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De Volta ao Lar

Cap.1 JULY

CAPÍTULO 1

Acordo com um sentimento de angústia no peito. Levanto depressa e vou ver os meus filhos, abro a porta do quarto, e os vejo dormindo tranquilamente. 

Se não é com eles, só tem uma possibilidade. O meu marido. Ele está servindo na marinha americana, está embarcado nesse momento.

Não gosto de sentir esse tipo de coisa, as duas vezes que senti isso na minha vida, foi certeiro infelizmente. A primeira vez, foi com a minha mãe, eu estava na escola, tinha apenas doze anos, senti um aperto no peito, uma dor horrível que eu não conseguia distinguir, eu tinha uma paixonite pelo filho do patrão, os meus pais trabalhavam em uma fazenda. Nós tínhamos a mesma idade, ele tentou me ajudar sem nem saber o que eu tinha. A professora pediu que ele me acompanhasse até em casa, já que a escola era na fazenda mesmo.

Assim que cheguei em casa percebi que tinha algo errado. Esse horário todos os dias já sentia cheiro de pão saindo do forno e café. E nesse dia nada, abri a porta e entrei, quanto mais eu entrava, mais chorava. Sabia que algo tinha acontecido com a minha mãe. 

A encontrei na cozinha, caída no chão, eu gritei e ele voltou. Eu não sei bem o que aconteceu depois daquilo, lembro da mãe dele examinar a minha mãe, abaixar a cabeça e chorar, lembro da mão dele segurando a minha mão. 

Lembro de todos vestidos de preto, o dia estava nublado, do caixão sendo baixado na terra. Fiquei olhando para o meu pai, nunca tinha visto ele chorar. Ele era um homem do Campo, rústico, grande e forte, era bom para mim e para ela. Mas sem grandes demonstrações de carinho. E ver ele chorar me fez ver a dimensão da dor dele.

A segunda vez foi seis meses depois disso. Por mais que as pessoas se esforçassem, para nos apoiar a vida não era a mesma sem ela. Tentamos seguir a vida adiante, mas estava difícil. E o meu pai tomou a pior atitude possível. Eu senti o aperto, senti a dor, mas eu não podia acreditar que aquilo fosse acontecer de novo. 

Mas cheguei em casa e o encontrei pendurado numa corda, na cozinha, onde ela tinha falecido. Ele escolheu tirar a sua vida no mesmo lugar que ela sofreu o ataque fulminante.

Depois disso a minha vida mudou drasticamente. Ele tinha uma irmã e me deixou aos cuidados dela, numa carta. Ela veio assim que recebeu a carta que ele mandou-lhe. Queria impedir a besteira, mas já era tarde demais. A escolha dele, tirou a minha escolha. Eu não poderia mais viver no lugar que chamei de lar a vida toda. Tudo foi tirado de mim, a minha casa, a minha escola, os meus amigos e ele, o meu amor de infância!

Chorei por meses, a minha tia era pobre, nós também éramos, mas na fazenda não nos faltava nada. E a minha mãe era limpa e caprichosa, então eu não estava preparada para o que encontrei no meu novo lar.

A minha tia se fazia de doente. Então eu limpava, até porque não conseguiria viver naquelas condições. Cozinhava porque ela não conseguia fazer nada, lavava, se quisesse ter roupas limpas, e quanto mais eu fazia, mais ela se encostava, dizendo que estava cheia de dores. Demorei muito para perceber que ela nunca ia ao médico. Que doente não faz acompanhamento médico?

Eu tinha 16 anos quando a confrontei com a verdade. Ela disse que cuidava de mim, então nada mais justo do que eu cuidar dela e da casa que ela tinha aberto as portas para me acolher. Eu deveria ser grata a ela!

Um homem começou a frequentar a casa, sempre levava algo para ela, eu não gostava dele, e nem dos seus olhares. Mas a minha tia não deixava que ele se aproximasse muito de mim. Então ficava tranquila, ele nunca passava a noite lá, um dia perguntei se ele era o seu namorado, mas ela me disse que ele não gostava de velha. Eu não entendia aquele tipo de relação, ele levava presentes, dava dinheiro mas não era namorado dela. Desde que ele ficasse longe de mim, tudo bem. 

