Às vezes, o destino nos engana a tal ponto, que nos perdemos da realidade, sonhando com um futuro feliz e próspero, em uma vida fadada ao sofrimento.
As pessoas pensam que as histórias não relatam a realidade. Não aceitam finais infelizes, ou histórias complicadas. Isso me levou a pensar: estamos procurando por uma fuga da nossa própria realidade? Acho que sou uma dessas pessoas.
Quem sou eu? A verdade é que já nem sei mais. Elisa ou Amellie? Apenas nossa aparência física é parecida, mas isso foi o suficiente para eu roubar um lugar que jamais me pertenceu.
Um marido que não é meu, uma filha que nunca tive, pais amorosos que jamais fui capaz de ter. A vida dela era tudo que eu poderia sonhar no passado, mas eu não aceitaria a vida de outra pessoa se não fosse pelas circunstâncias.
Alguns meses antes:
— Tem certeza que fará isso, Elisa? — Martin perguntou, ironizando, já que ele, melhor do que ninguém, sabia que eu não tinha escolha.
— Haa, às vezes me pergunto; o que eu tinha na cabeça quando namorei você? — falei, provocando-o.
— Pfft! — ele apenas riu. — Seu nome será Amellie, filha de Georgian Hodolf. Passei esse último mês treinando você, espero que não me decepcione, Elisa! — não existia espaço para falhas, disso eu sabia bem.
— Eu não vou, diferente de você, Martin, eu não decepciono as pessoas! — seu olhar frio era tão diferente do passado.
Ignorando minhas farpas, ele me entregou uma foto do homem que devo enganar.
— Essa é uma foto de Kyle, haja como se estivesse feliz em reencontrar sua família. Ele é frio, então não será fácil conseguir proximidade ele, faça o seu máximo para alcançar o nosso objetivo. — ele era bonito, me fez pensar que a minha aparência não era ruim, afinal, a falecida esposa dele era idêntica a mim.
Kyle Magnus, um nome muito conhecido entre as pessoas influentes da cidade. Claro, foi algo que ele mesmo construiu com o auxílio de sua família adotiva.
— Ele é mil vezes mais bonito que você! — notei há algum tempo que Martin possuía um complexo de inferioridade sobre Kyle.
— Elisa, é melhor parar enquanto estou sendo paciente! Se quer receber as drogas que você chama de remédio com antecedência, não me provoque! — por fim, as tão faladas “drogas”, remédios proibidos de serem comercializados.
E eu, sou uma pessoa com uma doença terminal. Meu estágio é avançado, e eu costumo sentir dores intensas. Não é uma doença conhecida, era um caso à parte, porém, eu não tinha dinheiro para o tratamento, e minha situação foi piorando, até que Martin apareceu na minha vida.
Foi a pior armadilha, confiei nele sobre minha doença, e o mesmo apresentou remédios que poderiam aliviar minhas dores. Funcionou, mas isso acabou me causando dependência. Quando eu menos esperava, ele me apunhalou pelas costas.
No fim, eu percebi que Martin nunca olhou para mim, seus olhos sempre foram para aquela mulher, ele também a perdeu, por isso, procurou uma substituta, mas para ele, ainda não sou o suficiente.
— Cumpra a sua parte, que farei o mesmo sobre a minha! — eu me levantei, irritada.
— Onde está indo? Você não tem uma casa para voltar. — sua risada provocativa, me encheu de ódio.
— Me pague um quarto de hotel! — eu disse friamente.
— Você pode ficar na minha casa, sabe, aquela que comprei para estar perto de você! — mais uma vez, ele demonstrou que estava sendo irônico
— Prefiro morrer logo do que pisar os pés naquele lugar outra vez! — antes, eu sabia que não o amava, mas achei que ao menos Martin e eu seríamos felizes juntos.
E pensar que esse mesmo homem um dia me olhou com “ternura”, sussurrava palavras apaixonadas no meu ouvido. Se analisar bem, eu pude enfim perceber, nada daquilo realmente foi para mim, ele dizia como se me amasse há muito tempo, mas, na verdade, sempre foi ela, Amellie.
— Vou agendar um quarto para você em um hotel, não se esqueça, me espere no ponto, te levarei para conhecê-los amanhã. — ele se referiu aos pais de Amellie.
Eu não tinha certeza do que ia acontecer daqui por diante, mas, meu único desejo era viver, e se não posso mais por conta dessa doença, eu vou simplesmente fazer o possível para ser uma morte pacífica.
— Essa é Amellie Hodolf, ela está atualmente desaparecida, ao menos para eles. Ela está morta, e apenas eu sei disso. — essa foi a primeira vez que Martin falou sobre ela.
Ele jogou uma foto em mim.
— Mas por que ela é igual a mim? — sabia que éramos parecidas, mas não imaginei que era tanto.
— Correção, você é igual a ela! Amellie nasceu cinco anos antes de você! — Martin revirou os olhos.
A cor dos olhos, o cabelo, tom de pele, tudo era exatamente igual. Fiquei em choque pela semelhança. Apesar de ter vinte e seis anos, e ela trinta e um, poderíamos ser consideradas gêmeas.
