contra o próprio rei ou rainha.

Agradeci por sua franqueza e deixei as cozinhas com mais dúvidas do que respostas. O que Matilde disse fazia sentido, mas isso não tornava a decisão mais fácil. Subi até os aposentos de minha mãe, esperançosa de que ela pudesse me oferecer alguma clareza.

Ela estava sentada em uma poltrona perto da lareira, bordando calmamente. Quando me viu, colocou o bastidor de lado e sorriu levemente.

— Não conseguiu dormir?

Balancei a cabeça e sentei-me na cadeira ao lado dela.

— Recebi outro relatório. A situação está piorando.

Ela assentiu, como se já esperasse por isso.

— E o que você decidiu fazer?

— Não sei — admiti, minhas mãos apertando o tecido do vestido. — Se eu mandar o exército, pode haver mortes. Mas se eu não fizer nada, posso parecer fraca.

Minha mãe olhou para mim por um longo momento antes de responder.

— Eleanor, o trono não é um lugar de certezas. Qualquer decisão que você tomar terá consequências. A questão é: quais consequências você está disposta a aceitar?

Suas palavras ecoaram em minha mente muito depois de eu ter deixado seus aposentos. Passei o resto da noite em meu quarto, pensando, ponderando e, finalmente, escrevendo minha resposta ao capitão da guarda.

Na manhã seguinte, enviei a mensagem com instruções claras: "Negocie primeiro. Ouça suas demandas. Se puderem ser atendidas sem comprometer o reino, façam isso. Se não, mantenham a paz, mas sem derramamento de sangue desnecessário."

Sabia que essa decisão não agradaria a todos, mas era a única que eu podia aceitar sem trair meus princípios.

Ao longo do dia, as notícias do sul continuaram chegando. Os camponeses concordaram em dialogar, mas as negociações ainda eram frágeis. O conselho, é claro, tinha opiniões fortes sobre minha abordagem.

— Isso mostra fraqueza, Majestade — declarou Alaric durante uma reunião. — Abrandar diante de uma revolta só encorajará outros a fazerem o mesmo.

— Prefiro ser lembrada como uma rainha que tentou evitar o derramamento de sangue desnecessário — respondi, minha voz mais firme do que eu esperava.

Fairmont interveio, levantando uma mão para silenciar qualquer discussão.

— A decisão foi tomada. Cabe a nós apoiá-la e garantir que seja bem-sucedida.

Apesar das tensões na sala, senti uma pequena vitória naquele momento. Pela primeira vez, parecia que minha voz tinha peso.

Naquela noite, caminhei novamente pelos jardins do castelo. As roseiras estavam cobertas pelo orvalho, e o ar estava pesado com o cheiro da terra úmida. Lembrei-me das palavras de minha mãe e da governanta. Governar era, de fato, um equilíbrio delicado entre força e compaixão.

Enquanto observava as flores sob a luz da lua, fiz outra promessa a mim mesma: eu aprenderia a ser forte sem perder a humanidade.

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