Quando completei 18 anos ela me disse que eu iria me casar, eu disse que não. Então ela explicou-me quem sustentava nós duas.

Ela me vendeu para aquele homem, nós morávamos numa propriedade dele, a comida sobre a nossa mesa era ele quem mandava. Tivemos uma briga terrível e ela trancou-me no quarto, e só abriu a porta com ele, acompanhado de um juiz de paz. Era o dia do meu casamento, eu falei não, eu gritei não, mas de nada adiantou, ninguém me ouviu.

Ele me tirou da casa dela, deixando no meu lugar uma pilha de dinheiro sobre a mesa.

Levou-me para a sua casa, uma mansão enorme, eu sempre passava por ela a caminho da escola, as pessoas diziam que a casa era amaldiçoada. Chamavam a casa de mansão da noiva. Rezava a lenda que todas as noivas levadas para essa casa desapareciam sem deixar rastro.

Quando me dei conta que eu seria a próxima noiva a desaparecer. Me desesperei, lutei com todas as minhas forças para não entrar. Mas aquele homem era maior e mais forte do que eu. Assim que ele entrou me arrastando deu de cara com um jovem lindo, de uniforme da marinha.

Harry _ o que está fazendo aqui?

Billy _ Que eu saiba essa ainda é a minha casa!

Harry _ A casa é minha! 

Billy_ É a herança da minha mãe. E quem é essa?

Harry _ A minha nova esposa!

Billy _ Você não tem vergonha? Ela não passa de uma criança!

Harry _ Mas aceitou ser minha esposa!

July_ Não aceitei! Ele me comprou da minha tia, por favor moço, me ajude. 

Ele olha para o homem com ódio. 

Billy _ É assim que você faz, compra as mulheres! Quantas já passaram por aqui, desde que a minha mãe morreu? E onde estão essas mulheres? Você desapareceu com cada uma dessas pobres infelizes. 

Olhe para ela não passa de uma criança e está com medo de você. Eu tenho vergonha de ser seu filho!

Depois disso foi uma confusão enorme o Harry deu um soco na cara do filho, que revidou, eu queria aproveitar a confusão e fugir, mas uma mulher me segurou e me levou para o quarto e trancou-me lá. Eu passei a noite em claro esperando o meu marido ir para o quarto. Peguei um abajour e fiquei atrás da porta esperando, mas ele não veio, estava quase amanhecendo, quando a porta se abriu. Eu vi o vulto e bati com toda força na cabeça dele.

Billy _ Você pediu ajuda e eu vim te salvar e assim que me agradece?

July_ Desculpe, achei que era o seu pai.

Billy _ Rápido, não temos muito tempo! Demorei para encontrar a chave.

July_ Eu estou pronta, vamos!

Eu vou saindo pela porta e ele me para.

Billy _ Não adianta fugir! Ele é muito poderoso. Nos acharia em um piscar de olhos.

July_ E o que vamos fazer?

Billy _ Você terá que confiar em mim! Eu passei a noite toda pensando e acredito que achei um jeito de você se livrar disso!

Ele virou de costas e disse-me para tirar a minha roupa. 

July_ O que?

Billy_ Se ele acreditar que passamos a noite juntos, ele anula o casamento. 

July _ Eu não vou dormir com você!

Billy _ Eu disse se ele acreditar! Não vamos fazer nada!

Ele tira rapidamente a sua roupa e fica só de cueca, eu confio e faço o que ele mandou tiro e fico só de calcinha. Me enfio embaixo dos lençóis, ele pega uma faca que estava na sua roupa e vem para a cama.

Eu me assusto.

Billy _ Calma! Fique tranquila!

Ele leva a faca até a sua própria perna e faz um pequeno corte e deixa o sangue manchar o lençol. Eu finalmente entendo o que ele estava fazendo, ele guarda a faca e bagunça os nossos cabelos e me abraça, deitando-se ao meu lado. A porta se abre e o pai dele aparece, fica branco e depois vermelho. Cheguei a pensar que ele teria um enfarto. 