— Já sabe o básico sobre ela, mas como combinados, fingirá que perdeu a memória. Fique tranquila, você não vai ser pega, mesmo se acabar cometendo algum erro. — ele realmente estava confiante.
Eu não sabia nada sobre Amellie, a não ser o básico, Martin arquitetou um bom plano, porém, eu não tinha tanta certeza se sairia da forma que ele queria. A “morte" de Amellie me parecia estranha, segundo Martin, a família dela não tem notícias dela há bastante tempo, então acham que está viva.
— Tenho uma última pergunta: tem certeza que Amellie Hodolf está realmente morta? — de alguma forma, isso me incomodou.
— Completamente. — sua expressão não demonstrou nada, então não pude ter certeza se ele estava falando a verdade.
Depois disso, entramos no carro. Ele me vestiu adequadamente, também me levou a um salão, pelo que entendi, eles estavam cientes que “Amellie” estaria chegando. Martin seria o salvador da pátria, levando de volta a filha, esposa, e mãe, de volta aos seus entes queridos.
— Beba isso. — ele me deu um comprimido, e um pouco de água.
— O que é? — olhei desconfiada.
— Suplementos, seja rápida! — tomei, afinal, querendo ou não, deveria fazer o que ele mandava.
Me sentia como uma viciada, que estava fazendo tudo por uma droga, mas, eu não quero passar os últimos dias da minha vida sofrendo, o médico disse que não tenho mais de um ano.
Chegamos a uma grande mansão, um lugar que nem mesmo nos meus sonhos poderia pisar os pés. Desci do carro, acompanhando Martin, senti que estava sendo observada, mas não vi ninguém na janela. Meu coração estava acelerado, mas respirei fundo e o segui, fingindo naturalidade.
Conforme andávamos, eu ficava afobada, então, chegamos a uma grande sala de estar, e um casal de idosos se levantou apressadamente, me abraçando.
— Minha filha! Amellie, minha menininha! — a mulher começou a chorar.
— Martin, não era uma mentira, você trouxe minha filha de volta! — o homem também estava emocionado, porém, não chorou.
— Eu disse, pai, falei que a traria de volta! — “Pai”, Martin é adotado, mas até onde sei, ele chegou a esta casa com dez anos. É filho de um falecido amigo do pai de Amellie.
A mulher me soltou, e começou a acariciar o meu rosto.
— Querida, ela parece perdida! Não se esqueça do que Martin disse, nossa filha perdeu a memória! — ele sorriu calorosamente para mim. — Amellie, eu sou Giorgian, seu pai! Esta é Alice, sua mãe! — “meus pais”, pareciam amorosos, realmente amavam Amellie.
— M—Meus pais? Ah, Martin disse que eu os conheceria, porém, tudo é novo para mim. — eu precisava parecer muito afetada, e chocada.
— Ham-ham. — um homem, que estava encostado na parede, veio a mim. Claramente era ele, Kyle Magnus, o esposo de Amellie.
Seu olhar afiado estava completamente direcionado a mim, não parecia o de um homem que amava sua esposa, era quase como uma aura assassina.
— Posso conversar com ela, a sós? — ele perguntou, ainda me olhando.
— Kyle, sei que está ansioso, mas é melhor não a pressionar! — disse Martin.
— Será apenas por um minuto. Giorgian, Alice, me conhecem bem, sabem que não faria nada de mal contra a minha esposa, e mãe da minha filha! — eles se olharam, e concordaram.
— Tudo bem, mas não demore. É como Martin disse, não é bom pressioná-la! — com a resposta positiva, ele me ofereceu a mão educadamente, me levando até um quarto.
Ele trancou a porta, e me olhou desconfiado.
— Você não é a minha esposa. — suas palavras me deixaram em choque.
Existia uma possibilidade de ter sido exposta, de alguma forma? Em choque, tentei fingir que estava tudo bem, porém seu olhar continuava afiado. Ele se aproximou de mim, me olhando de cima a baixo.
— Sinceramente, eu nem sabia que era casada… — assim como Martin disse para fazer.
— Martin não te disse? Que engraçado. — ele riu. — Mas, não é estranho? Como uma viciada em drogas, que desapareceu em meio a um surto, está tão bem? Não tem olheiras, machucados, seu cabelo está em perfeito estado. Mesmo que ele tenha te arrumado, ao menos alguma coisa deveria demonstrar o que aconteceu com você, não acha? — viciada em drogas?
— Do que você está falando? Eu—… — ele se aproximou ainda mais, me olhando diretamente.
— Minha esposa, Amellie, tinha um grande vício em drogas, ela enlouquecia e sumia por meses, mas sempre voltava. Seu corpo ficava machucado, seu cabelo em péssimo estado, não acha que eu não reconheceria minha própria esposa? — droga, preciso de um bom argumento!
— Eu não sei. Não quero tentar te convencer de nada, não é como se eu me lembrasse de você, então não tenho sentimentos, eu… — ele não estava convencido.
— Amellie, não foi a um hospital? Não sentiu nada? Usou tantas drogas, mas está tão bem. Não é estranho? — Martin idiota, me colocou em uma furada!