Foi uma briga horrível, ele nos acusou de traição. Ameaçou matar o Billy. 

Harry _ Eu te mato seu miserável!

Billy _ Pode matar! Mas se prepara para ir para a cadeira elétrica. Pois quando a marinha vier investigar a minha morte, tenho certeza absoluta que eles vão encontrar muitos outros crimes, cometidos por você. 

Harry _ Vá embora da minha casa!

Billy _ Vamos embora querida. 

Harry _ Ela é minha esposa! Não pode ir com você.

Billy _ Eu a tomei! É melhor que você peça a anulação desse casamento para aquele seu amigo juiz corrupto. Senão vai se tornar motivo de chacota na cidade. Louisiana inteira vai ficar sabendo que você é corno!

Ele ficou possesso! Mas deu certo. Billy estava sendo transferido para a base naval de Norfolk e me trouxe com ele.

Cap.2 DIA DE LUTO

JULY

Não consigo conciliar o sono, me levanto ainda está escuro lá fora. Vou à cozinha e faço um café. Sento no sofá da sala, com a xícara na mão. E volto para as minhas recordações. 

Viemos para a base naval em Norfolk, ele até então morava no alojamento. Mas pediu a casa e a marinha concedeu. Eu queria ir embora mas não sabia como seria recebida do lugar de onde vim. Billy me convenceu a ficar, disse que era bom estar sob a proteção dele e da marinha, assim o Harry não se aproximaria de mim nunca mais.

Vivemos como colegas de quarto por algum tempo, mas acabamos nos aproximando. A primeira incursão que ele fez, ficou no mar por quatro meses, quando voltou eu estava com saudades, ele estava com saudades, nos beijamos e uma coisa levou a outra, e ficamos juntos. Ele era o meu único amigo, não tinha muita afinidade com as mulheres dos oficiais, eu não me sentia parte da comunidade, pois nem mesmo namorava um marinheiro. Depois que começamos o relacionamento eu engravidei e nos casamos. 

Apesar dele ser um homem rico, nunca mexeu na herança da mãe, e vivemos com o salário de oficial da marinha, ele incentivou-me a estudar, então fiz faculdade de pedagogia.

Dou aulas para crianças na base. Somos mais amigos que amantes, mas eu o amo, e respeito, ele é o pai dos meus filhos. Tivemos um casal de gêmeos, que estão com quatro anos agora, são a razão da minha vida, Madson é meiga, carinhosa, inteligente e gentil, mas não pise no seu calo, que ela não engole desaforo e nem injustiça. Já o Mateo é inteligente demais para a sua idade, percebe tudo e tem um alto instinto de proteção. Protege todos, principalmente eu e a irmã. 

Como Billy fica mais no navio do que em casa, ele se sente na obrigação de cuidar da casa, como ele diz, o pai o deixou no comando. Ele é o homem da casa!

Estou aqui tentando pensar no que foi a minha vida até hoje, para não pensar no pressentimento e sofrer por antecipação. Mas isso fica martelando no fundo da minha cabeça. Senhor que nada tenha acontecido com o meu marido. Pego a foto dele com a farda e olho por muito tempo com o pensamento longe, tanto que nem percebo que o dia amanheceu e o meu filho já está de pé. 

Mateo _ Bom dia mamãe! Aconteceu alguma coisa?

July_ Não, meu amor. Eu estava só pensando. 

Mateo _ Porque está segurando a foto do papai?

July_ Acho que estou sentindo a falta dele.

Mateo _ Não se acostumou ainda?

July_ Vamos nos aprontar para a escola. A sua irmã já acordou?

Mateo_ Ainda não! Eu sempre a deixo dormir mais um pouco. 

July_ Então vamos acordá-la. 

Dou banho nos dois, ou melhor nela, pois ele só me permite, lavar as suas costas, o restante diz que dá conta sozinho. Procuro não pensar no que será deles sem um pai para acompanhá-los pela vida.

Os ajudo a se vestirem e dou o café da manhã, enquanto eles tomam o café eu subo correndo e vou tomar banho. Quando desliguei o chuveiro, ouvi a minha filha gritar.

Madson _ Papai chegou, papai chegou!

Eu pensando besteira e ele está de volta. Coloco o roupão e desço as escadas correndo, a minha filha já abriu a porta para dois oficiais que estão na porta me procurando. Olho para eles e já sei do que se trata. 

Olho para as crianças e o Mateo logo percebe o que ocorreu com a sua intuição aguçada, seus olhos enchem de lágrimas e ele passa o braço protetor sobre a irmã. 

July_ Mateo leve a sua irmã para escovar os dentes por favor!

Ela não quer ir, mas ele a convence e os dois sobem enquanto eu convido os dois oficiais a entrar.

Eu me sento no sofá, antes que eu desabe.

Oficial _ Em nome da marinha americana, é com pesar, que lhe informamos que o seu marido Billy Harrington foi morto em combate.

July_ Oh Meu Deus!

Mateo_ Mamãe? O papai morreu?

July _ Venham aqui crianças. 

Eu os abraço sem nada dizer, os dois choram no meu colo, e eu choro com eles. Os dois oficiais estão tristes e desconfortáveis. Afinal é uma notícia horrível para qualquer um, para crianças então!

Depois da partida dos oficiais, a minha casa começa a encher de gente, as pessoas da base se tornaram nossos amigos. E cada vez que alguém recebe esse tipo de visita, as pessoas chegam com pratos de comida, conforto e amizade. Mas confesso que só queria deitar na minha cama com os meus filhos e chorar. Estávamos perdidos em meio a tanta gente e palavras de condolências. 

Finalmente, após todos partirem eu pude fazer o que queria. Deitei com os meus filhos e choramos até dormir.

O enterro foi triste e ele recebeu todas as honras, o capitão me deu a bandeira americana que cobriu o seu caixão.

Passaram-se alguns meses da morte do Billy e a Marinha mandou-me um documento solicitando a casa. Aluguei um apartamento fora da base, com a pensão da marinha e mais o salário de professora, fomos vivendo.

O Mateo está mais protetor do que nunca, enquanto a Mady, regrediu na fala. Ela falava perfeitamente bem antes da morte do Billy, agora vive trocando as letras. Eu tentei ensinar os dois em casa e os estou alfabetizando, o Mateo já sabe ler e escrever e ela voltou a fazer xixi na cama. Acordei de madrugada essa semana e ele estava sentado na porta do apartamento, do lado de dentro dormindo.

July_ Mateo? O que está fazendo dormindo aí, filho?

Mateo _ Eu não posso deixar o inimigo chegar até vocês.

July_ Não temos inimigos, filho!

Mateo _ O inimigo matou o papai.

July _ Isso é diferente filho. A guerra não é nesse país. E o inimigo está bem longe daqui. Não precisa se preocupar!

Mateo_ Eu sou o homem da casa mãe. 

July _ Vamos para a cama querido. Amanhã você vai acordar, todo dolorido. 

Eu o coloco na cama e vou para a minha. As crianças não estão bem. Preciso dar um jeito nisso! Se pelo menos eles pudessem ter uma vida mais livre, cercado da natureza. Eu tive uma infância maravilhosa na fazenda. Vou voltar para a Geórgia.

Já passou da hora de voltar para casa!

Cap 3 ISABELA

ISABELA 

O meu último dia em casa antes de ingressar na universidade. Matheus voltando para casa formado e eu vou começar agora. Nem vou para tão longe assim, e o meu pai está desconsolado, resolvi seguir os passos da minha mãe e cursar veterinária que é o meu sonho de criança. Quero ser tão boa quanto a minha mãe! Vou para a Universidade de Atlanta e vou morar no Campus, o meu pai fez tantas recomendações que me deixou tonta, minha mãe diz que cada vez que ele vê algo na Internet, que aconteceu com uma universitária, ele pira. Até falou em levar-me todos os dias a Atlanta e depois buscar.

Três horas de viagem para ir e mais três na volta, de manhã e à noite. Não tem cabimento! Ele sempre protegeu a nossa família. Depois de tudo o que nos aconteceu, ele sempre ficou de olho em nós, é um protetor ferrenho. 