Então, alguém bateu na porta, era Martin. Kyle abriu a porta, e nós saímos. Estava desconfortável, e agora, tinha certeza que não haveria como continuar com a mentira.
— Amellie! Está com fome? — os pais dela ficaram tentando conversar comigo, mas minha mente estava completamente focada no que aconteceu.
— Ah, eu… eu… — Meu coração começou a bater muito rápido. A dor se intensificou no meu peito.
Eram os sintomas da minha doença. Meu corpo cedeu, e minha visão ficou embaralhada. Eu sentia como se fosse morrer, meu coração parecia querer sair para fora. Escutei gritos abafados, mas não consegui entender nada. Os meus gritos de dor, e pedidos de ajuda, rolando em desespero naquele chão frio, tinha certeza que fariam todos se assustarem.
Tinha tanto medo de morrer, essa doença me fazia querer desistir todos os dias, mas eu valorizava a vida. Meu desejo era que acabasse, e que eu pudesse viver meus últimos meses bem. Pior de tudo, era que eu não perdia a consciência completamente, eu sentia dor, não enxergava direito, ou sequer ouvia bem, mas a dor sempre permanecia vivida.
Senti braços em mim, alguém me carregou, os gritos ainda estavam abafados, e eu não era capaz de entender a situação. Minhas lágrimas estavam caindo, e eu apertei as roupas de seja lá quem fosse que estava me carregando.
Toda essa tortura me fez pensar no quanto minha doença estava piorando, talvez meus dias estivessem diminuindo gradualmente.
Fui colocada em uma cama, estava suando, meu corpo inteiro começou a tremer. Então, eu enfim perdi a consciência, depois de todo esse tempo sofrendo.
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...Kyle:...
O que está acontecendo? Em tão pouco tempo, eu tinha certeza que não era minha esposa, mas agora... claro, Amellie teve crises horríveis, e Doutor Jason disse que ela poderia morrer, porém, eu não acreditava que essa mulher era a minha esposa, não parecendo tão bem.
— Ainda dúvida que ela seja sua esposa? — disse Martin a mim, que estava esperando do lado de fora do quarto.
— Como eu poderia acreditar, quando você a encontrou? Os melhores investigadores não acharam a Amellie, mas você... — eu estava irritado, e com ciúmes, talvez isso tenha me cegado.
Quando Martin contou que encontrou Amellie, eu não acreditei. Em nenhum momento eu estive confiante com suas falas, nem mesmo tinha contado a minha filha a possibilidade da mãe dela ter sido encontrada. Tantas vezes recebemos alarmes falsos que Amellie tinha morrido, mas nada concreto. Eu me recusava a acreditar que minha esposa poderia estar morta, e quando ela "voltou", por que me recusei a acreditar que era ela?
— Esse é o seu problema, Kyle! Sempre achava que está um passo à frente quando se trata da Amellie, mas, desta vez fui eu que encontrei sua esposa! — ele fez questão de esfregar na minha cara.
É claro, esse homem também amava Amellie perdidamente, e nunca superou que ela me escolheu. Crescemos juntos, fui adotado um ano depois de Martin, mas diferente dele, eu nunca consegui tratar os pais de Amellie como meus, e eles entenderam perfeitamente isso.
Ele me odiava por ter sido próximo dela, talvez ele tenha se apaixonado primeiro, mas eu sei que a amei mais que ele. Não é uma disputa, mas Amellie sempre o viu como um irmão, diferente do que sempre foi comigo.
— Kyle. — Jason me chamou. Ele era nosso médico particular, que cuidou da Amellie em todo processo.
Estávamos apenas Martin e eu, não permitimos que os pais dela estivessem presentes, eles já sofreram muito com isso.
— Como ela está? — perguntei.
— Mal. Mesmo não aparentando, ela está pior do que das últimas vezes que esteve aqui. Acredito que tenha parado de usar drogas por alguns meses, e quando um viciado para repentinamente, tem alguns efeitos. Enfim, o que devem fazer agora, é esperar! Sei que sempre fica aqui até ela ter alta, mas é melhor pensar na sua filha, ela precisa de você! — Kiara sempre se sentia sozinha, pois eu ficava dias junto a Amellie no hospital.
Agora que ela não sabe que a mãe está viva, não vai entender a situação, mas não quero contar até que Amellie esteja bem, não é como se uma criança de quatro anos fosse entender direito a situação.
— Eu ficarei aqui, você sabe que apesar de tudo, eu não desejo mal a ela. — Martin me olhou de forma afiada.
Por mais que me irritasse deixá-lo com ela, sei que minha filha não entende a situação atual. Ela não consegue mais dormir sozinha desde que a mãe desapareceu.
— Vá, já está quase no horário de buscar sua filha na escola. Você sabe que meus pais não podem ficar com ela, não agora que estão tão preocupados com Amellie, podem acabar soltando a Kiara. — eu respirei fundo.
— Me ligue se acontecer alguma coisa. Eu volto amanhã bem cedo. — eu saí, ainda tentando assimilar tudo que aconteceu.
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