Eu era muito pequena, não lembro das coisas, por isso não tenho nenhum tipo de trauma. Só comecei a entender a dimensão de tudo, no começo da adolescência, ouvi uma palestra da Gaby e questionei a minha mãe Carol, e ela já tinha falado comigo sobre os lugares no meu corpo que eram proibidos de alguém tocar, de tudo o que acontecesse comigo ela tem que saber, afinal ela é a minha irmã, mãe e amiga. Claro que desde que comecei a ver os garotos de outra maneira, tudo eu falo com ela. Ela me orienta, me faz enxergar o que é melhor para mim e conhecer os meus sentimentos de verdade. Porque essa é uma fase difícil! Às vezes,  você acredita que ama um garoto e sofre por ele. No outro dia, não quer nem olhar na cara.

Ainda bem que tenho ela! É uma mulher extraordinária, excelente esposa e mãe, além de uma profissional competente e reconhecida. Ela me faz entender por mim mesma, faz algumas perguntas e quando eu busco respostas para responder, eu encontro as minhas respostas. Tenho muito orgulho de tê-la como mãe. 

Quando entendi o que passamos com o Richard, pois, me recuso a pensar nele como pai. O meu pai é o Jake! Fiquei com ódio dele, que já morreu torturado na prisão, fiquei com raiva, acreditando que todos me esconderam as coisas. Mas depois de uma conversa esclarecedora com a minha mãe, ela me falou que se eu não tenho maturidade agora, para saber de tudo isso, imagina com quatro anos? É verdade, que bom que eu cresci sem saber disso! É muito pesado! Doloroso, você entender que alguém do seu próprio sangue fez isso com você e com os seus irmãos. Tenho orgulho da Gaby que se tornou uma defensora ferrenha das crianças e adolescentes, na luta dela por essa causa. Quando passei a entender, fiquei com vergonha e briguei com ela por expor a nossa família. E ela me disse que não se envergonha de ser a vítima e se ela tiver que contar isso ao mundo para salvar uma única criança, ela o fará! Fiquei tão orgulhosa dela e envergonhada de mim mesma, com o meu pensamento egoísta, que peguei toda a minha mesada, que estava juntando por anos e dei para contribuir com a sua ONG. 

Eu tinha doze anos na época, agora eu ajudo, faço panfletos, vou com ela nas escolas, trabalho como posso para ajudar, só não gosto de ler os e-mails de pedidos de ajuda. São tantas histórias horrorosas que até o meu pai proibiu de falarmos sobre esses assuntos na presença dos menores, é muito sofrimento, você pensar que tem crianças, neste exato momento, passando por isso. Eu não tenho estrutura emocional para isso! Acredito que ninguém tem. Nem todas essas crianças tiveram a sorte de ter uma Carol na vida.

Vou aproveitar o meu último dia em casa e vou para a cachoeira, as crianças estão na escola, a minha mãe foi trabalhar no pasto sul e o meu pai, claro foi com ela. Nunca vi duas pessoas tão apaixonadas uma pela outra. O meu avô ama a minha avó, sem sombra de dúvida, a Gaby e o tio Jason também, mas a sintonia, cumplicidade que os meus pais tem, nunca vi em outros casais. Se não for para ter um amor desses, eu nem quero amar! 

Eles se apaixonaram desde o primeiro segundo que se viram. Nunca vi os dois brigarem ou discutirem. Se tem suas divergências se trancam e resolvem tudo com uma conversa. Claro que espero encontrar alguém para amar, mas como o meu pai diz, sou nova, e com um futuro pela frente. Pra que a pressa?

Coloco o meu biquíni, um shorts por cima, a camisa e as minhas botas inseparáveis, desço correndo as escadas, dou um beijo na Nancy e pego uma maçã e saio comendo. Chego ao estábulo e pego a minha égua.

Isabela _ Oi garota! Vamos dar uma volta? 

A Isis é uma égua Appaloosa nevada. Ela é branca e tem o corpo coberto de manchas pretas, quando era pequena, vista de longe parecia um dálmata. Eu fiquei louca por ela numa feira, e o meu pai comprou para mim.

Saímos cavalgando e cheguei na cachoeira, já desci arrancando as roupas e pulei na água. Os meus pés bateram em algo, posso estar enganada, mas parece um corpo, por um instante penso que alguém morreu ali. Me desespero e grito esquecendo que estou submersa. Engulo água e me debato desesperada e sinto uma mão me tocando. Tento com todas as forças voltar para a superfície e quanto mais me debato, mais sinto o corpo. Um braço me segura com firmeza e leva para cima. Assim que o ar entra nos meus pulmões eu grito e tento tirar o braço agarrado na minha cintura. 

Homem _ Calma, você está a salvo!

Eu me viro e encaro o homem que eu pensei estar morto no rio.

Isabela _ Você é maluco? De onde saiu? O que estava fazendo debaixo d'água?

Homem _ Estava nadando. 

Isabela _ Aqui é propriedade particular!

Homem _ Eu sei! Acabei de comprar.

Isabela _ Acabou de comprar o quê?

Homem _ Essas terras!

Isabela _ Essas terras são da minha família há gerações. 

Homem _ Você é filha dos Cryngton. Muito prazer, o meu nome é Liam, eu comprei a fazenda do lado. 

Isabela _ Mas isso não te dá o direito de invadir o nosso rio.

Liam_ Eu não invadi! Só dei um mergulho na metade do meu lado do rio.

Isabela _ A nossa propriedade termina com o rio. 

Liam_ Na realidade, eu me informei sobre isso para comprar essas terras. Na escritura eu tenho metade do rio, e metade da cachoeira. 

Isabela _ Isso é impossível! O meu avô sempre cedeu o rio para os animais do Sr. Rosewood beberem e nunca ficamos sabendo que ele possuía metade do rio!

Liam_ Se o seu avô olhar a escritura e fazer a medição como eu fiz, com certeza vai ver que estou certo. 

Isabela _ Isso não pode estar certo! A cachoeira é nossa! É um lugar especial para a minha família. Aqui a minha mãe descobriu que amava o meu pai, aqui conhecemos o tio Jason, aqui o meu pai a pediu em casamento, e aqui eles descobriram que teriam mais filhos! A cada aniversário de casamento os dois vêm para cá comemorar. 

Liam_ Calma garota! Eu não vou tomar o lugar especial da sua família! Vou só compartilhar do lugar.

Isabela _ Eu detesto que me chamem de garota!

Liam _ Desculpe mas você não me disse o seu nome. 

Isabela _ Eu me chamo Isabela. Será que pode sair e me deixar aproveitar o meu último dia em paz?

Liam _ Não precisa parar de frequentar a cachoeira, podemos dividir sem problemas. 

Isabela _ Não é isso! Eu vou para a Universidade amanhã, e só queria me despedir do meu lugar especial. 

Liam_ Tudo bem! Vou te deixar sozinha. Tchau. Mas tome cuidado, uma mulher sozinha por aqui pode ser perigoso.

Isabela _ Nenhum estranho vem pra cá, ou pelo menos não vinha até você aparecer.

Ele virá às costas e sai nadando para a outra margem, Deus, que corpo é esse? Que homem lindo, mas isso de achar que o rio é a cachoeira é dele, não me desceu, vou ter que falar com o meu pai. Ele sai do rio e pega as suas roupas, vira para trás e me pega no flagra. Eu ainda estou olhando para ele, de boca aberta, é um crime um homem ser tão lindo assim! 

Disfarço e saio nadando até a margem, torço os cabelos e vou para atrás da cachoeira e entro na passagem para sair por trás do véu de água. Aqui é o meu recanto, o meu irmão tinha a casa da árvore e eu tinha a minha caverna encantada, lembro quando o meu pai me trouxe aqui e mostrou esse lugar. Eu imaginava ser uma sereia, e aqui era o meu lugar encantado, onde eu guardava os meus tesouros. Será que ainda está aqui?

Vou mais para o fundo e cavo no lugar marcado com um X, tiro a caixa com os meus tesouros e dou uma gargalhada que reverbera por toda a caverna. 

Liam_ O que está fazendo?

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